I - Consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, e que, nos respectivos planos municipais de ordenamento do território (PMOT), estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável.
II - São ainda considerados AUGI os prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do Decreto - Lei n.º 46 673, de 29/11/1965, quando predominantemente ocupados por construções não licenciadas.
III - Compete às Câmaras Municipais, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer interessado, delimitar o perímetro e fixar a modalidade de reconversão das AUGI existentes na área do município.
IV - O dever de reconversão inclui (i) o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela Câmara Municipal e bem assim (ii) o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na Lei 91/95.
V - A parcela do executado, porque se encontra rodeada de parcelas ilegais em idêntica situação jurídica, todas desanexadas do prédio n.º 17.605, só não integraria a área urbana de génese ilegal, caso dispusesse, que não dispõe, de licença de loteamento, emitida ao abrigo da lei em vigor ao tempo do seu fraccionamento, ou seja, o DL n.º 46.673, de 29/11/1965.
VI - Pelo facto do opoente ser proprietário de uma parcela de terreno, destacada em metros quadrados de um prédio rústico, tal circunstância não obsta a que tal parcela pudesse ter sido integrada na mencionada AUGI, porquanto, juridicamente, não constitui qualquer lote de terreno, dado que não possui a necessária licença de loteamento emitida nos termos do DL 46.673, de 29/11/1965, então em vigor, e, por isso, encontra-se claramente abrangido pela previsão do n.º 2 do artigo 1º da Lei 91/95.
VII - Embora o Assento do S.T.J. de 21/07/1987, haja determinado que, no domínio da vigência do Decreto-Lei n.º 46.673, de 19 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos com ou sem construção (…), o certo é que o lote de terreno em causa nos autos carecia do necessário loteamento emitido ao abrigo da lei em vigor ao tempo do seu fraccionamento (DL 289/73, de 6 de Junho, entretanto revogado pelo artigo 84-º do DL n.º 400/84, de Dezembro), pelo que, encontrando-se o lote de terreno pertencente ao executado/opoente nas condições previstas na Lei para ser qualificado como AUGI, ficou o mesmo, inexoravelmente, sujeito ao regime excepcional de reconversão urbanística, previsto na Lei nº 91/95, de 2 de Setembro e alterações subsequentes.
VIII - Assim, enquanto proprietário da aludida parcela de terreno, não poderá deixar de estar sujeito às deliberações das assembleias de proprietários dos prédios abrangidos pela AUGI ..... da ............, cujas actas servem de título à execução.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.
AA, residente na ............, lote ...., Areeiro, Caparica, veio deduzir OPOSIÇÃO contra BB, por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, que esta deduziu contra aquele, tendente a obter a respectiva absolvição da instância e extinção da execução.
Fundamentando a pretensão, o opoente alegou, em síntese, que, no ano de 1977, adquiriu por compra e registou a aquisição de um lote de terreno num prédio rústico, sito em ............, também conhecido como ..........., em Almada.
Na escritura pública de compra e venda, realizada em 4/11/1977, vem delimitada a área do lote, já em metros quadrados e assim ficou, desde a data da inscrição da aquisição a favor do opoente, por destaque do prédio rústico original. Desde 1977, o prédio do opoente não faz parte da ............ enquanto prédio rústico indiviso.
Os actuais proprietários e comproprietários da ............, reunidos em AUGI, apresentaram junto da Câmara Municipal de Almada um pedido de reconversão urbanística, em Julho de 1989, sendo que a essa data o lote do executado não fazia parte da ............, denominada a partir de então por AUGI ...../...
Em 4/06/2001, a Câmara Municipal de Almada enviou à Comissão da AUGI informação de que o lote de terreno do opoente não podia integrar a AUGI e constituir objecto de loteamento urbano.
Mesmo não sendo comproprietário da ............, viu o opoente reduzida substancialmente na sua área o lote de terreno que adquiriu em 1977, por alegadas cedências necessárias à reconversão urbanística de uma zona que é exterior nos seus limites àquela na qual se integra o seu lote.
O opoente não tem participado nas Assembleias como comproprietário, antes assistiu a três dessas para reclamar da AUGI a indemnização pela apropriação ilegal do seu terreno depois de 2005, não se encontrando ainda determinado o valor a atribuir à indemnização pela apropriação ilegal, a qual não poderá ser de valor inferior ao dos materiais utilizados para a reconstrução do muro que foi derrubado.
Do teor das actas apresentadas pela exequente não resulta claro quais os proprietários que são de facto os eleitos para constituir a comissão de administração, à qual caberá representar em juízo a BB.
Da data de apresentação do requerimento executivo, 29/07/2007, até Maio de 1998 para trás, decorreram mais de cinco anos.
A exequente contestou. Propugnando pela improcedência da oposição à execução, alegou, em síntese, que, conforme a planta da BB que junta, verifica-se que a parcela do executado, que passa a constituir o lote 13, ao contrário do que este alega, não se encontra na periferia da BB, mas está, antes, rodeada de parcelas ilegais em idêntica situação jurídica, todas desanexadas do prédio nº.00000.
Nestas condições, a parcela do executado só não integraria a área urbana de génese ilegal, caso dispusesse, que não dispõe, de licença de loteamento, emitida ao abrigo da lei em vigor ao tempo do seu fraccionamento, ou seja, o DL n.º 46.673, de 29/11/1965.
A comunicação da Câmara Municipal de Almada que o executado junta como documento n.º 9 resultou de um equívoco, mais tarde esclarecido mediante requerimento da exequente, conforme procedimento que se junta.
Do parecer jurídico sobre a situação, confirmado pelo vereador competente, teria competido ao executado, se entendesse que não pertencia à BB ou estivesse em desacordo com o processo de reconversão, impugnar judicialmente tais decisões, o que não fez.
A parcela ilegal do executado integrou, desde o início, o perímetro do Loteamento ..... que deu origem à BB
O que sucedeu foi que, na representação registral da deliberação primitiva da delimitação do perímetro da BB, não foi feita a referência a todas as descrições prediais que nele estariam integradas, sendo que tal não obstava à integração das ditas parcelas no perímetro definido pelo Loteamento ....., uma vez que o mesmo tanto pode ser definido a partir de elementos registrais, como elementos gráficos – artigo 1º n.º 5 da Lei das BB.
Essa discrepância, detectada posteriormente pela comissão de administração, foi eliminada mediante requerimento a que coube a deliberação da Câmara Municipal de Almada de 19/07/2006.
O executado participará nas Assembleias não como comproprietário que o não é, mas sim como proprietário pleno da parcela ilegal de que é titular.
Quanto à compensação invocada, as compensações devidas entre os proprietários da BB, por força das cedências de área que todos fizeram para o processo de reconversão, será tratada em conjunto, no âmbito desse procedimento, mediante perequação compensatória prevista no DL 380/99 de 22/09, republicado pelo DL 316/2007 de 19/09.
Daqui resulta que nenhum proprietário será compensado pela área bruta de cedência que fez, mas sim pela área a mais que haja cedido acima da área média das cedências do loteamento, cujo montante de compensação será pago pelos proprietários que cederam a menos, inexistindo qualquer coincidência entre a entidade credora e a devedora.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 7º n.º 5 da Lei da BB, a reconstrução do muro cabia ao executado fazê-lo.
Quanto à prescrição invocada pelo executado, as comparticipações nas despesas de reconversão, vencem juros nos termos do disposto no artigo 16º-C n.º 2 da Lei da BB, são havidas como provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais de reconversão e o cálculo efectivo do montante da comparticipação só estará concluído a final, não tendo início o prazo prescricional de uma obrigação cujo vencimento final não ocorreu, nem as entregas mensais para as despesas de administração da BB primitivamente fixadas pela Assembleia revestem natureza de obrigações periódicas, fazem parte da obrigação global de comparticipação que só se considera vencida a final.
Entendendo ser possível, desde logo, conhecer das várias excepções deduzidas pelo opoente, relativas (i) à circunstância do prédio do opoente não se encontrar dentro da área prevista no artigo 1º da Lei das BB, (ii) à invalidade das deliberações vertidas nas actas das assembleias de proprietários apresentadas como título executivo, (iii) à excepção peremptória de prescrição e (iv) à excepção peremptória de compensação, nada impedindo que pudesse ser proferida decisão sobre o mérito dos autos, foi proferido o saneador/sentença, tendo-se declarada totalmente improcedente a oposição à execução e, em consequência, determinou-se o prosseguimento da execução para pagamento de quantia certa (vide fls. 78/86).
Inconformado com o assim decidido, o opoente apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 2/06/2011, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
De novo, inconformado, recorreu o opoente para o Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1ª – O acórdão recorrido devia ter tomado conhecimento das excepções da prescrição e da caducidade e, tendo omitido pronúncia sobre essa matéria excepcional, violou as normas dos artigos 303º, 304º, n.º 1 e 333º do Código Civil.
2ª – A 2ª Instância não podia nem devia reduzir a análise/apreciação e decisão da matéria recursiva a uma única e exclusiva questão (unicidade recursiva), pois é inequívoco que um vasto elenco de questões adequadamente suscitadas que devem ser conhecidas.
3ª – No caso presente, as deliberações tomadas nas Assembleias de 28/06/98, 16/06/02, 11/10/03 e 23/01/05 são ineficazes e nulas relativamente ao recorrente porque esteve ausente, não tomou conhecimento das mesmas e não foi convocado atempadamente para as referidas assembleias, devendo julgar-se a presente execução totalmente improcedente e extinta (artigos 224º, n.º 1 e 1432º, n. os 1 e 6 do C.C.).
4ª – A reiteração das questões, que desperta, por irresignação, o interesse do recorrente em agir, não impede o aprofundamento da problemática recursiva, que vai ser aditada.
5ª – O julgamento da matéria de facto, que não chegou a ser elencada pela 1ª Instância, deveria ter sido efectuado pelo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, motivo por que é patente o vício de incompetência orgânica e a violação expressa da lei, isto é, da norma do artigo 817º, n.º 2 do CPC, porquanto a oposição devia seguir os termos do processo declarativo sumário, com especificação e fixação da base instrutória, o que, in casu, foi preterido.
6ª – Tendo em consideração o texto da oposição à execução comum transcrito, em síntese no saneador/sentença de 17/12/08, é patente a omissão de pronúncia sobre questões relevantes para a boa decisão da causa, o que consubstancia a nulidade do acórdão impugnado prevista nos termos dos artigos 668º, n.º 1, alínea d) e 716º do CPC.
Sobressai a falta de pronúncia sobre a magna temática da compensação e da prescrição.
7ª – A falta de licença do loteamento no domínio do DL 46.673, de 19/11/65 ou do DL 289/73, de 6 de Junho ou ainda do DL 400/84, de 31 de Dezembro, não produz, neste contexto de reconversão urbanística em espaço de génese ilegal, qualquer efeito negativo ou perverso, isto é, não opera a integração do prédio do opoente na área prevista no artigo 1º da Lei da AUGI, como decorre do assento do STJ de 21/07/87.
8ª – As normas dos artigos 1º, 3º, 7º, 10º, 12º, 15º e 16º-C da Lei 91/95 e subsequentes alterações são inequivocamente inconstitucionais, porque afastam o direito à indemnização ou a qualquer crédito ou ainda a qualquer espécie de compensação, o que consubstancia violação flagrante da garantia da propriedade privada consagrada no artigo 62º da CRP e dos citados preceitos internacionais.
Trata-se de uma solução legislativa gritantemente inconstitucional, à luz do princípio constitucional da igualdade.
Não houve contra – alegações.
Cumpre apreciar e decidir:
2.
A Relação considerou provados os seguintes factos:
1º - A exequente, BB, Caparica, deu à execução contra o executado AA as seguintes deliberações relativas às comparticipações para o processo de reconversão relativas ao antigo Lote 15, actual lote 13, pertencente ao executado, no montante global de € 13.945,27, acrescido de juros vencidos e vincendos:
a) - A deliberação da Comissão de Administração de 28 de Junho de 1998, ratificada por acta da Assembleia de Proprietários de 16 de Abril de 2000 e por acta de Assembleia de Proprietários de 7 de Abril de 2002, esta publicada por extracto no “Diário de Notícias” de 19 de Abril de 2002, que aprovou a comparticipação mensal de Esc. 5.000$00 por lote, a partir do mês de Maio de 1998 e de € 25, por lote, a partir de Maio de 2002 (Docs. fls. 62-67; 194-214).
b) - A deliberação da Assembleia de Proprietários constante da acta da reunião de 16 de Junho de 2002, publicada por extracto no “Diário de Notícias”, de 28 de Junho de 2002, que aprovou a comparticipação para aquisição de terreno exterior ao perímetro da BB para cumprimento das cedências legais à Câmara Municipal de Almada, em três prestações mensais e sucessíveis, sendo a primeira igual a 50% do valor da comparticipação e as seguintes a 25% do mesmo valor, vencidas, respectivamente, em 30 de Setembro e 30 de Novembro de 2002, bem como os adicionais de 31 de Julho, 31 de Agosto, 30 de Setembro, 31 de Outubro e 30 de Novembro de 2004 (Docs. fls. 216-239; 290).
c) - A deliberação da Assembleia de Proprietários constante da acta da reunião de 11 de Outubro de 2003, publicada por extracto no Diário de Notícias” de 22 de Outubro de 2003, que aprovou a comparticipação para efeitos de pagamento de obras de infra - estruturas, em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 31 de Dezembro de 2003 e a última em 30 de Setembro de 2004 (Docs. fls. 293-302).
d) - A deliberação da Assembleia de Proprietários constante da acta da reunião de 23 de Janeiro de 2005, publicada por extracto no “Diário de Notícias” de 4 de Fevereiro de 2005, que aprovou a comparticipação para efeitos de execução da 2ª fase das infra - estruturas e da rede de gás, a liquidar em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 28 de Fevereiro e a última em 30 de Novembro de 2005 (Docs. fls. 304-313).
2º - Por escritura pública de 4 de Novembro de 1977, o executado/opoente, através do seu representante, declarou comprar um lote de terreno para construção com a área de duzentos e noventa metros quadrados, designado pelo número quinze, situado na ............, Casas Velhas, freguesia da Caparica, concelho de Almada, prédio esse a desanexar do prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo dez da secção M (Doc. fls. 7-8).
3º - O prédio rústico composto de terreno para construção com a área de 290 m2, referido em 2º, designado por lote 15, desanexado do prédio rústico descrito sob o n.º 17.605, mostra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 22.403 e está inscrito a favor do opoente, pela apresentação 19 de 24.11.1977 (Doc. fls. 177-180).
4º - Na reunião da Câmara Municipal de Almada de 4.09.1996 foi aprovada por unanimidade a proposta para autorização da constituição de AUGI ao L/...../89 com a delimitação constante dos documentos de fls. 48-52, 183-188.
5º - O opoente dirigiu à Presidente da Câmara Municipal de Almada a exposição constante de fls. 45 a 47, na qual defende que o quadro do loteamento do BB, tal como havia sido apresentado, não poderia ser aprovado pela Câmara e que o lote de terreno do autor não fazia parte desse BB.
6º - O Departamento de Administração Urbanística da Câmara Municipal de Almada enviou à Comissão de BB ofício datado de 4 de Junho de 2001, no qual refere: “(…) informo que no que respeita ao lote de terreno correspondente ao lote destacado, o mesmo não poderá integrar a BB e constituir objecto do loteamento urbano, excepto se a reclamante o decidir, enquanto proprietária do lote destacado (Doc. fls. 14).
7º - A Comissão de Administração da BB apresentou exposição junto da Câmara Municipal de Almada sobre os lotes destacados a ser integrados numa BB, para que esta clarificasse a posição que havia assumido com relação ao lote pertencente ao autor, por forma a poder prosseguir as obras autorizadas pela Câmara Municipal de Almada, que afectavam o autor – arruamento principal - (Doc. fls. 41).
8º - O Departamento de Administração Urbanística da Câmara Municipal de Almada enviou à BB, em resposta à exposição referida em 7, o parecer jurídico constante de fls. 43 e 44, datado de 2/12/2004, que obteve a concordância do respectivo Vereador, em 04/01/2005, no sentido de entender que a parcela de terreno pertencente ao opoente fazia parte da BB.
9º - Por requerimento datado de 25/05/2006, dirigido à Presidente da Câmara Municipal de Almada, a BB veio requerer a rectificação da deliberação que delimitou a BB, no sentido de nela passar a constar que da mesma fazem parte os prédios mãe que enumerou, dos quais se inclui o descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada com o nº 17605 do Livro..... (Doc. fls. 53).
10º - Na reunião da Câmara Municipal de Almada de 19/07/2006 foi aprovada por unanimidade o pedido de correcção da rectificação da BB, apresentado pela BB, com relação à delimitação daquela - inclusão dos prédios mãe que não constavam na deliberação inicial, nomeadamente o descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada com o nº 00000 do Livro..... (Docs. fls. 54-61).
11º - O prédio rústico composto de terreno para construção com a área de 290 m2, referido em 2º, designado por lote 15, desanexado do prédio rústico descrito sob o n.º 17.605, referido em 3º, não possui licença de loteamento emitida ao abrigo da lei em vigor ao tempo do seu fraccionamento.
3.
De acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Deste modo, as questões que se suscitam no recurso são as seguintes:
1ª – Falta de especificação e “questionário” com manifesta violação do artigo 817º, n.º 2 CPC.
2ª – Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.
3ª – Invalidade das deliberações vertidas nas actas das assembleias de proprietários apresentadas como título executivo.
4ª - Se o lote de terreno pertencente ao executado – opoente se encontra nas condições previstas na Lei para ser qualificado como BB e suas consequências.
5ª – Se as normas ínsitas nos artigos 1º, 3º, 7º, 10º, 12º, 15º e 16º-C da Lei 91/95 e subsequentes alterações violam o princípio da igualdade.
4.
4.1.
A FALTA DE “ESPECIFICAÇÃO” E “QUESTIONÁRIO” NA DECISÃO PROFERIDA NA 1ª INSTÂNCIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS:
Considera o recorrente que o julgamento da matéria de facto que não chegou a ser elencado pela 1ª Instância deveria ter sido efectuado pelo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, motivo por que é patente o vício de incompetência orgânica e a violação expressa da lei, isto é, da norma do artigo 817º, n.º 2 do CPC, porquanto a oposição devia seguir os termos do processo declarativo sumário, com a especificação e fixação da base instrutória o que, in casu, foi preterido.
Está em causa a apreciação do acórdão da Relação de Lisboa e não o saneador – sentença do Tribunal de Almada, não podendo o recorrente colocar à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça questões que omitiu perante a Relação.
Esta questão acaba de ser suscitada pelo opoente nesta instância recursiva pela primeira vez. Trata-se de uma questão nova.
Ora, os recursos são meios processuais pelos quais se submetem as decisões judiciais a uma nova apreciação por outro tribunal. Ou seja, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame de que se recorre, salvo tratando-se de questões que, dizendo directamente respeito ao objecto do processo, sejam de conhecimento oficioso.
Como tal, não pode, por isso, vir a ré suscitar, nesta instância recursiva, tal questão, que, aliás, diga-se, é destituída de qualquer fundamento.
Com efeito, findos os articulados, o Tribunal a quo, considerando que o estado do processo permitiria conhecer imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas [alínea b) do n.º 1 do artigo 510º CPC], pois, sendo a questão de facto e de direito, o processo continha todos os elementos, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, proferiu saneador – sentença.
Não diz, nem disse, o recorrente se outros factos alegados pelas partes se mantêm controvertidos. Mas ainda que assim fosse, não justificariam a elaboração da base instrutória, porquanto os factos assentes são os relevantes para a decisão da causa (vide artigo 511º, n.º 1 CPC), o que o recorrente aceita, pelo menos, de forma implícita.
Nenhuma censura merece o facto de se ter ultrapassado a fase de condensação, não tendo sido fixados os factos assentes e controvertidos, porquanto os autos continham todos os elementos, para que pudesse ser, como foi, proferido o saneador/sentença.
4.2.
NULIDADE DO ACÓRDÃO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA:
Considera o recorrente que o acórdão recorrido devia ter tomado conhecimento das excepções da prescrição e da caducidade, acrescentando que, “tendo em conta o texto da oposição à execução comum transcrito, em síntese, no saneador – sentença, é patente a omissão de pronúncia sobre questões relevantes para a boa decisão da causa o que consubstancia a nulidade do acórdão impugnado prevista nos termos dos artigos 668º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Esta questão tem a ver com a circunstância de a Relação não haver tomado conhecimento da excepção da prescrição e da excepção da compensação, questões elencadas nas conclusões 5ª e 6ª da apelação.
Como é sabido, uma das causas da nulidade da do acórdão é a que se verifica quando os juízes deixem de pronunciar-se sobre questões que devessem apreciar (artigo 668º, n.º 1, alínea d) ex vi artigo 716º, n.º 1 CPC).
Porém, a Relação apresentou uma razão para não conhecer destas excepções, referindo o seguinte: “Importa, todavia, esclarecer que as conclusões da alegação consistem na enunciação, em forma abreviada e sintética, dos fundamentos ou razões jurídicas que sustentam o recurso, visando obter a procedência do recurso. Constituem, por isso, apenas o resumo desses fundamentos, que devem constar sempre do corpo da respectiva alegação.
E, precisamente por a função das conclusões se esgotar numa mera sinopse do exarado no corpo da alegação, é entendimento jurisprudencial pacífico que não se pode conhecer de um argumento ou fundamento que apenas conste de conclusões que respeitem a matéria não versada no contexto da alegação – vide a título meramente exemplificativo, Acs. de 06.06.91, BMJ 408/431, e de 09.10.2003 (Processo 03B1415), este último acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Como se refere no Ac. STJ de 09.11.2006 (Processo 06B3008), acessível no mesmo sítio da Internet, as conclusões da alegação são um resumo desta, sintetizantes dos pontos de discordância relativamente à decisão impugnada, resumo esse delimitador do objecto do recurso (art.ºs 684º n.º 3 e 690º n.º 1), não complemento da alegação, nas conclusões, consequentemente, não se devendo aditar novos motivos de discordância. Por assim ser, o Tribunal de recurso não deve considerar o conteúdo das conclusões não explanado na alegação.
Considerando que “in casu” a apelante nada explana no corpo alegatório, em ordem a fundar a justeza das conclusões 5ª e 6ª, não se conhece do conteúdo das mesmas, no tocante às questões da prescrição e caducidade”.
Como se verifica, estão clarificados os fundamentos em que a Relação se escudou para não conhecer das referidas questões versadas nas conclusões 5ª e 6ª.
Nesta explanação, verifica-se, porém, um lapso material de que o recorrente se pretende aproveitar.
A fundamentação do acórdão recorrido refere “as questões da prescrição e da caducidade”, quando devia ter referido questões da prescrição e da excepção compensatória, como as referidas conclusões expressavam, em consonância com o saneador – sentença, em cujo texto não há qualquer referência a caducidade, nem tinha de haver, pois tal questão não havia sido suscitada nos articulados da oposição à execução.
Portanto, não se verifica a aludida nulidade.
4.3.
INVALIDADE DAS DELIBERAÇÕES VERTIDAS NAS ACTAS DAS ASSEMBLEIAS DE PROPRIETÁRIOS APRESENTADAS COMO TÍTULO EXECUTIVO
Os fundamentos enunciados pelo acórdão recorrido para afastar o conhecimento das questões enunciadas nas conclusões 5ª e 6ª são os mesmos que conduziriam ao não conhecimento desta questão suscitada na conclusão 4ª, ou seja, também a motivação das alegações não explana as razões que permitiram ao recorrente formular a conclusão 4ª.
Contudo, quanto a esta matéria, a Relação não se pronunciou, o que constituiria uma nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Na revista, o recorrente não arguiu esta nulidade, o que impede o S.T.J de tomar conhecimento da mesma e retirar as respectivas consequências legais.
O recorrente pretende, apenas, que se reavalie a decisão da 1ª instância, ainda que a Relação se não tenha pronunciado sobre essa matéria.
Está, por isso, vedado ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer das alegadas invalidades das deliberações vertidas nas actas das assembleias gerais de proprietários apresentadas como título executivo, dado tratar-se de uma questão nova.
4.4.
DA APLICAÇÃO AO PRÉDIO DO OPOENTE DA LEI DAS AUGI – DECRETO-LEI 91/95, DE 2 DE SETEMBRO, COM AS ALTERAÇÕES SUBSEQUENTES.
No caso em apreço, estamos perante uma acção executiva intentada contra o ora recorrente para pagamento de uma dívida no valor de € 13.945,27, acrescido de juros, a título de comparticipação do executado, na qualidade de proprietário de um dos lotes, nos custos de urbanização da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) ....., através de título executivo consubstanciado nas actas da assembleia - geral dos proprietários.
Na sua petição inicial, alegou o opoente que o prédio por si adquirido em 1977, por escritura pública, não faz parte integrante da ............, enquanto prédio rústico indiviso, pois vem já delimitado em metros quadrados, resultando de destaque de prédio rústico original, tendo, em 4/06/2001, a Câmara Municipal de Almada enviado à Comissão da AUGI informação de que o lote de terreno que adquiriu não podia integrar a AUGI e constituir objecto de loteamento urbano.
A Lei n.º 91/95, de 2/9, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 165/99, de 14/9 e pela Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto, estabelece o regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI).
Consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, e que, nos respectivos planos municipais de ordenamento do território (PMOT), estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável (…) (vide n.º 2 do artigo 1º da Lei n.º 91/95).
São ainda considerados AUGI os prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do Decreto - Lei n.º 46 673, de 29/11/1965, quando predominantemente ocupados por construções não licenciadas (vide n.º 3 do artigo 1º da citada Lei).
Compete às Câmaras Municipais, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer interessado, delimitar o perímetro e fixar a modalidade de reconversão das AUGI existentes na área do município (n.º 4 do artigo 1º da Lei 91/95, na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei 165/99).
O dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela Câmara Municipal (vide n.º 2 do artigo 3º da Lei 91/95).
O dever de reconversão inclui ainda o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na presente lei (vide n.º 3 do artigo 3º da citada Lei).
Os encargos com a operação de reconversão impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa (n.º 4 do artigo 3º da Lei 91/95).
A fim de dar cumprimento a esse dever de reconversão, estabelece a citada Lei 91/95, com as alterações introduzidas pelas Leis 165/99 e 64/2003, o regime da administração dos prédios integrados na AUGI.
Segundo o n.º 1 do artigo 8º, o prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos a BB, assegurada pelos respectivos proprietários ou comproprietários, através da assembleia de proprietários ou comproprietários e da comissão de administração, às quais incumbe organizar e dirigir os trâmites do processo de reconversão urbanística (vide artigos 8º, n.º 2, 10º e 15º).
Com efeito, o artigo 10º, n.º 2, alíneas d), f) e g) da referida Lei 91/95, com as alterações introduzidas pela Lei 165/99 e 64/2003, estabelece que é da competência da assembleia de proprietários ou comproprietários, designadamente, “aprovar o projecto de reconversão a apresentar à câmara municipal, na modalidade de pedido de loteamento” bem como “aprovar os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 15º e ainda “aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, os orçamentos apresentados pela comissão de administração para a execução das obras de urbanização”.
A assembleia de proprietários ou comproprietários delibera, nos termos previstos no Código Civil para a assembleia de condóminos dos prédios em propriedade horizontal mas com algumas especialidades (vide artigo 12º da Lei 91/95, com as alterações introduzidas pela Lei 165/99 e pela Lei 64/2003).
As deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação das deliberações produzidas nessa assembleia, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião (vide n.º 7 do artigo 12º).
A acção de impugnação é intentada contra a BB, representada pela comissão de administração (vide n.º 8 do artigo 12º).
As competências desta comissão mostram-se elencadas no artigo 15º, nomeadamente, “elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização” (alínea c) e “elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os orçamentos para execução das obras de urbanização, o relatório da BB e as contas anuais, intercalares, relativas a cada ano civil e as contas finais” (alínea d).
O artigo 16º-C regulamenta a gestão financeira da AUGI, determinando o seu n.º 1 que “as comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da BB”.
Finalmente, de harmonia com o n.º 5 do artigo 10º da Lei 91/95, com as alterações introduzidas pela Lei 64/2003, a fotocópia certificada da acta que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.
Conforme se retira do conteúdo dos documentos de fls. 40 e 41 a 47, juntos aos presentes autos pela exequente, cuja matéria se encontra especificada, uma vez que esses documentos não foram impugnados pelo opoente, o prédio do qual o recorrente é proprietário está dentro do perímetro da AUGI n.º ..... da ............, conforme a delimitação efectuada pela Câmara Municipal de Almada, operação efectuada em consonância com o disposto no n.º 4 do artigo 1º da Lei 91/95, na redacção introduzida pela Lei 165/99. Ou seja, o lote adquirido pelo opoente, destacado do prédio rústico original, com o nº 17.605, foi integrado na AUGI .... (vide n.os 2, 3, 9 e 10 dos Fundamentos de Facto).
O argumento apresentado pelo recorrente, acima reproduzido, referindo que não faz parte da mencionada AUGI por ser proprietário de um lote de terreno em metros quadrados, não sendo comproprietário, não colhe, porquanto está a confundir “lote” com “parcela de terreno objecto de destaque de um prédio – mãe de natureza rústica”.
Considerou, e bem, a sentença que, apesar do prédio do opoente não se encontrar em avos indivisos, como é mais comum encontrar neste tipo de processos de reconversão urbanística e, por isso, não ser o mesmo comproprietário, o certo é que tal parcela de terreno, destacada em metros quadrados de um prédio rústico, não constitui juridicamente qualquer lote de terreno, pois não possui a necessária licença de loteamento emitida nos termos do DL 46.673, de 29/11/1965, então em vigor, e, por isso, encontra-se claramente abrangido pela previsão do n.º 2 do artigo 1º da Lei 91/95.
Quanto ao segundo argumento invocado pelo recorrente, ou seja, o facto da Câmara Municipal de Almada ter enviado, em 4/06/2001, à Comissão da AUGI informação de que o lote de terreno que adquiriu não podia integrar a AUGI e constituir objecto de loteamento urbano, o mesmo não é consistente.
Com efeito, resulta claramente do documento junto de fls. 41 a 47 que a Câmara Municipal de Almada, em resposta a uma reclamação apresentada pela Comissão da AUGI, emitiu parecer, datado de 2/12/2004, que obteve a concordância do respectivo Vereador, em 4/01/2005, no sentido de que a parcela de terreno, propriedade do opoente, se encontra incluída no perímetro da AUGI.
Ora, não tendo sido, em tempo, impugnada a deliberação que aprovou a delimitação nem tendo sido impugnada judicialmente a deliberação da Comissão da AUGI que aprovou a reconversão, ter-se-á de concluir que a parcela em questão faz parte da AUGI, estando o seu proprietário sujeito aos direitos e obrigações dos demais proprietários e comproprietários da área a converter.
Acresce que, muito embora o n.º 6 do artigo 1º da Lei 91/95, na redacção dada pela Lei 64/2003, conceda a faculdade de serem propostas alterações à delimitação e à modalidade de reconversão das AUGI, fundamentadas, designadamente, no melhor conhecimento da realidade local, nos ajustamentos de escalas e na melhor delimitação técnica, o opoente não alude nem demonstra que tivesse suscitado, em momento próprio, qualquer alteração à delimitação efectuada.
Argumenta, finalmente, o recorrente que a falta de licença do loteamento, no domínio do DL 46.673, de 19/11/65 ou DL 289/73, de 6 de Junho ou ainda do DL 400/84, de 31 de Dezembro, não produz, neste contexto de reconversão urbanística, em espaço de génese ilegal, qualquer efeito negativo ou perverso, isto é, não opera a integração do prédio do opoente na área prevista no artigo 1º da Lei da AUGI, como decorre do assento do STJ de 21/07/87.
Não tem razão o recorrente.
Embora o Assento do S.T.J. de 21/07/1987 (Processo 072054), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, haja determinado que, no domínio da vigência do Decreto-Lei n.º 46.673, de 19 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos com ou sem construção (…), a verdade é que o lote de terreno em causa nos autos carecia do necessário loteamento emitido ao abrigo da lei em vigor ao tempo do seu fraccionamento (DL 289/73, de 6 de Junho, entretanto revogado pelo artigo 84º do DL 400/84, de 31 de Dezembro) (vide n.º 11 dos Fundamentos de Facto).
Ora, encontrando-se o lote de terreno pertencente ao executado/opoente nas condições previstas na Lei para ser qualificado como AUGI, ficou o mesmo, inexoravelmente, sujeito ao regime excepcional de reconversão urbanística, previsto na Lei nº 91/95, de 2 de Setembro e alterações subsequentes.
Assim, enquanto proprietário do lote em causa, não poderá o opoente deixar de estar sujeito às deliberações das assembleias de proprietários dos prédios abrangidos pela AUGI ..... da ............, cujas actas servem de título à execução, tanto mais que não demonstrou o opoente que as haja impugnado judicialmente nos termos definidos pela citada Lei nº 91/95.
Assim sendo, nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao confirmar a sentença, que, recorde-se, havia declarado a improcedência da oposição à execução e determinado, em suma, que nenhum obstáculo existia ao prosseguimento da execução.
4.5.
O recorrente argui, finalmente, a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 3º, 7º, 10º, 12º, 15º, 16º-C da Lei 91/95, e subsequentes alterações, porque afastam o direito à indemnização ou a qualquer crédito ou ainda a qualquer espécie de compensação, o que consubstancia violação flagrante da garantia da propriedade privada consagrada no artigo 62º da C.R.P, tratando-se de uma solução legislativa gritantemente inconstitucional, à luz do princípio da igualdade.
O direito à propriedade garantido, nos termos da Constituição, (artigo 62º, n.º 1 C.R.P.), visa sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição possa para ela remeter ou quando se trate de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas, de segurança, de defesa nacional[1].
Teoricamente, o âmbito do direito de propriedade abrange, pelo menos, quatro componentes: (a) – a liberdade de adquirir bens; (b) – a liberdade de usar e de fruir dos bens de que se é proprietário; (c) – a liberdade de os transmitir; (d) – o direito de não ser privado deles.
De facto, um elemento essencial deste direito consiste no direito de não se ser privado da propriedade (nem do seu uso). Ele não goza, porém, de protecção constitucional em termos absolutos, estando garantido antes como um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação[2].
Visando a Lei 91/95 estabelecer o regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal, não vemos como possam os artigos 1º, 3º, 7º, 10º, 12º, 15º, 16º-C da Lei 91/95, violar o direito de propriedade do recorrente, em qualquer das vertentes enunciadas e, desse modo, violar o artigo 62º da Constituição, como se pode verificar com a análise de cada um desses preceitos.
O artigo 1º define o âmbito de aplicação dessa lei, estabelecendo o que se deve entender por AUGI. O artigo 3º refere-se ao dever de reconversão urbanística do solo e da legalização das construções urbanas integradas em AUGI. O artigo 7º reporta-se à legalização das construções existentes nas AUGI. O artigo 10ºestabelece a competência da assembleia, enquanto o 12º de refere ao seu funcionamento. O artigo 15º enumera as competências da comissão de administração, reportando-se o 16º-C à gestão financeira das AUGI.
Assim sendo, não vemos como a interpretação que foi dada a estas normas possa violar o direito á propriedade privada, que a todos é garantido, nos termos da Constituição.
Mas será que tais normas violam ainda o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República?
É verdade que a proibição do arbítrio “constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico – material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infracção» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio[3]”.
Entendeu, por bem, o legislador estabelecer regras para a reconversão urbanista das áreas urbanas de génese ilegal, esclarecendo qual o âmbito do dever de reconversão e sobre quem impendem os encargos com a operação de reconversão, explicitando que impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição.
Não vemos, assim, como, no apontado circunstancialismo, possam os citados artigos, na interpretação que lhe foi dada, violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
5.
DECISÃO:
Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo do recorrente, (artigo 446º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe haja sido concedido.
Lisboa, 19 de Abril de 2012
Granja da Fonseca (Relator)
Silva Gonçalves
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
___________________
[1] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, página 801.
[2] Autores e obra citada, página 805.
[3] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, página 339.