I - A não reprodução integral, na ata da deliberação do CSM, do texto da proposta respeitante aos termos de abertura do 1. º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, que foi aprovada com alterações, estas mencionadas na ata, não implica violação do disposto no art. 122.º do CPA, não exigindo a lei, no art. 123.º do mesmo Código, a obrigatoriedade dessa menção constar integralmente.
II - Os concorrentes não careciam de consultar a ata que aprovou a aludida proposta para conhecer os critérios de avaliação curricular visto que aquela foi reproduzida integralmente no Aviso publicado no DR, não se suscitando qualquer dúvida quanto à conformidade entre a proposta aprovada e a proposta publicada.
III -O CSM, como órgão constitucional (art. 217.º, n.º 1, da CRP) dispõe de poder regulamentar à semelhança do Governo, cumprindo-lhe, nos termos do n.º 8 do art. 47.º do EMJ, “adotar as providências necessárias à boa organização e execução do concurso de acesso ao provimento das vagas de juiz da Relação”, conferindo, assim, a lei ao CSM o poder de fixar os critérios a considerar na avaliação curricular dos candidatos e, por conseguinte, assim procedendo, o CSM agiu de acordo com a lei, no exercício dos seus poderes.
IV -A fixação de critérios de avaliação e demais providências necessárias à boa execução do concurso curricular insere-se no âmbito dos poderes do CSM e os critérios fixados em concreto que constam do Aviso estão sob o campo de referência fixado pelo art. 47.º, n.º 7, do EMJ, não se mostrando inadequados ou desproporcionados às exigências de um concurso curricular desta natureza.
V -A existência de critérios, tanto quanto possível precisos, visa assegurar uma avaliação curricular equitativa, constituindo eles próprios instrumento de fundamentação da própria graduação; se tais critérios não existissem, a graduação perderia clareza e poderia passar a incorrer no vício de falta de fundamentação por obscuridade ou insuficiência (art. 125.º, n.º 2, do CPA).
VI -A existência de critérios precisos não obsta a uma avaliação global dos concorrentes, aspeto que foi considerado pelo júri e pelo CSM na graduação que efetivou, inserindo-se essa avaliação global no âmbito da chamada discricionariedade técnica não sindicável judicialmente.
VII - Justifica-se a dispensa de audiência dos interessados nos termos do art. 103.º, n.º 2, al. a), do CPA, quando, no âmbito de um concurso curricular em que cumpre aos candidatos a apresentação dos trabalhos forenses e científicos que realizaram e a indicação dos demais aspetos que importem à sua classificação, a lei (art. 52.º, n.º 2, do EMJ) lhes faculta a defesa pública dos seus currículos perante um júri.
VIII - Num concurso curricular, e muito particularmente num concurso em que o acesso está reservado exclusivamente a magistrados judiciais, não podem deixar de assumir particular relevo, na avaliação curricular, fatores de ordem qualitativa incidentes sobre o desempenho profissional, pois, a não ser assim, seria desproporcionada tendo em vista os objetivos a realizar (art. 5.º, n.º 2, do CPA) a atribuição à avaliação curricular de um percentagem de 40%, atribuindo-se 60% à classificação de serviço.
IX -E porque a avaliação curricular resulta de um conjunto de elementos, que são apresentados pelo candidato, particularmente direcionados para um objetivo de avaliação do nível profissional qualitativo em que se inserem outros fatores de ponderação, não há, no que respeita à classificação de serviço, coincidência nem quanto aos fins nem quanto aos critérios de análise, sendo certo que, tanto na classificação de serviço como na avaliação curricular, não pode deixar de existir uma base comum que se reconduz à avaliação do desempenho profissional de magistrados.
Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça
1. AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Conselho Superior da Magistratura que, em sessão plenária extraordinária de 29 de maio de 2012, aprovou o parecer final do júri e procedeu à graduação dos candidatos, graduando a recorrente em 45.º lugar.
Impugnação da recorrente
2. Sustenta a recorrente o seguinte:
3. Que da ata n.º 26/2011 do Conselho Superior da Magistratura, designadamente do seu ponto prévio n.º 7, fica claro que o C.S.M. não fixou, naquele ato, os critérios, nem definiu justificadamente o âmbito do quantum de cada um deles que, no entanto, surgem no Aviso n.º 24799/2011 transpostos do regime do concurso no Supremo, mostrando-se, assim, violado o artigo 122.º/2 do Código do Procedimento Administrativo, constituindo tal omissão preterição de forma por falta de ato próprio e formalidade ( no caso a menção da autoria da fixação dos critérios, sua identificação e tradução expressa na mencionada ata) causa de invalidade do ato, representando uma irregularidade substancial que configura o vício de violação de lei.
4. Que os princípios da imparcialidade e da transparência também são passíveis de violação por via da fixação de critérios por entidade destituída de competência para o efeito, como é o caso, sendo certo que mesmo que apenas se tenha verificado preterição da forma por falta de ato próprio e formalidade ( no caso, a menção da autoria da fixação dos critérios, sua identificação e tradução expressa na ata n.º 26/2011 do C.S.M.) tal omissão insanável constitui causa de invalidade do ato, representando uma irregularidade substancial que configura o vício de violação de lei.
5. Que deviam ter sido consignadas, nessa reunião Plenária, na respetiva ata, as razões de interesse público e urgência que menciona por remissão para a norma do artigo 103.º,n.º2, alínea a) do C.P.A. para justificar a exclusão de um direito essencial cuja fundamentação era exigível à declaração de urgência; de facto, impunha-se acautelar a fundamentação exigível à declaração de urgência, considerando que o aviso de abertura data de 28 de dezembro de 2011 e que a graduação final apenas foi conhecida mais de 6 meses após aquele ato plenário de 13-12-2011; deviam na ata indicar-se os factos que revelavam não apenas a urgência, como também que era ela tal que aniquilava a possibilidade de realizar a audiência no prazo mínimo da lei para fundamentar a exclusão, o que sacrifica posições e direitos procedimentais dos candidatos, conferindo-lhes, desde logo, o direito à reação contenciosa, porque preterida formalidade essencial do procedimento que não está sujeita ao poder discricionário do órgão.
6. Impunha-se ao Conselho Superior da Magistratura, contrariamente ao que fixou no aviso do concurso, dar cumprimento aos artigos 100.º e segs. do C.P.A. em respeito pela garantia constitucional - artigo 267.º,n.º5 da C.R.P. - ouvindo os candidatos no exercício do direito de audição porquanto a forma concursal e a inexistência de norma no procedimento, na tramitação prevista no artigo 47.º do Estatuto ,que a exclua ou dispense, determina a sua realização, quer porque os interesses em causa assim o exigem, quer porque os princípios gerais a que o concurso de avaliação curricular deve obediência o impõe, quer ainda pelo respeito que o princípio da transparência concursal determina, devendo considerar-se, no caso, formalidade absolutamente essencial, a impor a invalidade da deliberação notificada, na forma do ato e na suprema exigência da sua fundamentação, o que, ao abrigo do disposto no artigo 125.º do C.P.A. se invoca, para os devidos efeitos. Uma tal omissão integra desrespeito do artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo, gerando nulidade insuprível e a falta de fundamentação, atento o disposto no artigo 125.º do C.P.A., violação de lei.
7. Que a avaliação curricular a que se reporta o artigo 47.º/7 do E.M.J. e cujo resultado contribui em 40% na notação final do candidato não tem regulamentação legal, não se mostra legalmente deferida ao C.S.M. e a concretização da avaliação curricular não cabe nas competências do C.S.M., ainda que se rebuscasse o conceito na previsão do n.º 8 do artigo 47.º do E.M.J.; tal competência não está prevista na normação inovadora da Lei n.º 26/2008; substitui-se o C.S.M. ao júri não apenas na função primeira de definição de regras e fixação de critérios e sua quantificação; tais critérios, porque não definidos na norma legal disciplinadora do concurso, constituem uma criação do C.S.M., sendo os critérios fixados no aviso do concurso unidades estanques com atribuição de uma pontuação autónoma contando para a classificação final, mas cuja decomposição classificativa na própria unidade, altera a fronteira da vinculação estabelecida no próprio aviso; essa mera possibilidade de uma influência quantitativa indevida pode colocar em crise a confiança na imparcialidade decorrendo da exigência de transparência da atividade administrativa e do respeito pelos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade a imposição, no plano ético-jurídico, a publicação de microcritérios que integrem os critérios, ou tabelas, ou outras formas de subdivisão, que no caso se não conhecem.
8. Que, na vigência de normas anteriores, o acesso aos Tribunais da Relação assentava na carreira, no estrito e rigoroso cumprimento da função, no cumprimento integral do seu objeto expresso nas melhores classificações de serviço, num desempenho de excelência, o que criou nos juízes mais antigos, e por consequência mais próximos do acesso, um princípio de confiança nas regras instituídas e com as quais conformaram a sua vida profissional e familiar, no estrito respeito por essas mesmas regras, pugnando pela melhor classificação em ordem àquele acesso, confiança essa violada pela alteração legislativa; tais pressupostos, transpostos para os novos itens de avaliação curricular, são, afinal, os decisivos no resultado da graduação, como resulta da análise ao resultado final da graduação porquanto os primeiros 32 graduados têm classificações de serviço iguais (120 pontos), o que constitui violação de lei por violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade e da proporcionalidade, constituindo igualmente desvio de poder e violação do princípio da legalidade ( artigo 3.º do CPA) e da justiça (artigo 6.º do CPA) dos atos concursais.
9. Que o facto de, em 30 de julho de 2009, ter sido publicada a Lei n.º 30/2009 que aprovou norma transitória que estabeleceu regime excecional de acesso de juízes aos Tribunais da Relação, numa evidente salvaguarda do legislador em ordem a dar resposta a situações já consumadas mas não regularizadas, constitui, na expressão com que se adaptou a letra da lei, violação do princípio da igualdade, porquanto os candidatos ao presente concurso estavam nas mesmas e exatas circunstâncias daqueles, apenas num tempo diverso não coberto pelo " chapéu" protetor da norma includente.
10. Que, para além da violação do princípio da igualdade, violou-se ainda o da legalidade por desrespeito das próprias regras determinadas pelo aviso porquanto critérios há que não foram valorados em consonância com o aí determinado como é o caso do item capacidade de trabalho prestado como auxiliar na Relação (ponto iii da alínea e) do aviso de concurso); acrescida de erro material na soma da percentagem das classificações descritas ( na soma relativa 2/3 de 120 + 1/3 de 120 corresponde a 120. Porém, nos casos em que a soma relativa da 1ª nota é diferente da 2ª - caso da 1ª avaliação com 100 pontos e a segunda com 120 - o resultado seria distinto do indicado) e do erro manifesto (o trabalho desempenhado referido no item i, da competência do inspetor judicial, bem como os relativos a ii e iii constitui uma duplicação do fator já avaliado e tido em conta na ponderação da classificação - ponto 9 do aviso) constituem invalidade que impõe a anulação do ato.
Posição assumida pelo Conselho Superior da Magistratura
11. No que respeita à abertura do concurso o C.S.M. considera que procedeu em conformidade com a lei considerando o dobro das vagas para os lugares previsíveis, não tendo introduzido elementos de avaliação distintos daqueles que a primeira fase do concurso comporta, inserindo-se a sua atuação no âmbito das suas competências fixadas por lei conforme decorre dos artigos 46.º, 47.º, 149.º a 151.º do E.M.J.
12. Quanto à questão da audição dos interessados, salienta o C.S.M. que a recorrente foi ouvida em prova pública de defesa do currículo de acordo com o previsto no Aviso n.º 24799 tendo tido oportunidade de aceder aos elementos curriculares dos comparticipantes e de assistir às provas dos demais candidatos, tendo sido exarado no ponto 16 do aviso as razões de dispensa da audiência dos interessados.
13. Salienta ainda o C.S.M. que o E.M.J. tem sofrido, ao longo dos anos, várias alterações, não podendo falar-se, mesmo no caso de acesso ao Tribunal da Relação, de uma imutabilidade de critérios, pois, na versão inicial do E.M.J., esse acesso era facultado a candidatos com classificação não inferior a " Bom" e a partir da Lei n.º 10/94, de 5 de maio, passou a exigir- -se a classificação mínima de " Bom com Distinção"; alteraram-se também as regras atinentes às inspeções judiciais.
14. O C.S.M. não é um qualquer órgão administrativo, mas um órgão com assento constitucional, competindo-lhe, nos termos do artigo 217.º/1 da Constituição da República, a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da ação disciplinar, estabelecendo a lei, no artigo 47.º/7 do E.M.J., que a graduação final dos magistrados se faz " de acordo com o mérito relativo dos concorrentes" , deixando o n.º8 do mesmo Estatuto ao C.S.M. a tarefa de adotar as " providências que se mostrem necessárias à boa organização e execução do concurso de acesso ao provimento de vagas de juiz da Relação" tendo sido, portanto, ao abrigo e em conformidade com esse dispositivo legal que o C.S.M. fixou as bases do concurso.
15. No que respeita à invocada violação dos princípios da igualdade e da confiança, importa atentar que, tendo o Plenário do C.S.M. deliberado aprovar o Aviso no qual se materializavam, em critérios de avaliação, as grandes linhas definidas no E.M.J., tais critérios estão em conformidade cm o regime prescrito nos artigos 10-º-B, 34.º/1, 37.º/1 do E.M.J. e, quanto à percentagem atribuída à avaliação curricular, estamos face a opção resultante da lei que cumpre respeitar
Alegações da recorrente
16. A recorrente reitera os seguintes pontos:
16.1 Que foi violado o artigo 48.º do E.M.J. por terem sido chamados candidatos em número muito superior ao legalmente fixado, tendo sido alargado o universo de candidatos " de forma a introduzir elementos de avaliação distintos daqueles a que a primeira fase do concurso comporta", violando-se os princípios da igualdade e da transparência.
16.2 Que o aviso procede à divulgação dos critérios de avaliação curricular que não constam transcritos da ata que os aprova sendo que sem observância de um tal requisito não produz efeitos de acordo com a disciplina constante da norma do artigo 122.º/2 do C.P.A. por não ficarem os candidatos a saber, comprovadamente, da autoria dos mesmos.
16.3. Que os princípios da imparcialidade e da transparência são passíveis de violação, por via da fixação de critérios por entidade administrativa destituída de competência para o efeito.
16.4. Que é pacífico que mesmo que se tenha verificado preterição de forma por falta de ato próprio e formalidade ( no caso, a menção da autoria da fixação dos critérios, sua identificação e tradução expressa na ata n.º 26/2011 do C.S.M.) tal omissão insanável constitui causa de invalidade do ato, representando uma irregularidade substancial que configura o vício de violação de lei.
16.5. Que não basta ao C.S.M. observar as garantias de isenção, imparcialidade e transparência, é necessário que se abstenha, na medida do possível, de qualquer atuação que permita a formulação da mais ténue suspeita acerca do respeito por tais princípios.
16.6. Que, considerando o teor da ata n.º 26/2001 do C.S.M. , designadamente do seu ponto prévio n.º7, fica claro que o C.S.M. não fixou, naquele ato, os critérios, nem definiu justificadamente o âmbito do quantum de cada um deles, na decomposição de uma escala de graduação dentro de cada um dos aludidos mas não identificados critérios que no aviso aparecem transpostos do regime do concurso do Supremo.
16.7. Que, atenta a garantia constitucional expressa, impunha-se ao C.S.M. nessa mesma reunião Plenária deixar consignadas, na respetiva ata, as razões de interesse público e urgência que menciona por remissão para a norma do artigo 103.,n.º2, alínea a) do C.P.A. para justificar a exclusão de um direito essencial.
16.8. Que, de facto, nessa reunião Plenária, cumpria ter acautelado a fundamentação exigível à declaração de urgência ou como a estatuição revela a razão da decisão da urgência, considerando que o aviso de abertura data de 28 de dezembro de 2011, que a graduação final apenas foi conhecida mais de seis meses após aquele ato plenário de 13 de dezembro de 2011, deveria nesta ter-se indicado os factos que revelavam não apenas a urgência, como também que ela era tal que aniquilava a possibilidade de realizar a audiência no prazo mínimo da lei, para fundamentar a sua exclusão, o que sacrifica posições e direitos procedimentais dos candidatos, conferindo-lhes, desde logo, o direito à reação contenciosa porque preterida formalidade essencial do procedimento que não está sujeita ao poder discricionário do órgão.
16.9. Que isto vale por dizer que antes da deliberação final sobre a graduação impunha-se ao Conselho Superior da Magistratura, contrariamente ao que fixou no aviso do concurso, dar cumprimento aos artigos 100.º e segs do C.P.A. em respeito pela garantia constitucional - artigo 267.º/5 da C.R.P. - ouvindo os candidatos no exercício do direito de audição, porquanto a forma concursal e a inexistência de forma no procedimento , na tramitação prevista no artigo 47.º do Estatuto, que a exclua ou dispense, determina a sua realização, quer porque os interesse em causa assim o exigem, quer porque os princípios gerais a que o concurso de avaliação curricular deve obediência o impõem, quer ainda pelo respeito que o princípio da transparência concursal determina, incorrendo, assim , a deliberação em nulidade insuprivel, violando-se igualmente o disposto no artigo 125.º do C.P.A.
16.10. Que o regime de acesso à Relação, na alteração imposta pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, designadamente no artigo 47.º do E.M.J., impõe a alteração da graduação feita em função da classificação de serviço e da antiguidade, passando as classificações de serviço, no seu conjunto, a contribuir com 60% para a graduação final, sendo que os mais 40% correspondem a uma avaliação curricular efetuada por um júri perante o qual o candidato presta provas públicas.
16.11. Que a norma constante do n.º7 do artigo 47.º do E.M.J. , na redação introduzida pela Lei n.º 26/2008, é clara quanto ao objetivo: se é certo que é a última classificação de serviço do juiz de direito que determina a sua inclusão na primeira fase do concurso, isto é, a integração na lista dos juízes de direito mais antigos dos classificados com Muito Bom ou Bom com Distinção, também é certo que todas as anteriores classificações de serviço integram a quota de 60% da notação final, pelo que a nota (parcial) a atribuir a um juiz classificado de Muito Bom mas que, eventualmente, tenha tido ao longo da carreira, duas classificações de Bom ou duas classificações de Bom com Distinção, não será a mesma que irá ser atribuída a outro juiz, igualmente classificado de Muito Bom mas que fez uma progressão linear (Bom na primeira inspeção, Bom com Distinção na segunda, Muito Bom nas seguintes)
16.12. Que, como referido, a avaliação curricular a que se reporta o artigo 47.º,n.º7 do E.M.J. e cujo resultado contribui em 40% na notação final do candidato, não tem regulamentação legal, não se mostra legalmente deferida ao Conselho e a concretização da avaliação curricular não cabe nas competências do C.S.M. ainda que se rebuscasse o conceito na previsão do n.º 8 do artigo 47.º do E.M.J.
16.13. Que o C.S.M. absorveu competências que não lhe estão legalmente atribuídas, porque a própria normação inovadora da Lei n.º 26/2008 o não prevê, usando os poderes do órgão que a mesma alteração legislativa veio impor ao concurso curricular, órgão esse a que retirou o conteúdo essencial da sua designação, a avaliação resultante da discussão curricular que representa, naquela nova disciplina procedimental, 40% da classificação.
16.14. Que, subvertendo os princípios gerais dos concursos de avaliação curricular, substitui-se ao júri não apenas na sua função primeira de definição de regras e fixação de critérios e sua quantificação, como remeteu a decisão daquele órgão para o mero parecer sobre os candidatos em resultado da realização da prova pública de discussão curricular.
16.15. Que na vigência das normas anteriores o acesso aos Tribunais da Relação assentava na carreira, no estrito e rigoroso cumprimento da função, no cumprimento integral do seu objeto expresso nas melhores classificações de serviço, num desempenho de excelência. O que criou nos juízes mais antigos e por consequência mais próximos do acesso um princípio de confiança nas regras instituídas e com as quais conformaram a sua vida profissional e familiar , no estrito respeito por essas mesmas regras, pugnando pela melhor classificação em ordem àquele acesso
16.16. Que essa confiança é violada na alteração legislativa que passa a determinar aos mesmos juízes distintos pressupostos no acesso à Relação que transpostos para os novos itens de avaliação curricular são, afinal, os decisivos no resultado da graduação, como resulta da análise ao resultado final da graduação porquanto os primeiros 32 graduados têm classificações de serviço iguais.
16.17. Que tal significa que os itens curriculares selecionados pelo Conselho Superior da Magistratura determinam por si o resultado da graduação, assim como os intervalos da quantificação, o que constitui violação da lei por violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade , da proporcionalidade, constituindo igualmente desvio do poder e violação do princípio da legalidade (artigo 3.º do C.P.A,)
16.18. Que tais critérios, porque não definidos na norma legal disciplinadora do concurso, constituem uma criação do C.S.M, sendo os critérios fixados no aviso do concurso unidades estanques, com atribuição de uma pontuação autónoma contando para a classificação final, mas cuja decomposição classificativa na própria unidade altera a fronteira da vinculação estabelecida no próprio aviso, o que ficou demonstrado no sentido de cada uma das declarações de voto.
16.19. Que acresce o facto de em 30 de julho de 2009 ter sido publicada a Lei n.º 30/2009 que aprovou a norma transitória que estabelece regime excecional de acesso aos juízes aos Tribunais da Relação, numa evidente salvaguarda do legislador em ordem a dar resposta a situações já consumadas mas não regularizadas.
16.20. Que isso constitui , na expressão com que se adaptou a letra da lei, violação do princípio da igualdade, porquanto os candidatos ao presente concurso estavam nas mesma e exatas circunstâncias daqueles , apenas num tempo diverso não " coberto" pelo "chapéu" protetor da norma includente.
16.21. Que idêntica violação se invoca mas acrescida de ilegalidade por desrespeito das próprias regras determinadas pelo Aviso , configurada na violação do princípio da legalidade, porquanto critérios há que não foram valorados em consonância com o aí determinado como é o caso do item capacidade de trabalho, no trabalho prestado como auxiliar na Relação (ponto iii) da alínea e) do aviso do concurso.
16.22. Que acresce erro material nas somas das percentagens das classificações descritas e de erro manifesto a que se alude e que constituem invalidade que impõe a anulação do ato.
Alegações do Conselho Superior da Magistratura
17. Refere o C.S.M constituir questão nova a violação do número de vagas postas a concurso, pois o C.S.M. abriu as vagas em conformidade com o prescrito na lei - dobro do número de lugares não providos na Relação - não se justificando que o concurso apenas fosse aberto depois das vagas existirem, reiterando o que expôs anteriormente.
Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça
18. No entender do Ministério Público o paradigma de acesso com promoção "quase" automática, num modelo de prevalência da antiguidade de entre os melhores classificados em função das classificações de serviço, foi alterado para um aceso , precedido de concurso curricular, em que a avaliação curricular dos candidatos passou a ter uma expressão significativa.
19. Tal alteração não desrespeita o princípio da confiança que promana do disposto no artigo 2.º da Constituição da República visto que a tutela jurídico-constitucional da "confiança" pressupõe comportamentos suscetíveis de gerar nos privados " expectativas" de continuidade que devem ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, que tenham imposto planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do "comportamento" estadual.
20. Ora tais alterações não foram efetuadas repentinamente, pois já anteriormente a lei apontava no sentido de uma formação dos magistrados para promoção na carreira, não existindo interesse público em que se mantivesse uma regra de progressão fundada na dicotomia antiguidade/classificação de mérito.
21. A fixação das regras por que se rege o concurso, designadamente critérios e fatores de avaliação dos candidatos, revelam-se proporcionais e a sua divulgação prévia constitui garantia de objetividade, isenção e equidistância dos interesses em presença, sendo certo que , no quadro das regras fixadas, o júri do concurso delibera com o necessário grau de discricionariedade técnica, sendo aqui insindicável a matéria contida nesses poderes, salvo erro dos pressupostos de facto não verificado.
22. A questão do número de vagas, com a suspensão de duas delas, também não releva considerando que os concursos curriculares têm prazo de validade que tem de ser publicitado, pois, a não ser assim, a sua duração seria indeterminada ou eterna, impondo-se considerar que o número de vagas é previsível mas não pode ser certo. Ou seja, há que considerar a conjugação das seguintes regras: vagas previsíveis, concurso em função dessa previsão e preenchimento das vagas que efetivamente ocorrerem.
23. No que respeita à falta de audiência dos interessados, tal vício não ocorre num concurso em que a recorrente interessada foi ouvida em prova.
24. Factos provados
24.1 - Foi publicado no Diário da República,2.ª série, n.º248 de 28-12-2011 o Aviso n.º 24799/2011 do Conselho Superior da Magistratura declarando aberto o 1.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, nos termos do artigo 46.º,n.º2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
24.2 - Do aviso consta, para além do mais, que
10- " A avaliação curricular é efetuada de acordo com os seguintes critérios, globalmente ponderados:
a) Graduação obtida em concurso de habilitação ou cursos de ingresso em cargos judiciais, com ponderação entre 1 e 5 pontos;
b) Currículo universitário e pós-universitário, com ponderação entre 1 e 5 pontos;
c) Trabalhos científicos realizados, com ponderação entre 0 e 5 pontos, não se englobando nesta categoria os trabalhos que correspondam ao exercício específico da função;
d) Atividades exercidas no âmbito forense ou no ensino jurídico, com ponderação entre 0 e 5 pontos;
e) Outros fatores que abonem a idoneidade dos concorrentes para o cargo a prover, com ponderação entre 0 e 60 pontos, designadamente:
i) O nível dos trabalhos forenses apresentados, tendo em conta os conhecimentos revelados na resolução dos casos concretos e o domínio da técnica jurídica, quer ao nível formal, quer ao nível da substância, (0 a 30 pontos);
ii) O prestígio profissional e pessoal, tendo em consideração, designadamente, a contribuição para a melhoria do sistema, e para a formação de novos magistrados, bem como a dinâmica revelada nos lugares em que exerceu as funções (0 a 10 pontos);
iii) A capacidade de trabalho, ponderando a quantidade e a qualidade do serviço, designadamente, a existência de serviço já prestado como auxiliar na Relação (0 a 15 pontos);
iv) O grau de empenho na formação contínua como magistrado e a adaptação às modernas tecnologias (0 a 5 pontos)".
v) O registo disciplinar é ponderado negativamente com dedução, em função da sua gravidade, até ao máximo de 20 pontos (negativos).
11 — A ponderação das anteriores classificações de serviço será operada tendo por referência o resultado dos últimos dois atos de avaliação de mérito.
A última avaliação de mérito será considerada na proporção de 2/3 e a penúltima avaliação de mérito na proporção de 1/3, tendo em conta as seguintes pontuações:
“Suficiente” — 60 pontos;
“Bom” — 80 pontos;
“Bom com distinção” — 100 Pontos;
e “Muito bom” — 120 Pontos.
24.3- Do mesmo aviso consta ainda o ponto 16 que refere:
"16 — Atenta a qualidade dos concorrentes, a natureza curricular do concurso e a respetiva tramitação, designadamente, a existência de uma prova pública, considera-se dispensada a audiência dos interessados, nos termos do artigo 103, n.º 2, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro".
24.4- No ponto 12 do relatório respeitante à sua graduação refere-se o seguinte:
"12- Propõe-se, como pontuação para os fatores ínsitos no n.º 10 do aviso de abertura do 1.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação (Aviso n.º 24799/2011) e também constantes dos artigos 46.º e 47.º do indicado Estatuto, o seguinte:
- alínea a): 1 ponto
-alínea b): 1 ponto
- alínea c): 0 pontos
- alínea d): 0 pontos
-alínea e)
e) i): 15 pontos
e)ii): 7 pontos
e) iii):13 pontos
e) iv): 3 pontos
e) v) 0 pontos
Num total de 40 pontos.
Nos termos do aviso de abertura do Concurso as duas últimas classificações de serviço [ de " Bom com Distinção"] valem um total de 100,00 pontos.
Fica, assim, a concorrente com um total de 140,00 pontos
24.5- Da ata n.º 26/2011 da sessão plenária do Conselho Superior da Magistratura consta o seguinte:
" Ponto Prévio n.º7 -proc.º 2011-DSQMJ -Nomeação de Juízes da Relação-movimentos.
Iniciou-se a apreciação da proposta relativa aos termos da abertura do 1.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, nos termos do artigo 46.º,n.º2 do E.M.J., aprovado pela Lei n.º 25/85, de 30 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, bem como à escolha dos elementos que deverão compor o júri, nos termos do artigo 47.º,n.º4 do EMJ […]
Seguidamente, retomou-se a apreciação do Ponto Prévio n.º7. Após votação […] foi deliberado relativamente à ponderação das anteriores classificações prevista no n.º 11 da proposta de aviso que o mesmo passará a ter o seguinte teor:
11 — A ponderação das anteriores classificações de serviço será operada tendo por referência o resultado dos últimos dois atos de avaliação de mérito.
A última avaliação de mérito será considerada na proporção de 2/3 e a penúltima avaliação de mérito na proporção de 1/3, tendo em conta as seguintes pontuações:
“Suficiente” — 60 pontos;
“Bom” — 80 pontos;
“Bom com distinção” — 100 Pontos;
e “Muito bom” — 120 Pontos.
24.6- E ainda no tocante a esse ponto n.º 7 consta ainda:
"Sem prejuízo do já deliberado, mais foi deliberado, por unanimidade, aprovar o restante teor do aviso proposto, com exceção do ponto 13 que passará a ter a seguinte redação […]
Apreciando
25. A recorrente suscita várias questões que assim se podem sintetizar:
(a) saber se houve violação de uma formalidade essencial (artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo) e violação de lei (artigo 135.º do C.P.A.) porque não foram exarados na ata da deliberação do C.S.M., que os aprovou, os critérios de avaliação dos candidatos ao concurso curricular de acesso ao Tribunal da Relação;
(b) saber se o C.S.M. não dispõe de competência para a fixação de critérios de avaliação que não lhe está deferida, designadamente no artigo 47.º/8 do E.M.J., constituindo tal avaliação resultado de processo normativo inovador;
(c) saber se os critérios fixados pelo C.S.M., enquanto unidades estanques com a atribuição de uma pontuação autónoma contando para a classificação final, alteram a fronteira de vinculação estabelecida no próprio Aviso, assim se pondo em causa as exigências de transparência e a confiança na imparcialidade da própria atividade administrativa, afetadas pela publicação de microcritérios que, no caso, se não conhecem;
(d) saber se o princípio da confiança foi violado com a introdução deste novo regime concursal, sabendo-se que os juízes mais antigos, e portanto mais próximos do acesso, conformaram a sua vida pessoal e profissional de acordo com as regras de acesso estabelecidas, confiando na obtenção de classificação bastante, constatando-se que os critérios de avaliação curricular são agora os decisivos no resultado da graduação dado que os primeiros 32 candidatos têm igual classificação de serviço máxima correspondente a 120 pontos, ocorrendo, assim, violação do princípio da legalidade (artigo 3.º do C.P.A.), da justiça (artigo 6.º do C.P.A.) e da confiança (artigo 2.º da Constituição da República);
(e) saber se houve violação do princípio da audiência dos interessados (artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo) considerando que se impunha acautelar a fundamentação exigível à declaração de urgência sendo certo que houve um intervalo de mais de 6 meses entre o plenário de 13-12-2011 que aprovou o Aviso n.º 24799 de 28-12-2011 de que consta a declaração de dispensa e aquele de 29-5-2012 que aprovou a graduação final dos candidatos;
(f) saber se a audição dos interessados se impunha considerada a forma concursal e a inexistência de norma no procedimento na tramitação prevista no artigo 47.º do E.M.J., respeitando-se o princípio da transparência que importa aos atos concursais e a exigência de fundamentação (artigo 125.º do C.P.A.);
(g) saber se o princípio da igualdade foi violado com a publicação da Lei n.º 30/2009, de 30 de julho;
(h) saber se o princípio da legalidade (artigo 3.º do C.P.A.) foi desrespeitado por não ter sido valorado o item " capacidade de trabalho" constante do ponto iii da alínea e) do aviso de concurso a que acresce o erro na soma material das percentagens de classificações, havendo ainda duplicação nos itens ii) e iii) relativamente à ponderação da classificação constante do ponto 9 do aviso.
Não transcrição integral para a ata da proposta de abertura do 1.º Concurso Curricular de Acesso ao Tribunal da Relação
26. No que respeita à primeira questão, a recorrente não põe em causa que os critérios de avaliação curricular que foram publicados no Aviso n.º 24799/2011 não tenham sido aprovados na deliberação do C.S.M. constante da ata n.º 26/2011, de 13 de dezembro de 2011 ou que se tenha verificado alguma desconformidade entre o que foi publicado e o que foi aprovado; ou que a invocada omissão de transcrição do texto da proposta apresentada tenha exercido qualquer influência na sua graduação.
27. Por isso, a invalidade da deliberação à luz do disposto no artigo 122.º do C.P.A. apenas se poderia compreender se essa menção fosse uma das menções obrigatórias a que alude o artigo 123.º do C.P.A. o que não é sustentado pela recorrente.
28. Refira-se ainda ( ver supra 24.5.) que o C.S.M. deliberou com base numa proposta de aviso que estava obviamente presente na Sessão Plenária do C.S.M. de 13 de dezembro de 2011 a qual, na sequência da discussão suscitada, foi alterada no que respeita ao ponto n.º 11 da proposta que ficou com o texto que consta precisamente do ponto n.º 11 do Aviso n.º 24799, tudo isto a demonstrar que não se suscita qualquer dúvida sobre a aprovação da proposta em causa, constando da ata a sua aprovação e o ponto essencial de divergência. Não se suscita, assim, qualquer dúvida quanto ao teor da proposta atento o que consta da ata e do Aviso no que respeita ao que foi alterado pela deliberação do C.S.M, não se mostrando, portanto, que a não reprodução do texto da proposta em ata implique qualquer violação das regras de transparência ou de imparcialidade ou que haja afetado, como se disse, a recorrente.
29. As exigências de transparência e de imparcialidade justificam que os critérios de avaliação sejam fixados previamente; nos casos em que os avisos de abertura se limitam a anunciar que os critérios de avaliação constam das atas, então, por força de tal remissão, se tais critérios não constarem das atas, os candidatos admitidos ao concurso vêem-se, na verdade, numa situação de desconhecimento desses critérios. Sobre esta ponto, discutiu-se nos tribunais administrativos a questão, diversa da que está aqui em causa, de saber o momento em que os interessados deviam ter acesso a essa atas (ver Ac. do S.T.A. de 16-2-2012 -Pleno - rel. Rui Botelho in www.dgsi.pt), pressupondo-se, portanto, que os critérios constavam das atas.
30. Tal situação não tem equivalente no caso em apreço porque consta integralmente do aviso a informação a proporcionar aos candidatos, não carecendo estes, para tal efeito, de analisar as atas para saber afinal quais são os critérios de ponderação e avaliação dos currículos; e, diga-se, pautando-se o concurso pelo que consta do aviso, se alguma divergência existisse entre o que foi aprovado e o que foi publicado - questão aqui manifestamente fora de causa - sempre seria de ponderar se o concurso não deveria valer em função do que foi anunciado, pois é à luz dos critérios constantes do aviso que os candidatos preparam o currículo e a sua defesa.
Fixação pelo Conselho Superior da Magistratura dos critérios de avaliação curricular
31. No que respeita à segunda questão importa atentar que, de acordo com a Constituição da República, tanto o acesso dos juízes ao Supremo Tribunal de Justiça como o recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de segunda instância se faz por concurso curricular, reservando-se o acesso ao Tribunal da Relação aos juízes de 1ª instância, cumprindo ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos da lei, lei que é o Estatuto dos Magistrados Judiciais aprovado pela lei n.º 21/85, de 30 de julho, " a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da ação disciplinar" ( artigos 215.º/3 e 4 e 217.º/1 da CRP).
32. Ao Conselho Superior da Magistratura compete " apreciar o mérito profissional" e, por conseguinte, para tal efeito, não pode deixar de se aceitar que, " mesmo por natureza é inerente ao C.S.M. como órgão constitucional que é (citado artigo 217.º, n.º1), o poder regulamentar, à semelhança do poder regulamentar do Governo" (Ac. do Trib. Const. n.º 61/2002, DR, II Série, n.º59, de 11-3-2002).
33. E na mesma linha de pensamento do mencionado acórdão saliente-se que a definição dos critérios de avaliação curricular que estiveram na base da classificação dos concorrentes são a projeção do quadro de referência constituído pelo disposto nos artigos 46.º a 47.º do E.M.J. com a redação dada pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, que disciplina o concurso curricular de acesso dos juízes ao Tribunal da Relação, não assumindo, por isso, natureza inovadora fora do aludido quadro referencial. Com efeito, tal quadro referencial não só define com exatidão os concorrentes que devem ser admitidos ao concurso (artigo 47.º/1 do EMJ) como fixa a proporção em que se deve fazer a graduação final ( artigo 47.º/6 do EMJ) e indica o critério de desempate, conferindo ao Conselho Superior da Magistratura a incumbência de adotar " as providências que se mostrem necessárias à boa organização e execução do concurso de acesso ao provimento das vagas de juiz da Relação" (artigo 47.º/8 do E.M.J.).
34. Não há, portanto, exercício de competências por parte do C.S.M. que não fossem as que por lei lhe estão cometidas.
Os poderes do C.S.M. e o conteúdo dos critérios fixados
35. No que respeita à terceira questão, atente-se que os critérios fixados pelo C.S.M. respeitam, como se disse, o quadro referencial introduzido pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho que estabelece no n.º 7 do artigo 47.º do E.M.J. que " a graduação final dos candidatos faz-se de acordo com o mérito relativo dos concorrentes, tomando-se em consideração, em 40% a avaliação curricular, nos termos previstos no número anterior, e em 60% as anteriores classificações de serviço, preferindo em caso de empate o juiz com mais antiguidade"
36. A existência de critérios no âmbito dos quais se move o júri, exercendo os seus poderes integrativos da discricionariedade técnica, entre os quais avulta a definição daquilo que a recorrente chama de microcritérios que mais não são do que a objetivação de alguns dos critérios gerais, necessária para se obter equidade na avaliação dos candidatos, objetivação que é em si fundamentadora da classificação em concreto a atribuir ao concorrente, a existência desses critérios, dizíamos, tem por objetivo precisamente a transparência e imparcialidade do processo classificativo, assegurando igualdade entre os concorrentes.
37. Refira-se que a existência de critérios gerais de avaliação não tem apenas um propósito de transparência, mas igualmente proporciona uma efetiva compreensão da própria graduação, inserindo-se, assim, no âmbito da fundamentação (artigo 125.º do C.P.A.). A ausência de menção dos critérios utilizados já levou a considerar que o ato de homologação da lista de promoções a Ministro Plenipotenciário não está suficientemente fundamentado " quando se limita a enunciar vetores e fatores de avaliação ponderados na avaliação curricular, sem menção dos critérios utilizados para o efeito" (Ac. do S.T.A. de 28-9-2010, rel. Políbio Henriques, 0478/10); a mera menção de " súmulas" individuais feitas relativamente a cada um dos concorrentes voluntários não permite "descortinar um sistema de classificação, ou seja, um critério de valoração integral, objetivo e minimamente quantificado em que a graduação pudesse assentar" e, por isso, "a falta de um tal critério de valoração ou de uma grelha ou tabela de pontuação dos critérios legais, impede que se entenda o itinerário cognoscitivo seguido no processo e que desembocou na graduação feita, ou seja, a razão pela qual um candidato foi graduado em 1.º, 2.°, 3.°, ou 4.° lugares". Assim entendeu o Ac. da Secção do Contencioso do S.T.J. 29-11-2005 (Rel. Reis Figueira), Proc. n.º 2380/04 considerando que, por tal motivo, a fundamentação se mostra "obscura e insuficiente nos seus parâmetros, o que equivale a falta de fundamentação, nos termos do art. 125.°, n.º 2, do C.P.A".
38. É interessante referir que o júri, num plano que se insere no âmbito da própria discricionariedade técnica porque importa à avaliação em si, não deixou de ponderar, precisamente para se evitar críticas, como as da recorrente, de que os critérios fixados não devem constituir unidades estanques, o júri, dizíamos, considerou que " a avaliação deve ser feita de forma global, tendo em conta, designadamente, os critérios estabelecidos na alínea e) do n.º 10 do Aviso, evitando uma apreciação meramente contabilística de vários fatores previamente considerados que, em regra, cria injustiça no resultado final" ( ver extrato da deliberação da sessão do Plenário Extraordinário do Conselho Superior da Magistratura, realizado em 29-5-2012). Tudo isto evidencia a transparência, imparcialidade e a tentativa de conseguir um resultado mais justo possível.
39. Não aponta a recorrente nenhum critério que incida sobre os atos e atividades que não sejam os que respeitam ao desempenho profissional que se espera de um juiz. Aceita-se que os poderes do C.S.M. são vinculados à organização e execução de um concurso dentro dos parâmetros que definem um concurso curricular de acesso a um tribunal superior, escapando a esse parâmetros critérios manifestamente desproporcionados do fim a atingir. Mas sendo tão evidente o ajustamento dos critérios que constam do Aviso à finalidade visada e não tendo a recorrente criticado nenhum dos critérios fixados nesta perspetiva, crê-se desnecessário, e porventura deselegante, a exemplificação do que seria um critério desproporcionado.
40. A inovação de que fala a recorrente não equivale à fixação em si de critérios, porque isso constituiria a própria negação dos poderes conferidos por lei ao C.S.M. nos termos do artigo 47.º/8 do E.M.J. de organizar o concurso curricular e de preparar as bases de uma fundamentação efetiva; ela equivale ao juízo de inadequação ou ausência de proporcionalidade relativamente aos objetivos a atingir ( ver artigo 5.º/2 do C.P.A.), o que sucederia se fossem introduzidos critérios inadequados ao que se espera de uma avaliação de juízes de Direito, o que não sucedeu.
Princípio da confiança
41. No que respeita à invocada violação do princípio da confiança, afigura-se-nos que a alteração introduzida no sentido de o acesso dos juízes ao Tribunal da Relação deixar de se fundar unicamente nas classificações de serviço, desempatando-se os candidatos com igual classificação de serviço com base na antiguidade (anterior redação do artigo 47.º/1 do E.M.J.), para se passar a fundar também na avaliação curricular (atual redação do artigo 47.º/1 do E.M.J.), não pôs em causa o princípio da confiança interpretado pela recorrente com o sentido de não ser aceitável uma alteração da lei aplicável a juízes que se encontrem à beira da promoção.
42. Primeiro, porque a lei não deixou de atender ao critério da classificação de serviço, valorizando-o mais do que a avaliação curricular (60%/40%: artigo 47.º/7 do E.M.J.); depois, porque ao nível da avaliação curricular que visa uma apreciação que tem essencialmente em vista o mérito científico dos candidatos, o nível dos trabalhos forenses apresentados permite uma pontuação (30 pontos) superior ao somatório (20 pontos) de quatro dos critérios apresentados que valorizam uma parte curricular de natureza mais académica do que profissional. E desses quatro critérios, dois deles implicam sempre a atribuição de pontuação: os das alíneas a) e b) do n.º 10 (graduação em concursos de ingresso e currículo universitário que inclui a classificação académica). Assim, o candidato que durante a sua vida profissional entendeu não elaborar nenhum trabalho científico nem exerceu qualquer atividade no âmbito forense ou no ensino jurídico perderá apenas 10 pontos. Não é, pois, injusto por desproporcionado o critério estabelecido visto que o candidato que optar por uma dedicação absoluta à sua atividade profissional pode obter uma pontuação bem acima de outros candidatos que se tenham dispersado por outras áreas curriculares.
43. Não há, na lei, a criação de um intolerável e inaceitável regime em que a avaliação profissional fosse valorada de tal forma que a sua influência no resultado final fosse nula ou muito reduzida.
44. Cumpre notar que entre os fatores que abonam a idoneidade dos concorrentes para o cargo a prover, fixou o C.S.M. uma pontuação máxima de 60 pontos, evidenciando-se, assim, que na avaliação curricular foi tido em linha de conta o desempenho profissional que se afigure revelador de um elevado nível de conhecimento.
45. Não ocorre, assim, violação de lei por violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade ( cf. invocados artigos 3.º e 6.º do Código do Procedimento Administrativo).
46. E também não corre violação do princípio da confiança a que alude o artigo 2.º da Constituição da República considerada a invocada violação de expectativas de promoção com base na classificação de mérito.
47. Assim, no Ac. do Trib. Const. n.º 574/98, rel. Vítor Nunes de Almeida, de 13-10-1998, DR, II Série, n.º 111 de 13-5-1999, pág. 7159 referiu-se a este propósito que
a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica na atuação do Estado obriga este, para que a vida em comunidade decorra com normalidade e sem sobressaltos, à garantia de um mínimo de certeza e de segurança do direito das pessoas e das expectativas que lhes são juridicamente criadas, pelo que uma alteração legislativa que modifique de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que devem ser respeitados não pode deixar de contender com tal princípio constitucional.
O cidadão deve poder prever que as intervenções legislativas do Estado se façam segundo uma certa lógica racional e por forma a que ele se possa preparar para adequar a sua futura atuação a tais intervenções e de tal modo que uma tal atuação possa ser reconhecida na ordem jurídica e tenha os efeitos e consequências que são previsíveis face à decorrência lógica da modificação realizada.
Porém, para essa previsão de atuação, não é despicienda a situação de facto pré-existente e que acaba por determinar a intervenção legislativa
48. Não se nos afigura razoável sustentar, prescrevendo a C.R.P. que o " recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de segunda instância faz-se com prevalência do critério de mérito, por concurso curricular entre juízes de primeira instância", que o mérito relativo dos concorrentes teria de se pautar necessariamente , para efeito de graduação, tomando-se apenas em conta a classificação de serviço e a antiguidade (artigo 47.º/2 do E.M.J. redação anterior à introduzida pela Lei n.º 26/2008). Com efeito, e considerando que o exercício da função jurisdicional implica um amplo leque de conhecimentos e de experiência forense, é compreensível, e é de esperar, que o mérito dos magistrados no âmbito de um concurso curricular seja objeto de uma avaliação que tenha em conta outros fatores para além daqueles que resultam da sua classificação de serviço.
49. Não se vê que o Estado tenha assumido qualquer comportamento, designadamente no plano legislativo, no sentido de se manter indefinidamente o mencionado critério de graduação. Repare-se que, ao nível dos próprios regulamentos de inspeções judiciais que estão na base das classificações de serviço, assistiu-se a uma alteração de critérios, designadamente na análise da preparação técnica, pois se o Regulamento de 1996 (D.R., II Série, n.º 107 de 8-5-1996) mencionava, a título exemplificativo, "a categoria intelectual, a capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço e o nível jurídico do trabalho inspecionado (artigo 19.º/3) já os Regulamentos de 1999 (D.R., II Série, n.º 262 de 10-11-1999, pág. 16964/16967 e de 2003, D.R., II Série, n.º 12 de 15-1-2003, pág. 666/670) consideravam " a categoria intelectual, a capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço, a capacidade de convencimento decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original e o nível jurídico do trabalho inspecionado, apreciado essencialmente pela capacidade de síntese na resolução das questões, senso prático e jurídico, ponderação e conhecimentos revelados pelas decisões".
50. Não se vê que os magistrados pudessem ter uma expectativa legítima e fundada em boas razões para não quererem ver os seus conhecimentos científicos avaliados numa perspetiva mais ampla, considerando que, no entender de alguns autores, " o mérito que se supõe, ou do qual se torna necessário julgar, em ordem a garantir o acesso aos tribunais superiores, terá que ser sempre, e fundamentalmente, um mérito de natureza científica, que é o único que a função de julgar materialmente supõe, e que passa não só pelo adequado domínio e conhecimento técnico do direito e da norma jurídica a aplicar, como pela correta valoração do problema a pedir solução ou enquadramento" (Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Tomo III, pág. 167).
51. Com efeito, o E.M.J., no artigo 34.º com a redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, no que respeita aos critérios a considerar na classificação dos juízes de direito, já referenciava os " trabalhos jurídicos publicados", passando, a partir de então, a considerar o "exercício de funções enquanto formadores dos auditores de justiça"; conferiu a lei, tendo em vista a formação dos magistrados, a possibilidade de o Conselho Superior da Magistratura dispensar os magistrados do serviço "para participação em congressos, simpósios, cursos, seminários ou outras realizações, que tenham lugar no país ou no estrangeiro, conexas com a sua atividade profissional" (artigo 10-A/1 do E.M.J.). O próprio n.º2 deste preceito, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de agosto, considerava aplicável aos magistrados, " com as devidas adaptações, o disposto na lei geral sobre o regime de bolseiro, dentro e fora do país, quando se proponham realizar programas de trabalho e estudo, bem como frequentar cursos ou estágios de reconhecido interesse público"; o já assinalado artigo 44.º com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, faz depender, entre outras, como condição de " provimento de lugares em juízos de competência especializada […] (a) a frequência de curso de formação na respetiva área de especialização e a (b) obtenção do título de mestre ou doutor em Direito na respetiva área de especialização. E mesmo quando o magistrado exerceu previamente funções , durante pelo menos três anos, na respetiva área de especialização (ver artigo 44.º/2, alínea c) do E.M.J.) o n.º3 desse preceito exige, para provimento, " a frequência de curso de formação sobre a respetiva área de formação".
52. Evidencia-se, assim, uma intenção legislativa continuada no sentido de se exigir aos magistrados, como condição de progressão na carreira e de acesso aos tribunais superiores, uma formação contínua, de um constante aperfeiçoamento científico, proporcionando-lhes condições específicas ao ponto de os libertar do serviço do tribunal, não se afigurando razoável, face a este condicionalismo legal, que os magistrados em exercício de funções não pudessem contar com a fixação de critérios em que passasse a contar no concurso curricular de acesso a todos os tribunais superiores uma avaliação curricular autónoma face à classificação de serviço.
53. Por último saliente-se que os critérios que foram aplicados ao Concurso Curricular correspondem à normalidade dos juízos valorativos que razoavelmente se espera que informem o reconhecimento profissional dos magistrados.
54. Todas estas razões levam a que, também nesta perspetiva, não se possa considerar violado o princípio da confiança que promana do já referido artigo 2.º da Constituição da República.
Audiência dos interessados
55. No que respeita à violação do princípio da audiência dos interessados ( artigo 100.º e segs. do Código do Procedimento Administrativo) refira-se que a sua exclusão em razão da urgência (artigo 103.º/1, alínea a) do C.P.A.) não foi invocada pelo C.S.M. , não vindo, assim, ao caso a falta de fundamentação de uma decisão que não existiu com base naquele motivo.
56. O C.S.M. dispensou a audiência dos interessados ao abrigo do disposto no artigo 103.º/2, alínea a) do C.P.A., preceito que permite que haja dispensa "se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas". Vale, no caso vertente, o primeiro segmento dessa alínea que está fundamentado, conforme se vê do disposto no ponto 16 do Aviso, considerando a "qualidade dos concorrentes, a natureza curricular do concurso e a respetiva tramitação, designadamente, a existência de uma prova pública".
57. Com efeito, tem-se entendido, conforme se lê no Parecer da P.G.R. n.º 142/2001 de 14-2-2002 (Fernandes Cadilha) publicado no DR, n.º 184, II Série de 10-8-2002, pág. 13746 que
não é líquido, na doutrina, que audição prévia dos interessados deva ter lugar nos casos em que a Administração solicita ao particular determinada conduta ou a demonstração de certas qualidades ou capacidades como condição de atribuição de determinada vantagem ou concessão de um certo estatuto, de que são exemplo os procedimentos de concurso.
A este propósito, PEDRO MACHETE, depois de sublinhar que a lei especial pode sempre dispensar a audiência do interessado ou criar novas situações de inexistência dessa formalidade, a acrescer àquelas que se encontram elencadas no artigo 103º, n.º 1, do C.P.A., refere:
“Existe, todavia, um outro grupo significativo de casos carecidos de análise. Queremos referir-nos aos procedimentos de escolha dos cocontratantes da Administração Pública baseada em concurso público e às decisões de avaliação de qualidades pessoais com base apenas nos elementos por elas fornecidos (v.g., exames escolares ou concursos para recrutamento e seleção de pessoal). Em ambos os casos, mesmo que não exista regulamentação especial, a audiência dos interessados, formal e de promoção obrigatória, deve ser dispensada […]
No caso das avaliações de pessoas com base nas provas que elas próprias prestam, não é dissociável, em concreto, a averiguação da matéria factual relevante para a decisão do procedimento, das pronúncias que sobre o mesmo os interessados pudessem fazer. Daí que uma eventual audiência não pudesse apresentar qualquer utilidade para o procedimento ou para os próprios interessados.”
58. Em anotação ao Ac. do S.T.A. de 5-12-1996, P. 33 602 in C.J.A., 2, 1997, pág. 40-47, Pedro Machete refere ainda o seguinte:
Com efeito, o legislador optou por correlacionar a audiência dos interessados com a definição do objeto do procedimento para efeitos de decisão. Tal decorre, desde logo, da delimitação recíproca estabelecida entre os artigos 100.º,n.º1 e 103.º,n.º2, alínea a) do C.P.A.: os valores tutelados são os mesmos e conduzem ao reconhecimento em ambos os casos da possibilidade de os interessados se pronunciarem sobre o objeto do procedimento tal como configurado imediatamente antes da decisão final; aliás, o critério fundamental da dispensa da audiência na situação prevista no artigo 103.º,n.º2, alínea a), é a desnecessidade da realização de nova audição para assegurar o direito de ser ouvido, o qual, em bom rigor, já terá sido efetivado, quer através de uma audiência de promoção facultativa nos termos do artigo 59.º, quer informalmente através de intervenções procedimentais dos particulares. Daí ser para nós claro que o mencionado artigo 103.º,n.º2, alínea a), não é excecional nem especial relativamente ao normativo do artigo 100.º,n.º1; aliás, o preceito em causa concorre imediatamente para a definição do direito de os interessados serem ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final referida neste último artigo […]. O direito de ser ouvido consagrado no C.P.A. permite contribuir para a objetividade e racionalidade do procedimento e a autorrepresentação dos interesses dos particulares perante o poder. A sua função essencial é democratizante construtiva - abrir o procedimento aos interesses da sociedade; não crítica e defensiva- discutir os juízos de mérito da Administração".
59. Com efeito, não se trata aqui de abrir uma discussão entre os concorrentes e o júri sobre a avaliação do mérito, ou seja, discutir a discricionariedade técnica do júri; importa que ao concorrente seja dada a possibilidade de transmitir a sua posição sobre a valia do seu currículo antes da sua avaliação e essa possibilidade está assegurada mediante a " prova pública de defesa do currículo" ( ver n.º 9 do Aviso n.º 24799).
60. Saliente-se que a expressão deste entendimento está sintetizado , fundamentando-o de modo claro e inteligível, no ponto 10 do Aviso.
61. Neste procedimento concursal os concorrentes têm conhecimento dos critérios classificativos e são eles que delimitam o campo de avaliação mediante a sua própria escolha dos trabalhos científicos e, muito particularmente, dos trabalhos forenses elaborados, bem como dos demais elementos que consideram relevantes para a sua classificação.
62. Por outras palavras: os concorrentes são chamados a defender o seu currículo precisamente para disporem de oportunidade de se pronunciarem " sobre as questões que importem à decisão" (artigo 103.º,nº2, alínea a) do C.P.A.) que outras não são afinal senão o seu próprio entendimento sobre os pontos marcantes do seu currículo.
63. Cremos que as finalidades visadas pela lei estão atingidas e, por isso, justifica-se inteiramente a dispensa determinada por deliberação do C.S.M. visto que uma segunda audição, prévia à proposta de classificação, não teria afinal outro objetivo , como se disse, senão discutir com o júri a sua própria avaliação que, como é reconhecido, se situa no campo da discricionariedade administrativa.
64. No que respeita à violação do princípio da igualdade face à publicação da Lei n.º 30/2009, de 30 de julho, que delimita o seu âmbito aos juízes de direito já nomeados auxiliares na Relação ou àqueles que, precedendo-os em antiguidade venham a requerer a sua nomeação em algum dos 3 movimentos judiciais seguintes, importa salientar que, a ocorrer violação desse princípio, e não se vê a que título, certo é que o objeto do recurso da recorrente que se submeteu ao 1º Concurso Curricular de Acesso atenta a pretensão deduzida - e é desta que cumpre tratar pois por ela se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição deste Tribunal - é o de que tal Concurso seja objeto de anulação.
65. Ora, a verificar-se violação do princípio da igualdade em razão do âmbito da previsão fixada naquela lei, a consequência dessa violação não seria a anulação da graduação da concorrente, mas sim abrir-lhe a possibilidade de requerer a sua nomeação como juíza efetiva da Relação com base naquele diploma. Estamos, assim, face a questão que não pode ser objeto de conhecimento por estar fora do objeto do recurso, não tendo sido a recorrente lesada relativamente a qualquer deliberação incidente sobre esse ponto (artigo 55.º/1, alínea a) do C.P.T.A).
Graduação em concreto
66. No que respeita à graduação em concreto, o item iii) constante do n.º 10 do Aviso considera relevar "a capacidade de trabalho, ponderando a quantidade e a qualidade do serviço, designadamente, a existência de serviço já prestado como auxiliar na Relação (0 a 15 pontos)". A recorrente obteve neste item a elevada classificação de 13 pontos, igualada mas não ultrapassada por nenhum concorrente, que está em sintonia com a referência ao número de processos que lhe foram distribuídos e que relatou.
67. No que respeita à classificação de serviço, as duas últimas classificações da concorrente são de " Bom com Distinção"; o critério constante do n.º 11 do Aviso diz: " a ponderação das anteriores classificações de serviço será operada tendo por referência o resultado dos últimos dois atos de avaliação de mérito. A última avaliação de mérito será considerada na proporção de 2/3 e a penúltima avaliação de mérito na proporção de 1/3, tendo em conta as seguintes pontuações: Suficiente — 60 pontos; Bom — 80 pontos; 'Bom com distinção — 100 Pontos; e 'Muito bom — 120 Pontos"; verifica-se, portanto, que a atribuída pontuação de 100, com base nas duas últimas classificações de serviço, mostra-se correta à luz do aludido critério, pois 2/3 de 100 + 1/3 de 100 tem de perfazer 100 ( = 3/3). Não houve, por conseguinte, nenhum erro na graduação em concreto da requerente.
Duplicação de critérios
68. Por último, e no que respeita à mencionada duplicação de critérios, importa salientar o seguinte: a avaliação curricular integra vários itens que estão diretamente conexionados com o nível de desempenho profissional em que não está apenas em causa a qualidade dos trabalhos apresentados, mas também a capacidade de trabalho, o esforço posto no aperfeiçoamento da instituição judiciária, o prestígio alcançado no meio profissional. Ora isto demonstra que a avaliação curricular tem muito em atenção, o que bem se compreende, o nível profissional do concorrente. Como é evidente, alguns destes aspetos contam igualmente na classificação de serviço, mas a avaliação curricular tem essencialmente em vista uma avaliação qualitativa orientada por via da delimitação efetuada pelo próprio candidato, integrando ainda um conjunto de outros itens, tudo a justificar uma ponderação autónoma global a valer 40% num total de 60% ( artigo 47.º/7 do E.M.J.
69. Se da avaliação curricular retirássemos a avaliação relacionada com o desempenho profissional, considerando, por exemplo, apenas a atividade científica e outra de natureza extraprofissional, aqui sim, na graduação de um concurso curricular reservado a juízes, passariam a pesar de um modo excessivo fatores de avaliação não profissionais, o que seguramente iria afrontar os princípios de equidade e da proporcionalidade que não podem deixar de estar presentes; improcede, assim, a argumentação da recorrente quanto a estes pontos, não se vislumbrando, por conseguinte, em relação à sua graduação nenhum erro nos pressupostos de facto que possa justificar, pela sua relevância, a anulação da graduação da recorrente.
Concluindo:
I- A não reprodução integral, na ata da deliberação do C.S.M., do texto da proposta respeitante aos termos de abertura do 1.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, que foi aprovada com alterações, estas mencionadas na ata, não implica violação do disposto no artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, não exigindo a lei, no artigo 123.º do mesmo C.P.A., a obrigatoriedade dessa menção constar integralmente
II- Os concorrentes não careciam de consultar a ata que aprovou a aludida proposta para conhecer os critérios de avaliação curricular visto que aquela foi reproduzida integralmente no Aviso publicado em Diário da República, não se suscitando qualquer dúvida quanto à conformidade entre a proposta aprovada e a proposta publicada.
III- O Conselho Superior da Magistratura, como órgão constitucional (artigo 217.º/1 da Constituição da República) dispõe de poder regulamentar à semelhança do Governo, cumprindo-lhe, nos termos do n.º8 do artigo 47.º do E.M.J., " adotar as providências necessárias à boa organização e execução do concurso de acesso ao provimento das vagas de juiz da Relação", conferindo, assim, a lei ao C.S.M. o poder de fixar os critérios a considerar na avaliação curricular dos candidatos e, por conseguinte, assim procedendo, o C.S.M. agiu de acordo com a lei, no exercício dos seus poderes
IV- A fixação de critérios de avaliação e demais providências necessárias à boa execução do concurso curricular insere-se no âmbito dos poderes do C.S.M. e os critérios fixados em concreto que constam do Aviso estão sob o campo de referência fixado pelo artigo 47.º/7 do E.M.J. não se mostrando inadequados ou desproporcionados às exigências de um concurso curricular desta natureza.
V- A existência de critérios, tanto quanto possível precisos, visa assegurar uma avaliação curricular equitativa, constituindo eles próprios instrumento de fundamentação da própria graduação; se tais critérios não existissem, a graduação perderia clareza e poderia passar a incorrer no vício de falta de fundamentação por obscuridade ou insuficiência (artigo 125.º/2 do C.P.A.)
VI- A existência de critérios precisos não obsta a uma avaliação global dos concorrentes, aspeto que foi considerado pelo júri e pelo Conselho Superior da Magistratura na graduação que efetivou, inserindo-se essa avaliação global no âmbito da chamada discricionariedade técnica não sindicável judicialmente.
VII- Justifica-se a dispensa de audiência dos interessados nos termos do artigo 103.º/2, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo quando, no âmbito de um concurso curricular em que cumpre aos candidatos a apresentação dos trabalhos forenses e científicos que realizaram e a indicação dos demais aspetos que importem à sua classificação, a lei (artigo 52.º/2 do E.M.J.) lhes faculta a defesa pública dos seus currículos perante um júri.
VIII- Num concurso curricular , e muito particularmente num concurso em que o acesso está reservado exclusivamente a magistrados judiciais, não podem deixar de assumir particular relevo, na avaliação curricular, fatores de ordem qualitativa incidentes sobre o desempenho profissional, pois, a não ser assim, seria desproporcionada tendo em vista os objetivos a realizar (artigo 5.º/2 do C.P.A.) a atribuição à avaliação curricular de um percentagem de 40%, atribuindo-se 60% à classificação de serviço.
IX- E porque a avaliação curricular resulta de um conjunto de elementos, que são apresentados pelo candidato, particularmente direcionados para um objetivo de avaliação do nível profissional qualitativo em que se inserem outros fatores de ponderação, não há, no que respeita à classificação de serviço, coincidência nem quanto aos fins nem quanto aos critérios de análise, sendo certo que, tanto na classificação de serviço como na avaliação curricular, não pode deixar de existir uma base comum que se reconduz à avaliação do desempenho profissional de magistrados.
Decisão: julga-se improcedente o recurso
Custas pela recorrente
Sendo o valor da presente ação o de 30 000,01€ atento o disposto no art. 34º, nº 2 do CPTA, a taxa de justiça é de seis unidades de conta – Tabela I - A, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e art. 7º, nº 1 deste diploma.
Lisboa, 21-3-2013
Salazar Casanova (relator)
Lopes do Rego
Manuel Braz
Gonçalves Rocha
Raul Borges
Garcia Calejo
Serra Baptista
Henriques Gaspar