I - Nos termos do art. 170.º, n.º 1, do EMJ, «a interposição de recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação».
II - No caso em apreço o requerente alega que a imediata execução da deliberação do CSM que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva representará para ele um prejuízo de difícil reparação. Contudo, executando-se imediatamente a deliberação que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, o requerente deixa de receber o vencimento correspondente às funções de Juiz de Direito, mas passará a receber uma pensão de reforma. Como se estabelece nos arts. 46.º e 64.º, n.º 1, do DL 498/72, de 09-12, «pela aposentação o interessado adquire o direito a uma pensão vitalícia, fixada pela Caixa», pensão essa que é devida «a partir da data em que o subscritor passa à situação de aposentação». No mesmo sentido dispõe o art. 106.º do EMJ que a pena de aposentação compulsiva não prejudica o «direito à pensão fixada na lei».
III -O requerente afirma que com a execução imediata da deliberação ficará numa situação de «total penúria» durante o lapso temporal em que não receberá o vencimento nem a pensão, sem ter outro meio de subsistir que não seja o de recorrer à ajuda de familiares e amigos, com o que de indigno isso tem para um magistrado judicial. Ora, essa perspectiva é infundada uma vez que o CSM, quando aplica uma pena de aposentação compulsiva, comunica a respectiva deliberação à CGA, sendo que o Juiz sancionado só deixa de receber o seu vencimento a partir do momento em que o serviço competente para o respectivo processamento seja informado pela CGA de que esta passou a pagar-lhe a pensão. Não existe, pois, um período sem recebimento ou do valor correspondente ao vencimento ou do valor da pensão.
IV - O requerente diz, ainda, que da perda do vencimento «resultam directa e necessariamente prejuízos emocionais, afectivos e até ligados à dignidade da pessoa humana» e à própria subsistência que, «pela sua natureza, não são susceptíveis de avaliação pecuniária». Ora, para além dos prejuízos morais não serem irreparáveis ou de difícil reparação no sentido do art. 170.º, n.º 1, do EMJ, visto que podem ser compensados, segundo as regras gerais da obrigação de indemnizar, se o recurso já interposto ou a interpor vier a ser julgado procedente, o requerente, colocado sempre na respectiva perspectiva, liga esses alegados prejuízos ao facto de a imediata execução da deliberação que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, implicando a perda do vencimento, o privar do único meio de subsistência. E isso não é exacto, como já se deixou claro, uma vez que logo que deixe de receber o valor correspondente ao vencimento, receberá a pensão que lhe for fixada, não vindo alegado que o valor da pensão – que não vem indicado, nem sequer por aproximação – não é suficiente para assegurar a sua subsistência.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
O Dr. AA, juiz de direito, condenado pelo Conselho Superior da Magistratura, no âmbito de processo disciplinar, na pena de aposentação compulsiva, requereu, no prazo de interposição de recurso da respectiva deliberação, ao abrigo do artº 170º do EMJ, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, a suspensão da eficácia desse acto, que disse pretender impugnar.
Fê-lo nos seguintes termos:
«1. O Requerente exercia funções como Magistrado Judicial, estando ultimamente colocado como Juiz de Direito no 4º Juízo Cível de Loures.
2. Por Acórdão de 2012.01.10 do Plenário do Conselho Superior de Magistratura, que foi notificado em 2010.02.18, o Requerente foi punido com a sanção de aposentação compulsiva, por razões decorrentes de alegada falta de produtividade.
3. O que acarretou a imediata cessação de funções, nos termos do artº 106º EMJ.
4. Pelo que, actualmente, o Requerente se encontra afastado do serviço e, por força da execução da Deliberação supra mencionada, ficará sem receber qualquer remuneração, sendo certo que não possui outros rendimentos.
5. Inconformado com tal decisão, o Requerente vai interpor recurso contencioso (actual acção administrativa especial) de tal Deliberação para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artº 170º do EMJ.
6. Sendo certo que a decisão é recorrível, está em tempo, o Requerente tem legitimidade e interesse processual.
7. Em sede de recurso contencioso serão suscitadas e apreciadas as invalidades de que, no seu entender, padece a Deliberação recorrida, pelo que desse aspecto naturalmente não cuidaremos aqui em pormenor.
8. Sem embargo, diremos que o ora Requerente considera que a Deliberação impugnada padece, entre outros, dos seguintes vícios:
a) Erro sobre os pressupostos de facto, geradora de ilegalidade, por violação de lei;
b) Violação dos princípios da presunção de inocência e da culpa e, por via disso, incorre em vício de violação de lei.
9. Questões essas que serão devidamente suscitadas e fundamentadas em sede de recurso contencioso (acção administrativa especial) a interpor.
10. Pelo que tal Deliberação é anulável, nos termos do artº 135º CPA (Código de Procedimento Administrativo).
11. Preceitua o artº 170º do EMJ, no seu nº 1, que “a interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação”.
12. Dispõe o nº 5 do artº 169º do EMJ que “constituem fundamentos de recurso os previstos na lei para os recursos a interpor dos actos do Governo”.
13. No domínio da anterior legislação administrativa, constituíam requisitos de suspensão de eficácia (…).
14. Sucede que, face à entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…).
15. Para faculdade de consulta, transcreve-se o disposto no art° 120° do CPTA: (…).
16. Constatando-se a aplicação essencial e predominante ao instituto da suspensão da eficácia, das regras dos procedimentos cautelares, previstas nos artºs 112º e ss. do CPTA, cumpre salientar que (…).
17. Assim, as providências cautelares são decretadas ou adoptadas: (…).
18. No caso concreto do contencioso da Magistratura, afigura-se-nos – com a ressalva da difícil harmonização do sistema de recursos constante do EMJ, com regras processuais próprias, mas que remetem igualmente para as normas de direito administrativo, sabendo-se, para mais, que o contencioso administrativo foi radicalmente alterado com a reforma que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2004 – que o artº 170º, nº 1, do EMJ exige, como único requisito, para ser decretada a suspensão da eficácia que ”(...) se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação”.
Vejamos pois:
A. Da existência de prejuízos de difícil reparação
19. Começaremos pela análise dos prejuízos de difícil reparação que a execução do acto provavelmente causará ao Requerente.
20. Para a sua análise recorrer-se à doutrina da causalidade adequada consagrada no artigo 563º do Código Civil, ou seja, consideraremos os prejuízos que se possam considerar como resultado adequado da imediata execução do acto.
21. Para tanto há que formular um juízo de prognose que permita concluir se era ou não verosímil que, uma vez executado o acto cuja suspensão se requer, daí resultasse um prejuízo de difícil reparação para o Requerente da suspensão.
22. Tem sido entendimento da Jurisprudência que são de difícil reparação os prejuízos, quando, acaso provido o recurso, for absolutamente impossível para a autoridade administrativa, em execução do julgado, a reconstituição da situação ou a indemnização por equivalente, ou for difícil a fixação da indemnização, face às dificuldades de cálculo ou avaliação dos danos.
23. Como é sabido, em sede de suspensão da eficácia, não existe propriamente um ónus de prova, em sentido formal, atenta a idiossincrasia deste tipo de processo, cuja celeridade se não compadece com o tempo de instrução, se bem que o Tribunal possa sempre livremente investigar os factos, como decidiu no domínio da anterior legislação o Acórdão do STA de 1994.06.09 in P° 034836, cabendo porém ao Requerente o ónus de alegar e demonstrar sumariamente os factos concretos integradores dos prejuízos de difícil reparação, factos esses a serem valorados segundo padrões de exigência comum, face ao teor da resposta da entidade requerida e num juízo de prognose fundado na especificidade do caso e na ponderação da inexistência de lesão do interesse público e de verificação dos pressupostos legais.
24. Ora, é indiscutível que, uma vez imediatamente executado o acto cuja suspensão ora se requer, daí resultará grave prejuízo, no sentido expresso, para o Requerente.
25. Na verdade, como se demonstrará, o Requerente tem hoje necessariamente que suportar despesas para as quais se mostra indispensável que continue a auferir do seu vencimento, pelo menos até decisão final do recurso contencioso, pelo que a sua privação, por força da imediata execução do acto a impugnar, fá-lo-á ficar em situação de incapacidade de solver as suas despesas normais, ou seja, em situação de penúria, tudo ainda agravado face à situação de crise económica que Portugal atravessa.
A.1. Dos rendimentos
26. O Requerente vive sozinho e tem como único rendimento o seu vencimento decorrente do exercício das funções de Juiz, não tendo logrado, por força da situação de doença bipolar que o afecta, juntar poupanças que porventura lhe permitissem fazer face a dificuldades económicas súbitas.
27. Como os autos de processo disciplinar evidenciam, o Requerente encontra-se bastante doente.
28. Na verdade, de acordo com a Informação Clínica elaborada pelo Exm° Médico Psiquiatra Dr. BB, (…) o Requerente sofre de doença bipolar.
29. Tal Informação é do seguinte teor: (…).
30. Como refere a Deliberação impugnada, o Requerente toma continuamente diversa
medicação prescrita pelos clínicos que o assistem, mormente os seguintes fármacos: (…).
31. Para além disso é seguido por Médico Psiquiatra e Psicólogo.
32. A patologia que o afecta impede-o de trabalhar.
33. O referido e grave quadro clínico implica não somente a necessidade de acesso ao apoio do sistema de saúde actualmente disponível para os Magistrados Judiciais – ADSE – mas também o pagamento de medicamentos, meios auxiliares de diagnóstico, consultas médicas e despesas hospitalares.
34. Apenas com estes dados de facto claramente se concluirá que, face à privação do vencimento, que constitui o único meio de subsistência, o Requerente ficará colocada numa situação em que, de momento, a sua subsistência fica colocada em perigo.
35. Sendo certo que, neste momento, não está a receber pensão alguma, e, conhecidas que são as demoras burocráticas no processamento das pensões de reforma, ignora-se quando lhe começará a ser prestada a pensão, ficando o Requerente, até lá, numa situação económica de total penúria, dependente de familiares e amigos, indigna de um Magistrado Judicial.
36. Para melhor se enquadrarem os efeitos que a privação do vencimento terá sobre o Requerente, há que contabilizar as despesas que este tem que suportar.
A.2. Das despesas
37. O Requerente vive em casa própria, adquirida mediante empréstimo bancário.
38. Pagando, mensalmente, por via desses empréstimos, € 483,43 (300,16 + € 183,27).
39. De despesas de condomínio, paga mensalmente € 40,00.
40. O Requerente paga em despesas de electricidade € 26,00.
41. E em gás € 4,48.
42. E € 37,76 em despesas de telefone.
43. E € 13,07 em despesas de água.
44. Em telemóvel, gasta normalmente de € 15,31 a 24,60.
45. O Requerente gasta ainda, em média, em despesas domésticas, alimentação, produtos de higiene e limpeza e vestuário, € 600,00.
46. E em despesas em transportes, em média, € 150,
47. O seguro obrigatório multirriscos ascende a € 183,83 anuais, o que corresponde a € 15,32 mensais.
48. De seguro de vida, paga, mensalmente, € 10,55.
49. De seguro automóvel paga anualmente € 50190, o que corresponde a € 41,80 mensais.
50. Em despesas de saúde, gasta mensalmente, em média, entre € 200,00 e € 250,00.
51. Ressalvando-se, a propósito, que tais montantes em despesas de saúde são mais reduzidos por força das comparticipações da ADSE, sendo muito superiores se excluída tal benefício.
52. Com lazer, aqui se compreendendo algumas - poucas - idas ao cinema, livros, discos e tabaco, despende no mínimo € 100;O0 mensais.
53. Daqui decorre que o Requerente tem que suportar despensas mensais médias fixas que são avultadas, para quem, neste momento, não tem qualquer fonte de rendimento.
54. Sendo certo que, estando o Requerente, estatutariamente, impedido de ter qualquer outra actividade remunerada, para fazer face a estes despesas contava apenas com o seu vencimento.
55. Acaso Vossas Excelências entendam indeferir o pedido de suspensão de eficácia ora formulado o Requerente ver-se-á confrontada com uma situação insolúvel e dramática, por não poder fazer face aos seus normais compromissos básicos, nomeadamente com habitação, saúde e alimentação e compromissos financeiros.
56. Pelo que fácil se torna concluir que a privação do vencimento do Requerente, na medida em que põe em risco a solvabilidade da economia doméstica e implica necessariamente uma drástica e evitável diminuição do nível de vida, deverá ser qualificado como de difícil reparação, para efeitos de suspensão da eficácia.
57. Por outro lado, não se diga que a perda do vencimento representa prejuízo contabilizável, porquanto dessa perda resultam directa e necessariamente prejuízos emocionais, afectivos e até ligados à dignidade da pessoa e à própria subsistência do Requerente que, pela sua natureza, não são susceptíveis de avaliação pecuniária;
58. Como tem sido jurisprudência do STA, “os prejuízos resultantes da aplicação de penas disciplinares traduzidos na privação dos vencimentos, porque economicamente quantificáveis, só deverão ser considerados como de difícil reparação, para efeitos do aludido requisito positivo, se ficar indiciariamente demonstrado que essa diminuição de rendimentos possa pôr em risco a satisfação de necessidades básicas do requerente ou do seu agregado familiar, ou que, de qualquer modo, possa implicar um drástico abaixamento do seu teor de vida” – cfr. Acórdão do STA de 2001.08.29 in P° 047989 – http: wwwdqsi.pt – citado no douto Acórdão do STJ – Secção de Contencioso, de 2003.04.03, in P° 733/03-1, inédito – o que sucede no caso vertente, como atrás se documentou por forma expressiva.
59. Veja-se a propósito, o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo – 1° Juízo Liquidatário Sul, P° 07461/03/A de 29.01.2004, onde se refere que: “A privação de vencimento pelo período de 180 dias, na sequência da imediata execução de uma pena disciplinar de suspensão, apesar de se traduzir num prejuízo material perfeitamente quantificável, é susceptível de pôr em risco a satisfação das necessidades básicas do agregado familiar, acarretando danos morais graves pelas repercussões que vai ter na economia do mesmo agregado “
60. O artº 170º do EMJ, na sua actual redacção, preceitua no seu nº 5 que “a suspensão da eficácia do acto não abrange a suspensão do exercício de funções“.
61. Tal redacção foi introduzida pela Lei nº 143/99 de 31.08, que aprovou a sexta alteração ao Estatuto dos Magistrados Judiciais.
62. O que significa que, na economia do actual EMJ, bem ou mal, a suspensão da eficácia das Deliberações sancionatórias do CSM, em sede disciplinar, está, essencialmente, limitada à privação de vencimento.
63. Refira-se, a propósito de uma situação semelhante, em termos de privação de vencimento por efeito de sanção disciplinar, objecto de deferimento limitado à privação de vencimento, o mui douto Acórdão de 27.05.2003, in P° 1645/03-1, inédito, de que foi Relator o Ilustre Juiz Conselheiro Dr. Pinto Monteiro, da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça (…).
64. Vejam-se igualmente os Acórdãos de 27 de Maio de 2003, in www.dgsi.pt, P° 2798/03, e de 26 de Janeiro de 2001, P° 4/11.8YFLSB, segundo os quais, para efeitos de suspensão da eficácia, a mesma deve ser decretada quando a privação de rendimentos decorrente da aplicação da pena disciplinar é apta a pôr em risco a satisfação de necessidades básicas do requerente ou do seu agregado familiar, ou (...), de qualquer modo, (..) [a] implicar um drástico abaixamento do seu teor de vida, devendo, na avaliação desse risco, (...) ponderar os factos previsíveis, relacionando-os com a resistência e o quantitativo de outros rendimentos”.
65. A questão da essencialidade ou não essencialidade do instituto da suspensão da eficácia tem sido questionada, por forma a apurar se está ou não necessariamente incluída na garantia de recurso contencioso.
66. A justiça comunitária – Tribunal de Justiça das Comunidades – e o TEDH têm entendido que existe inequivocamente um direito à tutela cautelar inserido no direito fundamental à tutela judicial efectiva.
67. Entre nós a questão modificou-se radicalmente após as alterações introduzidas pela Lei Constitucional nº 1/97 de 20.9.99 (Quarta Revisão Constitucional).
68. Assim, a nova redacção do nº 4 do artº 268º da CRP, consagrando claramente as providências cautelares como fazendo parte do conteúdo essencial do direito à tutela judicial efectiva, veio acolher a tese da essencialidade.
69. Como refere Maria Fernanda Maças in A Relevância Constitucional da Suspensão – Estudos Sobre a Constituição, pª 330, o pedido de suspensão da eficácia apresenta-se como que ligado à necessidade de acautelar, ainda que provisoriamente “a integridade dos bens ou a situação jurídica litigiosa” e visa obviar que “a sentença final não termine por esvaziar irreversivelmente o conteúdo do direito exercido, garantindo, correspondentemente, a execução real e efectiva da sentença e a utilidade do recurso”.
70. Trata-se de um meio processual que tem por finalidade evitar os inconvenientes do ‘periculum in mora’ inerentes ao funcionamento normal do sistema judiciário, com o seu ‘tempo’ próprio, entendimento esse que o actual CPTA acolheu plenamente.
71. Julga-se, pelo exposto, encontrar-se amplamente demonstrada a existência de prejuízos de difícil reparação decorrentes da imediata execução do acórdão punitivo, em termos de privação do vencimento, pondo em crise a subsistência do Requerente, com grave prejuízo para a sua sobrevivência e para a imagem pública da Magistratura, e, com isso, preenchida a exigência contida na previsão do nº 1 do artº 170º do EMJ e no artº 120º, nº 1, al. b), do CPTA.
B. Da inexistência de grave lesão para o interesse público
72. Como já referimos, afigura-se-nos que, na economia do artº 170º, nº 1, do EMJ basta a demonstração da existência de prejuízo de difícil reparação, para ser decretada a suspensão da eficácia.
73. Por mero dever de patrocínio, equacionaremos se do deferimento da suspensão de eficácia resultará ou não grave lesão para o interesse público, na ponderação de valores prevista no nº 2 do artº 120º do CPTA.
74. (…).
75. (…).
76. (…).
77. (…).
C. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade na interposição do recurso
78. (…).
79. (…).
80. (…).
81. (…).
82. (…).
83. (…).
84. (…).
85. (…).
86. (…).
Termos em que, d. e a, se requer a notificação da entidade requerida, para, querendo, responder no prazo legal, sendo a final decretada a requerida suspensão da eficácia do Acórdão ‘a quo’ quanto à privação de vencimento, com as legais consequências».
Notificado, o Conselho Superior da Magistratura disse, em resposta:
«O Ex.mo Requerente pretende, nos termos do art. 170º do EMJ, a suspensão da eficácia da deliberação de 10/01/2012 do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura, que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva.
2. A suspensão da eficácia deste concreto acto, a ser deferida, será limitada à privação do vencimento, tal como aliás é pedido pelo Ex.mo Requerente, pois que, nos termos do art. 170º, nº 5, do EMJ, não pode abranger a suspensão do exercício de funções.
3. Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2005 (disponível na internet em www.dgsi.pt, Processo nº 031637), a «providência requerida, de carácter conservatório, entronca no art. 120º do CPTA, onde colhe os seguintes requisitos:
-O denominado periculum in mora, ou seja, “quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” (...).
-A existência de um fumus bonni luris ou de um fumus non malus iuris, ou por outras palavras, que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo – o processo principal – ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito” (...). Tal requisito vem a traduzir-se não num juízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, mas num simples juízo em que se conclua não ser evidente a falta de fundamento da pretensão deduzida ou a existência de qualquer circunstância que impeça o conhecimento da causa (...).
-Proporcionalidade entre os danos que se pretendem evitar com a concessão da providência e os danos que resultariam para o interesse público dessa mesma concessão, ou seja, na formulação legal: “(...) a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências” (nº 2 do referido art. 120º)».
4. Assim, aceita-se que a execução imediata da deliberação implicará a perda do direito do Ex.mo Requerente a perceber o vencimento mensal correspondente à sua categoria. Porém, realça-se que não deixará de receber todo e qualquer quantitativo, pois mantém o direito à pensão fixada na lei (cfr. art. 106º do EMJ). De todo o modo, aceita-se que a execução imediata da deliberação irá implicar uma diminuição não desprezível do rendimento mensal do Ex.mo Requerente.
5. Desconhece-se a situação pessoal do Ex.mo Requerente para lá do que se considerou provado na deliberação recorrida. Não obstante, atendendo ao que ali ficou provado, bem como à prova documental junta pelo Ex.mo Requerente, não custa admitir, perante o elevado montante de despesas fixas mensais alegado pelo Ex.mo Requerente, a que acrescem as despesas necessárias a uma vida condigna (alimentação, etc.), que a execução imediata da deliberação do CSM possa acarretar para o Ex.mo Requerente danos de difícil reparação.
6. E, na realidade, atendendo aos factos e razões aduzidos pelo Ex.mo Requerente, bem como à prova documental junta, admite-se que a execução imediata da deliberação deste Conselho ponha em risco a solvabilidade da economia doméstica em pontos tão essenciais como a alimentação, a saúde e a habitação do Ex.mo Requerente, para utilizar a fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/05/2004, citado por sua vez no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/08/2008 já referido.
7. Por outro lado, admite-se que não seja manifesto que a pretensão do Ex.mo Requerente no processo principal esteja manifestamente votada ao insucesso, ou que ocorra qualquer circunstância que obste ao conhecimento do mérito.
8. De todo o modo, sempre se dirá que caberá ao Supremo Tribunal de Justiça a apreciação do valor probatório da documentação junta pelo Ex.mo Requerente para sustentar a sua pretensão.
9. Pelo exposto, na opinião deste Conselho, os elementos constantes dos autos poderão permitir o deferimento da pretensão formulada, concedendo-se a suspensão da eficácia da deliberação no que concerne e apenas nesta parte – à perda do vencimento.
Nestes termos:
Entende o Conselho Superior da Magistratura que o pedido do Ex.mo Requerente deverá ser apreciado em conformidade com o aqui explanado e, como tal, deferido se essa for também a apreciação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça».
Cumpre decidir.
Fundamentação:
Nos termos do artº 170º, nº 1, do EMJ, «a interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação».
O requerente alega que a imediata execução da deliberação que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva representará para ele um prejuízo de difícil reparação.
Configura esse prejuízo assim: Não tendo outros rendimentos para além do vencimento decorrente do exercício das funções de juiz de direito, a execução imediata da deliberação do Conselho Superior da Magistratura privá-lo-á do seu único meio de subsistência, pelo que, «conhecidas que são as demoras burocráticas no processamento de pensões de reforma, ignora-se quando lhe começará a ser prestada a pensão», ficando «até lá numa situação económica de total penúria, dependente de familiares e amigos, indigna de um Magistrado Judicial» (artigo 35º do requerimento), sendo que as «despesas mensais médias fixas» que tem de suportar são avultadas «para quem, neste momento, não tem qualquer fonte de rendimento» (artigo 53º do requerimento).
Executando-se imediatamente a deliberação que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, o requerente deixa de receber o vencimento correspondente às funções de juiz de direito, mas passará a receber uma pensão de reforma. Como se estabelece nos artºs 46º e 64º, nº 1, do DL nº 498/72, de 9 de Dezembro, «pela aposentação o interessado adquire o direito a uma pensão vitalícia, fixada pela Caixa», pensão essa que é devida «a partir da data em que o subscritor passa à situação de aposentação». No mesmo sentido dispõe o artº 106º do EMJ que a pena de aposentação compulsiva não prejudica o «direito à pensão fixada na lei».
O requerente admite que assim é, e não diz que a pensão que irá receber não é suficiente para fazer face às suas despesas, até porque nem se preocupou em alegar qual será o valor preciso ou estimado dessa pensão. A perspectiva em que se coloca é outra: Afirma que, com a execução imediata da deliberação, ficará numa situação «de total penúria», sem ter outro meio de subsistir que não seja o de recorrer à ajuda de familiares e amigos, com o que de indigno isso tem para um magistrado judicial, durante o espaço temporal em que não receberá o vencimento nem a pensão.
Ora, essa perspectiva, assente no pressuposto de que, por a pensão não lhe ser logo paga, fica privado de qualquer rendimento durante um período indeterminado, não é fundada. Com efeito, de acordo com a averiguação feita pelos juízes assessores do Supremo Tribunal de Justiça, o Conselho Superior da Magistratura, quando aplica uma pena de aposentação compulsiva, comunica a respectiva deliberação à Caixa Geral de Aposentações, sendo que o juiz sancionado só deixa de receber o seu vencimento a partir do momento em que o serviço competente para o respectivo processamento seja informado pela Caixa de que esta passou a pagar-lhe a pensão. Não existe, pois, um período sem recebimento ou do valor correspondente ao vencimento ou do valor da pensão.
O requerente diz ainda no artº 57º do seu requerimento que da perda do vencimento «resultam directa e necessariamente prejuízos emocionais, afectivos e até ligados à dignidade da pessoa humana» e à sua própria subsistência que, «pela sua natureza, não são susceptíveis de avaliação pecuniária».
Mas, para além de os prejuízos morais não serem irreparáveis ou de difícil reparação no sentido do nº 1 do artº 170º do EMJ, visto que podem ser compensados, segundos as regras gerais da obrigação de indemnizar, se o recurso já interposto ou a interpor vier a ser julgado procedente (cf. acs. do STJ de 29/04/2003, proc. 1392/03, e de 15/11/2007, proc. 3883/07), o requerente, colocado sempre na referida perspectiva, liga esses alegados prejuízos ao facto de a imediata execução da deliberação que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, implicando a perda do vencimento, o privar do único meio de subsistência. E isso não é exacto, como se viu, pois, logo que deixar de ser-lhe pago o valor correspondente ao vencimento, receberá a pensão que lhe for fixada, não vindo alegado que o valor da pensão não é suficiente para assegurar a sua subsistência, alegação que sempre teria de envolver a indicação desse valor, ao menos por aproximação.
Do mesmo modo, não se pode ter como fundada a afirmação constante do artº 56º do requerimento de que a «privação do vencimento do requerente (…) implica necessariamente uma drástica e evitável diminuição do nível de vida», uma vez que só poderia concluir-se nesse sentido em face da diferença entre o valor do vencimento e o valor da pensão, que se desconhece, por falta de alegação.
Não ocorrendo, assim, a situação da qual, na argumentação do requerente, decorreria o alegado prejuízo de difícil reparação, o pedido de suspensão da eficácia da deliberação punitiva não pode proceder. O Supremo Tribunal de Justiça não tem que equacionar a possibilidade de o prejuízo irreparável ou de difícil reparação exigido pelo artº 170º, nº 1, do EMJ decorrer de outra situação não invocada pelo requerente, pois cabe a este o ónus de, antes de mais, alegar os factos que fundamentam o seu pedido, como reconhece no artigo 23º do seu requerimento («cabendo porém ao requerente o ónus de alegar e demonstrar sumariamente os factos concretos integradores dos prejuízos de difícil reparação»).
Com esta solução, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se o deferimento do pedido de suspensão da eficácia do acto depende unicamente da verificação do requisito exigido pelo artº 170º, nº 1, do EMJ.
Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o requerimento de suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Superior da Magistratura que aplicou ao requerente a pena de aposentação compulsiva.
O requerente vai condenado no pagamento das custas, sendo de 3 UC a taxa de justiça, nos termos dos artºs 34º, nºs 1 e 2, 112º, nº 2, alínea a), do CPTA, 6º, nº 4, do ETAF, 31º, nº 1, da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, e 7º, nºs 1, 3 e 5, e tabela II do RCP.
Lisboa,15 de Março de 2012