CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
DIFAMAÇÃO
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
Sumário


I  -   O recurso de revisão visa, não uma reapreciação do anterior julgado, mas uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, com base em novos dados de facto.
II -  Na primitiva condenação, o requerente foi alvo de condenação pela prática de um crime de difamação cometida através da comunicação social dos arts. 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 2, ambos do CP, mas o TEDH considerou que a decisão do tribunal português não era necessária numa sociedade democrática e que existiu violação do art. 10.º da CEDH.
III - Deve ser autorizada a revisão, de acordo com a al. g) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, se a sentença vinculativa proferida por uma instância internacional for inconciliável com a sentença criminal condenatória proferida pelo Estado português ou se suscitarem dúvidas graves sobre a justiça da condenação.

Texto Integral

                                      Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, veio interpor recurso extraordinário de revisão nos termos previstos nos artigos 449° a 466° do C.P.P., particularmente, no art. 449°, n.º 1, alínea g) do CPP, e art. 29°, n.º 6 da Constituição da República Portuguesa. As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

1.         A condenação do Recorrente constituiu uma ingerência no seu direito de liberdade de expressão e, como tal, uma violação ao disposto no art. 10° da CEDH.

2.         Face à condenação do Estado Português por violação do art. 10° da CEDH, terá de se concluir que decisão proferida pelo TEDH é manifestamente inconciliável com a condenação de que o Recorrente foi vítima.

3.         Assim, deve o presente recurso de revisão proceder, concedendo-se a Revisão que se pede, com a absolvição do Recorrente, arguido no processo em apreço, sendo trancado e eliminado o respectivo registo e o arguido, ora Recorrente, restituído à situação jurídica anterior à condenação, anulando-se a respectiva decisão (art. 461°, n.º 1 do CPP).

4.         Deve proceder-se à afixação da sentença absolutória e às publicações referidas no n.º 2 do art. 461 do CPP.

 5.        Deve ser restituído ao arguido, ora Recorrente, o que pagou de custas e multa no processo, e deve o mesmo ser indemnizado pelos danos sofridos (cfr. art. 462°, n.º 1 do CPP).

6.         Nestes danos, incluem-se os seguintes valores (não integrados na compensação que o estado Português foi condenado a pagar ao ora Recorrente, cfr. decisão TEDH que se junta em anexo):

a.         Os valores que o arguido tem de suportar com a instauração do presente recurso de Revisão, sendo:

I. € 306,00 - Taxa de justiça do recurso de revisão (VO. DUC e comprovativo de pagamento que junta em anexo);

II. € 123,48 - Tradução da decisão do TEOH (Vd. DOC. N.º 5 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido);

III. O valor devido pela emissão da certidão da decisão final proferida nos autos com nota de trânsito em julgado, cujo montante ainda se desconhece;

b. O valor das custas finais do processo em primeira instância (Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia), a liquidar em execução de sentença;

c. € 750,00 que o arguido pagou de indemnização cível ao assistente, por via de penhora ao seu vencimento realizada no âmbito de acção executiva instaurada pelo assistente para o efeito (Vd. DOC. N.º 6 que se protesta juntar);

d. O valor das custas finais do processo em segunda instância (Tribunal da Relação do Porto), a liquidar em execução de sentença;

e. O que o Supremo Tribunal de Justiça entender que deva fixar de compensação por danos não materiais que o Recorrente sofreu com a condenação, durante estes anos e até à pressente data, completando a indemnização fixada pelo TEOH (sendo que, se ao assistente foi fixada uma indemnização de € 5.000,00 com base naquilo que se considerou ser uma ofensa verbal, por quanto não deve o Recorrente ser compensado por tudo o que passou!).

Saliente-se que, só recebendo tudo aquilo que despendeu com o processo que lhe foi injustamente movido é que o recorrente é restituído à situação jurídica anterior à condenação (cfr. art. 461°, n.º 1 do CPP).

A restituição, pelo Estado Português, do que o Recorrente pagou a título de multa penal em que foi condenado (em cumprimento da decisão do TEDH) esvazia, evidentemente, a condenação neste ponto do TEDH, com excepção do que respeita aos juros vencidos até à data da efectiva restituição (se for anterior ao pagamento ordenado pelo TEDH).

O Estado Português, pagando a indemnização em que foi condenado pelo TEDH, fica sub-rogado nos termos previstos no art. 462°, n.º 2 do CPP, e espera-se que o Ministério Público seja tão diligente a agir contra o assistente como foi a apoiá-lo contra o Recorrente, ou a agir contra os Magistrados que intervieram no processo, se entender que houve culpa grave (art. 14°, n.º 2 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro).

Nos termos do art. 451º do CPP, este requerimento de recurso de revisão é apresentado no Tribunal da Relação do Porto, onde foi proferido o Acórdão cuja revisão se pede, sendo ele com efeito a decisão que transitou em julgado.

Perante normativo anterior semelhante, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/1967, BMJ 169, página 179, decidiu muito bem, separando as águas, que nos processos de revisão de sentença o Juiz não tem jurisdição, cabendo esta apenas ao Supremo tribunal de Justiça, que julga em primeira instância. Àquele compete apenas, numa primeira fase, formular um juízo provisório e informar (como se sabe, a falta de jurisdição acarreta a inexistência da decisão que se profere, cfr. Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo penal III, página 17 e reimpressão, volume único, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1959, página 193).

Não se aplica neste caso o disposto nos artigos 453°, 458° ou 460°, n.º 2 do CPP, por não serem esses os fundamentos da revisão que ora se pede. De resto, quanto à realização de um novo julgamento, que neste caso seria absurdo, é ao Supremo Tribunal de Justiça que compete determiná-lo.

Aplica-se, sim, o disposto no art. 454º do mesmo CPP e, não se vendo que haja necessidade de diligências para completar o que quer que seja (quando este artigo se refere às diligências a completar está a referir-se às indispensáveis do artigo anterior), deve no prazo de oito dias após expirado o prazo de resposta, ser o processo remetido ao Supremo Tribunal de Justiça com informação sobre o mérito.

Nenhum motivo há para atrasar o recurso de revisão e assim atrasar ainda mais a justiça que o Recorrente espera, há anos, que lhe seja finalmente feita. Como se vê dos prazos apertados que o Código estabelece, o legislador pretendeu que fosse rápido o recurso e revisão.

Nestes termos, não havendo diligências necessárias à descoberta da verdade (art. 453º do CPP), deve o Tribunal da Relação do Porto enviar este processo ao Supremo Tribunal de Justiça no prazo de oito dias após expirado o prazo de resposta.

Respondeu o Ministério Público referindo que

I - Do objecto do recurso

Nos presentes autos foi o arguido - recorrente condenado, como autor imediato e sob a forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180°, nº 1 e 183°, n° 2, ambos do Código Penal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 13, bem como no pagamento de uma indemnização ao assistente no valor de € 5.000, decisão que foi parcialmente confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, já transitado em julgado.

Nessa sequência, paga que foi pelo arguido a pena de multa em que foi aqui condenado e, bem assim, da quantia devida a título de indemnização, veio o mesmo a apresentar queixa junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), a qual foi julgada procedente.

Na sequência de tal decisão e porque a mesma é inconciliável com a condenação proferida nestes autos, dela interpôs recurso extraordinário de revisão, alegando, para além do mais que, deverá ser trancado e eliminado o respectivo registo e o arguido, ora recorrente, ser restituído à situação jurídica anterior à condenação anulando-se a respectiva decisão e restituindo-se ao mesmo as quantias por si pagas a título de pena de multa e de custas (cfr. artigos 461º e 462, nº 1, ambos do Código de Processo Penal), mais requerendo lhe seja atribuída urna indemnização pelos danos sofridos.

Vejamos.

Sem prejuízo da validade da decisão proferida pelo TEDH, instância internacional, tanto mais que a mesma é vinculativa do Estado Português, com as consequências que daí advenham, sempre se dirá que a decisão que aqui foi proferida, o foi com base, não só na prova realizada em audiência de julgamento corno na prova documental constante dos autos, nomeadamente o livro escrito pelo arguido, ora recorrente que deu origem aos presentes autos. Na verdade, isso até resultou bem claro, não só da motivação de facto da decisão proferida na 1ª instância, como bem assim, da que resultou da proferida pela 2ª instância, para a qual o arguido veio a recorrer, tendo, apenas em parte tal recurso procedido.

Aliás, sempre se dirá também que os normativos invocados pelo arguido/recorrente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e que viu providos na decisão proferida pelo TEDH foram analisados, ponderados e tidos em conta na decisão/acórdão que veio a ser proferida pelo Tribunal de 2ª instância para o qual aquele havia recorrido e que, ainda assim, entendeu, dar-se por verificado a prática do ilícito e confirmar a condenação e também o quantum indemnizatório primacialmente fixado ...

Termina com a consideração de que, considerando, tão só, o carácter vinculativo da decisão proferida por aquela instância internacional (TEDH), deverá o recurso proceder.

Igualmente o assistente BB, veio apresentar resposta referindo que

1. Veio o requerente interpor recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sua condenação como autor material de um crime de difamação, p. e. p. pelos artigos 180.°, n.º 1, e 183.°, n.º 2, do C.P., na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 13,00 €, e no pagamento de indemnização no valor de 5.000,00 € ao assistente.

2. O arguido sustenta o seu pedido de revisão no fundamento previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 449.° do C.P.P., na versão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, invocando a prolação de decisão pelo T.E.D.H., na sequência de requerimento por si apresentado junto dessa instância internacional.

3. Com efeito, por sentença proferida em 23-07-2013, decidiu o T.E.D.H. que ocorreu violação, no caso, do artigo 10.° da C.E.D.H., por se ter entendido que a condenação do arguido pelas instâncias nacionais constituiu uma ingerência no seu direito à liberdade de expressão, tendo o Estado Português sido condenado na qualidade de subscritor dessa Convenção.

4. Dada a referida inconciliabilidade de decisões, trata-se de um dos casos em que a orientação corrente é a de permitir a revisão - cf. ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, "A influência da CEDH no diálogo interjurisdicional", in Julgar, n.º 7, 2009, p. 49.

5. Importa, porém, alertar para a inteira liberdade de apreciação do nosso Tribunal no que ao juízo sobre o aspecto jurídico da causa diz respeito.

6. Efectivamente, com a Reforma de 2007, optou-se não por uma recepção imediata e acrítica das decisões do T.E.D.H (em jeito de confirmação e revisão de sentença estrangeira, só limitada pela ordem pública), mas sim por permitir, em caso de oposição de julgados, uma reponderação da decisão nacional.

7. Como nota CATARINA SANTOS BOTELHO (A tutela directa dos Direitos Fundamentais - avanços e recuos na dinâmica garantística das Justiças Constitucional, Administrativa e Internacional, Almedina, 2010, p. 319): "as decisões do TEDH não possuem força executiva directa, mas tão somente declarativa e reparadora (…) fala-se, assim, de uma eficácia persuasiva, e de uma força interpretativa das decisões do TEDH'.

"O TEDH não pode ser considerado um órgão de último recurso face aos tribunais nacionais (…) todavia não perde a sua qualidade de último intérprete da Convenção" (ibidem),

8. E como refere lRENEU CABRAL BARRETO ("As relações entre a Convenção, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as Instâncias nacionais", artigo disponível no site do S.T.J., de 10-11-2008): "os acórdãos deixam em princípio, ao Estado a escolha dos meios a utilizar na sua ordem jurídica interna para cumprir a obrigação que pesa sobre ele, nos termos do artigo 46° da Convenção, de respeitar os acórdãos do Tribunal nos litígios em que for parte deixando ao Estado em causa a escolha dos meios adequados para esse efeito".

9. O que a Lei manda, caso se conclua pela existência de um dos fundamentos que podem levar ao recurso de revisão, é que haja um novo julgamento, em tudo igual aos demais (cf. artigo 460.º do C.P.P.).

10. É que "o recurso de revisão, ao permitir ultrapassar a intangibilidade do caso julgado, opera não o reexame do anterior julgado, mas uma nova decisão judicial, assente em novo julgamento da causa" (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-05-2008, proc. n.º 1300/06.1TBCBR-A.C1).

11. Por isso, na apreciação e ponderação crítica da colisão de dois direitos fundamentais, continua o Tribunal totalmente independente e desvinculado face à decisão proferida pelo T.E.D.B.

12. Como refere ARMINDO RIBEIRO MENDES (Recursos em Processo Civil -Reforma de 2007, Coimbra Editora, p. 196): "os Tribunais Portugueses não estão vinculados  em termos de caso julgado, pela decisão do TEDH, que não é um Tribunal hierarquicamente superior ao STJ ou ao STA. Este fundamento de recurso de revisão dá a possibilidade aos Tribunais Portugueses de rescindir uma sentença ou Acórdão desautorizado pelo TEDH, permitindo a prolação de uma nova decisão".

13. E, como bem sintetiza o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16- 09-2009, proc. n.º 60/00.4GCVPA.Pl, "a revisão não implicará. necessariamente uma sentença absolutória".

14. Assim, e por via de um novo julgamento, deve o Juiz reponderar a decisão do Tribunal congénere,

15. tendo agora também em conta as razões que justificaram a decisão de Estrasburgo.

16. Mas é livre de optar pela solução que, à luz dos princípios e valores que lhe cumpre acautelar, entender mais correcta.

17. Entre a autonomia nacional e o respeito pelas decisões do T.E.D.R. tem de haver uma concordância prática, que a Reforma de 2007 pretendeu possibilitar.

18. Como é consabido, estão em causa dois direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados,

19. e, quando assim é, a questão é saber, em caso de colisão dos dois direitos, qual deve sair protegido, e qual deve ceder.

20. É terreno pantanoso, onde não há dogmas nem fórmulas de resolução que sejam infalíveis.

21. Entre nós, ainda há uma convicção generalizada - na sociedade e, por reflexo, na "boca" dessa sociedade, que são os nossos Tribunais - no sentido de proteger os direitos de personalidade.

22. Mesmo a figura pública goza de um mínimo de tutela da sua vida privada e deve ser defendida no que toca às afrontas injustificadas à sua honra e reputação.

23. Em Portugal, os bons costumes e a urbanidade são valores fundamentais, legalmente consagrados em várias vertentes.

24. O nosso Código Civil protege a honra, a imagem e a vida privada, mesmo da figura pública (artigos 79.°, n.º 3, e 80.°, n.º 2).

25. E a Jurisprudência ainda se inclina para a preponderância daqueles valores face aos da liberdade de informação jornalística.

26. Numa era marcada pelo jornalismo sensacionalista e agressivo, cada ordenamento opta por conceder prioridade ao bem jurídico que repute mais importante para a convivência ordeira e pacífica na vida em sociedade.

27. Já o T.E.D.R. pende mais para a protecção da liberdade de expressão do que as instâncias nacionais, em detrimento do direito à honra.

28. Como nota FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA (O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão - os casos portugueses, Coimbra Editora, 2009, p. 21): "O TEDH, na apreciação dos casos que lhe são cometidos, atribui o grau máximo de protecção ao debate público e à liberdade de expressão quando estão em causa questões públicas ou políticas, nelas incluindo as próprias figuras públicas".

29.A própria decisão do T.E.D.R. em apreço nestes autos começa, Ioga à cabeça, por frizar que "segundo jurisprudência bem estabelecida, a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de todas as sociedades democráticas, sendo uma das condições primordiais para o seu progresso e para o desenvolvimento de cada um" (§ 18).

30.Mas, se o T.E.D.H. não é hierarquicamente superior nem desautoriza as nossas instâncias, e se claramente há diverso entendimento nesta melindrosa matéria, por que razão havia de triunfar, sem mais e sem qualquer margem de apreciação, o decidido pelo Tribunal Europeu?

31. Com isto, não quer o respondente dizer que a decisão do T.E.D.H., enquanto entendimento de dado conceito em geral, deve ser desvalorizada, ou desdenhada.

32. Simplesmente, no caso em apreço, impunha-se decisão diversa, pelas razões que infra se aduzem.

33. Ou seja, mesmo com um novo julgamento (no caso, uma nova ponderação), o nosso Tribunal, de acordo com a autoridade que lhe é reconhecida, por ser orgão de soberania a quem cabe aplicar a Justiça em nome do povo (português), pode e deve condenar o arguido pelo crime de difamação.

34. Trata-se, sem dúvida, de um tipo de crime cujo preenchimento depende em boa medida da correcta análise de todo o contexto em que as expressões foram proferidas.

35. A margem de apreciação do Juiz é elevada, mas é sempre condicionada por um conjunto de factores objectivos.

36. Porque as afirmações em causa nos autos são indiscutivelmente ofensivas, nem se trata tanto de apreciar factos, mas de proceder a um juízo valorativo.

Ora,

37. A decisão do T.E.D.R. foi fruto de uma orientação interpretativa que não teve em conta que o assunto estava a perder actualidade,

38. pois os processos de "Apito Dourado" e "Apito Final" eram dos idos de 2004, que era "questão" manifestamente "lateral" ao tema do livro.

39. Veja-se a fundamentação da decisão:

A expressão "inimigo figadal da Selecção Nacional" tinha a ver com o texto?

E "campeão nacional dos arguidos do futebol português" também tinha a ver com a campanha da selecção nacional de 2006?

Perguntar é responder!

40. Onde, pois, qualquer interesse público ou necessidade de informação?!

41. Como bem resulta do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-02-2010, proferido nos presentes autos, a expressão "campeão nacional dos arguidos do futebol português":

«Foi proferida num livro que pretendia ser uma visão pessoal do arguido do Mundial de 2006, escrito em forma de diário desde o dia 15 de Maio de 2006 até ao dia 9 de Julho do mesmo ano, data da recepção da selecção no Estádio Nacional, sendo certo que o assistente não fazia parte da comitiva da selecção nacional.

O tema do livro nenhuma relação tinha com os processos pendentes contra o assistente, nem sequer o arguido tinha intenção de informar sobre tal facto, já que ficou demonstrado que este, nem sabia exactamente em quantos processos o assistente tinha sido constituído arguido, pelo que, a expressão campeão dos arguidos foi usada para adjectivar de forma pejorativa a situação vivida pelo assistente à época, completamente a despropósito e sem qualquer outra intenção que não fosse a de escarnecer e denegrir a imagem do assistente.

Consubstancia, pois, uma agressão pessoal ao assistente que não ressalva a presunção de inocência, efectuada por forma gratuita através de exemplares divulgados através da imprensa escrita, atingindo, por isso, a consideração social do assistente e denegrindo a sua imagem aos olhos do público em geral, o que no caso concreto não se justifica por qualquer forma, pois, não se vislumbra qualquer interesse legítimo na imputação, a qual extravasa em termos de razoabilidade aquilo que se poderia integrar na liberdade de expressão.»

(sic, a fls. 1054-1055 dos autos, com negrito nosso)

42.O T.E.D.H. analisa uma "peça" jornalística, necessariamente desacompanhada de uma visão global sobre a específica conjuntura social, desportiva e mediática em que foi proferida.

43. Pela distância geográfica e temporal, corre-se enorme risco de desarreigar os factos do devido contexto, como sucedeu.

44. Além disso, o aqui respondente nem sequer foi ouvido por aquela instância internacional, de qualquer forma ou por qualquer via, isto é, houve total ausência de contraditório.

45. E, não tendo havido produção de prova nem sequer contraditório, pode dizer-se que o T.E.D.H. se encontrava, quando proferiu a decisão, a anos-luz da compreensão genérica dos factos que teve a instância nacional que condenou o arguido.

Acresce que,

46. A postura do lesado contribuiu para a condenação,

47. sendo que, mais recentemente, no caso "Delfi/Estónia", bem como nos votos de vencido nos casos "Colaço Mestre e SIC c. Portugal" e "Laranjeira Marques da Silva c. Portugal", a defesa à outrance do direito de informação esteja a ceder.

Na verdade,

48. O direito à liberdade de expressão tem limites - n.º 2 do voto do Juiz Irineu Cabral Barreto no caso "Laranjeira Marques da Silva c. Portugal",

49. Para ser informação, e um dever, exige-se interesse geral e actualidade-§ 27,28 e 31 do caso "Colaço Mestre e SIC c. Portugal".

50. In casu, o que se relata não era num quadro de interesse geral à época (!!) - § 30 a contrario do caso "Colaço Mestre e SIC c. Portugal".

51. Foi ponderado como juízo de valor retardado - § 31 e 36 do caso "Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrícia Pereira c. Portugal".

52. Não visava "debate numa sociedade democrática" nem era sobre "questão que preocupava vivamente o público" - § 28 e 30 do caso "Colaço Mestre e SIC c. Portugal" e declaração da Juíza Mularoni, no mesmo caso.

53. Como refere o Juiz Desembargador RUI RANGEL, em artigo publicado no Correio da Manhã, na edição do dia 21-01-2010: "Nas democracias civilizadas existe algum direito consagrado na lei constitucional que permita dizer tudo? Claro que não! Esta minha inquietação, em forma de pergunta, decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sobre a liberdade de expressão. O pensamento dominante, que percorre os corredores deste Tribunal, é que, no contexto da liberdade de expressão, existe o direito de dizer tudo".

54. E prossegue, de forma expressiva, explicando o porquê de uma atitude tão radical: "esta Escola de pensamento, que não vê virtudes na restrição à liberdade de expressão, está datada. É decisiva a influência da Convenção dos Direitos do Homem, criada na sequência das gravíssimas atrocidades e violações dos direitos humanos, em que a liberdade de expressão era uma miragem, ocorridas durante a II Guerra Mundial. Só assim se compreende a valorização excessiva deste princípio que esmaga outros de igual valia constitucional, como o direito à reserva da vida privada, ao bom-nome, à honra e à imagem".

55. Mas: "OS tempos são outros. O mundo já não é o mesmo, quer na consolidação das liberdades individuais, quer na robustez dos direitos humanos, quer na estruturação cultural e jurídica da liberdade de expressão. A maneira como se faz jornalismo também mudou, sem regras e com pouca deontologia. Tudo evoluiu  menos esta jurisprudência que continua amarrada a preconceitos ideológicos e colonizada por um mundo que já não existe".

56. A mudança do T.E.D.R. acentua-se no caso "Delfi/Estónia", como realçou TEIXEIRA DA MOTA, no Público, abrindo caminho para a legitimação de restrições à liberdade de expressão.

57.ln casu, encontram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de difamação.

58. Efectivamente, não se prossegue qualquer escopo ou dever jornalístico, como a liberdade/dever de informação ou opinião,

59. visando o arguido, com as expressões usadas, um ataque desproporcional ao aqui respondente, que ultrapassa também o adequado para o exercício do direito de expressão.

60. No nosso país, o futebol profissional desperta paixões e reacções que dificilmente encontram paralelo noutros meios,

61. e usar a expressão "campeão nacional dos arguidos do futebol português" para identificar o ora respondente - a propósito de temas que nenhuma ligação possuíam com os processos em que o assistente se vira envolvido - atinge proporções difamatórias sem par.

62. Como nota COSTA ANDRADE (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal - uma perspectiva jurídico-penal, Coimbra Editora, p. 385), "O escândalo e o sensacionalismo não configuram, noutros termos, interesses legítimos para efeitos desta particular dirimente da ilicitude penal. Uma asserção que não pode minimamente confundir-se com a denegação da legitimidade da publicação de notícias com o propósito de agitar escândalos ou provocar sensacionalismo".

63. E as instâncias nacionais, mais do que um qualquer seguidismo face às europeias, devem defender a convicção generalizada da sociedade que representam, sob pena de serem desautorizadas por uma quarta instância escamoteada.

64. Deve, pois, como na decisão revista, condenar-se o arguido, ora requerente, como autor de um crime de difamação, p. e. p. pelos artigos 180.°, n.º 1, e 183.°, n.º 2, do C.P.

65. Em qualquer caso, atento o sentido da decisão no T.E.D.R., no que respeita a eventual indemnização,

66. ou a situação ficou indemne,

67. sendo que a conduta do requerente sempre, no condicionalismo assente, levaria a exclusão da indemnização - artigo 570.º do C.C.

            Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exº Mº Sr.Procurador Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que:

1 – A questão que vem colocada tem contornos em tudo idênticos àquela que foi objecto apreciação e decisão no âmbito do recurso de revisão registado sob o n.º 23/04.0GDSCD-B.S1, também desta 3.ª Secção, cujo Acórdão, datado de 15-11-2012, relatado pelo Sr. Conselheiro Oliveira Mendes e disponível em www.dgsi.pt, contém a seguinte pronúncia:

«I - O recorrente sustenta o seu pedido de revisão de sentença no fundamento previsto na al. g) do n.º 1 do art. 449.° do CPP, invocando a prolação de sentença pelo TEDH, instância a que recorreu nos termos do art. 34.° da CEDH, sob a alegação de que a sua condenação como autor material de um crime continuado de difamação agravada constitui uma ingerência no seu direito de liberdade de expressão, violadora do art. 10.° daquela CEDH.

II - O fundamento de revisão de sentença invocado pelo recorrente foi introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal pelas alterações processuais operadas em 2007, concretamente pela Lei 48/07, de 29-08, fundamento que o legislador estendeu, também, ao processo civil, sendo resultado de recomendação adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, relativa ao reexame e reabertura de determinados processos ao nível interno na sequência de acórdãos do TEDH. Porém, na estrita literalidade da lei, foi bem mais longe.

III - Não só considerou admissível a revisão de sentença (condenatória) perante sentença proveniente de qualquer instância internacional, obviamente, desde que vinculativa do Estado português, como se limitou a exigir, como seu único pressuposto, a ocorrência de inconciliabilidade entre as duas decisões ou de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

IV - Verdadeiramente, o legislador de 2007, ao permitir a revisão de sentença em termos tão latos, instituiu, indirectamente, um novo grau de recurso, quer em matéria criminal, quer em matéria civil, grau de recurso inconstitucional, por notoriamente violador do caso julgado. Tenha-se em vista que a própria CEDH prevê como excepções ao caso julgado, em processo penal, a descoberta de factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior. Por isso, entendemos que é mister proceder a uma interpretação restritiva da lei no que concerne ao fundamento de revisão recentemente criado e ora em causa no presente recurso, interpretação que deverá ser claramente assumida pela jurisprudência do STJ, designadamente nos casos em que se revele intoleravelmente postergado o princípio non bis in idem, obviamente na sua dimensão objectiva, ou outros direitos e princípios de matriz constitucional.

V - Interpretação restritiva que entendemos dever orientar-se no sentido dos princípios consignados na mencionada Recomendação, concretamente o princípio segundo o qual a reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à CEDH, ou quando constate a ocorrência de uma violação da CEDH em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum.

VI -Trata-se de limitações razoáveis que visam a harmonização entre o princípio non bis in idem, na sua dimensão objectiva (exceptio judicati), princípio inerente ao Estado de direito, e a necessidade de reposição da verdade e da justiça, designadamente quando estão em causa direitos fundamentais do cidadão, limitações impostas, também, pela necessidade de garantir, minimamente, a soberania nacional em matéria judicial.

VII - No caso vertente, estamos perante decisão do TEDH condenatória do Estado Português, na qual se considerou que a sentença condenatória proferida pelas instâncias nacionais contra o recorrente violou o art. 10° da CEDH, por se haver entendido que a sua condenação constitui uma ingerência no direito à liberdade de expressão. Nesta conformidade, há que conceder provimento ao recurso autorizando a revisão de sentença.

VIII - Quanto à peticionada revogação da sentença é evidente que a pretensão do recorrente terá que improceder, consabido que o ordenamento jurídico nacional permite, apenas, a revisão de sentença e não também recurso de revogação ou anulação».

            2 – Porque nos revemos, sem quaisquer reservas, nos fundamentos aduzidos no citado aresto, e também porque não saberíamos dizer melhor, nada mais nos resta do que pedir vénia para a eles aderir, aqui os dando assim por integralmente reproduzidos.

            Assim, emite parecer no sentido de que é de autorizar a requerida revisão.

                                       Os autos tiveram os vistos legais

                                                             *

                                                      Cumpre decidir

            Conforme já tivemos ocasião de referir – Acórdão de 7 de Outubro de 2009- dispõe o nº 6 do artigo 29.° da Constituição que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

            Uma decomposição do normativo revela o facto de o mesmo pretender atingir o equilíbrio entre dois conceitos caros ao processo penal: -por um lado o direito a uma decisão justa, que faz parte do património de qualquer cidadão, e, por outro, a necessidade de revestir a mesma decisão judicial da estabilidade que conforta a certeza e segurança da definição jurídica e social.

            Por alguma forma Figueiredo Dias nos dá notícia da necessidade de superação desta antinomia referindo que a justiça é, por certo, fim do processo penal, no sentido de que este não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça. Isto não obsta, porém, a que institutos como o do «caso julgado», ou mesmo princípios como “o in dubio pro reo”, indiscutivelmente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações e absolvições materialmente injustas. Continuar a afirmar, perante hipóteses destas, que a justiça foi, em absoluto, fim do processo penal respectivo, pode ser, ainda, ideal e teoreticamente justificável- v. g. porque se argumente que as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo», quando este se lança no contexto amplo de todos os interesses sociais conflituantes -, mas é também, seguramente, renunciar à obtenção de um critério prático adequado de valoração das normas e problemas processuais.

Mais adianta o mesmo Mestre que também a segurança é fim do processo penal O que não impede que institutos como o do «recurso de revisão» contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania aos puros valores da «justiça» e da «segurança», não cedendo à tentação fácil de os absolutizar: é um facto comprovado nada haver de mais perigoso que a absolutização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a tendência irresistível para uma santificação dos meios pelos fins. Importa sim reconhecer que se está aqui, como em toda a autêntica «questão-de-direito», mesmo no cerne de uma ponderação de valores conflituantes, cujo resultado há-de corresponder ao ordenamento axiológico do Direito, há-de constituir a síntese das antinomias entre justiça e segurança encontrada no degrau mais elevado da ordem jurídica. De novo, porém, surge a pergunta: como tirar desta verificação um critério prático prestável para a valoração das singulares normas e problemas processuais?

            Se persistirmos em traduzir numa fórmula o resultado da ponderação de valores que no processo penal conflituam, cremos que, com razoável exactidão, poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe «antes» e «fora» daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável.[1]

             Esta necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma leva o legislador á consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto uma severa limitação ao princípio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, como se referiu só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado por forma a que este recurso extraordinário não se revele numa apelação “disfarçada”[2] 

            Como refere o acórdão 376/2000 do Tribunal Constitucional trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito, consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

             No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior, e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado, e servido, as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é; os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (cf. artigo 460º do CPP), tal como, nos casos em que for admitida a revisão de despacho que tiver posto ao processo, o Supremo Tribunal de Justiça declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga, obviamente que no tribunal a quo (artigo 465º).

            Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva ao ponto de banalizar e, consequentemente, desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endo-processual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação

                                                                    *

            É, assim, dentro deste enquadramento, que, no caso vertente, se devem perspectivar os fundamentos do recurso de revisão, ou seja, a circunstância de os mesmos configurarem uma ultrapassagem da certeza e segurança inscritas no princípio do caso julgado a qual só admissível em função da comprovação de uma situação prevista no normativo citado

            A revisão visa, não uma reapreciação do anterior julgado, mas sim uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, com base em novos dados de facto. Versa sobre a questão de facto.

            Os fundamentos taxativos deste recurso extraordinário vêm enunciados no artigo 449º do Código de Processo Penal e são apenas estes:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126°;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça

II

                 Sinteticamente a questão desenhada nos presentes autos cinge-se ao facto de o arguido ter sido objecto de duas decisões inconciliáveis em relação aos mesmos factos, sendo certo que uma delas foi proferida por uma instância internacional vinculativa do Estado Português-TEDH.

               Na primitiva condenação, proferida no Tribunal da Relação do Porto, o requerente foi alvo de condenação pela prática de um crime de difamação cometida através de comunicação social previsto e punido na aplicação combinada dos artigos 180 nº1 e 183 nº2, ambos do Código Penal, no qual se considerou que a sua conduta, retratada nos autos, consubstancia, pois, uma agressão pessoal ao assistente que não ressalva a presunção de inocência, efectuada por forma gratuita através de exemplares divulgados através da imprensa escrita, atingindo, por isso, a consideração social do assistente e denegrindo a sua imagem aos olhos do público em geral, o que no caso concreto não se justifica por qualquer forma, pois, não se vislumbra qualquer interesse legítimo na imputação, a qual extravasa em termos de razoabilidade aquilo que se poderia integrar na liberdade de expressão.

Em face do que ficou exposto, consideramos que efectivamente tal expressão integra o tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos, pelo que, nenhuma censura se nos impõe sobre a condenação efectuada.

                A decisão em causa foi sujeita à sindicância do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que proferiu decisão constante dos autos em que se considera que  

16. O requerente afirma que a sua condenação não seria considerada necessária numa sociedade democrática. Segundo este, por um lado, o livro que contém a expressão que motivou o litígio inscreve-se num debate público sobre um tema da actualidade; por outro, a utilização dos termos «campeão nacional dos arguidos» fazia uma referência irónica a factos reais, o mesmo é dizer a constituição de M.P.C. como arguido em vários processos, uma circunstância que era do domínio público e não constituía uma ofensa em si. A sua condenação devia consequentemente ser considerada uma ingerência desproporcionada e inaceitável no seu direito à liberdade de expressão e uma tentativa de intimidação com o propósito de dissuadir os jornalistas de escreverem sobre o mundo do futebol e, em especial, sobre o clube presidido por M.P.C.

17. O Governo admite ter existido, neste caso, uma ingerência no direito à liberdade de expressão do requerente, mas considera que tal ingerência era necessária, numa sociedade democrática, na acepção do parágrafo 2 do Artigo 10°, a fim de preservar os direitos constitucionais de M.P.C. à protecção do seu bom nome e da sua reputação. E sublinha que a margem de apreciação reconhecida ao Estado neste domínio lhe confere o direito de aplicar ou não uma sanção penal aos atentados à honra e à reputação dos indivíduos. Sustentando-se nas motivações das decisões dos tribunais nacionais, nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Fevereiro de 2010, o Governo considera não existir qualquer dúvida que ao qualificar M.P.C. como «campeão nacional dos arguidos» o requerente incorria em propósitos difamatórios deste, cujo objectivo não era informar o público, mesmo de factos alheios ao contexto do livro, mas unicamente ofender a pessoa visada. O Governo acrescenta que tais propósitos foram ampliados pela cobertura mediática de que foi alvo o livro do requerente. E conclui pela ausência de violação do Artigo 10° da Convenção.

2. Apreciação do Tribunal

18. O Tribunal recorda que, segundo jurisprudência bem estabelecida, a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de todas as sociedades democráticas, sendo uma das condições primordiais para o seu progresso e para o desenvolvimento de cada um. Sob reserva do parágrafo 2 do Artigo 10°, esta é válida não apenas para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para as que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exigem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe uma «sociedade democrática». Tal como se encontra consagrada no Artigo 10° da Convenção, esta liberdade está sujeita a excepções, que convém todavia interpretar de modo estrito, devendo a necessidade de qualquer restrição ser estabelecida de modo convincente. O estado de «necessidade numa sociedade democrática» obriga o Tribunal a determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa». Os Estados contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para julgarem a existência de uma tal necessidade, mas tal margem vai de par com uma supervisão europeia que abrange tanto a lei como as decisões aplicadas, mesmo quando emanam de uma jurisdição independente (consultar, entre muitos outros, Lopes Gomes da Silva c. Portugal, nº 37698/97; Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, nº 11182/03 03

19. Por outro lado, convém sublinhar que a imprensa desempenha um papel eminente numa sociedade democrática: se não lhe é permitido ultrapassar determinados limites, tendendo nomeadamente à protecção dos direitos de outrem, incumbe-lhe porém comunicar, no respeito dos seus deveres e das suas responsabilidades, informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. À sua função que consiste em difundir tais ideias e informações, acresce o direito, do público, de as receber. Se assim não fosse, a imprensa não poderia desempenhar o seu papel indispensável de «cão de guarda). (Thoma c. Luxemburgo, nº 38432/97

20. O Tribunal recorda outrossim que o parágrafo 2 do Artigo 10° não deixa qualquer lugar a restrições à liberdade de expressão no domínio do discurso e do debate político - no qual a liberdade de expressão se reveste da maior importância - ou de questões de interesse geral. Os limites da crítica admissível são maiores relativamente ao homem político, nessa qualidade, que para um simples particular: ao contrário do segundo, o primeiro expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo efectivo dos seus actos e gestos tanto pelos jornalistas como pela massa dos cidadãos; deve, consequentemente, revelar maior tolerância (Lingens c. Áustria, 8 de Julho de 1986, parágrafo 42, série A nº 103; Vide Aizardzi'bas KJubs c. Letónia, n° 57829/007 de Maio de 2004; Lopes Gomes da Silva c. Portugal, nº 37698/97; Eon v. França, nº 26118/10

21. Por outro lado, no exercício do seu poder de controlo, o Tribunal deve examinar a ingerência litigiosa à luz do caso como um todo, incluindo o teor dos comentários censurados ao requerente e o contexto no qual este os proferiu. Em particular, compete-lhe determinar se a restrição aplicada à liberdade de expressão do requerente foi «proporcional ao objectivo legítimo pretendido) e se os motivos invocados pelas jurisdições nacionais para a justificar foram «pertinentes e bastantes» (ver, entre muitos outros, Pema c. Itália [GC]. Nº 48898 e Cumpãnã et Mazãre c. Roménia [GC]. Nº 33348/96.

22. No caso concreto, o requerente foi condenado em razão de um comentário considerado difamatório incluido numa obra, de que era o autor, consagrada ao Campeonato do Mundo de futebol de 2006 e de modo mais abrangente ao mundo do futebol português.

23. O Tribunal destaca que não foi contestado que a condenação em causa equivalia a uma interferência no direito à liberdade de expressão do requerente, que estava prevista na lei e visava um objectivo legítimo, a saber, a protecção da reputação de terceiros, na acepção do parágrafo 2 do Artigo 10° da Convenção. Em contrapartida, as partes não estão de acordo quanto a saber se tal ingerência era «necessária numa sociedade democrática» .

24. O Tribunal observou desde o início que o presente caso apresenta semelhanças com o caso Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, supracitado, no qual julgou que a condenação por difamação de um jornalista e da sociedade anónima proprietária da cadeia televisiva que o emprega havia violado do Artigo 10° da Convenção.

25. Em primeira instância, a obra publicada pelo requerente inscrevia-se num debate público, o Campeonato do Mundo de 2006 e as polémicas que visavam a selecção nacional portuguesa, relevando manifestamente do interesse geral (consultar, mutatis mutandis, Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, supracitado).

26. Em seguida, convém realçar que a pessoa que apresentou queixa contra o requerente, M.P.C., é a mesma que tinha apresentado queixa no supracitado caso, e que o Tribunal reconheceu como sendo uma personalidade bem conhecida do público, desempenhando um papel importante na vida pública da nação (Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, supracitado, parágrafo 28), e a este titulo podendo ser assinalado como uma pessoa política nos termos do Artigo 10° da Convenção.

27. Por outro lado, tal como no caso supracitado, os comentários em causa no presente caso não visavam a vida privada de M.P.C., mas sim as suas actividades públicas como presidente de um grande clube de futebol. 28. A margem de apreciação do Estado na restrição do direito à liberdade de expressão do requerente encontrava-se consequentemente reduzida (consultar parágrafo 19 supra).

29. Ademais, convém notar que a obra publicada pelo requerente se destinava a um público que podemos supor interessado nas questões que agitavam o mundo do futebol português à época dos factos e bem informado nessa matéria (consultar, mutatis mutandis, Jersild c. Dinamarca, 23 de Setembro de 1994, parágrafo 34, série A, nº 298).

30. Por fim, o Tribunal recorda que, quando uma declaração se analisa num juízo de valor, a proporcionalidade da ingerência pode ser função da existência de uma base factual suficiente já que, na falta dessa base, um juízo de valor pode ele próprio revelar-se excessivo (De Haes et Gijse/s c. Bélgica, sentença de 24 de Fevereiro de 1997, Livro 1997-1, p. 236, parágrafo 47). No caso concreto, o Tribunal nota que não é contestado que M.P.C. era objecto, á época dos factos, de vários processos penais. Ao qualilicá-Io de «campeão nacional dos arguidos», o requerente exprimia consequentemente um juízo de valor, por certo pejorativo mas fundado em circunstâncias de conhecimento público.

31. Tendo em conta tudo o que antecede, o Tribunal considera que a condenação do requerente rompeu o justo equilíbrio entre a protecção do direito do requerente á liberdade de expressão e do direito de M.P.C. à protecção da sua reputação. Em acréscimo, o Tribunal considera que independentemente de a severidade da condenação aplicada, a própria existência de uma sanção penal no contexto deste caso era de natureza a provocar um efeito dissuasor na contribuição da imprensa para os debates de interesse geral, o que não seria concebível sem razões particularmente sérias (Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, supracitado, parágrafo 31).

32. Resulta do supra exposto que a condenação do requerente não era necessária numa sociedade democrática e que, em consequência, houve violação do Artigo 10° da Convenção.

II. SOBRE A ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 6° PARÁGRAFO 1 DA CONVENÇÃO

33. Invocando o Artigo 6 parágrafo 1 da Convenção, o requerente queixa-se da apreciação das provas pelo Tribunal da Relação do Porto, a qual terá tido por efeito tornar o processo injusto no que a este respeita. Esta norma dispõe:

«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada num prazo razoável por um tribunal, o qual decidirá ( ... ) sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil ( ... ).»

34. O Tribunal recorda que nos termos do Artigo 19° da Convenção tem como tarefa única assegurar o respeito e os compromissos das partes contratantes. Em princípio, não lhe pertence apreciar ele próprio os elementos de facto que conduziram uma jurisdição nacional a adoptar tal decisão ao invés de uma outra, nem de conhecer dos erros de facto ou de direito alegadamente cometidos por essas jurisdições, salvo se e na medida em que os mesmos poderiam atingir os direitos e liberdades salvaguardados pela Convenção. Se não, o Tribunal erguer-se-ia em juiz de terceira ou quarta instância e desconheceria os limites da sua missão García Ruiz c. Espanha [GC), nº 30544/96

35. No caso concreto, o Tribunal releva que o requerente beneficiou de um processo contraditório e pôde, nas diferentes fases do mesmo, apresentar os elementos que tinha por pertinentes para a defesa da sua causa. Para além disso, as decisões tomadas no caso são amplamente motivadas, de facto como de direito. O Tribunal não dispõe de nenhum elemento que lhe permita criticar o processo interno assim conduzido ou qualificar como arbitrárias as decisões tomadas no desfecho desse processo.

36. Resulta que esta pretensão deve ser rejeitada por manifestamente mal fundamentada, ao abrigo do Artigo 35° parágrafos 3 e 4 da Convenção.

III. SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 41° DA CONVENÇÃO

37. Nos termos do Artigo 41° da Convenção:

«Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obvia r às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário.»

A. Dano

38. O requerente peticiona o montante de 7.600 euros (EUR), acrescido de juros à taxa de 4% calculados desde 7 de Março de 2009, a título de prejuízo material sofrido. Este montante compõe-se de 2.600 EUR correspondentes ao montante de multa penal de que foi absolvido, e 5.000 EUR correspondentes ao montante de perdas e danos que foi condenado a pagar à parte civil e que ainda não liquidou.

Peticiona também 5.000 EUR a título de dano moral.

39. O Governo sublinha que o requerente ainda não pagou os 5.000 EUR por perdas e danos que foi condenado a pagar à parte civil e que consequentemente seria ilógico pagar-lhe essa quantia e os juros que reclama em nome da satisfação equitativa. Acrescenta que uma eventual constatação de violação constituiria uma reparação suficiente do prejuízo moral.

40. O Tribunal nota que não é contestado que o requerente tenha sofrido um prejuízo material por força do pagamento de uma multa penal de 2.600 EUR. Em contrapartida, o Tribunal considera que qualquer reclamação respeitante ao montante de 5.000 EUR, que ainda não liquidou, seria prematura. O Tribunal conclui que apenas deve ser concedida ao requerente a quantia de 2.600 EUR a título de dano material.

41. Por outro lado, o Tribunal concede ao requerente a quantia de 3.250 EUR a título de dano moral.

B. Despesas

42. O requerente requer também 1.620 EUR por despesas tidas nas jurisdições internas, dos quais 396 EUR já foram liquidados, e requer ao Tribunal que determine ele próprio o montante razoável destinado a cobrir as custas tidas por conta deste processo.

43. O Governo reporta-se à jurisprudência do Tribunal nesta matéria e considera que o requerente poderá pedir a revisão da sua condenação em caso de constatação de violação pelo Tribunal.

44. Segundo a jurisprudência do Tribunal, um requerente apenas pode obter o reembolso das suas despesas na medida em que seja estatuída a existência das mesmas, a sua necessidade e o carácter razoável do seu valor. No caso concreto, e tendo em conta os documentos em seu poder e a sua jurisprudência, o Tribunal concede ao requerente o montante de 396 EUR a título do processo interno e estima razoável o montante de 2.000 EUR para o processo aqui em causa.

c. Juros moratórias

45. O Tribunal julga apropriado decalcar a taxa de juros moratórios da taxa de juro da facilidade permanente de cedência de liquidez do Banco Central Europeu com uma majoração de três pontos percentuais.

POR ESTES MOTIVOS, O TRIBUNAL, COM UNANIMIDADE,

1. Declara o requerimento admissível quanto à pretensão tirada do Artigo 10° e inadmissível quanto ao demais;

2. Decreta que existiu uma violação do Artigo 10° da Convenção;

3. Decreta,

a) que o Estado defensor deve pagar ao requerente, nos três meses a contar do dia em que a sentença transite em julgado em conformidade com ao Artigo 44° parágrafo 2 da Convenção, os montantes seguintes:

i) 2.600 EUR (dois mil e seiscentos euros), acrescidos de qualquer montante devido a titulo de imposto, por dano material:

ii) 3.250 EUR (três mil duzentos e cinquenta euros). acrescidos de qualquer montante devido a título de imposto, por dano moral;

iii) 2.396 EUR (dois mil trezentos e noventa e seis euros), acrescidos de qualquer montante devido a título de imposto pelo requerente, por custas;

b) que a contar do término do dito prazo e até liquidação, estes montantes serão majorados a uma taxa de juro simples igual à taxa de juro da facilidade permanente de cedência de liquidez do Banco Central Europeu aplicável durante esse per iodo, acrescida de três pontos percentuais;

4. Rejeita o pedido de satisfação equitativa para o demais.

III

Nos termos do normativo invocado a sentença proferida por uma instância internacional, que seja vinculativa do Estado português, é causa de revisão de sentença se for contrária à sentença criminal condenatória proferida pelo Estado português ou suscitar dúvidas graves sobre a justiça desta condenação.

Como refere Henriques Gaspar (A Influência do CEDH no diálogo interjurisdicional Revista JULGAR Nº7 pag 49) os juízes nacionais estão, assim, vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH. Vinculados porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8.° da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E vinculados também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais (ou juízes convencionais de primeira linha), devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional.

É nessa sequência que se compreende que o diálogo entre jurisdições e o pragmatismo de alguns governos, permitiram, não obstante a existência de caso julgado, encontrar soluções pontuais para a execução de decisões do TEDH. Os debates sobre a matéria influenciaram a aprovação da Recomendação R(2000), de 19 de Janeiro de 2000, do Comité de Ministros do Conselho da Europa23, que constitui um instrumento de soft law, com injunções politicamente relevantes, e que instou os Estados a prever a possibilidade de reabertura dos processos internos quando a reapreciação constituir o meio necessário para reparar o direito afectado nos casos de declaração de violação pelo TEDH.

Nas alterações processuais de 2007, a legislação nacional, pela via da previsão de um novo fundamento específico do recurso de revisão, seguiu as injunções da Recomendação - artigo 449.°, nº 1, alínea g), do CPP e artigo 771.°, alínea f), do CPC. A sentença proferida por uma instância internacional, que seja vinculativa do Estado português, é causa de revisão de sentença se for contrária à sentença criminal condenatória proferida pelo Estado português ou suscitar dúvidas graves sobre a justiça desta condenação. Assim, a mesma lei resolveu o problema da inexistência de um meio de execução no ordenamento jurídico interno das sentenças do TEDH, nos mesmos termos do novo artigo 771.°, al." f) do CPC, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.8.

            Na verdade, o terceiro novo caso de revisão ali previsto (art. 449.°, nº1, al. g), do CPP) é aquele que, pela sua amplitude, apresenta, entre nós, maior novidade: o caso julgado deverá ser revisto quando uma sentença vinculativa do Estado português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça. Como refere Conde Correia (O Mito do caso Julgado e a Revisão Propter Nova pag 494) a jurisdição nacional cede face à jurisdição internacional, ainda que nada nos garanta que ela seja, de facto, mais justa.  Noticia o mesmo Autor que só na segunda metade do século XX, em particular com a entrada em vigor da CEDH, começou a discutir-se se esta decisão devia ou não provocar a revisão das sentenças dos tribunais nacionais e qual a figura processual mais adequada para o efeito (943). Na ausência de um mecanismo específico, criado especialmente para o caso, a revisão propter nova, de contornos cada vez mais abrangentes, poderia desempenhar mais esta difícil missão. A verificação oficial de uma violação da CEDH ou a revogação ou alteração de uma lei contrária àquela, poderia ser considerada como o novum imprescindível à quebra do caso julgado e ao reexame da causa. O conceito lato de factos novos, susceptível de incluir os factos normativos (Rechtstatsachen) que, então, a jurisprudência utilizava esporadicamente, poderia ser a solução necessária para esta delicada questão.

Mesmo assim, a generalidade da jurisprudência e da doutrina, fiéis ao dogma da restrição da revisão à base factual da sentença e à consequente irrelevância de alterações legislativas ou de jurisprudência, negaram a utilidade prática desta hipótese teórica e clamaram pela criação de um instrumento processual novo. As decisões do TEDH, ao menos por falta de um efeito vinculativo semelhante ao do Tribunal Constitucional, não poderiam ser consideradas como um novum apto para desencadear a revisão.

 A subsequente consagração legal de uma causa autónoma de rescisão do caso julgado seria, nesta perspectiva histórica, a ratificação legislativa das debilidades e hesitações teóricas daquela tese mais abrangente. [3]

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Foi exactamente esse o entendimento subscrito pelo acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 27/05/2009 entendendo que o legislador de 2007, ao permitir a revisão de sentença em termos tão latos, instituiu, indirectamente, um novo grau de recurso, quer em matéria criminal, quer em matéria civil, o qual classifica de inconstitucional, por notoriamente violador do caso julgado, concluindo que é mister proceder a uma interpretação restritiva que se dever orientar no sentido dos princípios consignados na Recomendação de 19 de Janeiro de 2000, do Conselho de Ministros do Conselho da Europa, concretamente o princípio segundo o qual a reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum.

Argumenta-se que tal interpretação consubstancia limitações razoáveis que visam a harmonização entre o princípio non bis in idem, na sua dimensão objectiva (exceptio judicati), princípio inerente ao Estado de direito, e a necessidade de reposição da verdade e da justiça, designadamente quando estão em causa direitos fundamentais do cidadão, limitações impostas, também, pela necessidade de garantir, minimamente, a soberania nacional em matéria judicial.

 

No caso vertente, e independentemente de qualquer posição que se adopte sobre o tema da denominada interpretação restritiva é manifesto que a discussão não tem de passar por aí e se deverá resumir á constatação de que, incidindo exactamente sobre os mesmos factos, a decisão do TEHD proferida sobre a matéria dos autos sublinha que a decisão do Tribunal Português, condenando o requerente, não era necessária numa sociedade democrática e que existiu violação do artigo 10º da Convenção.

Perante tal constatação é manifesta a inconciabilidade que é pressuposto da revisão ao abrigo da referida alínea g) do nº1 do artigo 449 do Código de processo Penal 

Termos em que se acorda autorizar a revisão requerida determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto afim de que colectivo com composição idêntica ao que proferiu a decisão revidenda profira nova decisão em consonância com o decidido pelo TEDH e aprecie o pedido formulado nos termos do artigo 462 do CPP

Sem tributação.

Santos Cabral (Relator)

Oliveira Mendes

Pereira Madeira

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[1] Direito Processual Penal pag 47
[2] Paulo Pinto de Albuquerque Comentário ao Código de Processo Penal pag 1209
[3] De todo o modo, adianta Conde Correi ao valor deste argumento formal é reduzido. A consagração legal tanto pode significar a génese de uma realidade nova, como uma especificação da revisão propter nova e consequente redução do seu núcleo operativo, justificada pela necessidade de sanar as dúvidas interpretativas que o seu regime tradicional suscita. Nesse caso, independentemente da indesejável sobreposição legal, não será mais do que a sua confirmação oficial. Tanto mais que está em causa uma decisão posterior que jamais poderia ter sido considerada na sentença