CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
FINS DAS PENAS
FURTO
FURTO QUALIFICADO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
Sumário

I  -   A pena única deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação ente si, mas sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.
II -  Com a pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda considerar, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.
III - Os factores de determinação das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, segundo Eduardo Correia, “aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração”.
IV - O recorrente foi condenado pela prática de três crimes de furto qualificado, dois na forma tentada, e de um crime de furto, na pena conjunta de 5 anos e 2 meses de prisão.
V - Os factos encontram-se conexionados entre si, apresentando-se numa relação de continuidade, formando um complexo delituoso de gravidade média, revelador que o arguido tem apetência pelos bens alheios, não se coibindo de delinquir repetidamente, apesar de detido pelas autoridades e submetido à medida de coacção de obrigação de apresentação. Tudo ponderado, considerando a gravidade do ilícito global e o efeito dissuasor e ressocializador que se pretende que a pena exerça, não merece qualquer censura a pena conjunta fixada pelo tribunal recorrido.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 202/05. 3GBSXL, do 1º Juízo Criminal do Seixal, o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material de três crimes de furto qualificado, dois na forma tentada, e como co-autor material de um crime de furto, na pena conjunta de 5 anos e 2 meses de prisão[1].

O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada[2]:

«1º O douto acórdão não se mostra devidamente fundamentado, de tal forma que entenda claramente o raciocínio do julgador na decisão assim violando o art.° 18, n° 2 da CRP.

2º A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

3º Nesta circunstância, o douto acórdão recorrido viola o art.° 40 do Código Penal, porquanto não tem em conta as necessidades de reintegração social do arguido.

4º Nomeadamente por não tirar as conclusões que se impunham do facto de o recorrente ser primário à data da prática dos factos e terem sido praticados num espaço de tempo muito concentrado.

5º Pelo que resulta dos autos que o arguido não tem uma personalidade criminosa e que praticou os factos numa altura muito difícil da sua vida em que lutava para poder sobreviver, até devido ao alcoolismo que padecia.

6º Do seu comportamento não resultou risco de vida para a vida ou integridade física de pessoas, até porque do arguido não se conhece qualquer utilização de armas.

7º Com efeito no caso "Sub Júdice" visto no plano objectivo tem uma gravidade muito mitigada, facilmente se conclui que o dolo e a ilicitude dos factos estão consideravelmente diminuídos.

8º Daí que, não se consiga vislumbrar o critério utilizado pelo Tribunal "a quo" na aplicação da medida concreta da pena, sendo todavia, dado indiscutível que, o arguido era primário à data da prática dos factos, e por conta disso, deveria ter visto ser-lhe aplicada uma pena mais adequada à sua culpa aquando da prática dos aludidos crimes.

9º Há uma valoração diferente e desigual entre as circunstâncias atenuantes e as agravantes no caso concreto, pesando muito mais o facto de o arguido ter duas condenações posteriores sendo uma delas por um crime totalmente distinto.

10° Assim, sopesados todos os factos que podem depor a favor do arguido, resulta que a sua pena deverá ser suspensa na sua execução por um período de 5 anos e sujeita a um apertado regime de prova e de fiscalização por parte das entidades competentes,

11° Contudo, no tocante ao correspondente cúmulo jurídico operado pelo Tribunal "a quo", verifica-se na determinação da pena única correspondente um rigor agravativo que temos por inadequado ao caso e ás condições do arguido.

12° Nos termos do art.° 77 do CP que regula a punição em concurso, os "factos e a personalidade do agente" que sempre a lei impõe que se considerem, levam neste caso imperiosamente à consideração de que a desejável punição do arguido não se deve sobrepor avassaladoramente às necessidades de reintegração social daquele, fim principal da pena ao que diz a lei.

13° Deve, para isso e por esse motivo ser minorada a pena única a aplicar, uma vez que os crimes cometidos são até passíveis de aplicação de uma pena de multa, de forma a garantir que o arguido possa o mais rapidamente possível, regressar ao convívio social.

14° Ademais, o tempo de prisão preventiva a que o arguido já foi sujeito e à ameaça da prisão realizam adequada e suficientemente as finalidades da pena.

15° A desejável punição do arguido não se deve nunca sobrepor avassaladoramente às necessidades de reintegração social e recuperação para a vida em sociedade do agente, sendo que é este o fim primacial e absoluto da pena.

16° Ignorando estes princípios, caímos necessariamente na violação de princípios fundamentais do direito penal e da própria Constituição da República, mas também, sendo fundamental, de razoabilidade e justiça relativa.

17° O Acórdão recorrido viola os seguintes preceitos legais;

Art.° 40, n° 2, art.° 50, art.° 70, art.° 71 e art.° 77, todos do Código Penal e,

Art.° 18 n° 2 da Constituição da República Portuguesa».

Na contra-motivação o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:

1. Em audiência de discussão e julgamento foi produzida prova de que o arguido praticou dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, um crime de furto qualificado e um crime de furto simples.

2. Mais e provou que o arguido já tinha sido condenado pela prática de um outro crime de furto qualificado, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução.

3. As penas de prisão (parcelares) aplicadas, de 1 ano e 8 meses, 1 ano e 2 meses, 3 anos e 6 meses e 10 meses de prisão, respectivamente, situam-se próximo dos seus limites mínimos, não excedem a medida da culpa e contemplam as exigências de prevenção geral e especial, que são muito elevadas.

4. De igual modo se nos afigura que a pena única de 5 anos e 2 meses de prisão respeita as regras da punição, previstas no artigo 77º, do Código Penal.

5. Por outro lado, afigura-se-nos que não estão reunidos os pressupostos para a suspensão da pena aplicada.

6. A personalidade do arguido, evidenciada na prática dos factos pelos quais foi condenado, bem como a reiteração na prática de factos ilícitos revela que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são insuficientes para garantir as finalidades da punição.

Acresce que as exigências de prevenção geral são muito elevadas.

7. Ao contrário do que alega o recorrente, o acórdão recorrido não violou qualquer norma, designadamente as invocadas na motivação apresentada, pelo que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:

«I – O arguido/recorrente AA foi condenado por autoria de um crime de furto qualificado do art. 203º, 204º, n.º 2 al. e) do CP na pena de 3 anos e 6 meses, e dois crimes de furto qualificado tentado dos arts. 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), 22º e 23º do CP nas penas de 1 ano e 8 meses e 1 anos e 2 meses e um crime de furto do art. 203º n.º 1, 204º, n.º 2, al. e) e nº 4 na pena de 10 meses de prisão, sendo fixada a pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico.

O Magistrado do Ministério Público levanta a questão sobre a incompetência do STJ para apreciar a medida das penas parcelares por serem inferiores a 5 anos de prisão (art. 432º, n.º 1 al. c) do CPP) que o Tribunal da Relação de Lisboa assim não acolheu.

Como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não é unânime, designadamente a 3º secção e o arguido/recorrente também não defende especificamente qual a medida das penas parcelares que pretende, vamos limitar-nos à medida da pena única, pois parece-nos que só as penas parcelares por autoria de dois crimes de furto qualificado tentado poderiam ser diminuídas.

1) Na pena a aplicar ao arguido AA para além da prevenção geral (atendimento do sentimento comunitário) também a prevenção especial terá de ser atendida com a “neutralização-afastamento” do delinquente no cometimento de outros crimes, para isso intimando-o a proporcionar, a moldar a sua personalidade (neste sentido Ac. do STJ de 27/05/2011, proc. 517/08.9).

A conduta do arguido no cometimento dos crimes poder-se-á também socorrer de ter acontecido quando o mesmo tinha 23 anos e tendo ocorrido entre Maio e Agosto de 2005.

A reinserção social do agente como prevê o art. 40º do CP integrar-se-á na prevenção especial positiva, mas dentro das finalidades da protecção dos bens jurídicos e a integração geral positiva será um fim essencial da pena na linha doutrinária e também jurisprudencial, por isso não descortinamos a violação do disposto no art. 40º do CP.

Igualmente não se demostram violados o disposto nos arts. 70 do CP porque o tribunal recorrido fundamentou a aplicação das penas e o disposto no art. 50º quando a pena única de 5 anos e 2 meses, não podia beneficiar da suspensão da sua execução.

2) A medida da pena única fixada parece-nos que, independente de serem alteradas ou não as penas parcelares, poder-se-á ver diminuída devido a alguns dos fundamentos suscitados pelo arguido.

A pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente tem como limite máximo 7 anos e 2 meses e limite mínimo 3 anos e 6 meses de prisão.

A fixação da pena do concurso depende da consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 77º, pois o critério para a pena unitária dele resultante tem de assumir-se como um critério especial.

A pena única, tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da medida da pena do concurso (As Consequências Jurídicas do Crime, Figueiredo Dias, fls. 420).

A sua fixação, tal como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias, cit. pág. 290,292).

Todas as circunstâncias, que expressamente foram dadas como provadas e se fôr possível alterar uma das penas parcelares parece-nos poder levar a que a medida da pena seja fixada próxima dos 5 anos, como o arguido/recorrente defende.

A circunstância mais desfavorável ao arguido será o de ter sido condenado em 26/10/07, por factos anteriores e em 28/6/2011 por factos ocorridos nesse mesmo mês mas estes factos podem ser avaliados com a sua personalidade. 

            Quanto à sua personalidade actual parece-nos que haverá ausência de relatório social, no entanto, atendendo à data em que os factos ocorreram, à sua idade nessa altura, ao tipo de crimes cometidos e eventual alteração de medida das penas parcelares, parece-nos que poderão levar a diminuir a pena única aplicada. 

Por isso em função da exigência da prevenção geral que são mais elevadas que as da prevenção especial, parece-nos que a medida da pena a aplicar ao arguido AA, poderá eventualmente ser fixada próxima dos 5 anos de prisão.

3) Se vier a ser aplicada uma medida de pena igual a 5 anos, então ter-se-á de colocar a hipótese de se suspender a sua execução tal como o arguido/recorrente suscita, ao abrigo do disposto no art. 50º, n.º 1 do CP, porque nos parece que se podem verificar os pressupostos exigidos.

Nesta medida penal é feito um encontro entre o juízo de desvalor ético-social que está contido na sentença condenatória e o chamamento da própria vontade do arguido para se reintegrar na sociedade, pois a suspensão da execução da pena de prisão que até pode considerar-se uma pena substitutiva de prisão que pode ser declarada com ou sem imposição de qualquer condicionalismo (art° 50º, n° 1 do CP).

Para que uma pena possa ser declarada suspensa tem de ser aplicada em medida inferior ou igual a 5 anos e tem o julgador, no momento da decisão, de atender à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior, conjugadas com as circunstâncias do crime, concluir por um prognóstico favorável para o seu comportamento futuro que o afaste do crime.

É certo que o juízo a formular pelo Tribunal sobre o carácter favorável de prognose não tendo de se fundamentar em certezas, deverá assentar na esperança de uma possibilidade de que a socialização pode ser alcançada em liberdade (Ac. do STJ de 29/06/05. p. 1942/05, 3ª sec.).

Mas parece se mostrarem preenchidos os pressupostos para a aplicação ao arguido/recorrente a suspensão da pena, haverá que ponderar e decidir se os fundamentos por si invocados para a medida da pena e os dados como provados no acórdão recorrido, serão suficientes para um juízo de prognose favorável e por isso, suspender a pena aplicada por autoria dos crimes de furto.

Embora com muitas dúvidas, parece-nos poder ser suspensa a medida da pena, se for fixada em 5 anos, pois não estando a residir legalmente, poderá regressar aos país de origem onde têm mulher e os filhos.

Assim e por tudo isto parece-nos que o recurso do arguido AA poderá obter provimento parcial quanto à medida da pena única e à sua suspensão (arts. 77, 71º e 50º do CP)».

Na resposta o arguido manifesta-se de acordo com o parecer emitido.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

                                         *

Única questão que o arguido AA suscita na motivação de recurso é a da determinação da medida da pena única, que considera desajustadamente fixada, em violação do princípio da necessidade constante do n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, pugnando pela sua redução, fixando-se em medida não superior a 5 anos de prisão, com suspensão da sua execução.

O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos.

«1- No dia 18 de Maio de 2005, cerca das 02h30, o arguido dirigiu-se a um armazém situado na Rua A… M…, nº. XX, Casal do Marco, pertencente à sociedade BB, Lda., com sede na Rua A… T… da A…, nº. XX-A, em Lisboa, com o propósito de se apropriar de bens ali existentes.

2- Para o efeito, o arguido subiu ao 1º andar e partiu o vidro da respectiva janela, entrando pela mesma.

3- Uma vez no interior do armazém, o arguido retirou para o exterior do mesmo várias garrafas de vinho do Porto e de whisky, no valor global não concretamente apurado, mas no valor unitário de cerca de € 150,00.

4- O arguido levou ainda consigo um isqueiro com a inscrição “Esporão”.

5- Durante o período de tempo em que permaneceu no interior do referido armazém e em que transportou para o exterior do mesmo as garrafas de que se pretendia apoderar, o arguido partiu garrafas de bebida e copos de vidro, causando um prejuízo à sociedade ofendida de valor não concretamente apurado, mas superior a € 1 000,00.

6- De seguida, o arguido dirigiu-se a um armazém de equipamentos de segurança, situado na mesma artéria, no nº. 9, pertencente a CC, com o intuito de se apoderar de bens que se encontrassem no seu interior.

7- Para o efeito, o arguido partiu o vidro de uma das janelas e introduziu-se no interior do armazém, tendo danificado um cofre que ali se encontrava.

8- No interior do referido armazém encontrava-se equipamento de segurança no valor global de cerca de € 200 000,00.

9- Enquanto o arguido permaneceu no interior do referido armazém, foi activado o alarme do mesmo, o que determinou a intervenção de agentes policiais que surpreenderam o arguido escondido no interior das referidas instalações.

II

10- O arguido actuou, em todas as circunstâncias descritas em I, com o intuito de se apoderar de bens dos ofendidos, que sabia não lhe pertencerem, apenas não logrando concretizar os seus intuitos apropriativos por circunstâncias alheias à sua vontade, atenta a pronta intervenção das autoridades policiais que o interceptaram e detiveram, bem sabendo que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários.

11- Agiu o arguido, em todas as descritas circunstâncias, de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

III

12- Na noite de 20 para 21 de Junho de 2005, o arguido dirigiu-se no seu veículo automóvel de marca e modelo Volkswagen Golf, cinzento, com a matrícula RA-XX-XX, às instalações da firma DD, Lda., com o NIPC XXX XXX XXX, sitas na Rua R… S… de B…, nº. XX (Lotes XX/XX), em Foros da Catrapona, Paio Pires, com o intuito de se apoderar de bens que encontrasse no seu interior.

13- Quando chegou ao local, o arguido estacionou a sua viatura automóvel nas proximidades das instalações da sociedade ofendida.

14- De seguida, o arguido dirigiu-se às instalações da firma DD, Lda. e logrou entrar para o interior das mesmas trepando por uma janela do refeitório que se encontrava encostada.

15- Uma vez no interior das referidas instalações, o arguido apoderou-se de um computador “Fujitsu-Siemens Scenic 560”, no valor de € 1 102,99, com IVA incluído, de um monitor “Philips LCD”, no valor de € 580,00, de um teclado e rato, no valor de € 321,30 e de cinco telemóveis “Nokia 1100”, no valor unitário de € 69,90, que se encontravam dentro de um armário no gabinete de apoio à administração que o arguido logrou arrombar.

16- De seguida, o arguido transportou os referidos objectos de que se apoderou, no valor global de € 2 353,70, para o interior da sua viatura e fugiu do local, fazendo-os seus.

17- Na manhã do dia 21 de Junho de 2005 o arguido ofereceu um dos telemóveis que subtraiu e de que se apoderou, com o IMEI XXXXXXXX, a EE, que o enviou para a Ucrânia e ofereceu-lhe ainda um outro telemóvel, com o IMEI XXXXXXXXX.

18- O arguido entregou ainda a EE o telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXX para que este o entregasse a FF, mulher de GG, o que EE concretizou.

19- Ambos os telemóveis foram entretanto recuperados pelas autoridades policiais, quando ainda se mantinham na posse de EE e de FF.

20- No dia 28 de Julho de 2005, cerca da 01h00, no Parque Industrial do Seixal, o arguido circulava no seu veículo automóvel de matrícula RA-XX-XX, quando este se despistou.

21- Pelas 22h00, o arguido foi detido e, posteriormente, submetido a primeiro interrogatório judicial por permanecer ilegalmente em território nacional, tendo sido restituído à liberdade e sujeito à medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

IV

22- Na noite de 19 para 20 de Agosto de 2005, o arguido, acompanhado de outra pessoa cuja identidade não foi possível apurar, dirigiu-se às instalações da empresa denominada HH, sitas na Rua E… dos S…, Lotes XX/XX, Casal do Marco, Seixal, com o intuito de, em conjugação de esforços e de vontades e na concretização de plano previamente traçado, apoderar-se de bens que se encontrassem no seu interior.

23- Quando chegaram às referidas instalações, o arguido e o seu acompanhante partiram o vidro do óculo do portão das traseiras entrando, assim, por esse local, para o interior do armazém.

24- Uma vez no interior das instalações da HH, o arguido e o seu acompanhante apoderaram-se de vários produtos alimentares que se encontravam em paletes e nas câmaras frigoríficas, de valor não concretamente apurado e, na posse de tais produtos, abandonaram as instalações, fazendo-os seus.

V

25- O arguido actuou, em todas as circunstâncias descritas em III e IV, com o intuito de se apoderar de bens dos ofendidos, que sabia não lhe pertencerem, o que conseguiu, bem sabendo que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários.

26- Agiu o arguido, em todas as descritas circunstâncias, de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

VI

Do pedido de indemnização civil:

27- Com a conduta do arguido, descrita em III, a demandante DD sofreu um prejuízo patrimonial de € 2 353,79.

Das condições económicas e sociais do arguido:

28- O arguido é casado e tem dois filhos menores residentes na Roménia.

29- Encontra-se em Portugal desde 2003 e, à data dos factos realizava trabalhos na construção civil, auferindo cerca de € 600,00 mensais.

30- Quando foi preso preventivamente à ordem dos presentes autos encontrava-se desempregado.

31- Tem o 12º ano de escolaridade.

32- Há cerca de oito anos começou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso.

33- O arguido regista as seguintes condenações:

a) Por sentença proferida em 26/10/2007, transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular nº. 104/05.3 GBSXL, do 1º Juízo Criminal do Seixal, pela prática, em 09/04/2005, de crimes de ofensa à integridade física qualificada e injúrias, na pena de 200 dias de multa.

b) Por sentença proferida em 28/06/2011, transitada em julgado, no âmbito do processo sumário nº. 256/11.3 GBSXL, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Seixal, pela prática, em 05/06/2011, de um crime de furto qualificado, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa».

                                        *

O arguido AA, sob a alegação de que o tribunal recorrido não levou na devida consideração o grau de culpa com que agiu no cometimento dos crimes e a vertente reintegrativa das penas, nem o princípio da necessidade constitucionalmente consagrado, com o que violou o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal e o n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República, pretende seja a pena conjunta reduzida para medida não superior a 5 anos de prisão, sendo suspensa na sua execução.

A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 7 anos e 2 meses de prisão.

Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[3]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[4], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[5], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Posição também defendida por Figueiredo Dias[6], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Adverte no entanto que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração»[7].

Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[8], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[9].

Analisando os factos verifica-se que todos eles se encontram conexionados entre si, apresentando-se numa relação de continuidade, formando e constituindo um complexo delituoso de gravidade média, revelador de que o arguido tem apetência pelos bens alheios, não se coibindo de delinquir repetidamente, apesar de detido pelas autoridades policiais e submetido a medida de coacção de obrigação de apresentação na sequência dos crimes perpetrados.

Com efeito, o arguido foi detido em flagrante delito em 18 de Maio de 2005, tendo voltado a delinquir em 20/21 de Junho de 2005. Após ser detido em 28 de Julho de 2005, volta a delinquir em 19/20 de Agosto do mesmo ano. 

Ademais, já em Abril de 2005 cometera um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de injúria, crimes pelos quais foi condenado em pena de multa em 2007.

Em Junho de 2011 volta a delinquir, sendo condenado pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Deste modo, conquanto, por ora, não se deva concluir no sentido de que o arguido tem propensão para o crime, a verdade é que o ilícito global por si perpetrado, enquadrado no seu percurso de vida, revela uma personalidade sem consciência do desvalor e da censurabilidade dos seus comportamentos delituosos, com especial apetência pelos bens alheios, o que reforça as exigências de prevenção, em especial necessidades de dissuasão e de ressocialização, o que só em clausura poderá ser conseguido.

Tudo ponderado, considerando a gravidade do ilícito global e o efeito dissuasor e ressocializador que se pretende e espera a pena exerça, entendemos não merecer qualquer censura ou reparo a pena conjunta fixada pelo tribunal recorrido, pena que, obviamente, pelas razões acabadas de considerar não viola os princípios da culpa e da necessidade.

                                        *

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando em 6 UC a taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Junho de 2012


Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa



[1] - São as seguintes as penas singulares aplicadas:
- Crime de furto qualificado, 3 anos e 6 meses de prisão;
- Crime de furto na forma tentada, 1 ano e 8 meses de prisão;
- Crime de furto na forma tentada, 1 ano e 2 meses de prisão;
- Crime de furto, 10 meses de prisão.

[2] - O texto que a seguir se transcreve, tais como os que se irão transcrever mais à frente, corresponde integralmente ao que consta do processo.

[3] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto.

[4] - Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.
[5] - Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.

[6] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.

[7] - Proibição de dupla valoração defendida por Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal e ali maioritariamente aceite, ao ser rejeitada proposta apresentada pelo Conselheiro Osório no sentido de os critérios gerais de determinação da medida da pena serem também aplicáveis à determinação da pena única – acta já atrás referida.
[8] - Personalidade referenciada aos factos, ou seja, reflectida nos factos, visto que estes, como resultado da vontade e actuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, carácter e singularidade, isto é, a sua personalidade.

[9] - Tem sido este o entendimento por nós assumido, como se pode ver, entre muitos outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05 e 09.11.18, proferidos nos Processos n.ºs 114/08 e 702/08. 3GDGDM. P1.S1.