SINDICATO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
LEGITIMIDADE
Sumário

Um Sindicato não outorgante duma convenção coletiva não tem legitimidade para pedir a anulação de cláusula dela constante.

Texto Integral

Processo nº 1647/10.2TTMTS.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 135)
Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1.670)
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
O B… intentou a presente ação contra o C… e contra a D… pedindo a declaração de nulidade do nº 1 da cláusula 10ª do Contrato Coletivo firmado pelos RR.[1] alegando, em síntese, que representa os Técnicos de Farmácia seus associados, que a profissão de Técnico de Farmácia é uma profissão regulamentada, na aceção da alínea h) do artº 2º da Lei 9/2004 de 4.3, dependendo o acesso à mesma e o exercício da mesma de qualificações e uso de título profissional e que é do seu interesse, bem como do interesse público, que seja vedado o exercício de atos próprios desta profissão a quem não tenha o necessário título. Os RR. celebraram um Contrato Coletivo que foi publicado no BTE nº 21 de 8.6.2010, tendo contratualizado, na cláusula 10ª, nº 1, que os Técnicos Auxiliares de Farmácia podem desenvolver atividades que se consubstanciam na “execução de todos os atos inerentes ao exercício farmacêutico, sob controlo e supervisão do Farmacêutico”. Por outro lado, o nº 2 da mesma cláusula comete aos Técnicos de Farmácia “a execução de todos os atos inerentes ao exercício farmacêutico, sob controlo e supervisão do Farmacêutico, utilizando técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e prevenção”. Deste modo, os conteúdos funcionais de ambas as carreiras, tal como definidos na cláusula 10ª, são claramente sobreponíveis, pelo que os RR. pretendem que atividades cometidas por Lei aos Técnicos de Farmácia passem a ser praticadas por esta nova categoria de Técnicos Auxiliares de Farmácia, com remunerações mais baixas do que as daqueles. Acresce que, dispondo o artº 24º do DL 307/2007 que nas farmácias de oficina pode existir um quadro não farmacêutico composto por Técnicos de Farmácia ou outro pessoal devidamente habilitado, cabe à Lei e não a um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho indicar qual é o outro pessoal devidamente habilitado para integrar esse quadro.
Contestaram os RR. por exceção, invocando que não obstante o A. ter configurado a ação como declarativa comum, a pretensão que pretende fazer valer em juízo só pode ser processualmente conseguida através da ação de processo especial prevista no artº 183º e seguintes do Código de Processo de Trabalho, e invocando ainda a ilegitimidade ativa uma vez que o A. não foi parte outorgante no Contrato Coletivo em apreço e que só pode representar os seus associados, nos termos da parte final do artº 6º dos seus Estatutos, “desde que em conformidade com as convenções coletivas de trabalho a que o B… tenha aderido ou subscrito”. Contestaram também por impugnação, invocando razões de distinção entre as profissões de Técnicos de Farmácia e Técnicos Auxiliares de Farmácia, ou seja, negando a sobreposição que o A. invocou. Pela D… foi ainda invocada a inconstitucionalidade do DL 261/93 de 24.7 e do DL 320/99 de 11.8.
O A. respondeu, invocando que a presente ação é uma ação declarativa comum, pelo que a sua legitimidade se afere em face do disposto no artº 5º nº 1 do CPT, por demonstração dum interesse coletivo na declaração de nulidade da cláusula; mesmo que se considere que se trata de ação especial, sempre a sua legitimidade deriva de estar diretamente interessado, em função de, por via do artº 56 nº 1 da CRP lhe competir defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representa.
No despacho saneador, o Mmº Juiz “a quo” declarou oficiosamente a existência de erro na forma de processo, considerando que a ação deve seguir os termos da ação especial prevista nos artigos 183º e seguintes do Código do Processo de Trabalho, e ordenando a retificação da autuação e distribuição, e seguidamente passou a conhecer da exceção de ilegitimidade, tendo a final decidido julgá-la procedente e absolver as Rés da instância.

Inconformado, o A. interpôs o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
Neste sentido, a Douta Decisão de que se recorre, violou os preceitos contidos no artigo 56º nº 2 do CRP, o artigo 4º do CPC e o disposto no artigo 443º nº 1 alínea d) do C, não se podendo aceitar que a decisão tenha sumariamente concluído pela ilegitimidade da recorrente e assim tenha determinado à absolvição da Rés, ora recorridas da instância.
Neste sentido, devem V. Ex.ªs revogar a Douta Decisão proferida e determinar o prosseguimento da instância por inexistência de ilegitimidade da recorrente, porquanto, a entender-se de modo diverso, estaremos perante uma evidente violação da Lei imperativa e também perante uma violação evidente do Direito à Justiça, o qual também constitui um Direito fundamental”.
Para comodidade de entendimento, e por serem particularmente sintéticas, reproduzimos o teor das alegações:
1 – O A. ora recorrente comprovou e não foi contestado, que é uma associação sindical, a qual de acordo com os seus estatutos, representa os profissionais das áreas tecnológicas da saúde, onde se incluem os técnicos de farmácia, nela associados.
2 – Acontece, que, por força do n.º 1 do art. 2 do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, a profissão de técnico de farmácia é uma profissão regulamentada, na aceção da alínea h) do artigo 2º da Lei nº 9/2009, de 4 de março, já que o exercício desta profissão depende diretamente da titularidade das qualificações fixadas naquele Decreto-Lei n.º 320/99 e da posse, nos termos deste mesmo diploma, de adequado título profissional.
3 – Por outro lado, as atividades que os técnicos de farmácia estão habilitados a desenvolver, são as que constam do ponto 6 do anexo ao D.L. 261/93 de 24 de julho, por remissão do nº 7 do artigo 3º do D.L. 320/99 de 11 de agosto.
4 – Daí que a A. e ora recorrente, seja detentora de um legítimo interesse em agir, por representar técnicos de farmácia das áreas profissionais abrangidos pelo Instrumento de Regulamentação Coletiva publicado no BTE nº 27, 1º série de 8/6/10 donde decorre a razão de ter interposto, ação de anulação das cláusulas desse instrumento, atinentes àqueles técnicos.
5 – Isto porque, são diferentes os requisitos exigíveis para estes associados do A., ora recorrente, face aos técnicos auxiliares de farmácia que se encontram filiados na associação outorgante do aludido instrumento coletivo ou que se encontrem ao serviço das entidades empregadoras, que também porque filiadas na D… o subscreveram.
6 – Ora, como o recorrente invocara, em sede da petição inicial e resposta às exceções alegadas pelas recorridas, a manter-se a redação da cláusula 10º do referenciado CCT, celebrado entre a D… e o C…, então os técnicos auxiliares de farmácia filiados na associação sindical subscritora ou que trabalham para empresas filiadas na D…, podem exercer atividades, por simples autorização contratual, que por força de Lei Geral da República, os mencionados D.L. 261/93 de 24 de julho e D.L. 320/99 de 11 de agosto, estão apenas reservadas aos técnicos de farmácia associados na A., ora recorrente e que esta representa.
7 – A entender-se, como o fez a Douta sentença de que se recorre, não conhecendo da questão por ilegitimidade poderá, através da contratualização de um instrumento de Regulamentação Coletiva, autorizar a determinados profissionais, no caso aos técnicos auxiliares de farmácia, a prática de atividades profissionais reservadas, por Lei, a uma outra profissão, a de técnico de farmácia, cujos profissionais são representados pelo recorrente.
8 – Haveria assim como que uma derrogação de uma Lei Geral da República por um mero instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e por força deste os técnicos auxiliares de farmácia são colocados no mesmo nível dos técnicos de farmácia, podendo realizar atividades a estes legalmente reservadas.
9 – Ademais, estando as profissões representadas pelo recorrente sujeitas a um crivo apertado de regulamentação, nunca poderá um contrato coletivo de trabalho baixar esse nível de exigência, que é pedido aos profissionais por aquele representados, permitindo que as suas funções fossem desempenhadas por quem não reúne as suas qualificações profissionais.
10 – Ora o artigo 56º nº 1 do CRP dispõe claramente que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam.
11 – Neste sentido, a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que as associações sindicais representam, como é o caso da recorrente, é uma competência própria dos sindicatos e a não se considerar deste modo, estar-se-á a ser negada a prossecução dos fins que lhes estão constitucionalmente cometidos.
12 – Deste modo, a legitimidade constitucional da recorrente, enquanto associação sindical decorre do artigo 56º nº 2 do CRP, tendo-se já firmado uma jurisprudência constitucional pacifica, no sentido de considerar que as associações sindicais gozam de uma ampla legitimidade ativa.
13 – Afigura-se-nos, pois, incontestável que a recorrente possui e goza de legitimidade para desencadear o procedimento judicial que utilizou, lançando mão do meio processual, por ser o adequado, não só a lograr obter a defesa dos interesses coletivos, que representa, como também a defesa coletiva dos interesses individuais dos trabalhadores – no caso os técnicos de farmácia – que representa.

Contra-alegaram a D… e o C… pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
O recorrente respondeu ao parecer insistindo na sua legitimidade para defender os interesses dos seus associados.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A constante do relatório supra e ainda que:
- Nos termos do artº 1º nº 2, dos Estatutos do A., publicados no BTE 1ª série nº 35 de 22.9.2000, “O B… abrange todos os profissionais das ciências e tecnologias da saúde a exercer no âmbito da investigação, ensino, gestão e saúde aplicada, das áreas de análises clínicas, anatomia patológica, audiologia, cardiopneumologia, dietética, farmácia, fisioterapia, higiene oral, medicina nuclear, neurofisiologia, ortóptica, otopróteses, prótese dentária, radiologia, radioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional e saúde ambiental, sem prejuízo de novas áreas que sejam criadas ou reformuladas, nomeadamente ao nível das respetivas designações”. Nos termos do artº 3º nº 1, o B… tem por fim especial “Representar os sócios, em juízo e fora dele, em todos os atos que digam respeito à sua vida profissional” e nos termos do artº 6º dos mesmos Estatutos “Têm direito a filiar-se no B… todos os trabalhadores que exerçam nas áreas funcionais previstas no artº 1º e sejam titulares de habilitação profissional oficialmente reconhecida, independentemente do local onde exerçam, público ou privado, desde que em conformidade com as convenções coletivas de trabalho a que o Sindicato tenha aderido ou subscrito”.

III. Direito
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se o recorrente é parte legítima.

Considerou a decisão recorrida: “A falta de legitimidade das partes processuais é, no nosso direito processual civil, uma exceção dilatória que, verificada, obsta a que o juiz conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (arts. 26º, 493º, n.º 2, 494º, n.º 1, al. e) e 288º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil).
O art. 26º, n.º 1 do C. P. Civil dá-nos a noção de legitimidade, recorrendo à fórmula do interesse direto em demandar ou em contradizer, especificando-se no n.º 2 do mesmo artigo que tal significa a utilidade ou prejuízo que advenha da procedência da ação para as partes.
Segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível”.
Trata-se, por conseguinte, de um dos chamados pressupostos processuais, requisito essencial de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida.
A legitimidade terá, em regra, de ser aferida pela titularidade dos interesses em litígio no processo, isto é, como dizem os n.ºs 1 e 2, pelo interesse direto em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação.
A legitimidade tem assim a ver com uma relação de pertença ou de titularidade do direito ou interesse que se pretende fazer valer ou defender.
É, portanto, necessário que tenham estado em juízo, na posição de autor e réu, as pessoas que são os titulares da relação jurídica controvertida.
Residualmente, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como esta é configurada pelo autor (art. 26º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
Ou seja, a legitimidade deve ser analisada pela titularidade da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor. O mesmo é dizer que a legitimidade deve ser referida à relação jurídica objeto do litígio (causa de pedir e pedido), determinando-se através da análise dos fundamentos da ação e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos. A legitimidade do objeto do processo e, portanto, da legitimidade em face dele é feita necessariamente pelo autor e só por ele, sem necessidade de averiguação (a roçar o fundo da causa) sobre se as partes são titulares da efetiva e real relação jurídica controvertida.
Mas sempre que a lei faça uma indicação concreta das pessoas legitimadas para defender um determinado interesse jurídico, essa indicação não pode deixar de ser tomada em conta.
No caso em apreço o A. B… demandou as RR. D… e o C…, pedindo a declaração de nulidade do n.º 1 da cláusula 10ª do Contrato Coletivo firmado pelos RR. e a sua remoção daquele instrumento de Regulamentação Coletiva.
Como já anteriormente nos pronunciámos, face ao pedido formulado à presente ação corresponde a forma especial de ação de anulação e interpretação de cláusulas de convenção coletiva de trabalho, cujo regime especial consta dos arts. 4º e 183º a 186º do Código de Processo do Trabalho.
No caso da ação especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenção coletiva de trabalho, a lei procede a uma indicação concreta das pessoas legitimadas para defender os interesses jurídicos em causa neste tipo de ações, indicando expressamente quem são os titulares da relação material controvertida.
A esse propósito prescreve o art. 4º do Código de Processo do Trabalho que:
As associações sindicais e as associações de empregadores outorgantes de convenções coletivas de trabalho, bem como os trabalhadores e os empregadores diretamente interessados, são partes legítimas nas ações respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas daquelas convenções.”.
O Supremo Tribunal de Justiça, mediante acórdão proferido em 6 de junho de 2007, pronunciou-se já sobre a interpretação do art. 4º do CPT aprovado pelo Dec. Lei n.º 480/99, de 9/11 - que, como dissemos, corresponde, com ligeira alteração de redação, ao mesmo artigo do CPT aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10 -, cujo sumário é o seguinte:
I – A legitimidade, enquanto pressuposto processual positivo, define-se através da titularidade do interesse em litígio, interesse este que tem que ser direto, atual e inerente ao próprio objeto da ação.
II – Sempre que a lei faça uma indicação concreta das pessoas legitimadas para defender um determinado interesse jurídico, como sucede com o art. 4.º do CPT/99, essa indicação não pode deixar de ser tomada em conta.
III – Em face do art. 4.º do CPT/99, não tem legitimidade para intentar uma ação de anulação de um CCT (demandando as associações sindical e patronal subscritoras do mesmo) uma associação sindical que não outorgou no CCT impugnado.
IV – (…).
Como se evidencia do art. 4º do CPT, a legitimidade processual – ativa ou passiva – neste tipo de ação especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenção coletiva de trabalho delimita-se aos outorgantes da convenção em causa, cabendo apenas a estes a possibilidade de suscitarem a anulação ou a interpretação das convenções por si celebradas.
Com efeito, existindo norma específica respeitante à ação de anulação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho (maxime da totalidade da convenção) – artº 4º do CPT -, a legitimidade das partes terá de ser aferida de acordo com este preceito, só podendo estar em juízo, em ações desta natureza, para além das respetivas entidades outorgantes, os trabalhadores e as entidades patronais interessados.
Conforme resulta já das considerações supra explicitadas a propósito da forma de processo, atendendo ao efeito jurídico pretendido com a dedução da ação (pedido) - pedido de anulação do n.º 1 da cláusula 10ª do Contrato Coletivo firmado pelos RR. -, e à causa de pedir, que na ação de anulação se identifica com a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (art. 498º, n.º 4 do CPC) e que, no caso concreto, corresponde a factos violadores da lei que reserva as profissões de Técnico de Farmácia e de Farmacêuticos às atividades que o n.º 1 da clª. do CCT pretende cometer aos Técnicos Auxiliares e Farmácia, não se suscitam dúvidas quanto ao tipo de ação proposta: ação de anulação da referida cláusula da convenção coletiva de trabalho.
Ora, no caso em apreço, o CCT em causa nos autos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 21 de 8 de junho de 2010, foi outorgado entre a D… e o C…, não sendo o A. parte outorgante no aludido CCT.
Em consequência, o aludido CCT não é aplicável aos trabalhadores eventualmente representados pelo A., ou por outros sindicatos.
Assim, não sendo o A. outorgante do CCT cuja cláusula pede que seja declarada nula por via da presente ação judicial, nem revestindo nos autos a qualidade de trabalhador e/ou empregador diretamente interessado, carece o mesmo de legitimidade processual para intentar a presente ação, em conformidade com o estatuído no art. 4º do CPT.
Por outro lado, o art. 6º dos estatutos do A. estabelece que “[t]êm direito a filiar-se no B… todos os trabalhadores que exerçam nas áreas funcionais previstas no artº 1º e sejam titulares de habilitação profissional oficialmente reconhecida, independentemente do local onde exerçam, público ou privado, desde que em conformidade com as convenções coletivas de trabalho a que o B… tenha aderido ou subscrito” (cfr. documento constante de fls. 24 a 33).
Daqui se retira – como propugna o corréu C… - que o A. representa os seus associados no âmbito das convenções coletivas a que adere ou subscreve.
Deste modo, não sendo esse o caso do CCT em causa nos presentes autos, falece, também, legitimidade ao A. mesmo no âmbito do disposto no art. 5º, n.º 1 do C. P. Trabalho”. (fim de citação)

Desde já se diga que estamos em completo acordo com o decidido, notando-se, como o faz a recorrida D…, que o recorrente não aduz nenhum argumento específico para contrariar o decidido, antes apenas insistindo nos argumentos que a decisão já apreciara.
Apenas acrescentaremos o seguinte:
- A decisão recorrida considerou que ocorrera erro na forma de processo, interposta como ação declarativa comum, mandando retificar a autuação e distribuição como ação especial nos termos do artigos 183º e seguintes do Código de Processo de Trabalho, ou seja, ação de anulação de cláusula de convenção coletiva de trabalho.
Como resulta das conclusões do recurso, o recorrente não pôs em causa a parte do despacho saneador que assim decidiu, que deste modo transitou em julgado – artigos 684º nº 2, 677 e 671º, todos do CPC.
Assim, a questão da legitimidade ao abrigo do artº 4º do CPT está definitivamente resolvida. Não há dúvida que se trata, neste caso concreto, duma ação especial, que nas ações especiais de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho o referido preceito indica concretamente as pessoas que têm legitimidade para demandar – constituindo portanto indicação da lei em contrário, nos termos do artº 26º do CPC – e que o recorrente não outorgou o instrumento de regulamentação coletiva cuja cláusula pretende ver declarada nula, e que o recorrente não é trabalhador nem empregador.
Deste modo, e porque tal indicação da lei necessariamente exclui – porque constitui lei especial relativamente à norma geral do artº 5º nº 1 do CPT – outras fontes de legitimidade – sendo ainda certo que a legitimidade prevista no artº 4º do CPT deriva do facto das convenções coletivas de trabalho apenas obrigarem os seus subscritores (princípio da filiação) – não parece possível questionar, nos autos, se a legitimidade do recorrente deriva do disposto no artº 5º nº 1 do CPT.
Vejamos todavia, para o caso de assim se não entender, se a legitimidade do recorrente pode resultar do disposto no artº 5º nº 1 do CPT e no artº 56º da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe o artº 5º nº 1 do CPT que “As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras na ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam”.
Desde logo, como argumentaram as Rés e se discorreu na sentença, o recorrente apenas representa os seus associados no âmbito das convenções coletivas a que adere ou subscreve, o que não foi o caso da convenção que pretende parcialmente anular.
Por seu turno o artº 56º da Constituição da República Portuguesa dispõe:
1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.
2. Constituem direitos das associações sindicais:
a) Participar na elaboração da legislação do trabalho;
b) Participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores;
c) Pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução;
d) Fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei;
e) Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.
3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação coletiva, o qual é garantido nos termos da lei.
4. A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções coletivas de trabalho, bem como à eficácia das respetivas normas”.
Deste preceito resulta obviamente que os modos de promoção da defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que os sindicatos representem não são exclusivamente jurisdicionais e por isso não é exato o que o recorrente afirma sobre o entendimento versado pela 1ª instância negar a prossecução dos fins constitucionalmente garantidos. E, apesar de tudo, não viola a Constituição a organização jurisdicional de meios processuais, ou seja, os direitos constitucionalmente garantidos devem processar-se segundo os meios processuais que a concreta organização da tutela jurisdicional prevê – pelo que também não é exato quanto o recorrente afirma sobre ser este – a ação de anulação – o meio processual adequado à defesa do interesse coletivo dos seus associados.
A hipótese que o recorrente lançou foi a de, em virtude dos técnicos auxiliares de farmácia puderem passar a realizar atos que legalmente estão cometidos aos técnicos de farmácia, estes serem preteridos por aqueles, naturalmente menos bem remunerados, no acesso (quiçá na manutenção) ao emprego. Este argumento aplica-se, sem dúvida, aos técnicos de farmácia filiados no sindicato subscritor da convenção coletiva em causa, que teriam legitimidade, enquanto trabalhadores diretamente interessados, para suscitar a nulidade da cláusula. Este argumento aplica-se também a todos os outros técnicos de farmácia. Como podem estes reagir e podem ou não os sindicatos que os representem agir por eles? Da regulamentação da profissão resulta não só a exclusão dos não habilitados, como o direito dos habilitados ao acesso, e o acesso à profissão só se concretiza com o acesso a um efetivo posto de trabalho. Evidentemente que no domínio dos direitos individualmente considerados, os trabalhadores podem pedir a declaração de que foram ilegalmente preteridos e a condenação dos que os preteriram a admiti-los ou a indemnizá-los – mas o objeto da ação não é concretamente – e apenas – a declaração de nulidade da indicada cláusula da convenção coletiva. No domínio duma violação generalizada desses direitos individuais, podem também naturalmente os sindicatos que representem tais trabalhadores individuais, propor ou assistir a respetiva ação comum, nos termos do artº 5º nº 2 al. c) e nº 5 do CPT. Trata-se, é verdade, duma proteção menos frontal, direta e efetiva do que a que o recorrente pretendia fazer valer, mas é ainda assim uma proteção. Deste modo, conclui-se que – com a solução jurídica preconizada pela 1ª instância – não fica o recorrente verdadeiramente coartado no seu direito constitucional de defesa dos interesses dos seus associados.
Termos em que improcede o recurso.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 26.3.2012
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
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[1] E em que a recorrente não outorgou.
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Sumário:
Um Sindicato não outorgante duma convenção coletiva não tem legitimidade para pedir a anulação de cláusula dela constante.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).