APENSAÇÃO DE PROCESSOS
JULGAMENTO
COMPETÊNCIA
Sumário

Havendo apensação de processos, com acusação já deduzida, o Ministério Público tem o prazo de 10 dias, contados da notificação da apensação ou do primeiro termo de vista posterior, para fazer uso do mecanismo previsto no artº 16º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Texto Integral


1ª secção criminal
Proc. nº 33/10.9GAVNF-B.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:
No processo comum (tribunal singular) n.º 33/10.9GAVNF-B.P1, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão em que são arguidos B…… e C…… foi proferido despacho com data de 2/3/2011 a receber a acusação deduzida e a designar dia para julgamento .
Posteriormente e com data de 23/3/2011 foi proferido despacho a ordenar a apensação a estes autos do processo nº 217/10.0GAVNF do 2º juízo daquele tribunal por se considerarem verificados os condicionalismos legais da conexão de processos previstos nos arts. 24º nº2 e 25º do CPP.
Este despacho foi notificado ao Magistrado do Ministério Público em 28/3/2011.
Em 19/5/2011 e em cumprimento de tal despacho foram apensados a estes autos aqueles autos com o nº 217/10.0GAVNF do 2º juízo criminal daquele tribunal.
Após tal apensação foi então proferido com data de 23/3/2011 o seguinte despacho de fls 184:
Nos presentes autos, após a apensação ordenada, aprecia-se a responsabilidade criminal do arguido B…… pelos crimes de dano qualificado, p.p. pelo artº 213ºº,1, al.a) introdução em lugar vedado ao público, p.p. pelo artº 191º, ameaça p.p. pelo artº 191º, ameaça, pºpº pelo artº 153º,1, e ofensa à integridade física, p.p. pelo artº 143º, 1, todos do C.Penal.
Sendo assim, face à moldura penal abstracta dos ilícitos em questão e ao disposto no artº 14º, nº2,b) CPP, a competência para julgar o presente processo é do tribunal colectivo.
Consequentemente, determina-se a correcção na autuação em conformidade e, após a distribuição, a remessa dos autos ao Mmº Juiz de Circulo, a fim de indicar data para a realização da audiência de julgamento.
Este despacho foi notificado ao Magistrado do Ministério Público em 23/5/2011.
E em 24 de Maio de 2011 a fls. 190 o MP apresentou requerimento no qual “requer que o julgamento do arguido B….. seja realizado em tribunal singular” .
Sobre tal requerimento foi proferido a fls. 192-193 despacho de indeferimento datado de 27/5/2011 o qual foi notificado ao MP em 30/5/2011..
O MP por requerimento entrado em 3/6/2011 apresentou requerimento a fls. 201 no qual vem arguir a irregularidade consubstanciada no despacho de fls.192 na omissão da possibilidade de requerer o julgamento em processo singular, por não ter sido notificado da efectivação da apensação do processo nº 217/10.0GAVNF.
Sobre este requerimento foi proferido a fls. 204 o despacho ora recorrido o qual indeferiu a arguição da irregularidade nos seguintes termos:
(…)Atentos os fundamentos expostos no despacho de fls.192-193, que ora se reiteram, inexistiu qualquer irregularidade na tramitação dos presentes autos, mormente no que tange à possibilidade de o Ministério Público requerer o julgamento por tribunal singular ( ao abrigo do disposto no artº 16º, 3, CPP) Pelo que não cumpre colmatar neste momento qualquer omissão.
Ademais, o ora requerido traduz-se no essencial, na repetição dos argumento aduzidos no requerimento de fls.190-191, já apreciados no sobredito despacho, nada mais havendo a acrescentar.
Notifique e dê cumprimento ao determinado no penúltimo parágrafo de fls.184.
Inconformado, o arguido MP interpôs recurso deste despacho, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
1- Por despacho datado de 23 de Março de 2011 foi determinada a apensação do processo nº 217/10.0GAVNF que corria termos no 2º Juízo criminal de Vila Nova de Famalicão a estes autos, nos termos do artº 25º do CPP.
2. - O referido despacho foi notificado ao Ministério Público em 28 de Março de 2011, sendo que a apensação foi efectivada em 19 de Maio de 2011.
3. - Na sequência da apensação, face à moldura pena abstracta dos ilícitos em questão e ao disposto no art.° 14°, 2, b), CPP, o Tribunal considerou competente julgar o presente processo, o tribunal colectivo, pelo que ordenou a remessa do processo ao Mmo. Juiz de Círculo para ser indicada data para realização do julgamento.
4. - O Ministério Publico, notificado deste despacho, por requerimento que deu entrada em 25 de Maio de 2011, requereu o julgamento do arguido nos termos do disposto no artigo 16.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
5. - Considerou o Tribunal o aludido requerimento extemporâneo em face do prazo supletivo de 10 dias, previsto no artigo 105.° n.º 1 do Código de Processo Penal e indeferiu o requerimento apresentado pelo Ministério Público para julgamento em tribunal singular.
6. - Após ter sido invocada a irregularidade de tal despacho, porquanto negou a possibilidade ao Ministério Público de se pronunciar nos termos do artigo 16.° n.º 3 do Código de Processo Penal, o Tribunal manteve a sua posição já anteriormente assumida no processo e reiterou a remessa do processo ao Mmo. Juiz de Circulo para designação de data para julgamento.
7. - O Ministério Público 0;10 se conforma com os despachos proferidos a fls. 192 e 204 dos autos.
8. - Nos termos do disposto no artigo 16.° n.º 3 do Código de Processo Penal: "Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.°, do mesmo em caso de concurso de infracção, quando o Ministério Público, na acusação ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.".
9. - Nos termos desta norma legal Ministério Público de, após a efectivação da aplicação do disposto no artigo 16.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
10. - Não basta a notificação do despacho que determinou a apensação do processo, uma vez que tal notificação visa dar a conhecer a apensação dos processos e conceder possibilidade ao Ministério Público e aos demais sujeitos processuais de sindicância tendo em conta as rrorrnas legais que regulamentam a apensação de processos, nos termos dos artigos 24.°, 25.° e 29.° do Código de Processo Penal.
11. - Apenas com a notificação da materialização da apensação está o Ministério Público em condições de, perante os concretos factos que são imputados ao arguido e das normas legais aplicáveis, formular um juízo de prognose quanto à pena a aplicar em caso de condenação.
12. - Nos termos do disposto no artigo 111.° n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal, a comunicação dos actos processuais destina-se a transmitir o conteúdo de acto realizado ou de despacho proferido no processo.
13. - Assim, impunha-se a notificação ao Ministério Público da apensação efectivada a fls. 183, sendo a partir de tal notificação dispunha o Ministério Público do prazo de 10 (prazo supletivo), nos termos do artigo 105.° n.º 1 do Código de Processo Penal para, caso assim entendesse, fazer uso do mecanismo previsto no artigo 16.° n.º 3 do Código de Processo Penal.
14. - Este prazo deve contar-se desde o momento em que o Ministério Público tomou conhecimento da apensação do processo principal, dos factos que são imputados no processo apensado, da disposições legais aplicáveis, pelo que sendo entendido dessa forma, o requerimento apresentado a fls. 190 e 191 é tempestivo e como tal deveria ter sido atendido na determinação da competência do Tribunal, sob pena de violação das disposições contidas nos artigos 105.° n.º 1 e 16.° n.º 3, ambos do Código de Processo Penal.
15. - Nestes termos, devem considerar-se verificada a arguida irregularidade e inválidos os actos que se seguiram, designadamente, o despacho de fls. 192 que não
16. - A omissão da possibilidade de o Ministério Público requerer o julgamento do arguido com a intervenção do Tribunal Singular e que motivou o despacho de fls. 192 constituiu uma irregularidade processual por violação da norma constante no artigo 111.º n.1 al. c) e n.º 2 do Código de Processo Penal e sujeita ao regime previsto no artigo 123.° do mesmo diploma legal, e que aqui, expressamente, se invoca.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que vossas excelências doutamente suprirão, deve ser anulado os despachos de fls. 184, 192 e 193 e em conformidade ser proferido um outro que tenha em consideração o requerimento do Ministério Público fazendo uso do mecanismo do artigo 16.º n.º 3 do Código de Processo Penal, tornado assim inválidos todos os actos subsequentes que se lhe seguiram, fazendo-se assim a costumada justiça.

(…)

Não foram apresentadas respostas.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “a arguida irregularidade deve ser julgada procedente, com a consequente invalidade do despacho impugnado e dos demais termos processais que dele decorrem.”
Cumprido o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Em caso de apensação de processos qual o prazo para o MP se pronunciar nos termos do artº 16º nº3 do CPP;
-Irregularidade da falta de notificação da efectivação da apensação de processo.
-Tempestividade da arguição de tal irregularidade.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Alega o recorrente que só a partir da efectivação da apensação dos processos e notificação dessa apensação, começa a contar o prazo de 10 dias para caso assim o entendesse fazer uso do mecanismo previsto no artº 16º nº3 do CPP.
Dispõe o artº 16º nº3 do CPP que «Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b) do nº2 do artº 14º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.»
Numa leitura formalista do preceito, poder-se-ia entender que com a notificação do despacho que determinou apensação dos processos se encontrava realizado o conhecimento do concurso por parte do Ministério Público, entendimento perfilhado pelo tribunal no despacho de fls 192,193, que indeferiu por extemporâneo o requerimento do Ministério Público nos termos do artº 16º nº3 do CPP, e que esteve subjacente ao despacho que indeferiu a arguição da irregularidade.
Porém, pensamos que para o exercício da faculdade prevista no artº 16º nº3 do CPP, não basta o conhecimento do ilícito imputado e da moldura abstracta correspondente, já que como refere Paulo Pinto de Albuquerque [1] “O juízo de determinação da competência do tribunal singular é um juízo objectivo do Ministério Público, fundamentado na apreciação de todas as circunstâncias relativas à ilicitude, à culpa e à punibilidade dos agentes. Não se trata de uma decisão discricionária, mas antes de uma concretização da relevância constitucional do princípio da oportunidade”.
Exige-se pois que o Ministério Público tenha um efectivo conhecimento da acusação e do processo para poder de forma capacitada exercer tal faculdade.
E este conhecimento, só pode advir posteriormente à efectivação da apensação, independentemente do conhecimento pessoal que o concreto Magistrado do Ministério Público possa dos processos, por razões funcionais.
Os actos processuais, designadamente requerimentos e despachos que sobre eles venham a incidir apenas podem ter em consideração os elementos constantes do processo e não qualquer outro, não podendo os sujeitos processuais invocar elementos que não estejam carreados nos autos.
Por isso só após a efectivação da apensação é que o Ministério Público podia processualmente tomar conhecimento do processo apensado e não antes, tendo então o prazo de 10 dias nos termos do artº 105º nº1 do CPP contados da notificação da apensação ou da primeira vista posterior que lhe for aberta para fazer uso do mecanismo previsto no artº 16º nº3 do CPP.[2]
Não assistindo qualquer razão ao despacho recorrido quando aí se escreve que “ este processo correu termos também no Ministério Público, na fase processual do inquérito, e poderia ter sido consultado após a notificação do despacho que ordenou a apensação (..)” pois como se escreveu no acórdão de 8/3/2006 da Relação de Coimbra não obstante “(..) poder estar ao seu alcance a formulação do requerimento a que se reporta o citado artº 16º nº3 - parece-nos claro, que o procedimento tem de ser igual para todos os processos independentemente das pessoas que neles intervêm e que em termos funcionais a avaliação do concurso para efeitos do artº 16º nº3 do CPP só podia ter lugar depois dessa apensação nos presentes autos (…) pois só estes autos e não aqueles aqui apensados, permitem essa avaliação conjunta de todos os crimes e esse conhecimento do concurso.”[3]
E naturalmente que esse conhecimento terá que ser anterior ao despacho em que o tribunal, por força da apensação ordenada, atribui a competência para julgar o processo ao tribunal colectivo.
Não tendo sido dada oportunidade ao MP de exercer a faculdade prevista no artº 16º n3 do CPP, foi praticada uma omissão de um acto processual, a qual não estando tipificada como nulidade artº 118º do CPP configura uma mera irregularidade nos termos do artº 123ºdo CPP.
Irregularidade que nos termos do artº 123º nº1 do CPP deveria ter sido arguida «nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado».
Ora, ao ter sido notificado em 23/5/2011 do despacho que atribui competência ao tribunal colectivo para julgamento, o Ministério Público tomou efectivo conhecimento que tal decisão havia sido proferida sem que tenha tido a oportunidade de usar a faculdade conferida no artº 16º nº3 do CPP, pelo que o prazo de três dias se terá de contar desde essa notificação.
Embora o Ministério Público apenas por requerimento de 3 de Junho tenha de forma expressa arguido a irregularidade da omissão de da possibilidade de requer o julgamento com a intervenção do Tribunal Singular por referência a esse despacho de fls.192,193 de que foi notificado em 30/5/2011, a verdade é notificado do despacho de 23/5/2011 logo requereu no dia seguinte em 24 de Maio de 2011 ao Srº Juiz que o julgamento fosse realizado em processo singular nos temos do artº 16º nº3 do CPP, isto é nos 10 dias após o conhecimento superveniente do concurso conforme o disposto no artº 16º nº3 do CPP, alegando precisamente que só naquele momento “teve conhecimento dos concretos factos que são imputados ao arguido”.
Assim, independentemente da apreciação sobre a tempestividade da arguição da irregularidade cometida, há que concluir pela tempestividade do requerimento formulado pelo Ministério Público ao abrigo do artº 16º nº3 do CPP, requerimento esse sobre o qual recaiu o despacho de indeferimento de fls. 192 e 193, o qual se mostra prejudicado e como tal revogar o despacho recorrido, os quais deverão ser substituídos por outro que considere tempestivo o requerimento apresentado pelo Ministério Público em 24/5/2011, e considere competente o tribunal singular para proceder ao julgamento dando normal seguimento aos autos.

III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, acordam os juízes desta relação em no provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que considere tempestivo o requerimento formulado pelo Ministério Público em 24/5/2011 ao abrigo ao artº 16º nº3 do CPP com o consequente prejuízo do decidido a fls.192 e 193.
Sem tributação
Elaborado e revisto pela relatora
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Porto, 16/05/2012
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
José Manuel da Silva Castela Rio
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[1] aulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da Republica e da Convenção europeia dos Direitos do Homem, 3ªedição actualizada, Universidade Católica Editora, 3ª edição actualizada, pág.89.
[2] Neste sentido se pronunciou o ac. desta Relação de 11/1/2012, proc. 372/10.9PAVNF-B.P1.
[3] Proferido no proc. 4232/05 relatora Cacilda Sena.