I - A extradição constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por infracção cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.
II - A admissibilidade de extradição, nomeadamente quando Portugal é o Estado requerido (extradição passiva), é regulada pelos tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, pela lei relativa à cooperação internacional (Lei 144/99, de 31-08), e ainda pelo CPP, conforme dispõem o art. 229.º deste diploma e o art. 3.º, n.º 1, daquela Lei. A aplicação da lei interna portuguesa é, pois, subsidiária.
III - As relações de cooperação penal entre Portugal e a Ucrânia regem-se pela Convenção Europeia de Extradição (CEE), de 1957, e seus dois protocolos adicionais, subscrita e ratificada por ambos os países.
IV - Ao ratificar essa Convenção, Portugal formulou diversas reservas à extradição passiva (cf. n.º 3 da Resolução da AR 23/89, publicada no DR, I Série, de 21-08-1989), que traduzem uma reserva de soberania à cooperação internacional. Essa reserva de soberania está igualmente proclamada no art. 2.º, n.º 1, da Lei 144/99.
V - Do texto do art. 10.º da CEE resulta com clareza que a questão da prescrição terá de ser analisada do ponto de vista do direito de ambos os Estados interessados, não podendo a extradição ser concedida se o procedimento criminal, ou a pena, estiverem prescritos à luz da legislação de qualquer um dos Estados. E, por força do art. 8.º, n.º 1, al. c), da Lei 144/99, a prescrição do procedimento criminal segundo a lei portuguesa é, pois, fator de recusa da cooperação judiciária por parte do Estado Português.
VI - O art. 12.º, n.º 1, da Lei 144/99, determina a aceitação pelo Estado Português dos motivos de interrupção e suspensão da prescrição do Estado requerente, mas já não a renúncia à aplicação do regime da interrupção e da suspensão da prescrição do Estado Português na sua globalidade.
VII - A relevância dos motivos da interrupção ou suspensão segundo o direito do Estado requerente, prevista no art. 12.º, n.º 1, não obsta, pois, à efetivação da prescrição, se ela resultar do regime da prescrição consagrado na lei portuguesa, aplicado em toda a sua extensão.
VIII - Assentando a norma prevista no art. 121.º, n.º 3, do CP, em razões conexionadas com os fins das penas, é evidente que o Estado Português, por razões de soberania, não pode renunciar à sua aplicação em processo de extradição passiva.
IX - Em conclusão, embora aceitando, nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, os motivos de interrupção ou suspensão do Estado requerente, Portugal não abdica do n.º 3 do art. 121.º do CP, por força dos arts. 2.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, al. c), da mesma Lei, e do art. 10.º da CEE.
I. RELATÓRIO
O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra, invocando o disposto no artigo 50º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31-8, requereu a extradição para a República da Ucrânia de AA, cidadão ucraniano, com os sinais dos autos, para ser submetido a julgamento, por se encontrar indiciado nesse país pela prática dos seguintes crimes: um crime de furto, p. e p. pelo art. 185º, nº 1; um crime de ofensa à integridade física intencional, p. e p. pelo art. 122º, nº 1; um crime de “hooliganismo” agravado, ou perturbação da ordem pública com violência, p. e p. pelo art. 296º, nº 4, todos do Código Penal da Ucrânia, sendo esses mesmos factos, no entender do requerente, também p. e p. pelos arts. 143º, nº 1, 144º, b) e c), e 203º, nº 1, todos do Código Penal português.
O requerido deduziu oposição, alegando prescrição do procedimento criminal dos dois primeiros crimes, e não ter correspondência no direito português o terceiro dos crimes indicados; mais invocou a cláusula humanitária prevista no nº 2 do art. 18º da citada Lei nº 144/99.
O Ministério Público respondeu, contestando as razões alegadas pelo requerido e mantendo o pedido de extradição.
Por acórdão de 18.4.2012, a Relação de Coimbra autorizou a extradição requerida, ao abrigo dos arts. 1º, nº 1, a), 6º, 8º, 23º, 31º, nº 2, 44º, 49º, 50º, 54º, 55º e 56º, todos da aludida Lei nº 144/99, para que o extraditando seja submetido a julgamento pelos crimes de furto, p. e p. pelo art. 185º, nº 1, e de ofensa à integridade física intencional, p. e p. pelo art. 122º, nº 1, ambos do Código Penal da Ucrânia.
Desta decisão recorreu o extraditando para este Supremo Tribunal, alegando:
I - RECUSA OBRIGATÓRIA DA EXTRADIÇÃO
I.I) DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS
1º Com vista a apurar da existência dos pressupostos que determinam a extradição, cabe às autoridades judiciais do Estado requerido proceder à qualificação jurídicopenal dos factos, segundo a sua própria lei.
2º Quanto a esta matéria, dá-se por integralmente reproduzido o já alegado em sede de oposição à extradição, mormente, nos arts° 3º a 13°.
3º Com efeito, perante a legislação penal ucraniana, os crimes referidos como alegadamente perpetrados pelo ora recorrente, uma vez punidos com pena de prisão até 5 anos, são considerados de gravidade moderada, pelo que prescrevem, decorrido o prazo de 5 anos sobre a data dos factos que os integram.
4º Consequentemente, os dois primeiros (de furto e de ofensa à integridade física), porque perpetrados em 2003, teriam prescrito em 2008.
5º O que também sucede, à luz do nosso ordenamento penal, atentas as disposições conjugadas nos art.ºs 203./1, 143./1 e 118./1-al. c), todos do C.P.
6º O assacado crime de hooliganismo não tem correspondência na nossa legislação penal, donde que se não verifique um pressuposto essencial e decisivo para que a extradição fosse admissível: a dupla incriminação dos factos que a consubstanciam.
7º Mas mesmo concedendo a punibilidade de tais factos, sempre os mesmos haveriam de se considerar como integrando a previsão de um crime de ofensas à integridade física simples, pois que o próprio Ministério Público alega que deles teriam sobrevindo lesões de gravidade moderada.
8º Este mesmo entendimento é sufragado pelo douto acórdão recorrido, constando do ponto 4. da fundamentação e respectiva nota de rodapé.
9° Razão pela qual, também o procedimento criminal correspondente ao último crime imputado teria prescrito em 2008.
I.II) DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
10° Tal como resulta do disposto nos artigos 10° e 22° da Convenção Europeia de Extradição de 1957 com os Protocolos Adicionais de 1975 e 1978 (ratificada por Portugal em 25/01/1990 e pela Ucrânia em 16/01/1998), e bem assim, por força do art.° 8º/1 al. c) da LCJIMP, mal andou o tribunal "a quo", ao ter deferido o pedido de extradição.
11° Com efeito, dispõe o citado art° 10° da Convenção Europeia de 1957 (CE) que "A extradição não será concedida se o procedimento criminal ou a pena estiverem extintos por prescrição, nos termos da legislação da Parte requerente ou da Parte requerida".
12° E o art.° 22.° da mencionada CE estatui que "Salvo disposição em contrário da presente Convenção, a Lei da parte requerida é a única aplicável ao processo de extradição, bem como à detenção provisória".
13° Por outro lado, decorre do art° 3.° da LCJIMP que "As formas de cooperação a que se refere o art.º 1º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma".
14° Ou seja, há-de concluir-se que, em matéria de extradição, a aludida CE prevalece, em termos de hierarquia normativa, sobre a LCJIMP.
15° Destarte, bastará que o instituto da prescrição se verifique ao abrigo da legislação do Estado português para que não possa operar a extradição. (Cfr. Art.° 10.°, conjugado com o art° 22.°, ambos da CE)
16° Razão pela qual, atentas as disposições da CE, citadas no artº anterior, não cabe aplicar ao caso sub judice, ao invés do entendimento vertido no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, o disposto no art.° 12°, n° l, alínea a) da LCJIMP, segundo o qual, "produzem efeitos em Portugal: a) os motivos de interrupção e de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido".
17° Ou seja, a ter que analisar motivos de interrupção da prescrição no caso em análise, tais motivos só poderão ser invocados à luz da legislação do Estado requerido e nunca da do Estado requerente.
I.II.I) Da inexistência de causas interruptivas da Prescrição
18° A verdade, porém, é que, nos termos, quer da legislação do Estado Ucraniano, quer da legislação do Estado Português, o procedimento criminal já se encontra extinto por prescrição, não se verificando, in casu, quaisquer causas de interrupção do prazo.
a) Inexistência da Interrupção da Prescrição ex vi Código Penal Ucraniano (CPU)
19° Ora, mesmo admitindo que pudesse aplicar-se a citada disposição do art° 12°, n° 1, alínea a) da LCJIMP, não bastará invocar a existência da causa de interrupção da prescrição prevista no art° 49°/2 do CPU.
20° Com efeito, a invocação da norma do CPU, "a se", nunca será suficiente para que as autoridades possam "considerar" (fls. 13) que o extraditando, logo após a prática dos factos, se furtou à acção da justiça, à investigação, ao cumprimento das decisões processuais, ou que não compareceu quando convocado pelas mesmas autoridades.
21° Há que demonstrar, de acordo com os documentos constantes dos autos, que, efetivamente, o recorrente se furtou à instrução/investigação por parte das autoridades requerentes.
22° E a verdade é que, compulsada toda a documentação recebida do Estado requerente, apenas se poderá concluir que o extraditando se não subtraiu à ação da justiça na Ucrânia.
Senão, vejamos:
23º Para se concluir que o recorrente estava "fugido à justiça", teria de se saber do seu paradeiro e diligenciar pela sua captura.
24° Ora, os atos alegadamente praticados pelas autoridades ucranianas (As. 13-verso; fls. 24-verso e fls. 36-verso), além de não estarem documentados no processo, não são demonstrativos da prática de diligências concretas tendentes à localização do recorrente.
25° No que se refere à constituição formal de arguido, resulta dos autos que teriam sido proferidas, alegadamente, três decisões, em 3 datas diferentes, a saber fls 28-verso: 28/08/2003; fls 29: 02/08/2005; fls 30:10/06/2010.
26° Sucede que, dessas, alegadas, decisões formais de constituição de arguido, apenas uma — a de 28/08/2003 (fls. 28-verso) — corresponde ao respetivo documento original constante dos autos (fls. 104).
27° E mesmo esta não se mostra devidamente assinada pelo recorrente (Cfr. de novo fls. 104).
28º Razão pela qual, forçoso será concluir que o recorrente nunca logrou ser, nem de facto, nem de direito, formalmente constituído como arguido.
29° Motivo atento o qual, mal andou o douto acórdão do tribunal "a quo" ao considerar que o pedido de extradição "não lhe é alheio e imprevisível pois que a existência do aludido processo na Ucrânia não lhe era desconhecido, donde que o presente também não seja novidade, e nessa perspetiva, sempre se deveria ter precavido contra a danosidade patrimonial da procedência do pedido em sede do risco que, a esse nível, lhe acarretaria e de que não seria razoável prevalecer-se" (Cfr. fls. 13, in fine, do acórdão recorrido)
30° Até porque o recorrente saiu legalmente da Ucrânia, sem qualquer tipo de constrangimento, sendo titular de um passaporte regularmente emitido pelas autoridades ucranianas, em 12 de agosto de 2003, tendo-lhe, ademais, sido concedido visto de saída, em 04 de outubro desse mesmo ano (Cfr. Cópia do respectivo passaporte, a qual se junta sob o Doc. n.° 1).
31° Acresce que o propósito da saída do recorrente sempre foi, não outro, que o de vir para Portugal e juntar-se a seus pais, que haviam deixado a Ucrânia, em 2001.
32° Por outro lado, já em Portugal, o recorrente, para efeitos de autorização de residência, teve necessidade de obter o respetivo certificado de registo criminal, o qual lhe foi remetido, em 2010, pelas autoridades ucranianas, sem qualquer menção de que pendia contra ele algum processo-crime ou de que seria procurado. (Cfr. certificado de registo criminal entregue no SEF, aquando do pedido de autorização de residência).
33º E sempre se dirá que é pacífico o entendimento segundo o qual as normas aplicáveis do Estado requerente hão-de ser interpretadas à luz do nosso ordenamento jurídico.
34° Donde, forçoso será concluir que a aplicação da causa interruptiva da prescrição prevista no CPU acarretaria, sempre, a imprescritibilidade do procedimento criminal, a qual não tem acolhimento no nosso sistema jurídicopenal, atentando contra valores tão caros quanto os da certeza e segurança jurídicas.
35° Por tudo quanto vem de ser invocado, e salvo o devido respeito, não podia o douto acórdão recorrido entender que se verifica a causa interruptiva da prescrição, prevista no CPU (de resto, não aplicável in casu, - Cfr. Arts° 4.° a 8.° do presente recurso).
b) Inexistência da Interrupção da Prescrição ex vi Legislação Portuguesa aplicável
36° Atentando no disposto pelos supra citados arts° 10° e 22° da CE, cabe aplicar, in casu, a legislação do Estado Português.
37° Estatui o art.° 118º/1, al. c) do CP que o procedimento criminal, em relação aos crimes previstos nos art.ºs 143º/1 e 203º/1 do CP, se extingue por efeito de prescrição, logo que sobre a prática dos crimes tiverem decorrido 5 anos.
38° A data do alegado cometimento dos factos pelo recorrente reporta-se a 23/02/2003 e a 28/06/2003, pelo que o procedimento criminal se mostra extinto, respectivamente, em 23/02/2008 e 28/06/2008.
39° O art.° 121.° do CP determina, por seu turno, as causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal.
40° Vertendo para o caso, fácil será constatar que a alegada “fuga à investigação” por parte do recorrente não integra nenhuma das alíneas do n.° 1 do citado dispositivo legal.
41° Logo, a única causa de interrupção da prescrição chamada à colação pelo Estado requerente inexiste no nosso ordenamento jurídico, não podendo ser, como tal, invocada.
42° Por outro lado, também não se pode dizer que existe interrupção da prescrição, com base na alínea a) do citado art° 121.° do CP, porquanto, tal como ficou supra alegado nos arts° 24.° a 27.° do presente recurso, não se verificou, in casu, a constituição formal de arguido.
43° Assim, e analisadas que estão as disposições legais aplicáveis, forçoso será concluir que, no caso dos autos, não se verificam quaisquer causas de interrupção da prescrição, à luz do ordenamento jurídico-penal português.
44° Acresce, por força do disposto no n.° 3 do art° 121.° do CP, que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade.
45° Donde, o procedimento criminal correspondente aos crimes imputados ao recorrente há de ter-se, necessariamente, por prescrito, respectivamente, em 13/08/2010 e 28/12/2010, isto é, 7 anos e 6 meses após as datas do alegado cometimento dos factos.
46° Não se encontra, portanto, justificada, nem legitimada, a ingerência da autoridade pública na esfera da vida privada do recorrente, tal como prevê o art° 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
47º Nem a invocação do instituto da prescrição pode, de modo algum, ser vista como uma forma de assegurar a impunidade do agente do crime ou de afrontar os princípios de confiança, respeito mútuo e reciprocidade que presidem ao processo de extradição.
48° Com efeito, na senda do ensinado pelo Prof. Figueiredo Dias, e discorrendo sobre os fundamentos do instituto da prescrição, "o decurso de determinado lapso temporal faz esbater a censura comunitária traduzida no juízo de culpa, sendo que as exigências de prevenção especial tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objetivos, e do ponto de vista da prevenção geral positiva faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas." (in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 699)
49° Ora, a necessidade de procedimento criminal só tem fundamento quando ainda se justifiquem razões de prevenção geral de integração que determinam a eventual aplicação de uma pena ou medida de segurança.
50° Sendo certo que, na situação dos autos, alcançada que está a paz jurídica, a necessidade daquele procedimento criminal contra o extraditando não se justifica, a não ser por critérios de mera retribuição e expiação que não têm agasalho na lei substantiva penal portuguesa.
II- CLÁUSULA HUMANITÁRIA
II.1) DO GRAVE PREJUÍZO PARA A PESSOA VISADA (art.° 18.°/2 LCJIMP)
51° O recorrente vive em Portugal, desde 2003, juntando-se, desde logo, a seus pais que aqui vivem e trabalham, desde 2001, e que, entretanto, adquiriram a nacionalidades portuguesa.
52° Reside, desde então, com o agregado familiar - ao qual se juntou também o seu irmão -, na cidade do Entroncamento, num apartamento propriedade dos pais.
53° Desde que veio para Portugal, o requerido exerceu sempre uma actividade profissional regular, nomeadamente, manobrador de máquinas; fiel de armazém; no ramo da hotelaria e, actualmente, desde há cerca de um ano, como carpinteiro.
54° Perspetiva a sua vida futura em Portugal, pretendendo, inclusivamente, vir a requerer a atribuição da nacionalidade portuguesa.
55º Junto do SEF decorre o processo para renovação do seu título de residência.
56° Criou já, portanto, raízes no nosso país, onde se encontra plenamente integrado social, familiar e profissionalmente, revelando um bom domínio da língua portuguesa.
57° É um cidadão cumpridor dos seus deveres e das normas legais, assim como das normas sociais, de conduta e costumes portugueses, sendo um profissional respeitado.
58° Sendo certo que, em Portugal, nunca teve qualquer tipo de problema com a justiça, jamais tendo sido indiciado ou julgado por qualquer crime.
59º Todos estes factos foram, de resto, dados como assentes pelo douto acórdão recorrido, conforme pontos 5. a 11. da fundamentação daquele aresto.
60° Actualmente, o seu pai e irmão estão à procura de novo emprego, sendo ambos beneficiários de subsídio de desemprego (Cfr. Cópias dos comprovativos, os quais se são por integralmente reproduzidos e se juntam sob os Docs. 2 e 3)
61° Os valores auferidos, em virtude de tais subsídios, são, quanto ao pai do recorrente, de € 419,10 mensais e, quanto ao irmão do recorrente, de € 295,80 mensais.
62° Sendo certo que tais benefícios sociais cessam já este ano, respectivamente, em junho e novembro de 2012 (Cfr. de novo Docs. 2 e 3).
63º A mãe do recorrente, por seu turno, também se encontra desempregada e não aufere qualquer tipo de subsídio social.
64° O crédito à habitação titulado pelos pais do recorrente, referente à casa de morada de família, importa o pagamento de uma prestação mensal de € 350,00.
65° Acrescem as despesas mensais do agregado familiar com alimentação, água, eletricidade e gás, em valor não inferior a € 600,00.
66° Por outro lado, o irmão do requerido é portador de doença psiquiátrica (Cfr. Cópia do atestado de doença, o qual se dá por integralmente reproduzido e se junta sob o Doc. 4), dando lugar a despesas de saúde de valor não inferior a € 30,00 mensais.
67° Daqui decorre, portanto, que o vencimento auferido pelo recorrente, com o seu trabalho, é indispensável para que o seu agregado familiar possa atingir o limiar mínimo de sobrevivência.
68º A extradição do recorrente implicaria, forçosamente, a total desagregação da família, com grave prejuízo para si e, consequentemente, para os seus pais e irmão, já que, presentemente, não podem prover sequer às suas próprias necessidades, sem o auxílio do recorrente.
69° Além de que, os seus pais e irmão nunca poderão acompanhar o recorrente para a Ucrânia porque, face à actual situação económica daquele país, seria extremamente difícil sustentar a família e ainda assegurar um futuro minimamente condigno.
70° Até porque não têm casa na Ucrânia e a única habitação do agregado familiar, propriedade dos pais, está situada em Portugal.
71° Logo, a extradição do ora recorrente implicaria a exposição da família a uma situação vulnerável e de risco que viola necessariamente o direito à vida privada e familiar, ao arrepio do disposto no artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
72° Acarretando ainda, desta forma, a violação de direitos constitucionalmente consagrados, como seja o direito à família plasmado - designadamente - no artigo 67° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
73° Razão pela qual, os factos que vêm de ser elencados, ao longo dos artigos 51° a 70° do presente recurso, não podem simplesmente qualificar-se como uma mera consequência "desagradável" da extradição na vida pessoal do recorrente.
74° O que, aqui, está verdadeiramente em causa é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, nas suas várias vertentes, o qual reclama, nesta situação em concreto, a necessidade de aplicar a denegação facultativa da cooperação internacional.
II.2) REQUISITOS GERAIS NEGATIVOS DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL (art.° 6.°, nº 1 a) da LCJIMP)
75° Não obstante, tudo quanto ficou dito, não será despiciendo referir, ademais, o recente caso mediático da ex primeira-ministra da Ucrânia, Iulia Timoshenko, que deixa transparecer as inequívocas fragilidades do sistema de realização da justiça na Ucrânia.
76° Designadamente, implicando para o recorrente o risco de lhe ver denegado o direito à realização de um julgamento justo e com todas as garantias de defesa próprias de um Estado de Direito.
77° Além das duvidosas condições de reclusão, a que o recorrente, eventualmente, ficaria sujeito, caso fosse condenado, atentas as agressões recorrentes de que são vítimas os reclusos naquele país, facto público e notório, e bem patente no caso mediático referido.
78° Razão pela qual, o pedido de cooperação sempre deveria ter sido recusado, porquanto não satisfaz as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 4 de Novembro de 1950 e os Direitos, Liberdades e Garantias da Constituição da República Portuguesa. (Cfr. art° 6º alínea a) da Lei LCJIMP)
79° De todo o exposto resulta, pois, que o deferimento do pedido de extradição, em causa, implica, forçosamente, graves consequências para o recorrente, fundamentalmente em razão dos motivos que supra se invocaram, ao abrigo dos arts°. 18° n° 2 e 6.° al. a), ambos da LCJIMP.
CONCLUSÕES
Assim, e por todos os fundamentos supra invocados:
A) Por violação das normas constantes dos artigos 10° e 22° da CE;
B) Por violação das normas constantes dos artigos 3.°, 8º/1, al. c), 6.° al. a), 18º/2, todos da LCJIMP;
C) Por afastamento do disposto no artigo 12º/1 al. a) da LCJIMP, não aplicável, in casu;
D) Por não observação do disposto nos arts° 118º/1 al. c) e 121º/1 e 3, ambos do CP;
E) Por violação do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 67° da CRP.
Deverão V. Exas:
1) Revogar a decisão de extradição do recorrente, porquanto o pedido de cooperação:
1.1) Não cumpre os pressupostos de extradição (recusa obrigatória);
1.2) Cumpre os requisitos da denegação facultativa de extradição (Cláusula Humanitária);
1.3) Não satisfaz as exigências constitucionais, no que concerne ao Direito e Proteção à família;
1.4) Nem satisfaz as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
2) E, em consequência, a recusar o pedido de cooperação internacional apresentado ao Estado Português.
Respondeu o Ministério Público, nos seguintes termos:
I. INTRODUÇÃO
1- Interpôs o extraditando, AA, recurso para o S.T.J., do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-04-2012, o qual, no âmbito de um Pedido de Extradição formulado pelas Autoridades Ucranianas, decretou a entrega deste seu nacional;
2- Pretende o extraditando com o recurso a revogação do Acórdão, por não cumprir os pressupostos da extradição, sendo a recusa obrigatória e ainda por não ter considerado a verificação de requisitos da denegação facultativa e porque a decisão não satisfaz as exigências constitucionais quanto à proteção da família, nem a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais;
3- Como fundamentos para tal, invoca:
a) - A prescrição do procedimento criminal;
b) -Violação de cláusula humanitária, fundamentada em grave prejuízo para o extraditando (art.° 18°, n.° 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal - LCJIMP);
c) - Requisito geral negativo da cooperação internacional, nos termos do art° 6º, al. a) da LCJIMP).
4 - Não nos parece, que possa ter acolhimento a pretensão do extraditando, no sentido da pretendida anulação do acórdão recorrido e não execução do Pedido de Extradição a que se reportam os presentes autos, sendo certo que as duas primeiras questões suscitadas pelo recorrente haviam já sido fundamento da sua oposição e foram objeto de apreciação na douta decisão recorrida.
II. DISCUSSÃO
1. Com efeito, quanto à questão da prescrição, refere o recorrente que, havendo que proceder à qualificação jurídica dos factos constantes do pedido de extradição, segundo a lei penal portuguesa e aplicando as normas penais do nosso ordenamento jurídico relativas à prescrição, o procedimento criminal já se encontra prescrito. Encontra-se prescrito, desde logo atenta a data da prática dos factos, ao que acresce o facto de inexistir qualquer causa interruptiva da prescrição, quer à luz do Código Penal Ucraniano, quer à luz do Código penal Português.
2. O recorrente já apresentara semelhantes argumentos na oposição que fizera à extradição, tendo o Tribunal recorrido ponderado a questão.
3. Para concluir pela inexistência de prescrição do procedimento criminal, com o que concordamos. Aliás, nesse sentido tinha sido manifestada a nossa opinião aquando da resposta à oposição à extradição.
4. Na verdade, o douto acórdão recorrido começa por fazer a devida qualificação jurídica face ao ordenamento jurídicopenal português, sem que, apesar do alegado pelo recorrente, se verifique qualquer divergência em relação ao decidido. Está assim dado por assente que os factos pelos quais é pedida a extradição, são puníveis em Portugal, pelos art.ºs 143°, n.° 1 e 203°, nº l ambos do CP, não se verificando por esse motivo qualquer obstáculo à extradição, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 31° n.° 1 e 2 da lei 144/99 de 31-8, pois que tais factos são também puníveis face à lei penal do Estado requerente.
5. Relativamente à questão suscitada sobre a prescrição começa o recorrente por alegar que se aplica o prazo de prescrição da lei portuguesa. Ora, a decisão recorrida não coloca em causa esse argumento, atento o que se dispõe no art.° 8º, nº 1, al. c) da lei 144/99.
6. Do que se diverge é do facto de o recorrente considerar que não há que analisar se houve motivos de interrupção e de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado requerente. Na verdade, não podendo ignorar o que dispõe o art.° 12°, n.° 1, al. a) da lei 144/99, na sua conjugação como o disposto no art.° 8°, al. c) do mesmo diploma legal, considerou o Tribunal recorrido que haveria, naturalmente, que ter em conta os motivos de interrupção e de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado da Ucrânia.
7. E, dos elementos documentais constantes dos autos que integram o pedido de extradição, verifica-se que logo após a prática dos factos, ainda no ano de 2003, a prescrição se interrompeu, só voltando a correr, segundo a lei do Estado requerente, no momento em que foi encontrado e preso em Portugal, em novembro de 2010.
8. Afigura-se-nos, assim, tendo decidido neste sentido, não merece a douta decisão recorrida qualquer censura. Não se aceita, assim, a alegação de que não se encontra documentada factual e legalmente a apontada interrupção da prescrição pelo Estado requerente. Por outro lado, não se afigura pertinente a argumentação do recorrente sobre as causas de interrupção da prescrição em face da lei portuguesa, atento o disposto no citado art.° 12° da lei 144/99.
9. Quanto à segunda questão, violação de cláusula humanitária, no âmbito da legal previsão do disposto no art.° 18°, n.° 2, da lei 144/99, não resulta da matéria de facto provada que do deferimento do pedido advenham "consequências graves para a pessoa visada", conforme decidiu o Tribunal recorrido. Afinal de contas o que o deferimento implica é que o extraditando esteja presente, no seu país, para ser julgado por factos que contra si se indiciam e que assumem uma gravidade relativa.
10. Não merece nesta parte censura a fundamentação da decisão recorrida quando não considera verificada a circunstância que permita a denegação facultativa da cooperação internacional prevista na referida norma legal.
11. Por fim, vem o recorrente alegar verificar-se o requisito geral negativo, previsto no art.° 6º, al. a) da lei n.° 144/99, para a cooperação internacional neste caso, uma vez que pelas notícias da comunicação social ("mediáticas") relacionadas com ex-primeira ministra da Ucrânia existirão fragilidades no sistema de realização da justiça neste País. Para logo concluir que existe um risco de lhe ver denegado o direito a um julgamento justo, bem assim, poderá ficar sujeito a duvidosas condições de reclusão.
12. Ora, não se aceitam como válidos os argumentos apresentados. Desde logo, porque não se encontram provados factos que apoiem qualquer argumentação válida no apontado sentido.
13. Por outro lado, não serão suficientes quaisquer notícias, como a referida, para retirar ilações como as que vêm referidas. E, a ser assim, haveria que actualizar o conhecimento das notícias mediáticas com o facto, que também é do conhecimento público, de a dita ex-primeira ministra estar neste momento a ser tratada num hospital, não estando já em greve da fome, sem que neste momento se tenha apurado o que na realidade se passou. E, já agora, referir também que em Portugal existem casos mediatizados de reclusos que entram em greve da fome pelas mais variadas razões, não sendo por isso que deixamos de aceitar que os Direitos Humanos são respeitados nas cadeias portuguesas
14. Acresce que a cooperação penal internacional apoia-se em tratados, convenções ou acordos bilaterais que responsabilizam mutuamente os Estados subscritores, que passam naturalmente pela avaliação de critérios de natureza política, tal como acontece no presente caso, com referência à Convenção Europeia de Extradição, subscrita por Portugal e pela Ucrânia, ao abrigo da qual este País fez o presente pedido de Extradição. Ainda nesse mesmo sentido, tendo decorrido o processo administrativo prévio junto do poder político foi também reconhecido e considerado admissível pela Senhora Ministra da Justiça, o presente pedido de extradição.
15. Tudo para dizer que nos parece não existir fundamento sério que permita recusar o pedido de extradição ao abrigo do disposto na al. a) do art.° 6º da lei 144/99 (neste sentido se pronunciou em processo semelhante de extradição pedido pelo Estado do Cazaquistão, o S. T. J. em acórdão, de 19-1-2012, no processo n.° 242/11.3YRCBR).
III. CONCLUSÃO
Face ao exposto, não constituindo as razões apresentadas pelo recorrente qualquer fundamento para a recusa de cumprimento do Pedido de Extradição e não estando ainda também em causa qualquer vício, quer de natureza substantiva, quer de natureza formal ou adjetiva, nos necessários pressupostos e fundamentos que conduziram à decisão em recurso, nenhuma censura pode merecer o acórdão proferido em 18/04/2012 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que concedeu a entrega do recorrente AA, razão porque entendemos que o mesmo deverá ser confirmado, improcedendo assim o seu recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A extradição constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.
A admissibilidade de extradição, nomeadamente quando Portugal é o Estado requerido (extradição passiva), é regulada pelos tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, pela lei relativa à cooperação internacional (Lei nº 144/99, de 31-8), e ainda pelo Código de Processo Penal, conforme dispõem o art. 229º deste diploma e o art. 3º, nº 1, daquela Lei. A aplicação da lei interna portuguesa é, pois, subsidiária.
As relações de cooperação penal entre Portugal e a Ucrânia regem-se pela Convenção Europeia de Extradição (CEE), de 1957, e seus dois protocolos adicionais, subscrita e ratificada por ambos os países, e ao abrigo da qual o presente pedido de extradição foi formulado.
Ao ratificar essa Convenção, Portugal formulou diversas reservas à extradição passiva (ver nº 3 da Resolução da Assembleia da República nº 23/89, publicada no DR, I Série, de 21.8.1989), que traduzem uma reserva de soberania à cooperação internacional.
É essa reserva de soberania que está igualmente proclamada no art. 2º, nº 1, da Lei nº 144/99, ao dispor: “A aplicação do presente diploma subordina-se à proteção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portuguesa, constitucionalmente definidos.”
2. Coloca o recorrente as seguintes questões: prescrição do procedimento criminal (recusa obrigatória); verificação dos requisitos da cláusula humanitária (recusa facultativa); incumprimento das exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (requisito geral negativo).
É a seguinte a matéria de facto fixada pela Relação:
1. No âmbito do processo-crime n.º 11-1540-03, a correr termos no Tribunal Municipal de Lutsk, distrito de Volyn, na Ucrânia, em face de o requerido se ter ausentado para parte incerta, foi o mesmo declarado como sendo procurado pelas Autoridades Judiciais Ucranianas.
2. Isto porquanto o extraditando se encontra aí indiciado de “Em 13 de fevereiro de 2003, pelas 17:00 horas, próximo do edifício n.º 30 na Soborosti Avenue, em Lutsk, fazendo parte de um grupo de indivíduos não identificados, violando de forma flagrante a ordem pública, agrediu BB utilizando para o efeito um bastão de madeira (taco de baseball), atingindo voluntariamente a vítima na cabeça e no corpo, tendo a vítima sofrido lesões físicas de gravidade média com indícios de distúrbios para a saúde a longo prazo. Em 28 de junho de 2003, pelas 23:00 horas, no apartamento n.º 78 do edifício n.º 32 da Sobornosti Avenue, em Lutsk, agindo de modo intencional e por motivos mercenários, através de livre acesso, apropriou-se de um telemóvel marca Triumph, no valor de 600 Hryvnias (moeda ucraniana), fazendo-o seu.”
3. Tais factos integram, à face do Código Penal da Ucrânia, a prática de um crime de furto, p.p.p. art.º 185.º, n.º 1; de um crime de ofensa à integridade física intencional, p.p.p. art.º 122.º, n.º 1; e, de um crime de hooliganismo agravado, ou perturbação da ordem pública com violência, p.p.p. art.º 296.º, n.º 4.
4. E, perante o Código Penal Português, a prática dos crimes previstos e punidos através dos art.ºs 143.º, n.º 1 e 203.º, n.º 1, cujas reações penais podem ascender, em cada um dos casos, a prisão até 3 anos[1].
5. O requerido veio para Portugal, em 2003, juntando-se, desde logo, a seus pais que aqui vivem e trabalham e que, entretanto, adquiriam a nacionalidade portuguesa.
6. Reside, desde então, com o agregado familiar – ao qual se juntou seu irmão, que veio para o País a seguir ao requerido –, na cidade do Entroncamento, num apartamento propriedade dos pais.
7. Desde que em Portugal, exerceu sempre uma atividade profissional regular, nomeadamente, manobrador de máquinas; fiel de armazém; no ramo da hotelaria e, atualmente, desde há cerca de um ano, como carpinteiro.
8. Perspetiva a vida futura em Portugal, pretendendo, inclusivamente, requerer a atribuição da nacionalidade portuguesa.
9. Junto do SEF decorre atualmente processo para renovação do seu título de residência.
10. Mostra-se plenamente integrado no País social, familiar e profissionalmente, revelando um bom domínio da língua portuguesa.
11. Nunca teve qualquer problema com a justiça, jamais tendo sido indiciado ou julgado pela prática de um crime.
3. Comecemos por analisar a questão da prescrição do procedimento criminal.
Segundo o recorrente, o procedimento criminal por qualquer uma das infrações referidas no pedido de extradição encontra-se extinto por prescrição. Invoca, como fundamento, o art. 10º da CEE, que dispõe: “A extradição não será concedida se o procedimento criminal ou a pena estiverem extintos por prescrição, nos termos da legislação da Parte requerente ou da Parte requerida.”
Do texto desta disposição convencional resulta com clareza que a questão da prescrição terá de ser analisada do ponto de vista do direito de ambos os Estados interessados, não podendo a extradição ser concedida se o procedimento criminal, ou a pena, estiverem prescritos à luz da legislação de qualquer um dos Estados.
O art. 8º, nº 1, c), da Lei nº 144/99, estabelece também que: “A cooperação não é admissível se, em Portugal ou noutro Estado em que tenha sido instaurado procedimento pelo mesmo facto: c) O procedimento se encontrar extinto por qualquer outro motivo, salvo se este se encontrar previsto, em convenção internacional, como não obstando à cooperação por parte do Estado requerido.”
A prescrição do procedimento criminal segundo a lei portuguesa é, pois, fator de recusa da cooperação judiciária por parte do Estado Português.
A questão em análise, suscitada pelo recorrente na oposição ao pedido, foi tratada no acórdão recorrido, tendo sido afastada a verificação da prescrição com fundamento no art. 12º, nº 1, da Lei nº 144/99, que estabelece: “1. Produzem efeitos em Portugal: a) Os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido;”
Este preceito foi interpretado pela decisão recorrida como impondo a receção pelo Estado Português da totalidade do regime de prescrição do procedimento criminal da legislação ucraniana, a qual prevê (art. 49º, nº 2, do CP ucraniano), como causa de interrupção do procedimento criminal, a fuga à ação da justiça, só voltando a correr novo prazo quando a pessoa procurada é detida ou se entrega voluntariamente.
Seguindo essa interpretação, o Tribunal recorrido concluiu que o procedimento criminal pelos crimes objeto do pedido de extradição, cometidos em 13.2.2003 e 28.6.2003, cujo prazo é de 5 anos, segundo a lei ucraniana (e aliás também segundo a lei portuguesa), se interrompeu em 30.8.2003 e em 2.8.2005, respetivamente, quando o recorrente começou a ser procurado pelas autoridades no âmbito desses processos, voltando apenas a correr com a detenção do recorrente em Portugal em 9.11.2010, não estando, pois, prescrito.
Mas a assinalada interpretação do art. 12º, nº 1, da Lei nº 144/99, não é correta. O que este preceito determina é a aceitação pelo Estado Português dos motivos de interrupção e suspensão da prescrição do Estado requerente, mas já não a renúncia à aplicação do regime da interrupção e da suspensão da prescrição do Estado Português na sua globalidade.
A relevância dos motivos da interrupção ou suspensão segundo o direito do Estado requerente, prevista no citado art. 12º, nº 1, não obsta, pois, à efetivação da prescrição, se ela resultar do regime da prescrição consagrado na lei portuguesa, aplicado em toda a sua extensão.
Ora, a nossa estabelece, no nº 3 do art. 121º do CP, que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, descontado o período da suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.
Trata-se de uma cláusula que visa, afinal, salvaguardar o objetivo do instituto da prescrição, que radica em razões político-criminais ancoradas nos fins das penas, definidos no art. 40º do CP. Efetivamente, o decurso de um período significativo de tempo, por um lado, esbate, ou mesmo extingue, a censura comunitária, e consequentemente o juízo de culpa que lhe é ínsito; por outro, atenua fortemente ou anula as razões da prevenção especial, quer do ponto de vista da ressocialização, quer do da segurança pública; por último, as exigências comunitárias de aplicação da lei, que a prevenção geral pretende salvaguardar também estarão já ultrapassadas, quer pelo seu apaziguamento, quer pela sua frustração definitiva.[2]
A estipulação de um limite máximo para a prescrição do procedimento criminal, independentemente da ocorrência dos diversos fatores de interrupção, visa, pois, assegurar que as finalidades das penas não saiam lesadas. A inexistência desse limite, permitindo a prorrogação indefinida, ou desproporcionada, do prazo prescricional, frustraria as razões político-criminais que fundamentam o instituto da prescrição.[3]
Assentando, pois, a norma prevista no art. 121º, nº 3, do CP, em razões conexionadas com os fins das penas, é evidente que o Estado Português, por razões de soberania, não pode renunciar à sua aplicação em processo de extradição passiva.
Em conclusão, embora aceitando, nos termos do art. 12º, nº 1, a), da Lei nº 144/99, os motivos de interrupção ou suspensão do Estado requerente, Portugal não abdica do nº 3 do art. 121º do CP, por força dos arts. 2º, nº 1, 8º, nº 1, c), da mesma Lei, e do art. 10º da CEE.
Analisando os factos, constata-se que o procedimento criminal por qualquer uma das infrações imputadas ao recorrente prescreve no prazo de 5 anos, tanto na lei ucraniana como na portuguesa (art. 118º, nº 1, c), do CP), tendo, pois, lugar a prescrição ao fim de 7 anos e 6 meses, independentemente de qualquer interrupção que tenha ocorrido.
Atentas as datas da prática das infrações, o procedimento criminal prescreveu, por força do citado nº 3 do art. 121º do CP português, em 13.8.2010 e 28.12.2010, respetivamente.
Consequentemente, procedem as considerações do recorrente, nessa parte, que impõem a recusa da extradição, nos termos dos arts. 2º, nº 1, 8º, nº 1, c), da Lei nº 144/99, e do art. 10º da CEE, ficando prejudicadas as demais questões expostas no recurso.
III. DECISÃO
Com base no exposto, e na procedência do recurso, decide-se:
a) Revogar a decisão recorrida;
b) Recusar a extradição para a República da Ucrânia do recorrente AA.
Sem custas.
Lisboa, 30 de maio de 2012
Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
(Acórdão e sumário redigidos de acordo com o novo Acordo Ortográfico)
Na verdade, o tipo base do crime de hooliganismo é a violação flagrante da ordem pública em claro desrespeito pela sociedade, acompanhada de especial insolência ou crueldade, ou seja, o crime em apreço p.p. no n.º do Código Penal Ucraniano não apresenta elementos típicos que permitam a sua contraposição com qualquer tipo legal do Código Penal vigente no nosso País.
Subsiste, assim, a infração agravada que, nos termos do n.º 2 daquele artigo, se configura como os mesmos atos diferindo pela sua excecional crueldade ou improcedência, ou ligados a resistência contra órgãos representativos da autoridade ou representantes públicos que exercem responsabilidades pela proteção da ordem pública, ou contra cidadãos que protegem a sociedade de actos violentos e os actos cometidos por uma pessoa anteriormente acusada de hooliganismo, sendo punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Ora, a descrição dos factos alegadamente verificados no dia 13 de Fevereiro de 2003, não comporta quaisquer elementos autónomos, suscetíveis de, face à nossa lei, integrarem um ilícito criminal.
Isto é, e em conclusão, se quando o Magistrado do Ministério Publico afirma que os factos integram, á face do direito penal pátrio, o crime de ofensas corporais simples a que alude o art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, colhe a nossa inteira adesão, já o mesmo não sucede quando o mesmo Magistrado afirma que os factos se configuram também como integrantes do art.º 296.º, n.º 4, do Código Ucraniano.
Na verdade, estamos, no que concerne a este segmento da factualidade reportada, face a um pedido de extradição assente em factos que à luz do direito penal português se configura como um mero crime de ofensas corporais voluntárias simples, previsto e punido no art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal.
[2] Nestes termos, incisivamente, Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, p. 699.
[3] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 711.