I - O direito constitucional dos cidadãos injustamente condenados à revisão da sentença, consagrado no n.º 6 do art. 29.º da CRP, é concretizado e desenvolvido nos arts. 450.º e art.449.º do CPP.
II - O recorrente foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional por 6 anos. O pedido de revisão assenta em factos posteriores à decisão, especificamente o nascimento do seu filho, em 11 de dezembro de 2007, menor de sete anos, com quem residia, conforme declarado pela mãe e sua companheira, e para ele contribuía/colaborava na educação e despesas inerentes.
III - O art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, fundamento do pedido de revisão exige não só que os factos e meios de prova que alicerçam o pedido sejam conhecidos após o julgamento e o trânsito da decisão, mas também que sejam anteriores a esta de modo a poderem por em
causa a prova efetuada e a justeza da decisão, o que não ocorre no presente caso, por os factos consubstanciadores do pedido serem posteriores ao julgamento, não podendo, assim, alegar-se que desse facto deriva a injustiça daquela decisão.
IV - Mais do que facto novo, para efeitos da previsão normativa, está-se perante facto superveniente, que ocorreu enquanto o recorrente se eximia do cumprimento da pena imposta, pela ausência ilegítima em que se colocou, desde 28 de abril de 2005, quando não
regressou ao estabelecimento prisional no termo de uma saída precária e o momento em que foi detido, em 14 de janeiro de 2010.
V - A revisão da pena de expulsão com fundamento no respeito pela vida familiar, tendo presente os limites à decisão de expulsão, previstos no art. 135.º da Lei 23/2007, de 4-07, tem imbrincada a prova desse facto novo, nos termos em que este é entendido, para os
efeitos do art. 449.º, al. d), do CPP, a qual não se satisfaz apenas com a declaração da mãe do menor, nos termos apresentados.
VI - A sucumbência do pedido pela inapropriedade do meio usado não obsta a que não se possa lançar «mão do mecanismo do art. 371.º-A, do CPP e sem prejuízo de a questão ser analisada pelo juiz do tribunal de execução de penas».
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. AA, cidadão de ..., invocando o disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), veio interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão, proferido no processo acima identificado, pelo então 2.º juízo criminal do tribunal judicial de Albufeira, que o condenou, após recurso, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C a ele anexas, na pena de 6 (seis) anos de prisão, e na pena acessória de expulsão e de interdição de entrada no País por igual período, 6 (seis) anos.
2. O fundamento da pretensão está desenhado, nos termos das conclusões que formulou, e se reproduzem:
«A douta decisão recorrida além da pena de prisão aplicada ao recorrente, proferiu como como pena acessória, a expulsão do País ao Recorrente pelo período de 6 anos.
O Tribunal a quo ao aplicar a pena acessória de expulsão do Arguido, ora Recorrente, pena esta que poderá ser tão ou mais gravosa do que a pena limitativa da liberdade do arguido, pois na altura não tinha conhecimento de que o Recorrente era casado, se tinha filhos, apenas se sabia que é de “modesta condição social".
Sucede que a situação pessoal do Recorrente é outra perante os factos acima mencionados.
Neste seguimento, o Recorrente não se encontra em condições de abandonar o país pois é em Portugal que o Recorrente tem a sua família, e uma vez que perante a justiça, o mesmo cumpriu devidamente com a pena de prisão que lhe foi aplicada.
Deve-se ter presente, nesta orientação, o douto acórdão do STJ, de 1996-06-12 (in CJ – STJ 1996, Tomo II, pag. 197):
“Para decidir se o estrangeiro deve ou não se expulso com base no artigo 34° do Dec. Lei n.º 15/93, é utilizável o critério do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, garantindo o direito ao respeito da vida privada e familiar e reconhecendo que incumbe aos Estados assegurar a ordem pública, em particular o exercício do seu direito de controlar a entrada e permanência de estrangeiros, atenda à gravidade das sanções penais aplicadas e aos antecedentes criminais, na medida do necessário numa sociedade democrática e preservando o justo equilíbrio entre esses interesses em confronto”.
"Por isso, qualquer decisão neste domínio pressupõe que seja respeitado um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber o direito do requerente ao respeito da sua vida privada e familiar e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções penais".»
Conclui pedindo que o recurso seja «julgado provado e procedente pelos factos supra-expostos e, ser ordenada a Revogação da Decisão de Expulsão do Território Nacional do Requerente, nos termos do art. 449º nº1 al.d) do CPP, garantindo assim o seu direito à constituição de família, como ao seu dever de vir garantir/assegurar a subsistência do seu agregado familiar».
Para prova, juntou 3 documentos, respetivamente, uma cópia do título de residência do menor BB, uma cópia da certidão de nascimento deste, seu filho, e uma declaração assinada pela mãe do menor, CC, atestando que o recorrente, antes da «sua detenção residia com[ns]igo e com o filho menor […], contribuindo/colaborando na educação e despesas inerentes ao nosso filho» e que, «quando terminar de cumprir a sua pena de prisão o mesmo regressará a residir comigo e nosso filho pois é esta a vontade de ambos, dando continuidade à educação e contribuindo nas despesas e sustento de nosso filho».
2. Na 1.ª instância, o Senhor Procurador da República, em resposta, pronuncia-se pela improcedência do recurso, concluindo, em síntese, nos termos que se transcrevem:
«I - O recorrente peticiona a revisão da sua condenação por forma a ver revogada a pena acessória de expulsão.
II - Contudo o recorrente não alega, e menos demonstra, ocorrer qualquer uma das circunstâncias que taxativamente autorizam a revisão.
lII - Os factos invocados são novos, porque cronologicamente recentes, mas não são "novos factos" para efeitos de revisão, porque à data da condenação não existiam e como tal nunca poderiam ser considerados.
IV - Mas mesmo que à data da decisão tais factos já ocorressem não se pode concluir que teriam sustentado diferente decisão, que teriam afastado a aplicação da pena acessória de expulsão, e como tal não se pode afirmar que se suscitem agora graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
V - Pelo que, ressalvada diferente e melhor apreciação por V.as Ex.as, não deverá ser autorizada a pelo recorrente pretendida revisão da sua condenação.»
4. Na informação prestada, nos termos do disposto no artigo 454.º do CPP, a Senhora Juiz entende não haver fundamento para a revisão da sentença, «por um lado, para o que releva para a previsão do n.º 1, o nascimento do filho do requerente ocorreu em 11/12/2007, ou seja, cerca de três anos após o trânsito em julgado da decisão condenatória, que é do STJ, e data de 25/11/2004, e tendo sido gerado já depois do arguido ter iniciado o cumprimento da pena, em fuga do estabelecimento prisional, numa saída precária, e aonde só voltou em 2010, pelo que, tal evento se configura não como um facto ou meio de prova novo, mas como um facto superveniente, que em nenhuma hipótese poderia ter sido conhecido nem considerado por nenhum dos tribunais que proferiram as decisões condenatórias, porque não existia, e, por outro lado, no que releva para a previsão do nº1-d) conjugado com a previsão do nº3, por, não sendo o recurso de revisão admissível, sequer, para corrigir a medida da pena, por maioria de razão, não ser admissível para fazendo desaparecer a pena, garantir os direitos do arguido a constituir família e a garantir/assegurar a subsistência do agregado familiar", finalidade que não consta dos fundamentos de revisão do art. 449.º do CPP.»
5. Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, em profícuo parecer, pronunciou-se no sentido de «ser indeferido o recurso», por não haver «fundamento para ser autorizada a revisão quanto à pena acessória de expulsão», argumentando, em abono da sua posição, referindo, além do mais, que:
«Na data em que foram proferidos os acórdãos condenatórios nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça (25/11/2004, transitado em 13/12/2004) ainda estava em vigor o art. 101.º, n.º 1 do dec-lei 244/98, na redacção do dec-lei 4/2001.
Entretanto entrou em vigor a lei 23/2007 (alterada pela lei 29/2012 de 9 de Agosto) onde o afastamento/expulsão está previsto no art. 134.º e o art. 135.º prevê limites designadamente não poderem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que … b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
Este limite poder-se-ia eventualmente aplicar ao arguido uma vez que a criança nasceu em 2007 e o arguido AA só terá sido detido para cumprimento da pena em 2010 o que poderia levar a considerar que naqueles 3 anos havia ter desempenhado o papel de pai previsto na referida al. b) do art. 135.º da lei 29/2012.
No entanto como tem sido entendido e sustentado na jurisprudência do STJ “o recurso é um meio excepcional de reapreciação de decisões transitadas em julgado que tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar graves injustiças…
E o nascimento do filho em 2007 não pode ter efeitos retroactivos porque no momento da decisão não se verificava, não se podendo colocar a hipótese de se ter havido um erro judiciário e se deva tentar fazer prevalecer a justiça, mesmo havendo caso julgado.
Os factos apresentados pelo arguido/recorrente como novos não têm essa natureza relativamente ao acórdão condenatório proferido há mais de 10 anos.
O arguido/recorrente AA terá de tentar outros meios para poder ajudar a sustentar e educar o seu filho depois de ter acabado o cumprimento de pena.»
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Enquadramento normativo
1. Como tem sido referido, na tensão e ponderação entre dois valores fundamentais, o da segurança das decisões judiciais, transitadas em julgado, e o da justiça, estando em causa direitos fundamentais da pessoa humana, a inalterabilidade do caso julgado cede sempre que haja fundadas e sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) não define o conceito de caso julgado, que respeita a um conceito pré-constitucional suficientemente densificado, designando as situações que, de forma definitiva e irretratável, foram fixadas por sentença judicial[1]. A intangibilidade do caso julgado, «enquanto princípio constitucional implícito, pode ter de ceder quando estejam em causa outros valores constitucionais mais importantes, e desde que, naturalmente, se respeitem as garantias constitucionais dos tribunais, quanto à separação de poderes, à reserva da função judicial e ao respeito das decisões judiciais pelas autoridades administrativas, pelo que um caso julgado só poderá ser revisto por via judicial e na base de uma lei geral e abstrata. Um desses valores constitucionais que pode prevalecer sobre o princípio da intangibilidade do caso julgado é a (…) da revisão de sentenças criminais»[2].
A CRP admite, assim, a possibilidade de revisão das sentenças, ainda que transitadas, sempre que o cidadão tenha sido injustamente condenado, em harmonia com o que se preceitua no n.º 2 do artigo 4.º do Protocolo VII à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)[3].
Noutros termos afirma-se que, «[a]o instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, subjaz o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico»[4].
O recurso extraordinário de revisão «visa, pois, a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado»[5], isto porque «o princípio da res judicata pro veritate habetur não pode impedir um novo julgamento quando posteriores elementos põem seriamente em causa a justiça anterior», pelo que «[m]odernamente nenhuma legislação adotou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado, tendo sido acolhida uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o ato jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela a justiça, solução que se revê na consagrada possibilidade limitada de revisão das sentenças penais»[6].
2. O direito constitucional dos cidadãos injustamente condenados à revisão da sentença, consagrado no n.º 6 do artigo 29.º da CRP, é concretizado e desenvolvido no artigo 450.º do CPP, onde, sob a epígrafe «Legitimidade», se preceitua, no n.º 1, alínea c), que têm legitimidade para requerer a revisão «[o] condenado ou seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias», e no artigo 449.º, relativo aos fundamentos e à admissibilidade do recurso, o n.º 1 estabelece que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível, quando, nos termos da alínea d) «[s]e descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.»
Conforme é jurisprudência deste Supremo Tribunal[7], «[s]ão factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação, e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto do julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; para efeito de fundamentar o pedido de revisão de decisões penais, os meios de prova são novos quando não foram administrados e valorados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ou pudessem não ser ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar (cfr., por todos, v. g., o acórdão do STJ, de 7 de Setembro de 2011, proc. 286/06.7PAPTM, com exaustiva indicação de jurisprudência)» e «[n]ovos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, ou seja, que não foram apresentados no processo da condenação. Se foram apresentados no processo da condenação, não são novos no sentido da “novidade” que está subjacente na definição da alínea d) no nº 1 do artigo 449º do CPP.»
Prossegue o mesmo acórdão: «[a] novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova – seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção. No caso de provas pessoais, a “novidade” refere-se à testemunha na sua identidade e individualidade e não ao resultado da prova efectivamente produzida. Por isso, afastada a novidade por o meio de prova pessoal ter sido apresentado e administrado no processo da condenação, é indiferente a circunstância de a pessoa indicada ter, legitimamente, recusado prestar declarações no exercício de um direito processual que lhe assiste», pois «[d]e outro modo, criar-se-iam disfunções sérias contra a estabilidade e segurança do caso julgado, abrindo caminho a possíveis estratégias probatórias moldadas por uma atitude própria da influência da “teoria dos jogos” no processo, se existisse a possibilidade de revisão, ou mesmo de pedir a revisão, quando, como atitude ou estratégia, o silêncio não tivesse contribuído para os resultados probatórias pretendidos.» [8].
Para além de se tratar de «novos factos ou meios de prova» o legislador exige que «suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação», no sentido de que tais factos «devem sustentar uma carga valorativa, antes ignorada, capaz de pôr a descoberto a grave injustiça de que o recorrente foi vítima, a ser aferida à luz de uma constatação sem esforço»[9].
3. Especificamente sobre a questão de saber se factos, como os que agora são trazidos à apreciação deste Supremo Tribunal, posteriores ao trânsito em julgado da condenação ainda são de considerar como factos novos para efeitos de desencadear o pedido de revisão e a cassação da aplicação da pena acessória de expulsão, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou, tendo referido:
«Nestes casos de invocação de nascimento de filho após o trânsito da condenação, tem-se discutido se tal facto posterior à decisão condenatória, ainda pode considerar-se como facto novo para fundamentar recurso de revisão, ou se mesmo caracterizando-o como facto superveniente pode ser invocado naquele recurso, havendo respostas no sentido afirmativo e outras de sinal contrário, defendendo-se ainda que o meio processual próprio não é o recurso de revisão, podendo o condenado obstar à execução da pena acessória, por via do uso do mecanismo previsto no artigo 371,º-A, do CPP, ou ainda entendendo-se que o impedimento da expulsão pode ser decidido pelo juiz de execução das penas.» [10]
No sumário do mesmo acórdão acrescenta-se:
«Em algumas situações o STJ pronunciou-se contra a admissibilidade do recurso de revisão com base em factos ulteriores (vide Acs. de 14-11-2002, Proc. n.º 3182/02 - 5.ª, de 08-102008, Proc. n.º 2893/08 - 3.ª e de 22-10-2008, Proc. n.º 2042/08 - 3.ª), mas noutros casos pronunciou-se em sentido contrário (vide Acs. de 11-06-2003, Proc. n.º 1680/03 - 3.ª, de 05-05-2004, Proc. n.º 751/04 - 3.ª e de 17-04-2008, Proc. n.º 4840/07 - 3.ª).»
4. Sendo o pedido de revisão da sentença restrito à parte que condenou o recorrente na sua expulsão e interdição de entrada no país por um período de 6 (seis) anos, releva conhecer o regime jurídico da expulsão.
Nos termos do artigo 15.º da CRP, «os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos do cidadão português» (n.º 1), «excetuando-se os direitos políticos, o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses» (n.º 2).
Estabelece também o artigo 33.º, n.º 1, que «não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional», acrescentando o n.º 2 que «a expulsão de quem tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, de quem tenha obtido autorização de residência, ou de quem tenha apresentado pedido de asilo não recusado só pode ser determinada por autoridade judicial, assegurando a lei formas expeditas de decisão».
Por outro lado, nos termos do artigo 36.º «[t]odos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade» (n.º 1), tendo «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos» (n.º 2), não podendo os filhos «ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial» (n.o 6), porquanto «[a] família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros» (artigo 67.º, n.º 1).
5. O regime jurídico respeitante à entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional compreende-se atualmente na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro.
O artigo 151.º desta Lei respeita à aplicação da pena acessória de expulsão, nos termos do qual «[a] pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses» (n.º 1), «[a] mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal» (n.º 2), explicitando o n.º 3, com a formulação que decorre da Lei n.º 56/2015, de 23 de junho, que «[s]em prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente, quando a sua conduta constitua perigo ou ameaça graves para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional»[11], e acrescentando o n.º 4 que «[s]endo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos dois terços da pena de prisão», e, nos termos do n.º 5 «[o] juiz de execução das penas pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, em substituição da concessão de liberdade condicional, logo que julgue preenchidos os pressupostos desta e desde que esteja cumprida metade da pena de prisão.»
Por seu turno, o artigo 135.º da mesma lei, inserido nas disposições gerais, relativas ao afastamento do território nacional, consagram limites à possibilidade de expulsão de estrangeiros, uma vez que «[n]ão podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) [t]enham nascido em território português e aqui residam; b) [t]enham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação; d) [q]ue se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.»
Sublinhe-se, no entanto, que à data da decisão de expulsão estava em vigor o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de agosto, que estabelecia, perante a existência de filhos menores, pressupostos diversos dos estabelecidos na atual lei a opor como limites à expulsão, nomeadamente quanto à exigência de que o cidadão estrangeiro tivesse residência no País.
Os pressupostos da aplicação da pena acessória de expulsão relacionados com a pena principal, constantes do artigo 101.º, n.os 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 244/98 foram mantidos no artigo 151.º, n.os 1 a 3, da Lei n.º 23/2007. Porém, quanto aos pressupostos impeditivos da aplicação da pena acessória de expulsão constantes, respetivamente, do n.º 4, alínea b), do artigo 101.º e do artigo 135.º, alíneas b) e c), dos referidos diplomas ocorreram alterações significativas.
Nos termos da anterior lei, exigia-se: «a) [t]er o estrangeiro a qualidade de residente em território nacional; b) [t]er filhos menores residentes no território nacional; c) [e]xercer efectivamente o poder paternal sobre esses filhos à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena; d) [a]ssegurar o sustento e a educação aos mesmos; e) [q]ue a menoridade dos filhos se mantivesse no momento previsível de execução da pena.»
A lei nova veio estabelecer, na redação originária (Lei n.º 23/2007, de 4 de julho), uma distinção entre filhos com nacionalidade portuguesa e filhos com nacionalidade estrangeira, que foi abandonada com a nova formulação dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, e, nessa medida, deixou de se exigir que o cidadão estrangeiro residisse habitualmente no País, e que exercesse efectivamente o poder paternal sobre os filhos à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena e que a menoridade dos filhos se mantivesse no momento previsível da execução da pena, passando a constituir limite à expulsão, quanto à situação concreta, apenas, terem os filhos menores residência em Portugal e, de acordo com a versão originária da lei, estejam efetivamente a cargo do cidadão estrangeiro, ou este exerça efetivamente as responsabilidades parentais e assegure o sustento e educação (redação resultante da Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto).
Cotejando a formulação atual do regime jurídico com o vigente à data da condenação, deixou de se exigir que o cidadão estrangeiro tivesse a qualidade de residente no País, que exercesse efetivamente o poder paternal sobre os filhos à data da prática dos factos, e que a menoridade daqueles se mantivesse no momento previsível da execução da pena.
6. Decorre do exposto que, face à sucessão de leis, sendo alterados os limites à aplicação da pena de expulsão, é de apelar ao princípio da aplicação retroativa da lei penal de conteúdo mais favorável, nos termos do artigos 29.º, n.º 4, da CRP e 2.º, n.os 2 e 4, do CP[12].
E, nesse plano, o Supremo Tribunal de Justiça já afirmou o espaço de intervenção do disposto no artigo 371.º-A do CPP,[13] nos acórdãos de 8 de outubro de 2008, processo n.º 2893/08, de 22 de outubro de 2008, processo n.º 2042/08, de 12 de setembro de 2012, processo n.º 5052/94.8TDLSB-A.S1-5.ª, em que foi indeferido o pedido de revisão, «sem prejuízo de dever ser equacionada na 1.ª instância a reabertura do processo nos termos do disposto no artigo 371.º-A, do CPP, para aplicação do regime penal mais favorável que resultou da entrada em vigor da Lei n. 23/2007», e do acórdão de 12 de junho de 2013, processo n.º 919/03.77PTLSB-D.S1, onde se conclui «que mesmo que se tivesse por apropriado o meio processual escolhido, a pretensão do recorrente sucumbiria por rotunda ausência de prova da alegada alteração familiar e da possibilidade de ter a seu cargo os filhos, podendo lançar mão do mecanismo do artigo 371.º-A do CPP e sem prejuízo de a questão ser analisada pelo juiz do tribunal de execução de penas.»
Por último, o artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro[14], que em caso de condenação por crime previsto em tal diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia.
7. Competindo ao Ministério Público «promover a execução das penas e das medidas de segurança» (artigo 469.º, n.º 1, do CPP), aquela é «tramitada nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, [e] sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade» (n.º 1 do artigo 470.º), cabendo «ao tribunal competente para a execução decidir as questões relativas à execução das penas e das medidas de segurança e à extinção da responsabilidade, bem como à prorrogação, pagamento em prestações ou substituição por trabalho da pena de multa e ao cumprimento da prisão subsidiária (artigo 474.º, n.º 1, do CPP).
O antes mencionado artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade[15], preceitua no n.º 2, que [a]pós o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal», e o n.º 4, na alínea a), prescreve que compete ao tribunal de execução de penas, em razão da matéria, «determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão».
Refira-se, por último que, nos termos do artigo 159.º da Lei n.º 23/2007, compete ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dar execução às decisões de expulsão.
Da articulação das normas mencionadas decorre que, enquanto as decisões sobre a execução da pena acessória de expulsão competem aos tribunais, a sua execução foi atribuída a um Serviço da Administração – o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
B. Apreciação
O recorrente AA foi julgado e condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão, e na pena acessória de expulsão, com interdição de entrada no país por igual período, ambas fixadas em recurso, sendo esta última reduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça sem que o recorrente a tivesse impugnado.
No acórdão condenatório, foi dado como provado que o recorrente – tal como outros 3 arguidos –, «sem antecedentes criminais», é de «modesta condição social», e não dispunha de qualquer documento que o autorizasse a permanecer no país, tal como «não tem familiares em Portugal», sendo que tem «familiares em ...».
O pedido de revisão assenta em factos posteriores à decisão, especificamente o nascimento do seu filho, BB, em 11 de dezembro de 2007, menor de sete anos, com quem residia, conforme declarado pela mãe e sua companheira, e para ele contribuía/colaborava «na educação e despesas inerentes».
O artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP fundamento do pedido de revisão exige, como se deixou dito, não só que os factos e meios de prova alicerçam o pedido sejam conhecido após o julgamento e o trânsito da decisão, mas também que sejam anteriores a esta de modo a poderem por em causa a prova efetuada e a justeza da decisão, o que não ocorre no presente caso, por os factos consubstanciadores do pedido serem posteriores ao julgamento, não podendo, assim, alegar-se que desse facto deriva a injustiça da decisão.
Mais do que facto novo, para efeitos da previsão normativa, está-se perante facto superveniente, que ocorreu enquanto o recorrente se eximia do cumprimento da pena imposta, pela ausência ilegítima em que se colocou, desde 28 de abril de 2005, quando não regressou ao estabelecimento prisional no termo de uma saída precária e o momento em que foi detido, em 14 de janeiro de 2010.
Para além disso, a revisão da pena de expulsão com fundamento no respeito pela vida familiar, tendo presente os limites à decisão de expulsão, previstos no artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, tem imbrincada a prova desse facto novo, nos termos em que este é entendido, para os efeitos do artigo 449.º, alínea d), do CPP, a qual não se satisfaz apenas com a declaração da mãe do menor, nos termos apresentados.
Por todo o exposto, a justiça da decisão recorrida não é posta em dúvida e muito menos de forma intensa ou grave, sendo de negar a revisão por não se mostrar preenchido o fundamento de revisão de sentença, a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
Sem embargo, como noutro caso se referiu, perante situação muito próxima, a sucumbência do pedido pela inapropriedade do meio usado não obsta a que não se possa lançar «mão do mecanismo do artigo 371.º-A do CPP e sem prejuízo de a questão ser analisada pelo juiz do tribunal de execução de penas»[16].
III. Decisão
Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Negar a revisão – artigo 456.º do CPP;
b) Condenar o recorrente em custas, nos termos do artigo 513.º, do Código de Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça, em 3 UC (unidades de conta), atento o disposto no artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (com retificação e alterações posteriores).
(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
Os Juízes Conselheiros,
João Silva Miguel
Armindo Monteiro