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RATIFICAÇÃO DO PROCESSADO
VERDADE MATERIAL
Sumário
Privilegiando o processo civil a verdade material, sobre a verdade formal e cabendo ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, apresenta-se como excessiva a aplicação da cominação a que alude o art. 40° n° 2, parte final, do CPC sem que, antes, tenha sido dada possibilidade aos réus de formalizarem, nos termos legais, a ratificação do processado.
Texto Integral
Processo nº 1145/10
Acordam no tribunal da Relação do Porto.
*
A advogada que subscreveu a contestação não obstante referir que juntava procuração não a juntou na circunstância dessa peça processual.
Tal facto deu azo ao seguinte despacho:
(…) Compulsados os autos verifico agora que a subscritora da contestação e da réplica que antecedem não juntou procuração nos autos o que gera a falta de mandato. Nos termos do art. 40º, nº 1 do Código de Processo Civil, tal circunstancialismo pode ser conhecido oficiosamente pelo Tribunal. Pelo exposto, notifique ambas as partes por carta registada com aviso de recepção para suprir a falta de procuração juntando procuração à advogada subscritora dos articulados e ratificando o processado com a cominação prevista no artº 40º, nº 2, "in fine" do Código de Processo Civil. Prazo: 5 (cinco) dias.
(…)
Na sequência do sobredito despacho a advogada dos réus juntou três procurações, com data de 20/5/2011, não subscritas pelos mandantes e pouco nítidas referindo que aqueles ratificam todo o processado.
Os autores pronunciaram-se, em suma, no sentido de que devia ser aplicada aos réus a cominação a que alude o despacho antecedente porque o mesmo não se mostrou integralmente cumprido.
A advogada subscritora da contestação, em novo requerimento, justificou a falta de nitidez das procurações com fundamento numa deficiente digitalização, referiu que a data de 20/5/2011 se deveu a um lapsus calami porquanto deveria ter sido feito constar a data de 21/5/2010 e consignou que era vontade dos réus a ratificação de todo o processado.
Juntou três procurações com a data de 20/5/2010.
Os autores reiteraram o que já haviam dito no anterior requerimento.
Foi proferido o seguinte despacho:
(…) CONCLUSÃO -14-03-2011, com a informação de que após ter consultado o técnico de informática, que dá apoio a este Tribunal, pelo mesmo foi-me dito que a digitalização não é mais que uma cópia integral. Ora, constando dos originais de fls 240 e seguintes as assinaturas, é pouco provável terem ficado imperceptíveis as procurações juntas a fls 179 e ss. Termo electrónico elaborado por Escrivão de Direito B…) =CLS= Vi a informação antecedente. Compulsados os autos verifica-se que por despacho datado de 13 de Janeiro de 2011 foi ordenada a notificação pessoal dos RR. para suprir a falta de procuração juntando procuração à advogada subscritora da contestação e réplica juntas aos autos com a ratificação de todo o processado e com a cominação prevista no art. 402, nº 2 do Código de Processo Civil. Tal notificação ocorreu como se alcança de fls. 167 e ss. tendo sido de igual forma dado conhecimento do despacho em causa à ilustre advogada (vide fls. 166) através de carta enviada em 13 de Janeiro de 2011. Por requerimento datado de 20 de Janeiro veio a ilustre advogada, ela própria, ratificar o processado e juntar as procurações de fls. 179 a 181, datadas de 20 de Maio de 2011 não se alcançando das mesmas a assinatura dos RR.. A fls. 226 e ss. vieram os RR. alegar lapso na indicação da data das ditas procurações, problemas relacionados com a sua digitalização (e justificadores na sua perspectiva da falta das assinaturas). Juntaram aos autos as procurações de fls. 230 e seguintes. Contra tal admissão insurgiram-se os RR. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o art. 40º do Código de Processo Civil que face à falta ou insuficiência da mandato o juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Foi o que sucedeu na situação em apreço, ou seja, foi concedido aos RR. o prazo de 10 dias para simultaneamente juntarem a procuração em falta a favor da subscritora dos articulados e ratificarem todo o processado. Ora, os RR. juntaram procurações. Porém, das mesmas não constam as suas assinaturas e delas igualmente não consta a ratificação pêlos mesmos de todo o processado. Assim, e pese embora as alegadas dificuldades relacionadas com a digitalização o certo é que mesmo a admitir-se a existência das mesmas os RR. não cumpriram em momento algum a ratificação do processado quer através das procurações que juntaram aos autos, quer através de requerimentos subscritos pêlos próprios ou sequer conferindo à ilustre advogada poderes para proceder a tal ratificação. Ora, nada existe nos autos que ateste os necessários poderes do mandatário, e porque não se encontra ao alcance deste suprir essa omissão, subscrevendo procuração e declarando ratificar o processado, deve ser a própria parte, e não quem a patrocine, notificada para os fins do disposto no n.° 2 do art.° 40.° do Código de Processo Civil. Na situação em apreço juntaram procuração (válida ou não!) mas não ratificaram, como se impunha) todo o processado. Isto porque à ratificação não basta a junção de procuração emitida em data ulterior à dos actos praticados, pois ela tem de ser expressa e obedecer aos requisitos do artº 268º do Código Civil., tendo de ser um acto praticado pela parte- vide neste e sentído, entre outros, Acs. da Relação do Porto de 15.07.2009 e 17.11.2009, in www.dgsi.pt. Logo, e porque não se verifica pelo menos um dos pressupostos imposto no art. 40º, nº 2 do Código de Processo Civil não tendo as partes, apesar de validamente notificadas para o efeito, regularizado toda a situação no prazo que lhes foi concedido julgo sem efeito os actos praticados pela subscritora, Dr. C…, nos presentes autos.
(…)
A final proferiu-se a seguinte decisão:
(…) Aderindo aos fundamentos de facto alegados pêlos autores, nos termos do artigo 484º, nº 3 do Código de Processo Civil, e de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 57º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, 1045º e 1053º do Código Civil, condenam-se os réus no pedido, ou seja: a) a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre os imóveis identificados no item 1º da petição inicial; b) a restituírem aos AA. os mesmos imóveis, livres e devolutos, em virtude da caducidade do contrato de arrendamento, reconhecendo, que ocorreu tal caducidade, a qual se declara; c) a continuarem a pagar aos AA. um valor igual ao da renda estipulada, a título de Indemnização pela ocupação até à efectiva restituição dos imóveis, nos termos do alegado no item 13º da petição inicial.
(…)
Os réus apelaram da sobredita decisão e concluíram da seguinte forma:
l .As Recorrentes não se conformam com a douta decisão que as condenou no pedido, obrigando-as a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre os imóveis identificados na petição inicial, e a restituir aqueles os mesmos imóveis, livres e devolutos, em virtude da caducidade do contrato de arrendamento.
2. Condição determinante para a condenação das RR., foi o Meritíssimo Juiz do tribunal "a quo" ter considerado não verificado pelo menos um dos pressupostos previstos no art.° 40.° n.° 2 do Código de Processo Civil.
3. Pelo que, por despacho de l3 de Janeiro de 2011, de fls. 250 (Ref.a 3794099) determinou sem efeito a defesa, e, por consequência, confessados os factos articulados na petição inicial.
4. As Recorrentes não se conformam com a douta sentença, pois a 20 de Maio de 2010, habilitaram legalmente a mandatária para exercer o patrocínio judiciário e por conseguinte representá-las na presente acção.
5.° Tendo as aludidas procurações sido outorgadas a 20 de Maio de 2010, data anterior à entrega da primeira peça processual das RR., não há necessidade de qualquer ratificação do processado, porque ratificado está.
6. As aludidas procurações não foram apresentadas com as contestações, mas foram juntas aos autos em 20 de Janeiro de 2011, na sequência da notificação datada de 18 de Janeiro de 2011.
7. Apesar de terem sido enviadas no prazo definido para a sua entrega, lamentavelmente, foram recepcionadas de forma pouco nítida.
8. Segundo parecer técnico, tal situação deveu-se a erro ocorrido durante a digitalização dos documentos, não estando em causa o conteúdo do texto e as assinaturas apostas.
9. Quando as Recorrentes quando se aperceberam do problema, justificaram o motivo de tal ocorrência e juntaram ao processo os respectivos originais.
10. Na mesmo altura aperceberam-se que as procurações detinham um erro material - lapsus linguae - tendo o mesmo sido alegado e corrigido.
11. Por se considerar ser facilmente perceptível que tal menção se deveu a um erro de escrita, requereu-se a sua rectificação, nos termos do art.° 249.° do Código Civil.
12. Subsequentemente, foram juntas procurações devidamente rectificadas.
13. A Mandatária, aquando da prática das peças processuais enviadas ao processo, estava legalmente habilitada a exercê-las, na sequência da outorga de procurações forenses ab initio do processo, ao abrigo do disposto nos art.° 35.° a) e 36, n,° l do Código de Processo Civil.
14. Não havia nem há necessidade das Recorrentes ratificarem o processado.
15. Não deverá ser aplicado ao caso sub judice o disposto no n.° 2 do Artigo 40.° do Código de Processo Civil, por se restringir apenas aos casos em que não há comprovação do mandato existente.
16. Cingiu - se o Meritíssimo Juiz "a quo" no seu douto despacho a considerar sem efeito todos os actos praticados pela mandatária devido ao não cumprimento de um dos pressupostos previstos no art.° 40.° n .° 2 do Código de Processo Civil.
17. Considerou que uma vez que não foi ratificado todo o processado tais actos não deverão ser relevados.
18. Não poderão as Recorrentes concordar com tal entendimento, atendendo a que na data da entrada em juízo da contestação, a mandatária já se encontrava habilitada para a prática do acto que exerceu.
19. E apenas por mero lapso, que se lamenta e reconhece, as procurações não foram juntas com a contestação, apesar do mesmo, ter sido referenciado.
20. Pelo que não deverão ser as Recorrentes tão severamente penalizadas, como prevê o douto despacho do Tribunal "a quo".
21. Impõe-se, desta forma, a concessão de provimento ao presente recurso, sendo determinada a anulação quer da decisão que deu sem efeito contestação, quer da sentença recorrida.
(…)
Contra-alegaram os autores argumentando no sentido do não provimento do recurso.
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Em suma, os recorrentes argumentam que não tinham que ratificar o processado porque tinham procuração anterior à contestação que apresentaram (a procuração com data de 20/5/2010 corrigiu o lapso da que foi emitida com data de 20/5/2011 sendo a outorga da procuração anterior à contestação).
Antes do mais, há que referir que não há uma demonstração cabal de que as primitivas contestações não tivessem nitidez por razões relacionadas com a respectiva digitalização (a informação técnica colhida não o sufraga) nem que tivesse havido um lapso na data das procurações outorgadas em 20/5/2011 (inexiste prova concreta que o sustente).
Depois, as procurações com data de 20/5/2010 teriam que ter sido emitidas após a contestação dos réus porquanto, segundo estes, destinadas a corrigir o alegado lapsus calami das outorgadas sob a data de 20/5/2011, logo serão posteriores a estas.
Neste contexto, não estavam os réus dispensados de, pessoalmente ou atribuindo poderes especiais à sua representante para o efeito, ratificarem o processado o que não fizeram.
Não se pode, a este propósito, dizer que antes da contestação já existiam as procurações com data de 20/5/2010 nem que estas se incorporaram nas com data de 20/5/2011 (alegadamente existentes antes da contestação) porque aquelas são, conforme resulta da narração dos réus, posteriores à contestação.
Seja como for, o que é certo é que os réus juntaram as procurações em questão e manifestaram, por intermédio da sua representante, a intenção de ratificarem o processado.
Faltou formalizarem a ratificação do processado, como acto pessoal que é, ou directamente ou por intermédio da respectiva representante atribuindo-lhe poderes especiais para tal.
Em suma, existiu junção das procurações (aceitam-se as de 20/5/2010 mas outorgadas após a contestação / as de 2011 têm a data como facto incontornável na circunstância) e existiu também vontade dos réus de ratificarem o processado (manifestada por intermédio da representante).
Faltou, no que à ratificação diz respeito, o cumprimento do sobredito formalismo.
Julga-se, por isso, excessiva a aplicação da cominação a que alude o art. 40º nº 2, parte final, do CPC sem que, antes, tenha sido dada possibilidade aos réus de formalizarem, nos termos legais, a ratificação que declararam efectuar.
De facto, privilegiando o processo civil a verdade material sobre a verdade formal (preâmbulo do CPC) e considerando que cabe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art. 265º nº 3 do CPC) justificava-se a notificação dos réus para, em determinado prazo, ratificarem o processado por um dos meios legalmente admissíveis suprindo, assim, a irregularidade formal de que a ratificação padecia.
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Nestes termos, dá-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que seja substituído por outro que determine a notificação dos réus para ratificarem o processado, por um dos dois meios acima referidos, sob a cominação do art. 40º nº 2, parte final, do CPC.
Custas pelos recorridos.
Porto, 5/3/2012
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
Maria José Rato da Silva Antunes Simões
Abílio Sá Gonçalves Costa