CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
PLURALIDADE DE EMPREGADORES
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Sumário


I -  A cedência de trabalhadores só é lícita se for temporária. Por outro lado, entre outras exigências, esta figura, pressupõe que, em princípio, durante o prazo de duração da cedência ocasional, o trabalhador exerça funções exclusivamente ao serviço da empresa cessionária.

II - Embora a LCT não previsse, expressamente, a figura da pluralidade de empregadores, nada impedia que um trabalhador se vinculasse, em simultâneo (originária ou sucessivamente) com vários empregadores, dirigindo todos eles o seu trabalho, ao abrigo do mesmo vínculo, sendo decisivo, no domínio de vigência daquela lei, o critério da subordinação jurídica.

III -  Resultando provado que, a partir de Março de 2001 e até à data da cessação do seu contrato de trabalho (ocorrida em 8 de Junho de 2008), o trabalhador passou, indistintamente, a cumprir ordens e a prestar o seu trabalho a favor de dois empregadores, não estamos perante um quadro de cedência de trabalhador.

IV - Perante o trabalhador, ambos os empregadores são cotitulares de todas as obrigações decorrentes do contrato, inclusive as que decorram de um despedimento ilícito (art. 92.º, n.º 3, do Código de Trabalho de 2003).
 

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I.


1. AA intentou ação declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra i) BB – …, Ldª, ii) CC – …, …, Ldª, e iii) DD – ..., S.A., todos com os sinais nos autos.

Na parte que releva no âmbito da presente revista, pediu: (i) a declaração da ilicitude do despedimento, levado a cabo pela R. “BB”; (ii) a condenação solidária das RR “CC” e “BB” a pagar-lhe quantia correspondente à indemnização substitutiva da reintegração, salários intercalares, outras retribuições em dívida,  bem como indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 25.000,00, tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

2. Para tanto, alega, essencialmente:

- Foi admitido ao serviço da R. “CC” em 1.1.1993, com contrato de trabalho sem prazo.

- Por imposição da gerência, a partir de Março de 2001, começou a desempenhar funções indistintamente ao serviço das RR. “CC” e “BB”, momento a partir do qual esta passou a pagar-lhe o vencimento, bem como a processar os descontos para a Segurança Social.

- As sócias gerentes da R. “BB” são a mulher e a filha do sócio gerente da “CC”, sendo todavia este quem exerce a gerência de facto daquela sociedade.

- Por carta de 16.6.2008, a R. “BB” comunicou ao A. que, a partir de 8.6.2008, data em que haviam perdido o cliente Câmara Municipal EE, o seu contrato de trabalho deixava de estar em vigor.

3. Contestaram as RR.


4. A R. “BB” foi declarada insolvente, por sentença de 8.5.2012, transitada em julgado, na sequência do foi proferido despacho, a julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente, no tocante à mesma R.


5. Na 1.ª Instância, a ação foi julgada improcedente.
  
6. Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), concedendo parcial provimento ao recurso, declarou a ilicitude do despedimento e condenou a R. “CC” a pagar ao A., embora não totalmente, as quantias peticionadas pelo mesmo.

7. Esta R. interpôs recurso de revista.

8. O A. não contra-alegou.


9. A Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, em parecer a que as partes não responderam.

II.

       (Delimitação do objeto do recurso)


10. Na revista, a recorrente sustenta, para além do mais, que, tendo sido declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente à R. “BB”, idêntica decisão deveria ter sido tomada quanto a si.

Vejamos.

A R. “CC” já antes apresentou (na 1ª Instância) um requerimento no mesmo sentido (cfr. fls. 423 – 424), pretensão que não foi acolhida, como se alcança do despacho proferido sobre o assunto na audiência de julgamento, em 21.01.2013 (fls. 447). Esta decisão não foi impugnada, tal como não foi sequer questionada nas contra-alegações apresentadas pela recorrente no âmbito do recurso de apelação, pelo que a Relação não se pronunciou, nem poderia pronunciar-se, sobre a mesma.

Deste modo, mostrando-se já definitivamente decidido este ponto, não pode, naturalmente, ser o mesmo conhecido (retomado) neste momento processual (cfr. art. 635º, nº 5, CPC).

Acresce que os recursos, enquanto meios de impugnação das decisões judiciais (cfr. art. 627.º, n.º 1, CPC), apenas se destinam à reapreciação de questões anteriormente apreciadas pelo tribunal a quo.

Deste modo, ao Supremo está vedado conhecer agora da questão.
 
11. A recorrente também alega que o recurso de apelação foi intempestivamente interposto pelo A., bem como que o mesmo recurso deveria ter sido rejeitado, por inobservância do disposto no art. 640º, nº 2, a), do CPC.

A recorrente já suscitara estas questões nas contra-alegações apresentadas no âmbito do recurso de apelação, as quais foram decididas pelo TRP em termos que lhe foram desfavoráveis.
 
Trata-se de acórdão da Relação relativo, nesta parte, a decisão interlocutória apenas incidente sobre a relação processual, pelo que – não se encontrando verificada qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 671º, do CPC – ele não é, neste âmbito, passível de recurso de revista.

Não se conhecerá, pois, de tais questões.

12. Por outro lado, nas alegações atinentes à Revista (e não de forma autónoma), a R. arguiu ainda a nulidade do acórdão do TRP, com base em alegada violação do princípio do contraditório.

Em infração, pois, ao disposto no art. 77.º, n.º 1, do CPT, segundo o qual a arguição de nulidades é feita “expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”[1] (tendo em conta os imperativos de economia e celeridade subjacentes ao processo laboral, visa-se dar ao tribunal a quo a possibilidade de suprir eventuais nulidades da decisão antes de mandar subir o recurso, o que, como se compreende, pressupõe que a sua arguição tenha lugar no requerimento que é dirigido a esse mesmo tribunal).

Assim, também esta questão não será apreciada.

13. Agora no plano da matéria de facto, defende a recorrente que o autor a impugnou apenas com base nos depoimentos das testemunhas, pelo que não poderia a Relação proceder à audição integral dos depoimentos, nem conjugar tais depoimentos com documentos juntos aos autos, para justificar a eliminação do facto dado como provado sob o n.º 45.°([2]) .

Porém:

Ao STJ está à partida vedado alterar o decidido pelo Tribunal da Relação no plano dos factos (cfr. art. 662.º, n.º 4, do CPC), sendo certo que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674º, nº 3, do mesmo diploma).

Não foi invocada qualquer destas situações, alegando ainda a recorrente que determinados ofícios juntos aos autos “não foram alvo de qualquer impugnação, pelo que, ao contrário do que é defendido pelos Mmºs Juízes Desembargadores, não deixam os mesmos de constituir uma prova legal e inequívoca da existência do consórcio em 2001 entre as duas Rés”. Acontece que o núcleo do eliminado ponto 45 da matéria de facto nada tem a ver com a existência de um consórcio entre as Rés, constituindo esta questão, aliás, matéria de direito (para mais, sem qualquer relevância para a decisão do litígio) e não de facto.

Também não se conhecerá, pois, desta questão.

14. Posto isto, inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir[3] é a de saber se a R. “CC” é responsável pelo pagamento ao A. das quantias a que este tem direito, por ter sido ilicitamente despedido.

E decidindo.

II.


15. A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:[4]

1. A Ré “BB” é uma sociedade comercial por quotas que exerce a actividade de prestação de serviços de limpeza; manutenção de espaços públicos; concepção, execução e manutenção de espaços verdes e jardins; limpezas de vias de comunicação, colocação de sinalização vertical e horizontal; revestimentos vegetais, incluindo ceifa de ervas e desmatações; recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos e industriais; recolha selectiva de fracções de resíduos sólidos urbanos e industriais para empresas de reciclagem; transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem; locação, colocação, manutenção, substituição, lavagem, desinfecção de contentores e papeleiras; exploração de aterros sanitários; saneamento básico; desobstrução de colectores; aluguer de máquinas; empreiteiro de obras públicas e particulares; importação e exportação de veículos e máquinas para serviço de limpeza.

2. A Ré “CC” é uma sociedade comercial por quotas que exerce a actividade de prestação de serviços de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos e industriais; transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem; recolha selectiva de resíduos sólidos urbanos e industriais; limpeza urbana de espaços públicos e de vias de comunicação, varredura manual e mecânica e lavagem de arruamentos; manutenção de espaços públicos; concepção, execução e manutenção de espaços verdes e jardins; desobstrução de colectores, limpeza e desinfecção de sarjetas; fornecimento, locação, manutenção, lavagem e desinfecção de contentores e papeleiras; ceifa de ervas e vegetação; exploração e manutenção de aterros, estações de transferência e ecocentros; saneamento básico;

3. (…)

4. O Autor foi admitido ao serviço da R. “CC” em 01 de Janeiro de 1993.

5. Para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização;

6. Mediante retribuição constituída por vencimento mensal, férias anuais pagas, subsídio de férias e de Natal (…) e subsídio de alimentação;

7. No estabelecimento da Ré “CC”, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Oliveira de Azeméis e nos locais por ela designados;

8. A R. “CC” atribuiu ao Autor a categoria profissional de motorista e, posteriormente, promoveu-o à categoria profissional de encarregado, desempenhando o A. as correspondentes funções.

9. Por determinação da R. “CC” e por força das funções e serviços de que estava incumbido, o autor cumpria o seguinte horário de trabalho:

. 2ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 3ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 4ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 5ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 6ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· Sábado: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· Domingo: folga;

       10. A partir do mês de Março de 2001, o A. passou a desempenhar as funções de que estava incumbido, indistintamente, ao serviço das R.R. “CC” e “BB”.[5]

       11. A partir do mês de Março de 2001, foi a R. “BB” quem lhe passou a pagar o respectivo vencimento, bem como a processar os respectivos descontos para a Segurança Social.

       12. As sócias-gerentes da R. “BB” são a mulher e a filha do sócio-gerente da R. “CC”.

       13. De facto, quem exercia a gerência da R. “BB” era o sócio-gerente da R. “CC”.

       14. Desde então, o Autor continuou a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização das mesmas pessoas.

       15. Continuou a exercer as mesmas funções que vinha exercendo até aí.

       16. Nas mesmas instalações, sitas em ..., ..., Oliveira de Azeméis.

       17. Utilizando, indistintamente, os meios de trabalho (camiões) da R. “CC” e da R. “BB”;

       18. Preenchendo os Mapas de Registos diários da R. “CC” que diariamente lhe eram entregues;

       19. Cumprindo as suas funções, indiferentemente, em empreitadas adjudicadas à R. “CC” e à Ré “BB”, conforme lhe fosse superiormente ordenado.

       20. Nos anos 2005 a 2007, o A. exerceu as suas funções no concelho EE, cuja empreitada de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos havia sido adjudicado a um consórcio formado pelas R.R. “BB” e “CC”.

       21. Por determinação das R.R. e por força das funções e serviços de que estava incumbido, o autor cumpria o seguinte horário de trabalho:

· 2ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 3ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 4ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 5ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· 6ª feira: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

· Sábado: das 03H00 da manhã às 13H00 da tarde, de forma consecutiva e ininterrupta;

       22. O A. praticou sempre o horário de trabalho que lhe foi estipulado pelas R.R. com excepção dos períodos em que esteve de baixa médica por doença, ou seja: de 13.05.2002 a 04.11.2003, de 19.06.2006 a 28.07.2006 e de 01.10.2007 a 08.06.2008.

       23. Em 29.05.2007, o Autor participou ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, requerendo a intervenção dos referidos serviços, que trabalhava todos os sábados e feriados e duas horas de trabalho suplementar diário sem nunca ter sido retribuído por tal trabalho, terem-lhe sido descontados dias de falta indevidamente, ter sido diminuída a sua categoria profissional e retribuição após ter regressado de uma baixa e ter sido transferido da CC – …, … para a BB – …, Lda.”, sem o seu consentimento.

       24. (…)

       25. (…)

       26. Por carta datada de 16.06.2008, expedida a 25.06.2008 e recebida pelo A. em 27.06.2008, a R. “BB” comunicou ao A. que a partir da data em que haviam perdido o local de trabalho e o cliente Câmara Municipal EE (08.06.2008), o seu contrato de trabalho deixava de estar em vigor por se verificar a impossibilidade de manutenção do mesmo enviando-lhe, para tanto, uma carta com o seguinte teor:
“(…) Vimos por este meio informar V. Exª que a Câmara Municipal EE rescindiu em 08/Junho/2008 com a nossa empresa a prestação de serviço de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos no Concelho EE a Aterro Sanitário de … (Suldouro).
Nesse sentido, cumprindo o disposto na Cláusula 17ª do Contrato Colectivo de Trabalho entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e Outras, aplicável ao sector e às relações laborais na empresa por força da competente Portaria de Extensão, informamos Vª Exª que a partir da data em que perdemos o local de trabalho e o cliente (Câmara Municipal EE), deixa de se encontrar em vigor o seu contrato de trabalho, já que se verifica a impossibilidade de manutenção do mesmo.
Deverá assim Vª Exª contactar a Câmara Municipal EE, por forma a apurar a quem foi entregue o trabalho que até à data era realizado pela nossa empresa. (…)”;

       27. Na sequência dessa comunicação, nesse mesmo mês de Junho de 2008, a R. “BB” processou para a Segurança Social os respectivos descontos devidos pelas remunerações referentes a férias pagas e não gozadas pelo A. pela referida cessação do seu contrato de trabalho.

       28. Por carta datada de 09.07.2008 e recebida pelo A. em 10.09.2008, a R. “BB” comunicou ao A. que devia dirigir-se às suas instalações a fim de receber o seu salário e entregar o respectivo fardamento

       29. Enviando-lhe, para tanto, uma carta com o seguinte teor:

       “(…) Serve a presente para lhe comunicar, que se deve dirigir às nossas instalações, a fim de auferir o seu salário. Mais informamos que deverá ser presente o próprio, e acompanhado do respectivo fardamento. (…)”;

       30. Por requerimento datado de 17.07.2008, o A. solicitou à Câmara Municipal EE informação acerca do nome e endereço da empresa à qual havia sido adjudicada, a partir de 08.06.2008, a prestação de serviço de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos no concelho EE ao aterro sanitário de ... (Suldouro).

       31. Por carta datada de 23.07.2008, o Autor foi informado pela Câmara Municipal EE que a empresa à qual fora adjudicada a prestação de serviço de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos no concelho EE era a “DD – ..., S.A.”, com instalações na Rua …, …, … ....

       32. Por carta datada de 30.07.2008, o Autor deu conhecimento à R. “DD” do teor da carta que a R. “BB” lhe havia dirigido em 25.06.2008, solicitando-lhe informação acerca do local onde devia apresentar-se ao serviço, bem como o regime e horário de trabalho.

       33. Por carta datada de 06.08.2008, a R. “DD” veio informar o A. que a sua pretensão não podia proceder, porquanto a Convenção Colectiva de Trabalho e respectivo Regulamento de Extensão invocado na carta enviada em 25.06.2008 pela sua entidade patronal “BB” não lhe era aplicável

             (…)

       46. As duas empresas inserem-se no mesmo ramo de actividade e colaboram muito acentuadamente, inclusive apresentando-se em concursos públicos como concorrentes consorciadas.

            (…).

       49. Em 6 de Maio de 2008, deflagrou um incêndio nas instalações das Rés CC – … e BB – …, Lda que determinou a destruição da quase totalidade da documentação, bem como de outros elementos de natureza administrativa que aí se encontravam.

       50. Ficando, assim, perdida quase toda a documentação existente nos escritórios da CC – ….

       (…)

       53. O Concelho EE, em data anterior a 8/6/08, encontrava-se, por vontade da Câmara Municipal, dividido para efeito de recolha do lixo urbano, em 3 partes, tendo aquela procedido à adjudicação de 2 dessas partes à R. DD e a restante parte foi adjudicada à CC – … e à BB – …, Lda”

       54. Quando a Câmara Municipal EE decidiu renovar o contrato de prestação de serviços de recolha de lixo urbano, fê-lo em benefício exclusivo de da R. DD – ..., S.A.

       (…)

       63. O Autor propôs (…), em 05-12-2007, a ação de processo comum n º 686/07.5 TTOAZ contra a BB – …, Lda.”, pedindo a declaração de ilicitude de uma sanção disciplinar de suspensão por esta aplicada, bem como a sua condenação no pagamento de indemnização por danos morais e da retribuição relativa ao tempo de suspensão, tendo tais autos terminado com transacção, pela qual a Ré aceitou a ilicitude da sanção e a eliminação da mesma do registo pessoal do Autor e este desistiu do pedido formulado relativamente aos danos não patrimoniais e do pedido de restituição da remuneração correspondente aos 10 dias de suspensão, por a mesma não lhe ter ainda sido descontada.

III.


16. Não decorrendo da matéria de facto provada que os vínculos contratuais estabelecidos entre as partes se tenham alterado após Março de 2001[6], refira-se, antes do mais, que – em face do disposto no art. 8.º, n.º 1, Lei nº 99/2003, de 27/8 (que aprovou o CT/2003), e do art. 7º da Lei nº 7/2009, de 12/2 (que aprovou o CT/2009) – ao caso vertente é aplicável: (i) quanto à caracterização de tais vínculos, o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT), aprovado pelo DL nº 49 408, de 24.11.1969, e demais legislação complementar; (ii) quanto às consequências da cessação do contrato de trabalho, ocorrida em 08.06.2008, o CT/2003.

17. Em síntese, sustenta a recorrente que, “não sendo a entidade empregadora do recorrido à data em que cessou o seu contrato de trabalho, deve ser absolvida de toda a sorte de direitos reclamados pelo trabalhador recorrido, por não ser a mesma responsável por isso de nenhuma forma”.

A 1.ª Instância considerou que os serviços que o A. passou a prestar à R. BB (a partir de Março de 2001) tiveram lugar ao abrigo de cedências ocasionais (por parte da R. CC), ao contrário do acórdão recorrido, que – acertadamente, desde já se adianta – julgou configurado um quadro de pluralidade de empregadores.

Com efeito:

Em Março de 2001, a cedência ocasional de trabalhadores estava regulada nos artigos 26.º a 30.º do DL nº 358/89, de 17/10, tendo esta matéria sido posteriormente incluída no Código do Trabalho (cfr. arts. 322.º - 329º, do CT/2003, e 289º - 293º, do CT/2009).

No âmbito de qualquer destes diplomas legais, a “cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio para utilização de terceiros” só é lícita se for temporária: a cedência definitiva de trabalhadores, pressupondo a manutenção de uma relação triangular, é inadmissível (ao contrário da cessão da posição contratual[7]).

Por outro lado, entre outras exigências, esta figura, pressupõe que, em princípio, durante o prazo de duração da cedência ocasional, o trabalhador exerça funções exclusivamente ao serviço da empresa cessionária.

Nenhum destes requisitos se verifica no caso dos autos, pois da matéria de facto assente resulta que o A. passou a cumprir ordens e a prestar o seu trabalho a favor de ambas as rés, indistintamente (e não apenas para a R. BB), durante cerca de sete anos, a partir de Março de 2001 e até à data da cessação do seu contrato de trabalho (pelo que a situação gerada assumiu natureza definitiva).

Em defesa da sua tese, a sentença da 1ª instância argumenta, para além do mais, com a circunstância de, em 2007, o A. ter instaurado uma ação contra a R. BB, impugnando uma sanção disciplinar por esta aplicada.

Todavia, este facto não permite qualquer ilação no sentido propugnado, uma vez que, durante a cedência ocasional, o trabalhador mantém o vínculo contratual com o empregador cedente, que é quem continua a ser o titular do poder disciplinar (embora possa delegá-lo na empresa cessionária).[8]

Também é irrelevante o facto de, a partir do mês de Março de 2001, a R. “BB” ter passado a pagar o vencimento do A., bem como a processar os respetivos descontos para a Segurança Social (nº 11 dos factos provados): para além de nas situações “pluralidade de empregadores” nos encontrarmos perante uma relação bipolar (o conjunto dos empregadores integra um único polo, pelo que a circunstância de a retribuição ser paga por um ou por outro não assume qualquer significado), também é certo, por outra banda, que, em regra, a prestação tanto pode ser realizada pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação (cfr. art. 767º, do C. Civil).

Provou-se ainda que, em 29.05.2007, o A. participou ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho que trabalhava todos os sábados e feriados e duas horas de trabalho suplementar diário, sem nunca ter sido retribuído por tal trabalho, terem-lhe sido descontados dias de falta indevidamente, ter sido diminuída a sua categoria profissional e retribuição, após ter regressado de uma baixa, e ter sido transferido da R. CC para a R. BB, sem o seu consentimento.

Como nota a decisão recorrida, esta queixa incidiu fundamentalmente sobre a violação dos direitos do A. em matéria retributiva, e só residualmente sobre a questão da “transferência”. Para além disso, não vemos como atribuir valor ao uso pelo A. (que não é jurista) deste vocábulo, aliás já na fase terminal da relação laboral em causa. 

18. Como tem decidido esta Secção Social do STJ[9], embora a LCT não previsse expressamente a figura da pluralidade de empregadores (entretanto regulada no art. 92º CT/2003 e no art. 101.º do CT/2009), nada impedia que um trabalhador se vinculasse em simultâneo (originária ou sucessivamente[10]) com vários empregadores, dirigindo todos eles o seu trabalho, ao abrigo do mesmo vínculo laboral.

Para além de o recurso ao mecanismo da “pluralidade de empregadores” dispensar o apelo a “figuras de contornos [mais] controversos, como a desconsideração da personalidade jurídicas”, a “circunstância de as diversas entidades que beneficiam da prestação de trabalho darem indistintamente ordens e instruções ao trabalhador ou requererem a apresentação de elementos respeitantes ao exercício das suas funções, permite-nos imputar-lhes diretamente o estatuto de empregador”, “[s]endo igualmente certo que fatores como a prestação indiferenciada e simultânea de uma atividade a favor de várias sociedades, (…) recebendo uma só retribuição, apontam para o carácter unitário da posição de empregador”.[11]

Ao contrário do regulado no Código do Trabalho, quanto ao período anterior à sua entrada em vigor não é de exigir qualquer relação especial entre os empregadores (o CT exige uma “relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo”), estruturas organizativas comuns ou a observância de requisitos formais, sendo (apenas) decisivo, neste âmbito, o critério da subordinação jurídica.

Vale por dizer: verificado este elemento em relação a vários empregadores, estamos perante uma pluralidade de empregadores; ao invés, se a subordinação jurídica se revelar apenas em relação a um empregador, haverá um único empregador.[12]

Como se sabe, dadas as dificuldades sentidas no desenho de um conceito rígido/absoluto de subordinação jurídica, bem como na prova direta deste elemento contratual, recorre-se geralmente, para tais efeitos, ao método indiciário, com base numa “grelha” de tópicos ou índices de qualificação (elementos que exprimem pressupostos, consequências ou aspetos colaterais de certo tipo de vínculo contratual[13]), matéria relativamente à qual há considerável consenso na doutrina e na jurisprudência.[14]

Ora, tendo em conta a “imagem global” dos factos provados (cfr., fundamentalmente, os seus pontos 10, 12 a 21 e 46), afigura‑se-nos não poder deixar de concluir-se no sentido de se encontrar suficientemente confirmada a subordinação jurídica do A. aos dois empregadores em causa, a partir do mês de Março de 2001.

19. Num quadro de pluralidade (sucessiva) de empregadores, existindo uma relação jurídica única, “a entrada de um terceiro no contrato [R. BB] não libera o cedente [a recorrente] do complexo de posições ativas e passivas que lhe advêm do (…) contrato, limitando-se aquele a assumir a posição jurídica do cedente em termos de contitularidade, pelo que não existe (…) um fenómeno de transmissão”.[15]

Daí que, face ao trabalhador, os vários empregadores sejam cotitulares de todas as obrigações decorrentes do contrato.[16]

Contrariamente ao sustentado no recurso, e como decorre do tudo o antes exposto, a recorrente sempre foi “entidade empregadora do recorrido”, desde a formação do contrato de trabalho e até à data em que o mesmo cessou. Aliás, até Março de 2001, foi a única entidade com a qualidade de empregadora.

Consequentemente, é responsável pelo pagamento das quantias a que o A. tem direito por ter sido ilicitamente despedido (cfr. art. 92º, nº 3, CT/2003, em vigor à data do despedimento).

No mesmo sentido aponta ainda a perspetiva acolhida pelo acórdão recorrido, segundo a qual, apesar de ter sido a R. BB a comunicar ao A. a cessação do vínculo laboral, o silêncio/aceitação da recorrente no tocante ao despedimento, do qual não se demarcou, “permite imputar-lhe também a vontade de cessação da relação laboral”, sendo “pois indiferente que não tenha sido a Ré “CC” a expressamente comunicar ao A. a cessação da relação laboral”.

Sem necessidade de mais considerações (na revista não está em discussão a ilicitude do despedimento, nem as quantias a tal propósito arbitradas pelo TRP), improcede, pois, o recurso.

IV.

20. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 28 de Janeiro de 2015

Mário Belo Morgado (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

______________________
[1] Sobre esta matéria, v.g. Acórdãos deste Supremo Tribunal de 20/9/2006, P. 06S574; de 5/7/2007, P. 06S4283; e de 10/10/2007, P. 07S048, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Do seguinte teor: “O A. passou a laborar para a BB, Lda, na medida em que a mesma era consorciada da CC – …, encontrando-se a prestar serviço em conjunto com ela em áreas territoriais idênticas”.
[3] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente (cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, do CPC), questões que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.
[4] Transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão do recurso de revista.
[5] Sublinhados e destaques nossos.
[6] Cfr. nº 10 do factos provados.
[7] Com o assentimento do trabalhador, é lícito o acordo mediante o qual se transfere a posição do empregador, tal como seria possível celebrar um acordo revogatório seguido de um novo contrato, agora com outro empregador (cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6ª edição, p. 730).
[8] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 702.
[9] V.g. Acs. de 14-01-2009, Rec. nº 934/08, Mário Pereira; de 01.04.2009, Rec. nº 3254/08, Vasques Dinis; e de 21-01-2014, Rec. nº 3319/07.6TTLSB.L3.S1, Leones Dantas, disponíveis em www.dgsi.pt, como todos os arestos citados sem menção em contrário.
[10] A contitularidade sucessiva configura uma modificação subjetiva do contrato de trabalho, mais propriamente, uma adesão ao contrato por parte de terceiro (cfr. Catarina Carvalho, Algumas Questões sobre a empresa e o direito do trabalho no Novo Código do Trabalho, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, pp. 439 – 440).
[11] Ibidem, p. 441.
[12] Neste sentido, v.g. o citado Ac. de 01.04.2009 deste STJ.
[13] Na expressão de Joana Nunes Vicente, A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei, 116 – 120.
[14] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, loc. cit., p. 40 – 42, Monteiro Fernandes, loc. cit., p. 123 – 124, Pedro Romano Martinez, loc. cit., p. 302 - 304, e Acs. STJ de 02-03-2011, P. 146/08.7TTABT.E1.S1 (Pinto Hespanhol), de 04-05-2011 P. 3304/06.5TTLSB.S1 (Fernandes da Silva), de 12-09-2012, P. 247/10.4TTVIS.C1.S1 (Fernandes da Silva) e de 05-03-2013, P. 3247/06.2TTLSB.L1.S1 (Gonçalves Rocha).
[15] Catarina Carvalho, loc. cit., p. 440, nota 8.
[16] Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, 2007, p. 233.