OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DEDUÇÃO DE RENDIMENTOS AUFERIDOS APÓS O DESPEDIMENTO
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário

I - A imperatividade do regime legal atinente à dedução dos rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento não dispensa o empregador de alegar e provar que o trabalhador os auferiu; sem essa alegação e prova não é possível operar/determinar a referida dedução.

II - Não sendo alegados, na oposição à execução/penhora, quaisquer factos relativos ao recebimento, pelo exequente, de quaisquer rendimentos auferidos com a cessação do contrato e que este não receberia não fosse o despedimento, ou, mesmo que alegados, mas tendo a oposição sido deduzida para além do prazo assinado, a dedução não pode ser atendida, porque ex tempore e por se não tratar de matéria do conhecimento oficioso.

III - Diversamente, a dedução do subsídio de desemprego constitui matéria de conhecimento oficioso, já que se trata de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição, que, uma vez recuperada, tem que ser devolvida à Segurança Social, não redundando, por isso, num qualquer benefício para o empregador.

Texto Integral

       Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                           I -

1.

… – AA Ld.ª” – executada nos autos de execução com o nº154/06.2TTMTS-A, a correr termos no Tribunal do Trabalho de Matosinhos – veio, em 19.07.2010, deduzir oposição à penhora, pedindo a redução do “acto de apreensão ao montante de € 72.334,58, porque de valor manifestamente suficiente para o efeito, pedindo que fosse ordenado, por consequência, o levantamento da penhora dos créditos da executada, dos veículos automóveis e do respectivo saldo bancário, no montante total de € 50.042,67, oficiando-se ainda ao Instituto da Segurança Social e à Direcção Geral de Contribuições e Impostos para que fosse informado o Tribunal se o exequente BB foi e/ou é beneficiário, durante o apontado lapso temporal, que decorreu desde 08.02.2005 até à actualidade, de alguma prestação de desemprego, assim como se, no decurso desse mesmo lapso de tempo, o mesmo se encontrou ou encontra ao serviço de terceiros e quanto deles auferiu, e, em caso afirmativo, desde quando e quais os respectivos valores percebidos, a fim de reduzir a quantia exequenda aos seus justos e devidos limites, com todas as devidas e legais consequências”.

  Alegou para o efeito que, ascendendo a quantia exequenda ao montante total de € 72.334,59, é suficiente para assegurar o pagamento da mesma o montante de € 72.334,58 (saldo bancário penhorado), devendo, assim, proceder-se ao levantamento da penhora de créditos detidos pela executada sobre terceiros, da penhora sobre os veículos automóveis e da penhora do remanescente do saldo bancário de € 40.834,18.

Requereu ainda que, com vista ao cumprimento do disposto no artigo 390.º, nº 2, do Código do Trabalho de 2009, se averiguasse o que o exequente auferiu, quer a título de subsídio de desemprego, quer ao serviço de terceiros.

O exequente veio responder alegando que a oposição é extemporânea, já que a executada foi notificada do requerimento executivo e do auto de penhora, para deduzir oposição, em 07.06.2010. 

 Em 17.02.2011 foi proferido o seguinte despacho:

(…) “ Conforme resulta do processo executivo, a penhora foi reduzida pelo Sr. solicitador de execução na exacta medida do pretendido pela executada ainda antes de apreciada a oposição à penhora, tendo a executada, na sequência de notificação do tribunal para o efeito, manifestado a sua concordância de que nessa parte a oposição perdera qualquer utilidade, o que foi declarado pelo despacho de 10/11/2010, proferido no processo executivo.

Daí que ainda que a executada estivesse em tempo para deduzir oposição à penhora de que teve conhecimento em 14/07/2010, a mesma não seja já objecto de apreciação nos presentes Autos, subsistindo apenas a oposição à execução, à qual se reconduz a pretensão da executada de redução da quantia exequenda, apesar de não ter sido expressamente deduzida como oposição à execução.

 A questão que se coloca é que o prazo de oposição à penhora subsequente, como aconteceu no caso dos autos em que a executada não deduziu oposição à penhora inicial de que teve conhecimento em 07/06/2010, mas à penhora posteriormente consumada, não tem necessariamente que coincidir com o prazo de oposição à execução. É que este conta-se, em qualquer caso, da notificação do requerimento executivo, nos termos do art. 91.º, n.º.1 do C.P.T.

Ora, no caso dos autos, verifica-se que a notificação do requerimento executivo ocorreu em 07/06/2010, pelo que, mesmo admitindo-se ser de 20 dias o prazo para a oposição, já que a executada foi citada (erradamente) para em 20 dias pagar ou opor-se à penhora e/ou à execução, quando o prazo aplicável é o de 10 dias, atento o disposto pelo art. 91.º do C.P.T., não podendo ser prejudicada pelo erro do Sr. solicitador, o requerimento da oposição à execução é manifestamente extemporâneo” (…).

2.

A executada/oponente, inconformada, veio recorrer pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que aplique o disposto no artigo 390.º, nº 2, do Código do Trabalho, deduzindo à quantia exequenda o total das retribuições e subsídios de desemprego auferidos pelo exequente desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão condenatória que constitui título executivo.

A Apelação foi julgada parcialmente procedente.

Considerando-se que, no que concerne ao subsídio de desemprego, deve o Tribunal a quo conhecer oficiosamente do requerido, foi revogada a decisão na parte em que a oposição foi julgada intempestiva (quanto ao conhecimento das deduções a que se alude no art. 390.º, n.º 2, c), do Código do Trabalho/2009), e ordenou-se a prossecução da oposição, em conformidade – dispositivo a fls. 144.

Ainda irresignada, a executada veio pedir Revista, terminando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

1.    Dispõe o art.º 390.º do Código do Trabalho que, sem prejuízo, da indemnização prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 389.º, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

2.   Outrossim, dispõe o n.º 2 do mesmo preceito legal que às retribuições referidas no número anterior se deduzem:

i) as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;

ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;

iii) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à Segurança Social.

3.   É entendimento jurisprudencial que não se ultrapassam os limites do título executivo quando, em sede de execução de sentença, se procede à dedução imposta por aquela norma [e de todas as retribuições previstas na mesma] e se supre, quanto à sentença condenatória, a omissão de não se terem ressalvado tais deduções, no caso de a elas haver lugar.

4.   Esta dedução [diga-se, de todas as importâncias previstas nas alíneas a), b) e c) do art.º 390.º do Código do Trabalho] é imposta por uma norma de natureza imperativa e com ela visa-se aproximar, tanto quanto possível, aquele montante ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificada…

5. …E o julgador deve advertir, procedendo à liquidação das remunerações intercalares, de que as mesmas estão sujeitas às deduções dos rendimentos do trabalho eventualmente existentes, mesmo que as partes não tenham suscitado a questão.

6.   Consubstanciando o vertido na invocada disposição legal uma norma de direito imperativo, deve o juiz, oficiosamente, ordenar que sejam apurados e, consequentemente, deduzidos, ao montante a receber, as importâncias relativas a rendimentos do trabalho eventualmente auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.

7.   Tal dedução [diga-se, de todas as retribuições, independentemente da respectiva proveniência, previstas nas alíneas a), b) e c) do art.º 390.º do Código do Trabalho] deve ser ordenada oficiosamente, mesmo que a entidade empregadora nada tenha alegado a tal respeito, atenta a natureza imperativa do disposto em todo o art.º 390.º n.º 2 do Código do Trabalho.

8.   Quando o legislador estabelece a invocada necessidade de dedução tem como pretensão que o trabalhador seja indemnizado em função do dano que efectivamente sofreu, limitando a indemnização ao dano efectivo que decorre da perda do trabalho e da correspondente remuneração.

9.   E, também pela mesma ordem de razões, quando do processo constam os elementos necessários a tal apuramento e dedução, como no caso dos autos, maior dever e responsabilidade incidem sobre quem julga e permite a concretização de uma penhora ilegal, manifestamente desproporcional em relação ao que é devido, pois que tal alegação diz directamente respeito aos justos e legais limites do objecto da penhora e não à própria execução.

10.  Outrossim, mesmo que se entenda, o que apenas se concede por mero dever de raciocínio, que a requerida dedução de rendimentos à quantia exequenda constitui fundamento de oposição à execução e não à penhora, tendo a Executada tomado conhecimento da existência de fundamentos para oposição à penhora em que também, segundo aquele entendimento, alegou fundamentos de oposição à execução, competia ao Julgador, por dever de aproveitamento dos actos praticados, instruir tal oposição como oposição à execução e à penhora, o que não fez.

11.   Recorde-se que a falta de fundamento legal para oposição à execução e para oposição à penhora sucedeu até que a Executada/Oponente tomou conhecimento da verdadeira extensão da penhora realizada, crendo, até então, que para além de nunca poderem vir a ser penhorados bens cujo valor fosse extraordinária e desproporcionalmente excessivo em relação à dívida exequenda, nunca o Julgador deixaria de aplicar na sua decisão normas de carácter imperativo, não dependentes de alegação.

12.  Ademais, no seguimento do apontado raciocínio, considerando tratar-se de fundamento legal para oposição à execução e não para oposição à penhora, refere o art.º 814.º n.º 1 al. g) do Código de Processo Civil que, fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter por fundamento, entre outros, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, o que não é o caso dos autos, bastando, para tanto, atentar que a sentença condenatória proferida e que serviu de título executivo aos presentes autos ainda não tinha transitado em julgado à data da propositura da acção executiva, pois que permanecia pendente de apreciação em sede de recurso junto do Tribunal da Relação do Porto, só tendo recentemente transitado em julgado.

13.  Não se encontrava, por conseguinte, a discussão no processo de declaração finda ou encerrada, razão pela qual, tratando a requerida dedução de rendimentos auferidos na própria pendência da acção declarativa (desde a data do despedimento até a actualidade), afastada fica a aplicação ao caso dos autos do disposto no art.º 814.º, n.º 1, al. g), do Código de Processo Civil e, por conseguinte, confirmada a inexistência de fundamento legal para dedução de oposição à execução.

14.  Nesta conformidade, necessário se torna concluir que, para além do dever de conhecimento e aplicação oficiosa do disposto no art.º 390.º, n.º 2, do Código do Trabalho, isto é, da dedução do total de retribuições e de subsídios de desempregos auferidos pelo Exequente, tal alegação e aplicação não consubstanciam, nos presentes autos, fundamento de oposição à execução, antes se tratando de manifesto fundamento de oposição à penhora, porque relativo aos justos e legais limites do correspondente objecto…

15.  …Razão pela qual, não constituindo tal alegação fundamento legal de oposição à execução, não tinha a Executada/Oponente/Recorrente de se socorrer de tal mecanismo processual de defesa, tal como decidido, e, não se tratando de oposição à execução, mas sim à penhora, não poderá a requerida dedução ser indeferida por extemporaneidade, muito menos considerada como não sendo uma norma imperativa!

Termina solicitando que deve o interposto recurso de revista merecer integral provimento, julgando-se o acórdão recorrido destituído de qualquer fundamento legal, na parte do respectivo decaimento, por via dos apontados fundamentos, porque consubstanciador de uma interpretação e aplicação erradas do disposto no art. 390.º/2 do Código do Trabalho, e ordenando-se, nesse seguimento, a sua revogação parcial e substituição por outro que aplique a norma de direito material inderrogável contida em todas as alíneas do invocado preceito, deduzindo à quantia exequenda o total de todas as retribuições auferidas de terceiro pelo exequente, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão condenatória que constitui o título executivo nos presentes Autos.

Não vimos que fosse oferecida resposta.

                                           __

Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o proficiente ‘Parecer’ de fls. 210-218 em que propende no sentido de que, tendo a executada reagido fora de prazo, não deve a oposição deduzida ser atendida, excepto no que toca ao montante auferido pelo trabalhador a título de subsídio de desemprego.

Notificado às partes, o mesmo ‘Parecer’ não suscitou qualquer reacção.

Corridos os vistos devidos, cumpre decidir.

                                          __

                                           II -

                               Dos Fundamentos

     A – São as seguintes as ocorrências de facto a reter:

1. Por sentença proferida em 13.03.2009, no processo comum com o nº 154/06.2TTMTS, foi declarado a ilicitude do despedimento e a executada (ali Ré) condenada a pagar ao exequente (ali Autor) a quantia de € 42.358,33, sem prejuízo da antiguidade e das retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, sendo sobre a quantia de € 5.100,00 desde a data do trânsito da sentença e sobre o restante desde a citação, e em qualquer dos casos até integral pagamento.

2. Em 08.05.2010, o Autor daquela acção apresentou requerimento executivo, tendo liquidado a quantia exequenda em € 65.758,72 e juros de mora.

3. Em 07.06.2010, o agente de execução comunicou ao Tribunal a quo terem sido penhorados veículos da executada com as matrículas -GF- e -QA.

4. Em 07.06.2010, a executada foi citada “para os termos do processo executivo supra referido” e “da penhora constante dos autos. Pelo que, nos termos dos artigos 813.º e 863.º-A, ambos do Código de Processo Civil, tem o prazo de 20 dias para pagar ou opor-se à execução e/ou à penhora” (…).

5. Em 16.06.2010, foi proferido no processo de execução o seguinte despacho: “Nos termos do art. 861.º-A do C.P.C., determino a penhora da parte da executada no saldo dos depósitos bancários, quaisquer valores imobiliários escriturais e titulados integrados em sistema centralizado, registados ou depositados na instituição de crédito identificada no requerimento que antecede, até ao limite do valor da quantia exequenda e encargos da execução” (…).

6. Em 04.08.2010, a executada deduz oposição à penhora e aí requereu, de novo, fosse oficiado “ao Instituto da Segurança Social e à Direcção Geral de Contribuições e Impostos para que informem esse Tribunal se o exequente foi e/ou é beneficiário durante o apontado lapso temporal que decorreu desde 08.02.2005 até à actualidade, de alguma prestação de desemprego, assim como se no decurso desse mesmo lapso de tempo o mesmo se encontrou ou encontra ao serviço de terceiros e quanto deles auferiu, e, em caso afirmativo, desde quando e quais os respectivos valores percebidos, a fim de reduzir a quantia exequenda aos seus justos e devidos limites” (…).

7. Em 06.09.2010, o agente de execução comunica ao Tribunal a quo que procedeu ao levantamento das penhoras quanto aos créditos da executada sobre terceiros e relativamente ao depósito bancários existente no BCP comunicou que a penhora fica limitada ao valor de € 70.064,92.

8. Em 20.09.2010 é proferido o seguinte despacho: “Notifique a executada para, no prazo de 10 dias, esclarecer se face ao teor da informação que antecede prestada pelo Sr. Solicitador de execução mantém interesse na oposição à penhora que deduziu”.

9. A executada, em 01.10.2010, veio dizer manter interesse no requerimento oposição à penhora no que concerne ao aí alegado nos artigos 15 a 19 [está a referir-se à oposição apresentada em 04.08.2010], pedindo dever ser apurado o montante das quantias auferidas pelo exequente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 390.º, nº 2, do C. do Trabalho, com vista a reduzir a quantia exequenda aos seus justos limites.

10. O exequente opôs-se.

11. Em 10.11.2010 foi proferido o seguinte despacho: “ A executada veio por requerimento datado de 04/08/2009 (…) apresentar oposição à penhora invocando o disposto pelos arts.863.º-A, nº. 1, al. a) e 863º-B, n.º 1, al. b), do C.P.C., pretendendo a redução da quantia penhorada a € 72.334,58, bem como reduzir a quantia exequenda em função dos montantes que o exequente tenha recebido a título de prestações de desemprego, ou como rendimentos de trabalho, a partir de 08/02/2005” (…). “Face à redução da quantia penhorada pelo Sr. Solicitador de execução e à posição assumida pela própria executada, a oposição perdeu já utilidade parcialmente, subsistindo apenas, como aceite pela própria executada, a questão relativa à redução da quantia exequenda. Ora, tratando-se nos autos de uma execução de sentença e sendo-‑lhe aplicável o disposto pelo Código de Processo do Trabalho, sendo a aplicação do Código de Processo Civil meramente subsidiária, a oposição à penhora e à execução segue os termos previstos pelo art. 91.º do C.P.T. e não a tramitação prevista pelo art.863.º-A e 863.º-B do C.P.C. Por isso, o meio processual próprio para a discussão das questões suscitadas pela executada não é o simples requerimento, não podendo a oposição à penhora, tal como foi deduzida, ser apreciada no âmbito dos presentes autos. Nem por isso, deixará o Tribunal de se pronunciar sobre as questões suscitadas pela executada, uma vez que se verifica que, já em 19/07/2010, a executada deduziu oposição, que, tal como requerido e resulta do art. 91.º, n.º 3, do C.P.T., foi autuada por apenso à execução, através de requerimento igual àquele outro supra referido. (…)

               12. Do despacho que antecede foram as partes notificadas.

                                           __                                                                      

B – Conhecendo.

Previamente:

Como deflui do despacho proferido a fls. 121, considerou-se que à execução e à oposição deduzida se aplicam as disposições do C.P.C. na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Essa decisão foi notificada às partes e transitou em julgado.

                                           __

No Acórdão sub specie firmou-se o entendimento de que, quando a executada, entretanto notificada da penhora, veio deduzir oposição (cumulando nele as duas defesas: oposição à penhora e oposição à execução), já tinha transcorrido o prazo que lhe fora assinado para o efeito (…o prazo de oposição é de 10 dias, mas a executada não pode ser prejudicada pelo facto de no acto de citação lhe ter sido indicado o prazo de 20 dias).

Por isso, como se concluiu, o articulado foi apresentado intempestivamente.

Todavia, mais se entendeu que, tendo a executada feito referência, no requerimento de oposição, não apenas às deduções a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho/2009[1], mas também ao subsídio de desemprego a que se refere a alínea c) da mesma norma – e sustentando-se que esta dedução é de conhecimento oficioso, em face da natureza dos interesses em causa – deliberou-se que, no que à mesma concerne, deverá o Tribunal a quo conhecer oficiosamente do requerido na oposição, tendo em vista o cumprimento do disposto no art. 390.º, n.º 2, c), do CT/2009.

E assim, julgou-se a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou a oposição intempestiva relativamente ao conhecimento das deduções a que se alude no art. 390.º, n.º 2, c), ordenando-se o prosseguimento da oposição, nessa parte.

Mas a executada mostra-se ainda assim inconformada.

É no pressuposto de que são de conhecimento oficioso todas as deduções a que alude o art. 390.º do Código do Trabalho, independentemente da sua proveniência, que a Executada/recorrente nos trás a presente Revista.

Terá razão?

Vejamos então da pretensa bondade e consistência dos seus argumentos.

A evolução legislativa reflecte a preocupação (decorrente do princípio geral da proibição do enriquecimento sem causa/locupletamento à custa alheia) de evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas e eticamente reprováveis, visando aproximar, tanto quanto possível, o montante decorrente da condenação a perceber do prejuízo concretamente suportado pelo trabalhador, para que o mesmo não ‘receba duas vezes’.

(A justificação doutrinária dada ao movens legiferante não colhe contudo aplauso unânime. Vide, v.g., Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, pgs. 959-960.

Também no entendimento de Monteiro Fernandes, reportando-se concretamente ao disposto no art. 437.º/2 e 3 do Código do Trabalho/2003, a solução legalmente consagrada, permitindo embora fazer coincidir o valor devido pelo empregador com o correspondente à privação patrimonial efectivamente sofrida pelo trabalhador como se de mera reparação de prejuízos se tratasse, não deixa de conter alguns efeitos perversos, nomeadamente por (poder) constituir uma penalização dos trabalhadores mais diligentes e produtivos que, com as ocupações exercidas, …”podem acabar por ‘exonerar’ o autor do despedimento ilícito relativamente a uma parte importante das consequências do acto” in ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, Almedina, pg. 569).

No seguimento da previsão constante do art. 13.º, n.º 2, da LCCT (Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2), que cuidava dos efeitos da ilicitude do despedimento, o trabalhador tem direito a receber, à luz do quadro legal vigente, e além do mais, as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a respectiva ilicitude.

Às retribuições referidas deduzem-se: a) as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; b) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; c) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à Segurança Social – art. 390.º, seus n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho/2009.

Dispunha-se no art. 437.º do Código do Trabalho de 2003 em termos sensivelmente paralelos.

Versando a mesma matéria (as deduções devidas nas chamadas retribuições intercalares ou de tramitação), o seu n.º 2 (correspondente ora à previsão constante da alínea a) do n.º 2 do art. 390.º), exibia porém, na concreta perspectiva que nos importa surpreender, uma redacção menos equívoca.

Nos seus termos, às retribuições intercalares deduziam-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.

Ter-se-á pretendido, com a redacção trazida pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, alterar/dispensar aquela exigência de comprovação e o ónus da prova nela implicitado[2]?

Ou, tratar-se-á, apenas, como entende J. Leal Amado[3], de um modo diferente de dizer a mesma coisa? Admitindo que sim, ante a doutrina e a Jurisprudência firmadas no império do Código do Trabalho/2003, mas mantendo dúvidas que assim seja de todo, o citado autor não deixa de concluir que, no que tange à dedução do aliunde perceptum, são ora mais duras as exigências para que tal dedução deva efectuar-se.

Na vigência do regime instituído pela LCCT, o entendimento do Supremo Tribunal foi-se fortalecendo no sentido de que, mesmo numa perspectiva mais abrangente – cfr., v.g., o Acórdão de 7.10.2003[4], que buscámos propositadamente, atentando-se na declaração de voto de vencido, nele consignada –, a dedução prevista na alínea b) do n.º 2 do art. 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 sempre pressupunha, para que pudesse ser accionada oficiosamente, que do processo constassem elementos que levassem a concluir que havia rendimentos a abater, ainda que não quantificados.

Isto, como deflui da fundamentação/economia do Aresto, para viabilizar o compromisso entre, por um lado, o interesse do empregador em procurar trazer à acção notícia do recebimento (pelo trabalhador que impugnou o despedimento) de rendimentos do trabalho em actividades iniciadas após a determinação do mesmo, (de forma a que se opere a dedução que a Lei impõe), e, por outro, a dificuldade/impossibilidade de carrear para o processo, em tempo processual próprio/útil, a informação devida sobre a nova actividade que o trabalhador despedido tenha entretanto passado a exercer.

Assim, aí se concluiu (sic): ’Julgamos que deste modo se encontra o ponto de equilíbrio dos interesses que se contrapõem, consentindo que o Tribunal conheça da matéria de excepção peremptória, sempre que do processo constem elementos que minimamente a demonstrem’.

Sendo entendimento reiterado e pacífico deste Supremo Tribunal e Secção o de que a imperatividade do regime legal (seja o anteriormente à Codificação operada pelo Código do Trabalho/2003, seja o então instituído e/ou o ora vigente) não dispensa o empregador de alegar e provar que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento, sem o que não será possível operar/determinar a referida dedução na acção declarativa – como aliás bem a propósito se refere no Acórdão revidendo, invocando, em abono, o Acórdão de 17.6.2010, tirado na Revista n.º 615-B/2001.E1.S1, publicado em www.dgsi.pt/CJ-S.T.J. 2010, II, pg. 253/ss., com diversos outros no mesmo sentido, dentre eles, v.g., o Acórdão de 25.3.2010, prolatado na Revista n.º 690/03.2TTAVR-B.C1.S1 e, mais recentemente, o Aresto tirado na Sessão de 15.12.2011, na Revista n.ºs 282/03.6TTGRD-C.C1.S1 –, sempre pode pretender-se a dedução desses eventuais rendimentos em sede de oposição à execução, enquanto factos extintivos do direito do autor, mas apenas relativamente aos rendimentos reportados ao período subsequente ao encerramento da audiência de discussão e julgamento na acção declarativa, em conformidade com a previsão constante do art. 814.º, g), do C.P.C.

Não sendo alegados, em tese, quaisquer factos, na oposição à execução/penhora, relativos ao recebimento pelo exequente de quaisquer rendimentos auferidos com a cessação do contrato e que este não receberia se não fora o despedimento, ou, mesmo que alegados, como no caso, mas tendo a oposição sido deduzida para além do prazo assinado – e não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, como é pacificamente firmado neste Supremo Tribunal e Secção, entendimento expressamente proclamado, entre outros, no Acórdão de 19.5.2010, tirado na Revista n.º 469/09.8YFLSB – a pretendida dedução não poderia ser atendida, porque ex tempore, como acertadamente se decidiu.

Diversas são as coisas relativamente à dedução do subsídio de desemprego, cuja etiologia e escopo são bem compreensíveis, justificando plenamente que a sua dedução constitua matéria de conhecimento oficioso (para maior desenvolvimento vide o atrás citado Acórdão deste Supremo Tribunal).

Trata-se de uma prestação do Estado[5], substitutiva da retribuição, que, uma vez recuperada, tem de ser devolvida à Segurança Social, não redundando por isso num qualquer benefício para o empregador.

(Veja-se ora, em consonância, o n.º 2 do art. 75.º do C.P.T., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro).

Concluindo-se – como se conclui – pela proclamada inverificação do pressuposto da oficiosidade de conhecimento da dedução a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho/2009, não podem acolher-se, porque improcedentes, as razões que enformam as asserções conclusivas da motivação do recurso.

O Acórdão revidendo ajuizou com acerto, não suscitando reparo ou censura.

                                          

                                           III –

                                     DECISÃO

Nos termos expostos, delibera-se negar a Revista, confirmando o Acórdão impugnado.

Custas pela recorrente.

                                           ***

Lisboa, 12 de Setembro de 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

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[1] - Havido como o diploma aplicável in casu, sem controvérsia.
[2]  - Veja-se a reflexão de Albino Mendes Baptista (‘Estudos sobre o Código do Trabalho’, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pg. 244-246). Não se prescindindo de uma relação de causalidade entre o despedimento e as retribuições que o trabalhador passou a auferir em virtude deste, a expressão ‘comprovadamente’ tem uma manifesta repercussão em sede probatória, induzindo o entendimento de que o empregador, nas palavras do autor, sempre terá de demonstrar não só que o trabalhador recebeu importâncias como consequência da cessação do contrato, mas também que as não receberia se não fosse o despedimento.
[3]  - ‘Contrato de Trabalho’, 2.ª edição, Coimbra Editora/Wolters Kluwer, 2010, pg. 420.
[4]  - In C.J./S.T.J., 2003, Tomo III, pgs. 263-265.
[5]  - Apud M. Rosário Palma Ramalho, obra citada, pg. 960.