PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
RECURSO CONTENCIOSO
CONTAGEM DE PRAZO
JUIZ
DELIBERAÇÃO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Sumário

I. O processo disciplinar relativo aos juízes rege-se pelo EMJ cujo artigo 131.º manda aplicar subsidiariamente as normas de diplomas complementares, regendo sobre esta matéria o artigo 6.º do EDTFP, Lei 58/2008, de 9 de Setembro, o qual, no que à economia da decisão em causa prescreve o seguinte:
«6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.
7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.».
II. As causas de suspensão a que se referem aquele normativo, são as intercorrências externas ao procedimento disciplinar que possam ter influência neste, isto é, que funcionem com causa prejudicial ao seu prosseguimento e já não, qualquer incidente suscitado no mesmo, vg, a interposição de um recurso.
III. A contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar não se suspende com a interposição de um recurso interlocutório no âmbito do procedimento disciplinar, maxime, do despacho que convola o inquérito em processo disciplinar, porquanto o efeito de tal recurso é o devolutivo e não o suspensivo da decisão de que se recorre, constituindo tal asserção, a ser admitida como possível, um verdadeiro anacronismo do sistema.
(APB)

Texto Integral

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I R, Juiz de Direito, a exercer funções no Tribunal da Relação de …, como auxiliar, vem nos termos dos artigos 168° a 172° do E.M], interpor recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 14 de Abril de 2015, que decidiu julgar improcedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar, em que o recorrente era arguido, alegando para o efeito o seguinte:

- O recorrente foi arguido nos autos de processo disciplinar n°…. movidos pelo Conselho Superior da Magistratura.

- Tal processo foi instaurado por deliberação do Plenário daquele Órgão, do dia 7 de Maio de 2013, tendo ocorrido por conversão dos autos de inquérito n°… que tiveram o seu início dia 28 de Novembro de 2012.

- De acordo com o disposto no artigo 6° nº6 da Lei n.º 58/2008, de 09 de Setembro (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, adiante designado apenas com EDTEFP) e agora artigo 178° nº 5 da Lei 35/2014 de 20 de Junho, (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, adiante designada somente por LGTFP) o procedimento disciplinar prescreve decorridos que sejam 18 meses contados da data em que foi instaurado quando nesse prazo o arguido não tenha sido notificado da decisão final e não tenha ocorrido qualquer das causas de suspensão a que alude o nº 7 do artigo 6º do EDTEFP, agora nº 6 do artigo 178° da LGTFP.

 - Assim, e salvo melhor opinião, haverá de ter-se como prescrito o procedimento disciplinar no dia 7 de Novembro de 2014, dado que o recorrente não foi até essa data notificado da decisão final, o que só veio a acontecer muitos meses depois, isto é, em Maio de 2015. 

- Com base neste cálculo veio o recorrente aos autos de processo disciplinar arguir a excepção de prescrição, tendo tal excepção sido julgada improcedente na deliberação de 14.04.15 de que agora se recorre e que se junta.

- Segundo se recolhe da fundamentação da deliberação, entendeu o Venerando Conselho Superior da Magistratura que pelo facto de o ora recorrente ter oportunamente interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, da deliberação daquele Conselho do dia 7 de Maio de 2013, recurso esse apresentado em 19 de Junho de 2013 e decidido em 18 de Dezembro de 2013, haverá de ter-se como suspenso o prazo de prescrição no período correspondente à pendência desse mesmo recurso.

- Ora, com o devido respeito, entende o recorrente que tal argumento não tem fundamento legal nem sequer factual, como o irá sumariamente demonstrar.

- O recurso apresentado pelo recorrente junto do Supremo Tribunal de Justiça no dia 19 de Junho de 2013 teve como objecto parte da deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura do dia 7 de Maio de 2013.

- Jamais foi objecto daquele recurso, a decisão do Plenário que julgou improcedente o incidente de suspeição do Exmo. Senhor Inspector Judicial.

- O recurso apresentado não teve, nem poderia ter, efeitos suspensivos quanto à marcha do procedimento disciplinar - cfr artigo 170º do EM].

- O nº 7 do artigo 6º do EDTEFP e agora o nº 6 do artigo 178° da LGTFP dispõe que «A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.».

- Ora, nem o recurso interposto pelo ora recorrente suspendeu a marcha do processo, nem qualquer outro incidente suscitado pelo recorrente teve esse mérito.

- A valer a tese apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura, então teremos que admitir que a marcha do processo esteve efectivamente parada, porque «não podia começar ou continuar a ter lugar» na pendência do recurso, ou seja entre os dias 19 de Junho de 2013 e 18 de Dezembro de 2013,

- Compulsados os autos de processo disciplinar não é isso que resulta dos mesmos, tendo estado, durante esse período, em marcha e até com uma actividade bastante intensa como se irá descrever

- Começa logo por o recorrente ter apresentado a sua defesa no dia 15 de Julho de 2013 (na sequência da notificação da acusação feita em 17.06.13), recepcionada nos autos a 16 de Julho de 2013 - cfr fls 1101 do Processo Disciplinar.

- Se o PD estivesse suspenso desde o dia 19 de Junho de 2013 então o prazo concedido ao recorrente para apresentar a sua defesa estaria igualmente suspenso, o que não o obrigaria a apresentar a sua defesa sem que antes o recurso estivesse decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

- Aliás, e com o devido respeito, se fosse esse o mesmo entendimento do recorrente e se tivesse apresentado a sua defesa só após a decisão final do recurso apresentado junto do Supremo Tribunal de Justiça, seria interessante saber se o Conselho Superior da Magistratura aceitaria a mesma como tempestiva, dúvida que nunca será esclarecida.

- Acresce que, no dia 19 de Novembro de 2013, durante a pendência do recurso junto desse Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Senhor Inspector Judicial proferiu despacho nos autos de PD para produção de prova testemunhal - cfr fls 1588 dos autos de PD.

- Nesse mesmo dia, solicita junto de diversas entidades mais elementos de prova - cfr fls 1592, 1593, 1594, 1595 dos autos de PD.

- E no dia 21 de Novembro o Exmo. Senhor Inspector Judicial volta a proferir despacho nos autos - cfr fls 1597 dos autos de PD.

- De igual forma é proferido novo despacho no dia 28 de Novembro de 2013 - cfr fls 1632 dos autos de PD.

- Também igual procedimento é adoptado pelo Exmo. Senhor Inspector Judicial no dia 4 de Dezembro de 2013 - cfr fls 1653 dos autos de PD.

- No dia 6 de Dezembro de 2013 começaram as inquirições das testemunhas arroladas pelo recorrente, sendo nesse dia ouvidas cinco testemunhas - cfr fls 1657, 1659, 1661, 1664, 1667 dos autos de PD.

- No dia 9 de Dezembro de 2013 continuaram a ser ouvidas as testemunhas arroladas pelo recorrente, tendo sido inquiridas oito testemunhas - cfr fls 1675, 1678, 1681, 1683, 1685, 1687, 1691, 1693, 1701 dos autos de PD.

- N o dia 10 de Dezembro foram ouvidas nove testemunhas - cfr fls 1701, 1703, 1705, 1708, 1711, 1713, 1715, 1717, 1719 dos autos de PD.

- Por último no dia 13 de Dezembro de 2013 foram ouvidas mais cinco testemunhas – cfr fls 1785, 1787, 1789, 1791, 1793 dos autos de PD.

- Ou seja, no período da pendência do recurso no Supremo Tribunal de Justiça, período compreendido entre os dias 19 de Junho de 2013 e 18 de Dezembro de 2013 o processo disciplinar jamais esteve suspenso, decorrendo com normalidade, e a questão da hipotética suspensão decorrente da interposição do recurso jamais foi suscitada ou meramente alvitrada, pelo recorrente e, para o Conselho Superior da Magistratura, na ocasião, era pacífico que os autos de PD estavam em marcha.

- Agora, segundo se depreende da deliberação em recurso, entende o Conselho Superior da Magistratura que o recurso interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça teve efeitos suspensivos da marcha do processo e consequentemente suspendeu o prazo de prescrição nos termos do nº 7 do artigo 6° do EDTEFP, agora nº6 do artigo 178° da LGTFP

- O objecto do presente recurso é assim muito simples e claro.

- Ou o recurso interposto pelo recorrente junto do Supremo Tribunal de Justiça no dia 19 de Junho de 2013 teve efectivamente efeitos suspensivos da marcha do processo disciplinar, e então suspendeu-se efectivamente o prazo de prescrição do mesmo, ou pelo contrário tal recurso não teve esse mérito, e o prazo da sua pendência não suspendeu o prazo de prescrição em curso, devendo a deliberação do Plenário sobre a prescrição ser anulada e substituída por outra que julgue procedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar.

Conclusões

a) O processo disciplinar, iniciado em 07.05.13, prescreve no prazo de 18 meses contados da data em que foi instaurado quando nesse prazo o arguido não tenha sido notificado da decisão final - artigo 6º nº 6 do EDTEFP, agora artigo 178º nº 5 da LGTFP;

b) O recurso interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça, pelo então arguido, de parte da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura do dia 7 de Maio de 2013 não teve efeitos suspensivos da marcha do PD n° 2013-192jPD;

c) Nesse período da pendência do recurso - 19 de Junho a 18 de Dezembro de 2013 - o processo disciplinar não esteve suspenso, tendo no mesmo sido praticados diversos actos próprios da sua marcha normal;

d) O período que decorreu entre 19 de Junho a 18 de Dezembro de 2013 terá que ser considerado na contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar;

e) Assim, o procedimento disciplinar prescreveu, pelo menos no dia 7 de Novembro de 2014 pois que nesse data o recorrente não tinha sido notificado da decisão final, o que só veio a acontecer muitos meses mais tarde, em Maio de 2015;

f) A deliberação que julgou improcedente a excepção de prescrição violou o disposto no artigo 170º do EMJ e o disposto no artigo 6º nº 6 do EDTEFP, agora artigo 178º nº 5 da LGTFP;

g) Não é legal o entendimento perfilhado pelo Conselho Superior da Magistratura segundo o qual o período de tempo acima referido suspendeu o prazo de prescrição pois o recurso intentado junto do Supremo Tribunal de Justiça teve efeitos suspensivos e o processo disciplinar, por força desse recurso esteve com a sua marcha impedida de «começar ou continuar a ter lugar» nos termos do disposto no nº 7 do artigo 6º do EDTEFP, agora nº 6 do artigo 178° da LGTFP, devendo ser anulada a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que julgou improcedente a excepção de prescrição arguida pelo recorrente e substituída por outra que julgue a excepção de prescrição procedente.

Notificado para responder o CSM alegou o seguinte:

- Segundo a recorrente e atentando nas alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o procedimento disciplinar está prescrito por decurso do prazo estabelecido pelo artigo 6.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas.

- Com efeito, invoca que para o efeito invoca que o processo disciplinar iniciado em 7 de Maio de 2013, prescreve no prazo de 18 meses contados da data em que foi instaurado quando nesse prazo o arguido não tenha sido notificado da decisão final – artigo 6.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas.

- O recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, de parte da deliberação o Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 7 de Maio de 2013 não teve efeitos suspensivos da marcha do processo disciplinar n.º 2013-192/PD.

- Nesse período da pendência do recurso – 19 de Junho a 18 de Dezembro de 2013 – o processo disciplinar não esteve suspenso, tendo no mesmo sido praticados diversos actos próprios da sua marcha normal.

- O período que decorreu entre 19 de Junho a 18 de Dezembro de 2013 terá de ser contado na contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.

- Assim, o procedimento disciplinar prescreveu pelo menos no dia 7 de Novembro de 2014, pois que nesse dia o recorrente não tinha sido notificado da decisão final, o que só veio a ocorrer em Maio de 2015.

- Conclui o recorrente que a deliberação que julgou improcedente a excepção de prescrição violou o disposto no artigo 170.º do EMJ e o disposto no artigo 6.º, n.º 6, do EDTEFP, agora artigo 178.º, n.º 5 da LGTFP.

- Pois não é legal o entendimento perfilhado pelo Conselho Superior da Magistratura segundo o qual, o período de tempo referido suspendeu o prazo de prescrição, dado que o recurso intentado junto do Supremo Tribunal de Justiça teve efeitos suspensivos e o processo disciplinar, por força do recurso esteve coma sua marcha impedida de “começar ou continuar a ter lugar” nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do EDTEFP, agora n.º 6 do artigo 178.º da LGTFP.

- No âmbito do direito disciplinar há prescrição quando o Estado, por não o haver exercido em tempo considerado útil, perde o direito de perseguir o agente de uma determinada infracção.

- No que respeita aos fundamentos da prescrição, estes encontram-se essencialmente ligados aos efeitos do factor tempo no aumento exponencial das dificuldades probatórias e na prossecução dos fins das penas, na medida em que a passagem de tempo apreciável após a prática do crime afasta ou diminui consideravelmente as exigências concretas de prevenção geral positiva ou de integração – por apagado ou muito esbatido o abalo causado pelo crime na confiança comunitária na validade da norma legal violada – e as de prevenção especial de socialização – considerando a possível mudança na conduta e personalidade do agente, revelando-se desnecessária a pena.

- Tem sido jurisprudência uniforme do STJ que a matéria da prescrição do procedimento disciplinar visando magistrados judiciais se rege pelo estatuto disciplinar da função pública (acórdãos do STJ de 19.09.2013, proferido no processo n.º 16/13.7YFLSB.S1, de 05.07.2012, proferido no processo n.º 126/11.5YFLSB, de 05.06.2012, proferido no processo n.º 112/11.5YFLSB, todos na base de dados da DGSI).

- Quanto ao procedimento disciplinar pendente, resulta dos números 6 e 7 do artigo 6.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, que aprovou aquele Estatuto Disciplinar que: “6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

- A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar”.

- Visando a análise da prescrição importa ter presente a seguinte factualidade:

1.O Conselho Superior da Magistratura, em sessão plenária de 7 de Maio de 2013, deliberou converter em processo disciplinar o inquérito que fora instaurado ao Exmo. Sr. Dr. R, Juiz de Direito actualmente a exercer funções como auxiliar no Tribunal da Relação de…, face ao teor de uma exposição recebida neste Órgão aludindo a uma peça do jornal «Público» publicada no dia 16 de Setembro 2012. 

2. Foi deduzida acusação contra o arguido em 11.06.2013, imputando-lhe a prática, grave e dolosa, de vinte e três infracções ao dever de prossecução do interesse público (previstas no art.º 3.º n.º 3, do EDTFP, aprovado pela Lei n.º 58/2008 de 9/9, por força do art.º 131.º do EMJ), especificamente o dever de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa – concretizadas essas infracções em violações ao art.º 7.º (uma), 13.º (duas), 9.º (três), 10.º (uma) e 28.º (uma) do EMJ e a deveres gerais as demais dezoito – também com muito grave quebra do prestígio exigível aos magistrados e da dignidade e do prestígio da função e revelando tais infracções falta de honestidade e ou conduta desonrosa, a que corresponde a pena de demissão, ao abrigo do art.º 95.º n.º 1 al. b) do citado EMJ (Vol. IV fls. 1041-1090).

3. Em 12.03.2013, o arguido suscitara o incidente de suspeição do Exmo. inspector Judicial … (fls. 1015-1019), pelo que ouvido este fls. 1025-1030), o incidente veio a ser indeferido também pela deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 07.05.2013 (fls. 1033-1035).

 4.O arguido interpôs recurso desta deliberação para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela nulidade da mesma e invocando para tanto em síntese: (i) dever ser considerado com a categoria profissional de Juiz de Direito, pelo que o órgão competente para o exercício do respectivo poder disciplinar seria o conselho permanente do Conselho Superior da Magistratura, e não o seu Plenário, ou, a ser considerado Juiz da Relação, o inquérito deveria, então, ter sido instruído por um Inspector Extraordinário, Juiz do Supremo Tribunal de Justiça, e não, como ocorreu, por um Inspector Judicial do corpo de inspectores; (ii) na definição do objecto do inquérito, que se funda em factos determinados, de acordo com a lei, era fundamental para o arguido ser ouvido, a toda a matéria do inquérito, não podendo tal acontecer apenas após a finalização do inquérito e o recebimento do respectivo relatório; (iii) não ter sido ouvido no processo de inquérito, se funda em factos determinados, de acordo com a lei, tal constitui um requisito fundamental e prévio à conversão do processo de inquérito em processo disciplinar; (iv) a falta de fundamentação da deliberação recorrida, na medida em que se limita a remeter para o relatório do inquérito.

5. Notificado da acusação o Exmo. Juiz apresentou a defesa (fls. 1102 a 1498), tendo junto 223 documentos e arrolado 55 testemunhas: Dr…., Dra. …, Dra. …, Eng. ….(…).

6. Posteriormente, o arguido prescindiu da inquirição dos arrolados Dr. ….(…).

7. Em 16.07.2013 (fls. 1501) o Exmo. Inspector Judicial veio apresentar requerimento no qual pugnou cautelarmente, entender conveniente que o Conselho Superior da Magistratura se pronunciasse previamente sobre as duas primeiras questões suscitadas pelo arguido de modo a evitar actividade posteriormente tida por inútil, tendo remetido os autos ao Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.

8. Por despacho proferido em 22.07.2013 (fls. 1505-1506) foi decidido deverem os autos prosseguir os seus termos, sendo conhecidas e decididas a final as apontadas questões, tendo ainda sido determinada a oportuna remessa dos autos ao Exmo. Senhor Inspector Judicial.

9. O arguido reclamou desta decisão para o Plenário do CSM invocando que a decisão proferida quanto ao despacho do Exmo. Inspector Judicial deveria ser proferida pelo Plenário do CSM, pelo que tendo sido proferida por Juiz Vogal, foi-o por quem não dispunha de competência para tanto. Mais pugnou dever o Plenário decidir as duas questões invocadas na sua defesa.

10. Por deliberação do Plenário do CSM de 08.10.2013 (fls. 1514-1519) foi julgada improcedente a reclamação apresentada e relegado para final o conhecimento e decisão das questões apontadas, tal como decidido pelo despacho reclamado.

11. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2013 (fls. 1901-1928) foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirmada a deliberação impugnada do Plenário do CSM datada de 07.05.2013.

12. O requerimento probatório foi satisfeito e, para além da produção da prova oferecida pelo arguido, foram ainda ordenadas, ao abrigo do artigo 53.º n.º 9, do EDTFP e com base num juízo de necessidade acerca da realização de meios complementares de prova, outras diligências entendidas como indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade, perante o resultado da análise do sustentado em diversos aspectos da defesa, bem como da instrução que foi sendo desenvolvida.

13. Assim, foram efectuadas as diligências indicadas nos sucessivos despachos de fls. 1520-1522 (19/11/2013), 1597 (21/11/2013), 1632 (28/11/2013), 1653 (04/12/2013), 1890-1891 (18/01/2014), 1941-1942 (25/01/2014), 2083-2087 (22/03/2014), 2187-2189 (31/03/2014), 2345-2347 (23/05/2014), 2365-2366 (04/06/2014) e 2529 (09/06/2014), 2665-2667 (30/06/2014). Também foram recusadas, ao abrigo do nº 1 do mesmo artigo, a inquirição de testemunhas e uma outra diligência requerida pelo arguido (fls. 2704-2705), por terem sido consideradas manifestamente impertinentes (por despachos de 18/06/2014 a fls. 2644 e v.º e de 10/07/2014 a fls. 2706 e v.º).

- Havendo inquérito, a contagem do prazo de 18 meses previsto no artigo 6.º, n.º 6 do Estatuto Disciplinar inicia-se com a deliberação que opera a sua conversão em processo disciplinar (cfr acórdão do STJ de 19.09.2013, proferido no processo n.º16/13.7YFLSB.S1, na base de dados da DGSI), ainda que se aproveite a prova recolhida em inquérito para efeitos de instrução do procedimento disciplinar (cfr., em hipótese em que não era visado magistrado judicial, mas enunciando razões correspondentemente aplicáveis, o acórdão do STA de 05.06.2014, proferido no processo n.º 0413/12, na base de dados da DGSI, assinalando que a conversão do inquérito em processo disciplinar “não significa que cada um desses processos em causa (de inquérito e disciplinar) perca a sua identidade e autonomia e que, a partir da decisão que ordena essa transformação, tudo se passe como o processo disciplinar tivesse sido instaurado no dia em que se deu início ao processo de inquérito. E isto porque tal transformação visa dois objectivos distintos, ainda que complementares – a economia processual e o direito do arguido a obter rápida decisão. Se assim é, não fará sentido que uma medida destinada a beneficiar quer a entidade que mandou instaurar o procedimento como o arguido pudesse redundar num encurtamento do prazo prescricional pondo em causa dessa forma os interesses daquela entidade”; no mesmo sentido, v. ainda o acórdão do STA de 15.05.2013, proferido no processo n.º 0413/12, na base de dados da DGSI).

- No caso, o prazo de prescrição iniciou-se em 07.05.2013.

- Se não tivessem sobrevindo causas de suspensão da prescrição, o respectivo prazo ter-se-ia completado em 07.11.2014.

- A ratio do citado n.º 7 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar é dar cobertura a uma hipótese em que a razão de celeridade que o legislador quis imprimir na actuação disciplinar cede espaço, quando o órgão está impedido de actuar, “por razões que lhe são estranhas e que (…) escapam ao seu controlo” (acórdão do STJ de 05.07.2012, proferido no processo n.º 126/11.5YFLSB, na base de dados da DGSI).

- Tudo passa por saber se o recurso interposto para o STJ da deliberação do Plenário do CSM que converteu o processo de inquérito em processo disciplinar suspendeu o prazo de prescrição (caso em que este teria corrido inicialmente apenas durante 1 mês e 12 dias, suspendendo-se entre as datas da interposição do recurso – 19.06.2013 – e da respectiva decisão – 18.12.2013 –, reiniciando-se a partir desta última data, o que conduziria a que a prescrição apenas ocorresse em 06.05.2015, ou seja, 1 ano, 4 meses e 18 dias após 18.12.2013) ou não suspendeu aquele prazo (caso em que o procedimento prescreveu em 07.11.2014, decorridos 18 meses de 07.05.2013).

- Nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do Estatuto Disciplinar, essa suspensão ocorrerá apenas, se por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do processo não pudesse continuar.

- No, no caso concreto, em 19.06.2013, o ora recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 07.05.2013, nos moldes que supra ficaram expressamente consignados.

- Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2013 (fls. 1901-1928) foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirmada a deliberação impugnada do Plenário do CSM datada de 07.05.2013.

- Assim sendo, desde 19.06.2013 até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, verificou-se a suspensão a que alude o n.º 7, do artigo 6.º, do EDTEFP, pelo que não se encontra decorrido o prazo da prescrição do procedimento disciplinar.

- O facto de no decurso do período no qual se verificou a suspensão terem efectivamente sido praticados actos no processo, prendeu-se unicamente com a circunstância de o Exmo. Inspector Judicial não ter tido conhecimento da referida interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

- Neste estrito contexto foram praticados actos, sem que tal colida com o efeito suspensivo a que alude o n.º 7, do artigo 6.º, do EDTEFP.

- Em conclusão, não se verifica a prescrição invocada pelo ora recorrente.

Notificados para apresentarem alegações, o Recorrente nada disse e o CSM veio fazê-lo, remetendo para o argumentário produzido em sede de resposta.

A Exª Sra Procuradora-Geral Adjunta, alegou do seguinte modo:

- Não podem subsistir quaisquer dúvidas de que na pendência do recurso contencioso referido se realizaram, sem quaisquer entraves, e muito menos que pudessem resultar da pendência desse recurso, inúmeras diligências de instrução do procedimento disciplinar em referência nestes autos.

- Veja-se todo o conteúdo dos autos de processo disciplinar desde a dedução da acusação até à notificação ao CSM do Ac. deste STJ proferido na data já referida.

- A lei, no referido artigo 6º, nº 7, é clara ao referir que a que a razão da suspensão do prazo prescricional se ancora na possibilidade de obviar a que a marcha do procedimento disciplinar não possa “ ... continuar a ter lugar ... por virtude ... de apreciação jurisdicional de qualquer questão ... “.

- Não pode assim ter-se por conforme à lei a interpretação a que procedeu a deliberação recorrida que entendeu dever considerar-se suspenso o prazo prescricional apesar de o procedimento disciplinar não ter estado suspenso, devendo a mesma ser anulada.

II Põe-se como questão única a resolver no âmbito do presente recurso, a de saber se operou, ou não, a prescrição do procedimento disciplinar instaurado contra o Recorrente, no âmbito do qual o mesmo veio a ser sancionado.

A factualidade relevante, para a economia da problemática decidenda, é a seguinte:

- O Conselho Superior da Magistratura, em sessão plenária de 7 de Maio de 2013, deliberou converter em processo disciplinar o inquérito que fora instaurado ao Exmo. Sr. Dr. R, Juiz de Direito actualmente a exercer funções como auxiliar no Tribunal da Relação de …, aqui Recorrente, face ao teor de uma exposição recebida neste Órgão aludindo a uma peça do jornal «Público» publicada no dia 16 de Setembro 2012. 

- Foi deduzida acusação contra o Recorrente/Arguido em 11 de Junho de 2013, imputando-lhe a prática, grave e dolosa, de vinte e três infracções ao dever de prossecução do interesse público (previstas no art.º 3.º n.º 3, do EDTFP, aprovado pela Lei n.º 58/2008 de 9/9, por força do art.º 131.º do EMJ), especificamente o dever de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa – concretizadas essas infracções em violações ao art.º 7.º (uma), 13.º (duas), 9.º (três), 10.º (uma) e 28.º (uma) do EMJ e a deveres gerais as demais dezoito – também com muito grave quebra do prestígio exigível aos magistrados e da dignidade e do prestígio da função e revelando tais infracções falta de honestidade e ou conduta desonrosa, a que corresponde a pena de demissão, ao abrigo do art.º 95.º n.º 1 al. b) do citado EMJ (Vol. IV fls. 1041-1090).

- Em 12 de Março de 2013, o arguido suscitara o incidente de suspeição do Exmo. Inspector Judicial …. (fls. 1015-1019), pelo que ouvido este fls. 1025-1030), o incidente veio a ser indeferido também pela deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 7 de Maio de 2013 (fls. 1033-1035).

- O Arguido, aqui Recorrente, interpôs recurso desta deliberação para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela nulidade da mesma e invocando para tanto em síntese: (i) dever ser considerado com a categoria profissional de Juiz de Direito, pelo que o órgão competente para o exercício do respectivo poder disciplinar seria o conselho permanente do Conselho Superior da Magistratura, e não o seu Plenário, ou, a ser considerado Juiz da Relação, o inquérito deveria, então, ter sido instruído por um Inspector Extraordinário, Juiz do Supremo Tribunal de Justiça, e não, como ocorreu, por um Inspector Judicial do corpo de inspectores; (ii) na definição do objecto do inquérito, que se funda em factos determinados, de acordo com a lei, era fundamental para o arguido ser ouvido, a toda a matéria do inquérito, não podendo tal acontecer apenas após a finalização do inquérito e o recebimento do respectivo relatório; (iii) não ter sido ouvido no processo de inquérito, se funda em factos determinados, de acordo com a lei, tal constitui um requisito fundamental e prévio à conversão do processo de inquérito em processo disciplinar; (iv) a falta de fundamentação da deliberação recorrida, na medida em que se limita a remeter para o relatório do inquérito.

- Notificado da acusação o Exmo. Juiz apresentou a defesa (fls. 1102 a 1498), tendo junto 223 documentos e arrolado 55 testemunhas: Dr. …(…).

- Posteriormente, o Recorrente/Arguido prescindiu da inquirição dos arrolados Dr. …(…).

- Em 16 de Julho de 2013 (fls. 1501) o Exmo. Inspector Judicial veio apresentar requerimento no qual pugnou cautelarmente, entender conveniente que o Conselho Superior da Magistratura se pronunciasse previamente sobre as duas primeiras questões suscitadas pelo Arguido de modo a evitar actividade posteriormente tida por inútil, tendo remetido os autos ao Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.

- Por despacho proferido em 22 de Julho de 2013 (fls. 1505-1506) foi decidido deverem os autos prosseguir os seus termos, sendo conhecidas e decididas a final as apontadas questões, tendo ainda sido determinada a oportuna remessa dos autos ao Exmo. Senhor Inspector Judicial.

- O Recorrente/Arguido reclamou desta decisão para o Plenário do CSM invocando que a decisão proferida quanto ao despacho do Exmo. Inspector Judicial deveria ser proferida pelo Plenário do CSM, pelo que tendo sido proferida por Juiz Vogal, foi-o por quem não dispunha de competência para tanto. Mais pugnou dever o Plenário decidir as duas questões invocadas na sua defesa.

- Por deliberação do Plenário do CSM de 8 de Outubro de 2013 (fls. 1514-1519) foi julgada improcedente a reclamação apresentada e relegado para final o conhecimento e decisão das questões apontadas, tal como decidido pelo despacho reclamado.

- Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2013 (fls. 1901-1928) foi julgado improcedente o recurso interposto pelo Recorrente/Arguido e, em consequência, confirmada a deliberação impugnada do Plenário do CSM datada de 7 de Maio de 2013.

- O requerimento probatório foi satisfeito e, para além da produção da prova oferecida pelo arguido, foram ainda ordenadas, ao abrigo do artigo 53.º n.º 9, do EDTFP e com base num juízo de necessidade acerca da realização de meios complementares de prova, outras diligências entendidas como indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade, perante o resultado da análise do sustentado em diversos aspectos da defesa, bem como da instrução que foi sendo desenvolvida.

- Assim, foram efectuadas as diligências indicadas nos sucessivos despachos de fls. 1520-1522 (19/11/2013), 1597 (21/11/2013), 1632 (28/11/2013), 1653 (04/12/2013), 1890-1891 (18/01/2014), 1941-1942 (25/01/2014), 2083-2087 (22/03/2014), 2187-2189 (31/03/2014), 2345-2347 (23/05/2014), 2365-2366 (04/06/2014), 2529 (09/06/2014), 2665-2667 (30/06/2014).

- Também foram recusadas, ao abrigo do nº 1 do mesmo artigo, a inquirição de testemunhas e uma outra diligência requerida pelo Arguido (fls. 2704-2705), por terem sido consideradas manifestamente impertinentes (por despachos de 18/06/2014 a fls. 2644 e v.º e de 10/07/2014 a fls. 2706 e v.º).

- O Recorrente/Arguido suscitou o incidente de falsidade de documento, tendo arrolado 3 testemunhas a fim de serem inquiridas no respectivo âmbito (fls. 2363-2364).

- Sobre este, incidiu o despacho do Exmo. Inspector Judicial datado de 04.06.2014 (fls. 2365-2366) determinando a prestação de esclarecimentos por parte de duas testemunhas, sendo que posteriormente, por despacho datado de 18 de Junho de 2014 (fls. 2644 e v.º) foi considerada completamente inconsistente a arguição de falsidade e a impertinência da diligência instrutória sugerida pelo arguido, a qual foi indeferida.

- Em 21 de Julho de 2014, o arguido apresentou reclamação deste despacho para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, invocando:

«O arguido notificado da junção aos autos de um documento que supostamente correspondia a um organigrama da … e provaria as funções que no ano de 2010 o ex-funcionário daquela organização, Sr. … ai desempenharia. No prazo concedido, veio o arguido aos autos alegar que esse documento não podia corresponder à verdade pois jamais seria possível esse ex-funcionário desempenhar funções de direcção sobre áreas de funcionamento da Associação … e sobre essas mesmas áreas reportar ao Conselho Directivo da Associação, quando, na ocasião as pessoas responsáveis por essas mesmas áreas tinham assento no referido Conselho Directivo.

Arrolou prova para o efeito.

Por despacho, que o arguido foi notificado, na pessoa do seu advogado, em 20 de Junho, foi o incidente indeferido, sendo a razão de ser do indeferimento, em suma, que esse organigrama seria do conhecimento do arguido, pois foi-lhe facultado na primeira reunião que teve naquela organização, em Janeiro de 2011, como Presidente do Conselho Directivo daquela associação.

Ou seja, o Exmo. Sr. Inspector, com fundamento no facto de, hipoteticamente, o arguido conhecer esse documento, partiu do princípio que o mesmo correspondia à realidade, indeferindo o requerido.

Ora, o que se pretendia demonstrar nos autos disciplinares - para além de se saber se o arguido teve ou não conhecimento daquele documento - é que o mesmo não corresponde à realidade vivida em 2010 e nos anos seguintes, sendo assim falso e sem qualquer valor.

Tal prova é fundamental para a defesa do arguido, pelo que o incidente haveria de ter sido aceite e processado de acordo com a tramitação própria, constituindo o seu indeferimento uma lesão grave dos direitos do arguido à sua defesa.

Assim e pelo exposto, o despacho do Exmo. Senhor Inspector, haverá de ser apreciado pelo Plenário desse Venerando Conselho e substituído por outro que aceite o incidente de falsidade e proceda à sua tramitação, ouvindo a prova testemunhal arrolada.

Espera Deferimento.»

- O relatório final previsto no artigo 122.º, do EMJ, datado de 19 de Julho de 2014, encontra-se junto a fls. 2714-2853 dos autos, tendo sido proposto pelo Exmo. Inspector Judicial que fosse:

a) considerada procedente a arguição da prescrição suscitada na defesa apenas quanto à ausência ilegítima do arguido no dias 19 a 22 de Setembro de 2011 e improcedente no demais;

b) descontado o vencimento do arguido respeitante às ausências ilegítimas do mesmo nos dias 19 a 22 de Setembro de 2011, 11 de Abril de 2012 (meio dia) e 18 Maio de 2012;

c) o arguido, Sr. Dr. R, sancionado com a pena de demissão.

- Em 2 de Dezembro de 2014, cfr fls 2896 e 2897 do Processo Disciplinar, o agora Recorrente suscitou a questão da extinção do procedimento criminal por prescrição do mesmo.

- Em 5 de Dezembro de 2014, fls 2902, foi proferido despacho pela Exª Sra Vogal Relatora, no qual se exarou seguir projecto de deliberação referente ao requerido pelo Recorrente.

- Na sessão de 9 de Dezembro de 2014 do Plenário do CSM foi deliberado adiar o julgamento dos autos para 16 de Dezembro de 2014, cfr fls 2905 do Processo Disciplinar apenso.

- Na sessão de 16 de Dezembro de 2014 do Plenário do CSM foi deliberado adiar o julgamento dos autos para 20 de Janeiro de 2015, cfr fls 2906 do Processo Disciplinar apenso.

- Na sessão de 20 de Janeiro de 2015 do Plenário do CSM foi deliberado adiar o julgamento dos autos para 3 de Fevereiro de 2015, cfr fls 2910 do Processo Disciplinar apenso.

- Na sessão de 3 de Fevereiro de 2015 do Plenário do CSM foi iniciada a discussão do projecto de deliberação referente ao Recorrente, tendo sido deliberado proceder a um estudo detalhado sobre as questões suscitadas a apresentar ao próximo Plenário, cfr fls 2921 do Processo Disciplinar apenso.

- Na sessão de 3 de Março de 2015 do Plenário do CSM foi deliberado adiar o julgamento dos autos para 10 de Março de 2015, cfr fls 2922 do Processo Disciplinar apenso.

- A deliberação recorrida, veio a ser produzida no dia 14 de Abril de 2015, e é do seguinte teor:

«Deliberam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura:

DELIBERAÇÃO

I. RELATÓRIO

Exmo. Sr. Dr. R, Juiz de Direito actualmente a exercer funções como auxiliar no Tribunal da Relação de… veio invocar a prescrição do procedimento disciplinar.

Para o efeito invoca que o processo disciplinar foi instaurado por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura datada de 7 de Maio, o que ocorreu por conversão dos autos de inquérito que tiveram o seu início em 28 de Novembro de 2012.

Assim, nos termos do disposto pelo artigo 6.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, prescrevendo o procedimento disciplinar decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final e não tendo ocorrido qualquer das causas de suspensão a que alude o n.º 7 do mesmo preceito legal, o procedimento encontra-se prescrito.

Com efeito, após a decisão de instauração do procedimento disciplinar, o arguido apenas suscitou uma questão sujeita a apreciação jurisdicional, tendo recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 7 de Maio de 2013, recurso que teve efeitos meramente devolutivos e que não impediu a marcha do processo disciplinar, tanto assim que foram praticados actos próprios do procedimento disciplinar no decurso do prazo em que esteve pendente o recurso. O incidente de suspeição do Exmo. Senhor Inspector Judicial foi arguido em fase de inquérito e não em fase de processo disciplinar e mereceu decisão final no mesmo dia em que foi deliberado pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura a instauração de processo disciplinar, ou seja, 7 de Maio de 2013, decisão final aceite pelo arguido e não impugnada em sede jurisdicional, não ocorrendo por isso qualquer suspensão da marcha do processo disciplinar.

Por outro lado, o arguido invoca ainda que no dia 21 de Julho de 2014 juntou aos autos requerimento que ainda não foi apreciado pelo Plenário do CSM.

II.DOS FACTOS COM RELEVO PARA A DECISÃO

1.     O Conselho Superior da Magistratura, em sessão plenária de 7 de Maio de 2013, deliberou converter em processo disciplinar o inquérito que fora instaurado ao Exmo. Sr. Dr. R, Juiz de Direito actualmente a exercer funções como auxiliar no Tribunal da Relação do Porto, face ao teor de uma exposição recebida neste Órgão aludindo a uma peça do jornal «Público» publicada no dia 16 de Setembro 2012. 

2.     Foi deduzida acusação contra o arguido em 11.06.2013, imputando-lhe a prática, grave e dolosa, de vinte e três infracções ao dever de prossecução do interesse público (previstas no art.º 3.º n.º 3, do EDTFP, aprovado pela Lei n.º 58/2008 de 9/9, por força do art.º 131.º do EMJ), especificamente o dever de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa – concretizadas essas infracções em violações ao art.º 7.º (uma), 13.º (duas), 9.º (três), 10.º (uma) e 28.º (uma) do EMJ e a deveres gerais as demais dezoito – também com muito grave quebra do prestígio exigível aos magistrados e da dignidade e do prestígio da função e revelando tais infracções falta de honestidade e ou conduta desonrosa, a que corresponde a pena de demissão, ao abrigo do art.º 95.º n.º 1 al. b) do citado EMJ (Vol. IV fls. 1041-1090).

3.     Em 12.03.2013, o arguido suscitara o incidente de suspeição do Exmo. inspector Judicial …. (fls. 1015-1019), pelo que ouvido este fls. 1025-1030), o incidente veio a ser indeferido também pela deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 07.05.2013 (fls. 1033-1035).

4.     O arguido interpôs recurso desta deliberação para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela nulidade da mesma e invocando para tanto em síntese: (i) dever ser considerado com a categoria profissional de Juiz de Direito, pelo que o órgão competente para o exercício do respectivo poder disciplinar seria o conselho permanente do Conselho Superior da Magistratura, e não o seu Plenário, ou, a ser considerado Juiz da Relação, o inquérito deveria, então, ter sido instruído por um Inspector Extraordinário, Juiz do Supremo Tribunal de Justiça, e não, como ocorreu, por um Inspector Judicial do corpo de inspectores; (ii) na definição do objecto do inquérito, que se funda em factos determinados, de acordo com a lei, era fundamental para o arguido ser ouvido, a toda a matéria do inquérito, não podendo tal acontecer apenas após a finalização do inquérito e o recebimento do respectivo relatório; (iii) não ter sido ouvido no processo de inquérito, se funda em factos determinados, de acordo com a lei, tal constitui um requisito fundamental e prévio à conversão do processo de inquérito em processo disciplinar; (iv) a falta de fundamentação da deliberação recorrida, na medida em que se limita a remeter para o relatório do inquérito.

5.     Notificado da acusação o Exmo. Juiz apresentou a defesa (fls. 1102 a 1498), tendo junto 223 documentos e arrolado 55 testemunhas: Dr……(….).

6.     Posteriormente, o arguido prescindiu da inquirição dos arrolados Dr….(…).

7.     Em 16.07.2013 (fls. 1501) o Exmo. Inspector Judicial veio apresentar requerimento no qual pugnou cautelarmente, entender conveniente que o Conselho Superior da Magistratura se pronunciasse previamente sobre as duas primeiras questões suscitadas pelo arguido de modo a evitar actividade posteriormente tida por inútil, tendo remetido os autos ao Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.

8.     Por despacho proferido em 22.07.2013 (fls. 1505-1506) foi decidido deverem os autos prosseguir os seus termos, sendo conhecidas e decididas a final as apontadas questões, tendo ainda sido determinada a oportuna remessa dos autos ao Exmo. Senhor Inspector Judicial.

9.     O arguido reclamou desta decisão para o Plenário do CSM invocando que a decisão proferida quanto ao despacho do Exmo. Inspector Judicial deveria ser proferida pelo Plenário do CSM, pelo que tendo sido proferida por Juiz Vogal, foi-o por quem não dispunha de competência para tanto. Mais pugnou dever o Plenário decidir as duas questões invocadas na sua defesa.

10.   Por deliberação do Plenário do CSM de 08.10.2013 (fls. 1514-1519) foi julgada improcedente a reclamação apresentada e relegado para final o conhecimento e decisão das questões apontadas, tal como decidido pelo despacho reclamado.

11.   Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2013 (fls. 1901-1928) foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirmada a deliberação impugnada do Plenário do CSM datada de 07.05.2013.

12.   O requerimento probatório foi satisfeito e, para além da produção da prova oferecida pelo arguido, foram ainda ordenadas, ao abrigo do artigo 53.º n.º 9, do EDTFP e com base num juízo de necessidade acerca da realização de meios complementares de prova, outras diligências entendidas como indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade, perante o resultado da análise do sustentado em diversos aspectos da defesa, bem como da instrução que foi sendo desenvolvida.

13.   Assim, foram efectuadas as diligências indicadas nos sucessivos despachos de fls. 1520-1522 (19/11/2013), 1597 (21/11/2013), 1632 (28/11/2013), 1653 (04/12/2013), 1890-1891 (18/01/2014), 1941-1942 (25/01/2014), 2083-2087 (22/03/2014), 2187-2189 (31/03/2014), 2345-2347 (23/05/2014), 2365-2366 (04/06/2014) e 2529 (09/06/2014), 2665-2667 (30/06/2014). Também foram recusadas, ao abrigo do nº 1 do mesmo artigo, a inquirição de testemunhas e uma outra diligência requerida pelo arguido (fls. 2704-2705), por terem sido consideradas manifestamente impertinentes (por despachos de 18/06/2014 a fls. 2644 e v.º e de 10/07/2014 a fls. 2706 e v.º).

14.   O arguido suscitou o incidente de falsidade de documento, tendo arrolado 3 testemunhas a fim de serem inquiridas no respectivo âmbito (fls. 2363-2364).

15.   Sobre este, incidiu o despacho do Exmo. Inspector Judicial datado de 04.06.2014 (fls. 2365-2366) determinando a prestação de esclarecimentos por parte de duas testemunhas, sendo que posteriormente, por despacho datado de 18.06.2014 (fls. 2644 e v.º) foi considerada completamente inconsistente a arguição de falsidade e a impertinência da diligência instrutória sugerida pelo arguido, a qual foi indeferida.

16.   Em 21.07.2014, o arguido apresentou reclamação deste despacho para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, invocando:

«O arguido notificado da junção aos autos de um documento que supostamente correspondia a um organigrama da Associação … e provaria as funções que no ano de 2010 o ex-funcionário daquela organização, Sr…. aí desempenharia. No prazo concedido, veio o arguido aos autos alegar que esse documento não podia corresponder à verdade pois jamais seria possível esse ex-funcionário desempenhar funções de direcção sobre áreas de funcionamento da Associação… e sobre essas mesmas áreas reportar ao Conselho Directivo da Associação, quando, na ocasião as pessoas responsáveis por essas mesmas áreas tinham assento no referido Conselho Directivo.

Arrolou prova para o efeito.

Por despacho, que o arguido foi notificado, na pessoa do seu advogado, em 20 de Junho, foi o incidente indeferido, sendo a razão de ser do indeferimento, em suma, que esse organigrama seria do conhecimento do arguido, pois foi-lhe facultado na primeira reunião que teve naquela organização, em Janeiro de 2011, como Presidente do Conselho Directivo daquela associação.

Ou seja, o Exmo. Sr. Inspector, com fundamento no facto de, hipoteticamente, o arguido conhecer esse documento, partiu do princípio que o mesmo correspondia à realidade, indeferindo o requerido.

Ora, o que se pretendia demonstrar nos autos disciplinares - para além de se saber se o arguido teve ou não conhecimento daquele documento - é que o mesmo não corresponde à realidade vivida em 2010 e nos anos seguintes, sendo assim falso e sem qualquer valor.

Tal prova é fundamental para a defesa do arguido, pelo que o incidente haveria de ter sido aceite e processado de acordo com a tramitação própria, constituindo o seu indeferimento uma lesão grave dos direitos do arguido à sua defesa.

Assim e pelo exposto, o despacho do Exmo. Senhor Inspector, haverá de ser apreciado pelo Plenário desse Venerando Conselho e substituído por outro que aceite o incidente de falsidade e proceda à sua tramitação, ouvindo a prova testemunhal arrolada.

Espera Deferimento.»

16. O relatório final previsto no artigo 122.º, do EMJ, datado de 19.07.2014, encontra-se junto a fls. 2714-2853 dos autos, tendo sido proposto pelo Exmo. Inspector Judicial que seja:

a) considerada procedente a arguição da prescrição suscitada na defesa apenas quanto à ausência ilegítima do arguido no dias 19 a 22 de Setembro de 2011 e improcedente no demais;

b) descontado o vencimento do arguido respeitante às ausências ilegítimas do mesmo nos dias 19 a 22 de Setembro de 2011, 11 de Abril de 2012 (meio dia) e 18 Maio de 2012;

c) o arguido, Sr. Dr. R, sancionado com a pena de demissão.

* III. ENQUADRAMENTO JURÍDICO Flui do disposto pelo artigo 6.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP) que o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

        Por seu turno, o n.º 7 do mesmo preceito legal ressalva que a prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

Ora, no caso concreto, em 19.06.2013, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 07.05.2013, nos moldes que supra ficaram expressamente consignados.

Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2013 (fls. 1901-1928) foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirmada a deliberação impugnada do Plenário do CSM datada de 07.05.2013.

Assim sendo, desde 19.06.2013 até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, verificou-se a suspensão a que alude o n.º 7, do artigo 6.º, do EDTEFP, pelo que não se encontra decorrido o prazo da prescrição do procedimento disciplinar.

O arguido suscitou o incidente de falsidade de documento, tendo arrolado 3 testemunhas a fim de serem inquiridas no respectivo âmbito (fls. 2363-2364).

Sobre este, incidiu o despacho do Exmo. Inspector Judicial datado de 04.06.2014 (fls. 2365-2366) determinando a prestação de esclarecimentos por parte de duas testemunhas, sendo que posteriormente, por despacho datado de 18.06.2014 (fls. 2644 e v.º) foi considerada completamente inconsistente a arguição de falsidade e a impertinência da diligência instrutória sugerida pelo arguido, a qual foi indeferida.

Em 21.07.2014, o arguido apresentou reclamação deste despacho para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura.

Esta reclamação, por se prender com a produção da prova, será apreciada e decidida como questão prévia na deliberação de fundo, por assim assumir sentido lógico. IV. DECISÃO

Por tudo o que ficou exposto e ponderado, os membros que constituem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberam considerar improcedente a excepção de prescrição invocada pelo arguido Juiz de Direito Dr. R, com fundamento no disposto pelo artigo 6.º, n.º 6 e 7, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, sendo que quanto à reclamação apresentada pelo arguido em 21.07. 2014, a mesma será apreciada e decidida como questão prévia na deliberação de fundo.(…)»

- Nesse mesmo Plenário, seguidamente, foi produzida a seguinte deliberação de fundo no âmbito do mesmo processo disciplinar instaurado contra o Recorrente:

«(…)

III. ENQUADRAMENTO JURÍDICO E FÁCTICO

Uma vez analisadas as questões prévias que se impunham, conforme supra exarado, encontram-se por decidir as seguintes questões:

III.I. Da prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar;

III.II. Das infracções cuja prática é imputada ao arguido;

III.III. Da impossibilidade legal de sujeitar o arguido a processo disciplinar pela prática de factos da sua vida privada em momento em que estava de licença sem vencimento de longa duração e da inconstitucionalidade do artigo 82.º, do EMJ;

III.IV. Da pena disciplinar

III.I. Da prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar

O arguido invocou a prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar relativamente a parte dos factos, por entender que foi exercido depois de decorrido o prazo de um ano contado da data dos mesmos, e após descontada a respectiva suspensão (seis meses) subsequente à instauração do inquérito que o precedeu. Assim, sustentou que, não se mostrando tipificado qualquer comportamento com relevância criminal, as infracções instantâneas anteriores a 07.11.2011 devem ser consideradas prescritas, porquanto a decisão de instaurar inquérito foi tomada no dia 16.10.2012 e a de conversão do inquérito em procedimento disciplinar em 07.05.2013.

Em primeiro lugar, será necessário delinear com precisão quais os factos e infracções cuja prática é imputada ao arguido no Relatório Final para que, num segundo passo, se possa então analisar e concluir que tipo de infracções se tratam quanto ao modo da sua execução e, por fim, concluir se o direito de instaurar o correspondente procedimento disciplinar se encontra ou não prescrito.

Para tanto seguir-se-á a linha constante do Relatório Final.

Tendo presente as disposições conjugadas dos artigos 82.º, 8.º e seguintes e 131.º, todos do EMJ, do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008 de 9/9 (EDTFP) e dos artigos 20.º e 202.º, da Constituição da República Portuguesa, no Relatório Final é assumido o seguinte pressuposto «No caso em apreço, perante o que está em causa nestes autos e importará averiguar é se o Sr. Juiz arguido, o Dr. R, incorreu em conduta susceptível de configurar a violação de qualquer um dos mencionados deveres, a qual, perante o objecto determinado pelo Órgão competente, só pode consistir na violação do dever de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa, embora concretizada na violação, quer de vários deveres estatutários e deontológicos, quer de deveres gerais.»

Quanto a estes deveres, é expressamente considerado encontrarem-se em causa os seguintes deveres de:

«a)- [Não] desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica não remuneradas, cujo exercício de funções carece de autorização do CSM e não pode envolver prejuízo para o serviço (art. 13º);

b)- [Não] se ausentar da circunscrição judicial, excepto no período autorizado de férias e, quando em exercício de funções, em virtude de licença, dispensa e em sábados, domingos e feriados (art. 9º) e [não] se ausentar da circunscrição judicial, excepto quando ocorra motivo ponderoso, por número de dias que não exceda três em cada mês e dez em cada ano, comunicando previamente o facto CSM ou, não sendo possível, imediatamente após o seu regresso, não sendo contadas como faltas as ausências em dias úteis fora das horas de funcionamento normal da secretaria, quando não impliquem falta a qualquer acto de serviço ou perturbação deste, caso de ausência nos termos dos números anteriores, devendo os magistrados informar o local em que podem ser encontrados e implicando a ausência ilegítima, além de responsabilidade disciplinar, a perda de vencimento durante o período em que se tenha verificado (art. 10º).»

E é concluído que «a descrita conduta do arguido, acima detalhadamente enunciada, deverá considerar-se idónea a preencher várias infracções a tais deveres estatutários.»

Quanto aos factos em causa: Apurou-se nos autos que o arguido esteve em gozo de licença sem vencimento de longa duração, a partir de 09.04.2008 até 09.05.2011 (facto assente no ponto 2).

1.A partir de 09.05.2011, o Sr. Juiz arguido:

1.1.Manteve cumulativamente com as funções de juiz a presidência da direcção da A… e, sobretudo, a muito intensa actuação de gestão da associação «X», com um vasto património e meios avultados, de que também foi presidente, cumprindo as muitas e «diversas funções executivas», actuação que persistiu a partir de Janeiro de 2012.

«O arguido não deu conhecimento ao CSM do exercício dos cargos em questão, a não ser depois de ter conhecimento do desenvolvimento da acima referida investigação do jornalista e depois de este ter procurado saber, através do Dr…., se ele tinha informado tal Órgão das suas actividades ao serviço das «X». Como tal, o arguido também não obteve autorização do CSM para o efeito.»

Conforme se apurou, o arguido é presidente da direcção da Associação …. desde o ano de 2004 e foi presidente da direcção da X, entre Janeiro de 2011 e 06.01.2014, sendo que a comunicação ao CSM quanto ao desempenho de tais cargos directivos ocorreu em 12.07.2012 (tudo conforme assente no ponto 5.º).

(…)

Flui do disposto pelo artigo 6.º, n.º 1, do EDTFP «o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida»,

Do n.º 3 do mesmo preceito legal resulta que «quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal, aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal.»

E o n.º 4 prescreve que «suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções porque seja responsável.»

Para aferir da prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar haverá efectivamente que determinar se a infracção assume natureza de execução instantânea ou de execução permanente ou continuada (sobre a distinção entre as três naturezas de execução vd. María Jesús Gallardo Castillo, in Los principios de la porestad sancionadora Teoría y práctica, iustel, 1ª Ed. 2008, pág. 237 a 247).

Quanto às infracções de execução continuada ou permanente, não ocorre a prescrição autónoma de cada uma das condutas (ou omissões) integradas na continuação ou na permanência, respectivamente, dado que, não configuram situações de pluralidade ou de concurso de infracções disciplinares, ou seja, de diversas infracções totalmente autónomas, mas de unidade jurídica. Por conseguinte, têm de ser tratadas como unidade jurídica em todos os seus aspectos, incluindo o da prescrição.

Em ambos os casos, existindo uma unidade de acção típica, não deverão ser imputadas ao arguido várias infracções instantâneas, pois encontram-se sob um mesmo comando unitário. Nesta medida, o aludido prazo de prescrição do direito de intentar procedimento disciplinar apenas se inicia desde o dia em que a infracção se tiver consumado, ou seja, nas infracções permanentes, desde o dia em que cessar a consumação ( ) e, nas de execução continuada, desde o dia da prática do último acto ( ).

Veja-se a jurisprudência citada no Relatório Final que aqui se realça ( ).

Tendo sido instaurado processo de inquérito que correu termos pelos serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, no qual o ora arguido foi também constituído arguido, estando em causa parte dos factos em causa nestes autos (que seriam susceptíveis de consubstanciar a autoria material de crimes de falsificação de documento, de abuso de confiança e de abuso de confiança contra a Segurança Social), opera no caso a suspensão do prazo por um período até seis meses (cfr. o citado artigo 6.º, n.º 4).

Vejamos então:

1.As actuações concretizadas pelo arguido depois de ter reassumido o exercício das funções de juiz quanto à gestão ao serviço da X às 14 sociedades anónimas e à «S».

É imputada ao arguido a prática continuada de actos de gestão de natureza profissional ao serviço das «Aldeias SOS», infracção que se concretiza na prática de um conjunto sucessivo de factos, com início em Janeiro de 2011 e termo em 06.01.2014 (data até à qual o arguido exerceu a Presidência do Conselho Directivo da Associação).

Ora, resulta claro que a infracção imputada se prolongou ao longo de determinado lapso temporal, cujo termo ocorreu em 06.01.2014.

É também imputado ao arguido o facto de ter permitido que se mantivessem inscritas no Registo Comercial as suas qualidades de administrador das 14 sociedades anónimas e de gerente da «S» e de ter viabilizado o regular funcionamento desta (até 29/6/2012) com a sua prática dos inerentes actos de gerência.

Estão em causa infracções permanentes, por terem consistido na manutenção do estado antijurídico criado pela acção ilícita e dependente da vontade do arguido, cuja permanência foi realizando ininterruptamente a infracção.

No que concerne à primeira situação, tendo o processo disciplinar sido instaurado em 07.05.2013, este facto ocorreu em data anterior ao termo da conduta do arguido. Não se verifica a prescrição.

 Relativamente à segunda situação, contando com o período de seis meses de suspensão do prazo prescricional, o que implica que relativamente aos factos ocorridos antes de 07.11.2011 se verifique a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar, estando perante infracções cuja eficácia se prolongo por determinado lapso temporal, situado para cá daquela data, também quanto às mesmas não se conclui pela prescrição do direito em causa.

2. As ausências ao serviço não justificadas: 19 e 22 de Setembro de 2011; 18 e 20 de Maio de 2012 e 11.04.2012.

Estas infracções são instantâneas, isto é, têm consumação imediata na data da prática de cada um dos factos, não se prolongando no tempo.

Assim, apenas relativamente às ocorridas nos dias 19 e 22 de Setembro se verifica a prescrição do direito, na estrita vertente da ausência ao serviço e não também na vertente na da obtenção indevida da respectiva justificação.

Tal não afasta a inerente consequência da perda de vencimento, verificado que se encontra o facto, cfr. artigo 10.º, n.º 5, do EMJ.

3. Quanto às seis referidas falsificações e aos três actos de descrita humilhação, indelicadeza, agressividade e ameaça ocorridos nas reuniões da AG da X nos dias 11.11.2011 e 28.04.2012 e próximo desta data, tratam-se também de infracções de execução instantânea. Relativamente às falsificações, não se verifica a invocada prescrição, porque todos esses factos, em abstracto, são susceptíveis de consubstanciar a prática de ilícitos penais, para os quais está previsto o prazo de prescrição estabelecido pela Lei Penal, nos termos do art. 6º nº 3 do EDTFP, o que constitui o único requisito para o alargamento do prazo de prescrição da infracção disciplinar, não dependendo do efectivo exercício da acção penal ( ). Nos termos do disposto pelo art.º 118.º do Código Penal, o prazo de prescrição do direito será de 5 anos.

Não está verificada a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.

Por fim, quanto aos três comportamentos cuja prática é imputada ao arguido, atenta a data da respectiva prática (todos após 07.11.2011), torna-se forçoso concluir não ter ocorrido a prescrição.

III.II. Das infracções cuja prática é imputada ao arguido

Incumbe ao Conselho Superior da Magistratura, enquanto órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial (cfr. artigo 136.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais), o exercício da acção disciplinar sobre os juízes, nos termos do artigo 217.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 82.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais dispõe que «constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais, com violação dos deveres profissionais, e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».

A infracção disciplinar traduz-se no desrespeito de um dever geral ou especial decorrente da função exercida e a doutrina e a jurisprudência consideram unanimemente que pode normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica.   

É disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de actuação.

Também podem constituir motivo de acção disciplinar os factos que estão conexionados com a vida pública do magistrado e os que colidam com a imagem de dignidade associada à magistratura.

Assim, face ao disposto pelo artigo 82.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, constituem elementos essenciais da infracção disciplinar:

 I – uma conduta activa ou omissiva do agente – ou seja, o facto;

 II – conduta essa com carácter ilícito – a ilicitude do facto;

III – censurabilidade da conduta, a título de dolo ou mera culpa – ou seja, o nexo de imputação.

Os magistrados judiciais estão vinculados a determinados deveres profissionais discriminados no Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo estes o:

a) dever de administração de justiça – artigo 3.º;

b) dever de abstenção do exercício de actividades político-partidárias, de carácter público e de não ocupação de cargos políticos – artigo 11.º;

c) dever de reserva – artigo 12.º;

d) dever de dedicação exclusiva – artigo 13.º;

e) dever de assiduidade – artigo 10.º;

f) dever de domicílio – artigo 8.º;

g) dever de abstenção de exercício de funções em Tribunal ou Juízo onde servem familiares próximos, assim como em Tribunais em que tenham exercido no último triénio funções de Ministério Público ou tenham tido escritório de advogado na área do respectivo Círculo Judicial – artigo 7.º.

Também em virtude da remissão constante do art.º 131.º, do EMJ se aplica aos magistrados judiciais os deveres profissionais elencados no art.º 3.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (EDTFP).

Segundo este preceito legal, constitui infracção disciplinar «o comportamento do trabalhador, por acção ou por omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes á função que exerce.»

Entre estes deveres encontra-se o dever de prossecução do interesse público, o qual consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, cfr. art.º 3.º, n.º 3, do EDTFP.

Neste dever se inclui o dever de criar no público a confiança em que a justiça repousa.

Nestes termos, no foro disciplinar, a lei não exige a discriminação dos comportamentos relevantes da vida pública ou dos aspectos nos quais se concretiza a imagem de dignidade da magistratura, mas considera suficiente a existência de critérios de decisão para a aplicação da sanção.

Atenta a sua natureza e finalidade próprias, o direito disciplinar admite a existência de vários deveres inominados e atípicos que têm por finalidade permitir ao órgão da Administração com competência para o efeito, atingir os fins para que foi criado. Por isso, a fixação de tipos legais concretos, poderia ter por consequência o risco de deixar «de fora muitas condutas disciplinarmente relevantes, que ficariam impunes, com o sacrifício da igualdade e da justiça» . A enumeração não é taxativa e o bem jurídico respeita a todos os actos ou omissões incompatíveis com a dignidade do exercício da função de Julgar. Em síntese, para fins disciplinares, os deveres são todos aqueles imperativos comportamentais e funcionais que visam assegurar o bom e regular funcionamento dos serviços, sendo gerais, os que normalmente se impõem a todo o servidor público e especiais, aqueles cuja observância decorre das particularidades específicas de cada serviço .

O dever especial de administrar justiça coexiste com as vinculações gerais de lealdade (dever de desempenhar as funções em total subordinação aos objectivos do serviço, na perspectiva e prossecução do interesse público), de correcção (impondo o exercício funcional com respeito pelos utentes, pelos colegas e pelos superiores hierárquicos), de colaboração (inerente ao dever geral de «actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração», que integra a obrigação de adoptar um comportamento funcional coadjuvante e cooperante com os outros servidores públicos, em vista à consecução dos interesses da função), de zelo (obrigação de conhecer as normas legais e aplicá-las de modo correcto e eficiente) e de pontualidade (que na expressão da lei, obriga a comparecer “dentro das horas que lhe forem designadas”).

Constituem elementos essenciais da infracção disciplinar: a verificação de uma conduta activa ou omissiva do agente (facto); conduta essa violadora de deveres do agente ou incompatível com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções (ilicitude); a imputabilidade, censurável, dessa conduta ao agente a título de dolo ou mera culpa (nexo de imputação).

No caso concreto, haverá que indagar se o arguido levou a cabo condutas susceptíveis de configurar violação de qualquer dever a que se encontre adstrito, o qual, delimitado pelo relatório final, se consubstancia: no dever de prossecução do interesse público, na vertente do dever de actuar no sentido de criar a confiança emque a justiça repousa, embora concretiza na violação de vários deveres estatutários e deontológicos e de deveres gerais.

Vejamos então se as condutas imputadas ao arguido por confronto com o que se considerou provado nos autos, é ou não susceptível de integrar a prática das infracções já elencadas.

1. Duas violações ao art.º 13.º, do EMJ consubstanciadas: (i) na prática de actos de direcção da Associação …. e, sobretudo, da Associação X, esta com gestão profissional e remunerada em espécie; (ii) na omissão da cessação do registo relativo às sociedades comerciais identificadas, numa das quais o arguido continuou a praticar actos de gerência até 29.06.2012, enquanto já tinha reiniciado a sua actividade como juiz

Estabelece o art.º 13.º, n.º 1, do EMJ que «os magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrarem na situação de licença sem vencimento de longa duração, não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial.»

(i) Entendeu-se no relatório final que o arguido, pelo facto de exercer as funções de juiz, não poderia exercer as funções de presidente da direcção quer da Associação… quer da Associação X, dado que, sobretudo quanto a esta, pelas diversas funções executivas, respectivas características e âmbito e pela intensidade, reiteração e constância que a revestiram se traduziu na prática continuada de actos de gestão dos recursos da associação, de natureza profissional, que, para mais, envolveu prejuízo para o serviço público da justiça nas situações que aí se enunciam.

Estas situações prendem-se designadamente com a celebração e resolução de contratos, incluindo de trabalho, com a afirmação que o arguido materializou e em vários contextos expressou, da sua necessidade de se fazer rodear de colaboradores da sua confiança pessoal, ou levando á concretização tais negócios com base em recomendações pessoais ou preterindo-se a pluralidade de candidatos, nalguns casos, mesmo sem a deliberação do órgão colegial.

Pela intensidade, dado que também foi entendido que este exercício, no primeiro caso é e no segundo caso foi efectuado com cunho profissional.

Acresce ter também sido pugnado tudo indicar que o exercício deste último cargo foi remunerado em espécie, mediante a utilização de veículo automóvel da Associação, combustível, utilização de Via Verde em portagens e parqueamento, tudo pago por esta, incluindo nas suas necessidades pessoais estranhas à Associação.

Importa ter presente a seguinte factualidade demonstrada:

(…)

Pelo exposto, conclui-se não ter sido praticado pelo arguido qualquer acto ou omissão que consubstancie a violação do disposto pelo art.º 13.º, do EMJ.

2.Duas violações aos artigos 9.º e 10.º, do EMJ consubstanciadas nas seguintes faltas ao serviço: 18 e 20 de Maio de 2012 e 11.04.2012 [relativamente à outra violação da mesma natureza, cuja prática se encontrava imputada ao arguido, conforme se constatou, o direito de instaurar o respectivo procedimento disciplinar encontra-se prescrito, cfr. art.º 6.º, n.º 1, do EDTFP].

Quanto à ausência, resulta do disposto pelo art.º 9.º, n.º 1, do EMJ que «os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição judicial no período autorizado de férias e, quando em exercício de funções, em virtude de licença, dispensa e em sábados, domingos e feriados.»

No que concerne às faltas, flui do disposto pelo artigo 10.º, n.º 1, do EMJ que «quando ocorra motivo ponderoso, os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição respectiva por número de dias que não exceda três em cada mês e dez em cada ano, comunicando previamente o facto ao Conselho Superior da Magistratura ou, não sendo possível, imediatamente após o seu regresso.»

E o n.º 4 do mesmo preceito legal impõe que «em caso de ausência, nos termos dos números anteriores, os magistrados judiciais devem informar o local em que podem ser encontrados.»

Por fim, comina o n.º 5 que «a ausência ilegítima implica, além de responsabilidade disciplinar, a perde de vencimento durante o período em que se tenha verificado.»

Com relevo provou-se que:

(…)

Assim, as faltas têm de se considerar injustificadas o que constitui infracção disciplinar, por violação do disposto pelos artigos 9.º e 10.º, do EMJ, tendo o arguido objectivamente incorrido nas infracções que lhe são imputadas no relatório final.

No que respeita ao elemento subjectivo da infracção é necessária a verificação de um nexo psicológico entre o agente e o facto, de molde a que este lhe possa ser eticamente censurado por ter agido do modo que lhe é imputado, e não em conformidade ao direito.

Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

a)      representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou

b)      não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto;   

O preceito incriminador negligente constitui um verdadeiro tipo aberto, necessitando de ser completado pelo aplicador, através da concretização de critérios de imputação retirados da essência da ilicitude material .

        Conforme ensina Figueiredo Dias, o tipo de ilícito do facto negligente considera-se preenchido por um comportamento sempre que o agente se distancia daquele que era objectivamente devido. De acordo com o autor, para além disso, «torna-se indispensável que tenha ocorrido a violação, por parte do agente, de um dever objectivo de cuidado que sobre ele impende e que conduziu à produção do resultado típico; e, consequentemente, que o resultado fosse previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o “homem médio” pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente.

Somente quando o tipo de ilícito negligente se encontra preenchido pela conduta tem então sentido indagar ainda se o mandato geral de cuidado e previsão podia também ter sido cumprido pelo agente concreto, de acordo com as suas capacidades “individuais”, isto é, rigorosamente, da inteligência, da formação e da experiência de vida dos homens como o agente agindo na circunstância» possa ser eticamente censurado por ter agido do modo que lhe é imputado, e não em conformidade ao direito.

Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

a)      representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou

b)      não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto;   

O preceito incriminador negligente constitui um verdadeiro tipo aberto, necessitando de ser completado pelo aplicador, através da concretização de critérios de imputação retirados da essência da ilicitude material.

Conforme ensina Figueiredo Dias, o tipo de ilícito do facto negligente considera-se preenchido por um comportamento sempre que o agente se distancia daquele que era objectivamente devido. De acordo com o autor, para além disso, «torna-se indispensável que tenha ocorrido a violação, por parte do agente, de um dever objectivo de cuidado que sobre ele impende e que conduziu à produção do resultado típico; e, consequentemente, que o resultado fosse previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o “homem médio” pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente.

Somente quando o tipo de ilícito negligente se encontra preenchido pela conduta tem então sentido indagar ainda se o mandato geral de cuidado e previsão podia também ter sido cumprido pelo agente concreto, de acordo com as suas capacidades “individuais”, isto é, rigorosamente, da inteligência, da formação e da experiência de vida dos homens como o agente agindo na circunstância».Ao proceder de tal modo, o arguido tinha a intenção de reter em prol da associação a cuja direcção presidia a importância de (cerca de) € 30.000 do referido montante global. Todavia, o arguido não obtivera de qualquer responsável da CM… autorização para reter tal importância e sabia que, mediante os contratos que tinha celebrado por escrito com a CM…, em representação de tal associação, os financiamentos a receber por esta para a criação e instalação de um museu dependiam do cumprimento pela sua representada da obrigação de apresentar à CM… documentação comprovativa das despesas efectuadas com a execução das obras. E daí que, na sequência da notícia publicada pelo «Público», sob o título «Câmara de … pagou subsídios mediante facturas falsas apresentadas por juiz», o arguido tenha subscrito um cheque para ser devolvida a quantia de € 30.123,97.»

No enquadramento assente nos pontos 16.º a 25.º, provou-se que:

(…)

Por todo o exposto, não se verifica a falsificação imputada ao arguido.

(…)

Pelo que fica exposto, entende-se inexistir falsificação da acta da reunião do CD de 13.01.2011 que postule a violação de qualquer dever deontológico que impendesse sobre o arguido enquanto juiz.

(…)

Pelo que fica exposto, entende-se inexistir falsificação da acta da reunião do CD de 12.04.2011 que postule a violação de qualquer dever deontológico que impendesse sobre o arguido enquanto juiz.

(…)

Ora, se tal para efeitos do disposto pelo artigo 10.º, do EMJ configura efectivamente uma omissão com relevo disciplinar, na medida em que, a falta não foi comunicada nos seus devidos termos, isto é, só parcialmente foi comunicada, já não se poderá dizer que existiu uma falsificação do documento.

(…)

Tendo sido realizada a reunião no dia 15.09.2011, e existindo um mero lapso de escrita na indicação da sua hora, não estamos perante uma falsificação, à semelhança do que foi concluído no despacho de arquivamento do Ministério Público no âmbito do inquérito identificado.

(…)

Assim sendo, não se verifica a imputada falsificação.

(…)

Não se podendo concluir como no relatório final, entende-se não ter havido por parte do arguido as actuações nos moldes que lhe são imputados tendo por base uma «percepção concentrada na sua pessoa da execução de tais actos e denotando que não gosta de ser questionado, sendo, portanto, avesso ao confronto de ideias, desenvolveu no âmbito desta associação uma actuação em que, por vezes, agiu com agressividade e desrespeito dos direitos dos seus co-cidadãos» tendo assim agido em «abuso ou desvio dos fins inerentes ao cargo em que fora investido» Por outro lado, como se disse, a imagem que algumas pessoas têm do arguido não pode constituir por si só a sua imagem que aqui se dê por adquirida, cabendo depurá-la, de molde a que não se logra concluir que o arguido «é um cidadão prepotente e desrespeitador dos direitos de outras pessoas, que não gosta de ser questionado ou confrontado»

Em conclusão, não estão verificadas as três infracções cuja prática é imputada ao arguido no relatório final.

III.III. Da impossibilidade legal de sujeitar o arguido a processo disciplinar pela prática de factos da sua vida privada em momento em que estava de licença sem vencimento de longa duração e da inconstitucionalidade do artigo 82.º, do EMJ

Tendo em conta que existem factos cuja prática se inscreve: (i) no período em que o arguido se encontrava em gozo de licença sem vencimento de longa duração; (ii) iniciados neste período mas continuados em tempo em que o arguido reiniciara as suas funções como juiz; (iii) exclusivamente ao tempo em que o arguido reiniciara as suas funções como juiz, a excepção invocada pelo arguido ficou por analisar subsequentemente à análise das infracções que lhe são imputadas no Relatório Final e, caso se verifique a respectiva necessidade.

Ora, conforme se concluiu as únicas infracções cuja prática se logra assacar ao arguido tendo por base a factualidade apurada foram praticadas quando o mesmo já tinha reiniciado as suas funções como juiz, isto é, após 09.05.2011.

Pelo exposto, não tem qualquer utilidade conhecer e decidir da excepção invocada, já que a mesma careceria de suporte e não visaria qualquer fim útil nos autos.

III.IV. Da pena disciplinar

A escala das penas encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 85.º, do EMJ, encontrando-se assim os magistrados judiciais sujeitos às seguintes penas: a) advertência; b) multa; c) transferência; d) suspensão do exercício; e) inactividade; f) aposentação compulsiva e g) demissão. A escala é assim crescente por ordem de gravidade, sendo a pena mais leve a da advertência, a qual pode ser não registada (cfr. n.º 2 e 4 do mesmo preceito legal).

De acordo com o disposto pelo artigo 95.º, n.º 1, do EMJ, as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado: a) revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função; b) revele falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa; c) revele inaptidão profissional; d) tenha sido condenado por crime praticado em flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes.

O princípio da proporcionalidade exige que, no exercício dos poderes discricionários, a Administração não se baste em prosseguir o fim legal justificador da concessão de tais poderes: ela deverá prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, de entre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas menos gravosas, que impliquem menos sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados.

Salienta ainda o referenciado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2002 que «o princípio da proporcionalidade desdobra-se nos subprincípios da conformidade ou adequação (que impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim público subjacente), da exigibilidade ou necessidade (que impõe que, entre os meios abstractamente idóneos à consecução do objectivo pré-fixado, se escolha aquele cuja adopção implique as consequências menos negativas para os privados) e da justa medida ou proporcionalidade (que impede a adopção de medidas excessivas ou desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)». A jurisprudência administrativa deste órgão de gestão, reforçada pelas decisões da secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, aponta que, no âmbito da responsabilidade disciplinar dos magistrados, os interesses essencialmente protegidos reconduzem-se, a final, a duas grandes áreas de influência, por um lado, o bom funcionamento dos serviços, e noutro prisma, a imagem de seriedade, serenidade, credibilidade e dignidade dos juízes e da instituição judiciária.

Por outro lado, conforme elucida Luís Vasconcelos Abreu, in ob. cit. pág. 43 «A finalidade característica das medidas disciplinares é, pois, a prevenção especial ou correcção, motivando o agente administrativo que praticou uma infracção disciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas.».

No caso vertente, tendo em conta que apenas se verificaram a prática de duas infracções ao disposto pelos artigos 9.º e 10.º, ambos do EMJ, as quais foram praticadas com negligências, não colhe aplicação a pena proposta no relatório final.

A pena de advertência é aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo, cfr. art.º 91.º, do EMJ. De acordo com o disposto pelo artigo 86.º, do EMJ, «esta pena consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível.».

Estipula o artigo 92.º, do EMJ que «a pena de multa é aplicável aos casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo.».

Tendo em conta a antiguidade do arguido no exercício de funções como juiz, o seu percurso profissional e a inexistência de antecedentes disciplinares, entende-se que prosseguirá o caso a finalidade primordiais das medidas disciplinares de prevenção especial ou correcção, a aplicação da pena de advertência.

Na determinação da medida da pena atende-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele (artigo 96.º, do EMJ).

Por fim, resulta do disposto pelo art.º 99.º, n.º 1, do EMJ o que se deva entender por concurso de infracções, o qual, uma vez verificado, determina a aplicação de uma única pena, agravada em função do concurso, se for variável (cfr. n.º 2 do mesmo preceito legal).

Conforme refere Luís Vasconcelos Abreu, ob. cit. p. 44-46) «será sempre aplicada uma única pena medida disciplinar (art. 14.º ED), a qual não é fruto de um qualquer cúmulo jurídico, antes resultado de um juízo global de comportamento do agente administrativo, que é como quem diz da unidade da infracção disciplinar (…).

Baseado em factos concretos, o juízo disciplinar reporta-se à globalidade do comportamento do agente administrativo. Por isso, diversos factos, em sentido naturalístico, praticados em momentos diferentes, e violando distintos deveres, irão dar origem, em regra, a uma única infracção disciplinar. Eis o conhecido princípio da unidade da infracção disciplinar.

Não é o dever infringido que individualiza a infracção disciplinar. O binómio é, isso sim, violação de deveres/unidade da infracção, cujo critério está longe de ser meramente naturalístico».

E o mesmo autor explicita, «[S]aber qual a valoração disciplinarmente adequada é pergunta que só obtém resposta satisfatória tomando em consideração o conjunto das condutas do visado. Diversos comportamentos faltosos de um agente administrativo não consubstanciam igual número de infracções disciplinares, como sucederia, em princípio, se se tratasse de preencher tipos criminais. Eles serão antes de valorar unitariamente, abrangendo-se nesse juízo a conduta global do agente. O princípio da unidade da infracção, válido para todo o direito disciplinar, fundamenta-se no respectivo fim de protecção da capacidade funcional da Administração, o qual impõe a consideração global das diferentes violações de deveres cometidas por um agente administrativo, atenta até a continuidade da relação, se for caso disso.» Em conclusão, será de aplicar uma única pena de advertência.

IV. DECISÃO

Por tudo o que ficou exposto e ponderado, os membros que constituem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberam:

a). Declarar a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar quanto às ausências do arguido Dr. Raul Eduardo Nunes Esteves nos dias 19 a 22 de Setembro de 2011, ao abrigo do disposto pelo art.º 6.º, n.º 1, do Estatuto dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n. 58/2008, de 9 de Setembro e determinar a improcedência das demais prescrições invocadas pelo arguido;

b). Aplicar ao arguido Dr. R a pena disciplinar de advertência, ao abrigo dos artigos 85.º, n.º 1 al. a), 86.º, 91.º e 99.º, do EMJ, pela prática de duas infracções disciplinares ao disposto pelos artigos 9.º e 10.º, do EMJ.

c). Determinar a perda de vencimento do arguido durante o período das ausências ilegítimas verificadas nos dias: 19 a 22 de Setembro de 2011; 11 de Abril de 2012 (meio dia) e 18 de Maio de 2012, nos termos do disposto pelo artigo 10.º, n.º 5, do EMJ.

(…)»

Analisemos então.

A vexata quaestio que se nos põe, no âmbito do presente recurso é a de saber se o procedimento disciplinar instaurado contra o Recorrente (no âmbito do qual veio a ser sancionado) se extinguiu por prescrição a 7 de Novembro de 2014.

Dispõe a este propósito o artigo 6º da Lei 58/2008, de 9 de Setembro - ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS - aplicável ao caso em análise ex vi do disposto do artigo131º do EMJ, entretanto revogada pela Lei 35/2014, de 20 de Junho, não obstante o artigo 178º desta seja de igual teor:

«1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.

2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.

3 - Quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal, aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal.

4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável.

5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente:

a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e

c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.». 

O poder disciplinar é um instrumento jurídico de garantia da relação jurídica de emprego público, que cauciona o cumprimento pelo trabalhador dos deveres e obrigações assumidos com a sua vinculação aos termos dessa relação jurídica laboral, assegurando os interesses do empregador, que são interesses públicos instrumentais à realização dos interesses e atribuições postos a seu cargo, constituindo um mecanismo de auto-tutela.

O poder disciplinar tem no exercício da acção disciplinar o reflexo da sua principal manifestação, consistente no poder de promover ou determinar a «investigação disciplinar», face a determinadas condutas, eventualmente, anti-jurídicas, dos seus autores, sendo a instauração do respectivo procedimento o apanágio da acção disciplinar, cfr Ana Fernanda Neves, in O Direito Disciplinar Na Função Pública, Volume II, 12/17.

A prescrição, em geral, consiste na extinção de um direito pelo seu não exercício durante um determinado prazo fixado pela Lei para o efeito, cfr artigo 298º, nºs 1 e 2 do CCivil.

Na espécie, a prescrição consistirá na extinção do direito público de instaurar a acção disciplinar, se não for desencadeado o respectivo procedimento dentro de determinado prazo, ou no caso deste ter sido desencadeado, se não estiver ultimado no prazo legalmente previsto, «A prescrição funda-se no efeito que o tempo produz em todas as coisas e relações humanas. E tem a sua justificação na diminuição do abalo que a infracção produziu nos serviços e no ambiente, sabendo como é que o tempo vai reduzindo ou apagando suavemente os efeitos inicialmente verificados. Por outro lado, não é justo que o funcionário permaneça indefinidamente submetido à ameaça do procedimento ou da pena disciplinar.», apud Lopes Dias, Regime Disciplinar dos Funcionários Civis e Administrativos, 14, citado por Leal Henriques, in Procedimento Disciplinar, 5ª edição, 57/58.

Quer isto dizer que o direito disciplinar visa essencialmente: a

necessidade de tutelar o valor da segurança como certeza jurídica, que predominantemente inspira o instituto da prescrição em geral e, em particular, no âmbito do direito do trabalho; a necessidade de evitar que a perspectiva de punição de uma eventual infracção disciplinar seja mantida como uma ameaça suspensa indefinidamente sobre o trabalhador, a fim de lhe condicionar o comportamento;        a necessidade de salvaguardar os fins que são próprios da sanção disciplinar laboral e que são sobretudo preventivos – evitando, para esse efeito, o excessivo distanciamento entre a infracção e a sanção, o que é conseguido mediante a estipulação de prazos prescricionais, preferencialmente curtos, aos quais não será estranho o interesse da entidade patronal que o apuramento da infracção disciplinar visa proteger, sancionando os comportamentos do trabalhador que possam por em causa o equilíbrio da relação laboral, que no caso em questão se deseja isenta, independente e irresponsável, de harmonia com o disposto nos artigos 3º, 4º e 5º do EMJ, os quais constituem a expressão legal do principio constitucional que a propósito das garantias e incompatibilidades dos Magistrados Judiciais, vem consagrado no artigo 216º da nossa Lei Fundamental.

Deste modo, porque aquele instituto da prescrição do direito sancionatório disciplinar tem por escopo acelerar a actividade do Estado no exercício da acção disciplinar e, ao mesmo tempo, assegurar aos arguidos um tempo certo durante o qual podem ser sujeitos a eventuais sanções pelos ilícitos cometidos, a partir do qual precludirá, pelo seu decurso, a respectiva responsabilidade, já que, repete-se a prescrição faz extinguir “jus puniendi” do Estado, resultante da falta de diligência dos órgãos judiciários ou disciplinares no procedimento que lhes incumbe levar a cabo, cfr neste sentido o Ac STJ de 19 de Setembro de 2013 (Relator Santos Carvalho), in www.dgsi.pt.

Esta situação da extinção do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo a que alude o nº6 do normativo supra transcrito onde se lê que «O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.», nada tem a ver com as outras duas situações prescricionais aludidas no mesmo normativo: uma, situada a montante, que antecede o próprio procedimento a se, consubstanciada na preclusão do direito a instaurar tal procedimento, a qual assume foros de caducidade do direito em agir, aludida nos nºs 1, 2 e 3; a outra, a juzante, traduzida na prescrição da própria pena disciplinar, cujo momento da sua executoriedade ultrapassa o tempo estipulado por Lei para o efeito.

Qualquer dos apontados prazos tem natureza peremptória o que quer dizer que a sua violação tem como consequência a ilegalidade do acto em formação no procedimento.

O que se cura aqui, é da possível extinção do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo legal de dezoito meses, contados desde a sua instauração até ao momento em que o Arguido, aqui Recorrente, veio a ser notificado da decisão final que o sancionou com uma pena de advertência e de perda de vencimento pelo período correspondente às ausências injustificadas, o que apenas ocorreu em 14 de Abril de 2015.

Arrima-se o Recorrente, em abono da sua tese, na circunstância de o Recorrido em 7 de Maio de 2013 ter deliberado converter em processo disciplinar o inquérito que lhe fora no qual veio a ser deduzida acusação em 11 de Junho de 2013, imputando-lhe a prática, grave e dolosa, de vinte e três infracções ao dever de prossecução do interesse público. Contudo, porque o Recorrente em 12 de Março de 2013, suscitara o incidente de suspeição do Exmo. Inspector Judicial Desembargador … (fls. 1015 a 1019 do Apenso), e como tal incidente veio a ser indeferido por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura proferida, igualmente, a 7 de Maio 2013 (fls. 1033-1035 do Apenso), aquele interpôs recurso desta deliberação (apenas quanto ao indeferimento da arguida suspeição) para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela nulidade da mesma, recurso esse que veio a ser decidido por Acórdão de 18 de Dezembro de 2013 e, não tendo estado o processo disciplinar parado e o Recorrente não foi notificado de qualquer decisão final prolatada no mesmo até 7 de Novembro de 2014, data em que perfaziam os dezoito meses aludidos no nº6 do artigo 6º da Lei 58/2008, de 9 de Setembro, o procedimento disciplinar deveria ter sido declarado prescrito.

Contra esta tese, defendeu-se o CSM, aqui Recorrido, alegando que durante a pendência daquele recurso intercalar, interposto pelo Recorrente, portanto desde 19 de Junho de 2013 até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, em 18 de Dezembro de 2013, verificou-se a suspensão a que alude o n.º 7, do artigo 6º, do EDTEFP, pelo que não se encontra decorrido o prazo da prescrição do procedimento disciplinar e, o facto de no decurso do período no qual se verificou a suspensão terem efectivamente sido praticados actos no processo, prendeu-se unicamente com a circunstância de o Exmo. Inspector Judicial não ter tido conhecimento da referida interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Esta defesa mostra-se falha de razoabilidade em dois vectores.

O primeiro, decorre da incorrecta interpretação que se faz do nº7 do artigo 6º do EDTEFP.

Se não.

Relembremos o que aí se prescreve:

«A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.».

Dúvidas não poderão subsistir que a Lei com a previsão de uma suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, visou salvaguardar o surgimento no seu âmbito de questões prejudiciais (cfr artigo 15º do CPTA), isto é, se o conhecimento da questão decidenda em sede disciplinar estiver dependente da análise e/ou decisão de problemática que seja suscitada, mas da competência de outra jurisdição, não se podendo referir, em absoluto, às intercorrências que possam vir a surgir no próprio processo disciplinar, sob pena de se criar um completo anacronismo do sistema, cfr Paulo Veiga Moura, in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, 2ª edição, 96/97.

É que, como decorre inequivocamente do normativo inserto no artigo 170º, nº1 do EMJ, «A interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação.», e, não se tendo verificado esta segunda parte do preceito, óbvio se torna, que o recurso interposto pelo aqui Recorrente da deliberação do Recorrido/CSM que lhe indeferiu o incidente de suspeição do Exº Sr Inspector Judicial, não teve como consequência nem a suspensão deste, na sua actividade inspectiva, nem a suspensão do procedimento disciplinar.

Mas, mesmo que seguíssemos a tese defendida pelo CSM, aqui Recorrido, de poder aproveitar ao Exª Sr Inspector Judicial, quiça, um possível desconhecimento por banda deste da existência daquela impugnação recursiva (aqui também jogando com a hipótese de tal impugnação poder enquadrar o preceituado no nº7 do artigo 6º, o que apenas se aceita por razões de mero raciocínio académico), veja-se que, por um lado, o órgão titular do procedimento disciplinar, não é, nem nunca poderia ser, o Exº Sr Inspector Judicial, daqui resultando uma impossibilidade objectiva no que tange ao desconhecimento dos factos em causa pelo titular da acção disciplinar, o CSM nos termos da alínea a) do artigo 149º do EMJ: o Recorrido bem sabia que o Recorrente havia interposto recurso da deliberação tomada a indeferir o pedido de suspeição do Exº Sr Inspector Judicial, pelo que deveria, nessa precisa situação ordenar àquele que não efectuasse qualquer diligência instrutória no processo, durante a pendência do recurso, o que não aconteceu, claudicando assim, também neste quadro de género meramente exemplificativo de uma teoria do possível, a tese aventada pelo Recorrido.

Acrescenta-se ainda, ex abundanti, nesta senda hipotética, que sempre faleceria a razão ao Recorrido, mesmo que se pudesse concluir que o conhecimento do recurso por parte do Sr Inspector Judicial era fundamental para a não operância do prazo prescricional, porquanto decorre da materialidade dada como assente nos autos que:

«- Em 16.07.2013 (fls. 1501) o Exmo. Inspector Judicial veio apresentar requerimento no qual pugnou cautelarmente, entender conveniente que o Conselho Superior da Magistratura se pronunciasse previamente sobre as duas primeiras questões suscitadas pelo arguido de modo a evitar actividade posteriormente tida por inútil, tendo remetido os autos ao Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura. Por despacho proferido em 22.07.2013 (fls. 1505-1506) foi decidido deverem os autos prosseguir os seus termos, sendo conhecidas e decididas a final as apontadas questões, tendo ainda sido determinada a oportuna remessa dos autos ao Exmo. Senhor Inspector Judicial.

- O arguido reclamou desta decisão para o Plenário do CSM invocando que a decisão proferida quanto ao despacho do Exmo. Inspector Judicial deveria ser proferida pelo Plenário do CSM, pelo que tendo sido proferida por Juiz Vogal, foi-o por quem não dispunha de competência para tanto. Mais pugnou dever o Plenário decidir as duas questões invocadas na sua defesa.

- Por deliberação do Plenário do CSM de 08.10.2013 (fls. 1514-1519) foi julgada improcedente a reclamação apresentada e relegado para final o conhecimento e decisão das questões apontadas, tal como decidido pelo despacho reclamado.».

Quer isto dizer que o Exº Sr Inspector Judicial bem sabia da impugnação recursiva do Recorrente, tanto assim que suscitou o problema ao CSM quanto à bondade da continuação da sua actuação pois receava que a mesma pudesse vir a ser posta em causa, numa ulterior decisão do STJ favorável ao Recorrente, tendo o Recorrido ordenado o prosseguimento do procedimento disciplinar.

Assim sendo, mesmo que pudéssemos enquadrar a actividade recursiva intercalar, do aqui Recorrente, no preceituado no nº7 do artigo 6º do EDTEFP, entendendo-se a mesma como suspensiva durante o tempo em que esteve pendente e por isso originadora de uma paralesia dos termos processuais em curso, teríamos de concluir que a mesma não tinha sido operante, pois durante aquele período de tempo, para além do Recorrente ter apresentado a sua defesa, o Sr Inspector Judicial procedeu a várias diligências, vg, de instrução, solicitando documentos e ouvindo testemunhas.

A possibilidade de instaurar procedimento disciplinar, por uma razão fundamental de certeza jurídica e de eficácia, deve ser, e é, temporalmente limitada, ficando, portanto, prejudicado o exercício do respectivo poder decorrido que se mostre o respectivo limite temporal aplicável, sendo certo que, verificada a prescrição, o trabalhador pode opor-se ao exercício do poder de lhe ser instaurado procedimento disciplinar, o que aconteceu no caso sub judice, não só através do requerimento interposto pelo Recorrente a suscitar a questão, o que ocorreu em 2 de Dezembro de 2014, cfr fls 2896 e 2897 do Processo Disciplinar, mas também, através da impugnação da decisão preliminar ora impugnada, cfr Ana Fernanda Neves, ibidem, 101/122.

Ademais, tendo sido apresentado o relatório final previsto no artigo 122.º, do EMJ, pelo Exº Sr Inspector Judicial, com data e 19 de Julho de 2014, o CSM, aqui Recorrido, teria tido mais que tempo suficiente para ultimar o procedimento que se encontrava em curso, antes do seu termo ad quem – 7 de Novembro de 2014 – tendo contudo optado por não o fazer, nem dar relevância imediata à chamada de atenção que lhe foi formulada pelo Recorrente, quando este requereu, em 2 de Dezembro de 2014, que fosse declarado extinto por prescrição o processo, tendo sobrestado a decisão desta questão prévia por vários meses e ao decidi-la, daquela forma sumária e incongruente, acabou por agir «contra legem», quer na manutenção da sua operância, quer na subsequente decisão disciplinar efectiva que se lhe seguiu.

Uma vez que foi largamente ultrapassado o prazo de dezoito meses aludido no nº6 do artigo 6º do EDTEFP, o qual teve o seu termo a 7 de Novembro de 2014, a deliberação recorrida produzida em 14 de Abril de 2015, que decidiu não se encontrar extinto por prescrição o procedimento disciplinar, quando o mesmo já se encontrava prescrito, deverá ser anulada, por erro de interpretação dos pressupostos de direito, o que implicará, consequentemente a anulação da deliberação que se lhe seguiu, porque sendo os recursos contenciosos de mera legalidade e não de jurisdição plena, os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça abrangem apenas a vinculação do CSM a normas e princípios jurídicos.

III Destarte, julga-se procedente o recurso interposto, anulando-se a deliberação recorrida.

Custas pelo Recorrido, artigo 539º, nº1 do NCPCivil, com taxa de justiça em 6 Ucs, nos termos do artigo 7º, nº1 do RCP.

Fixa-se o valor da causa, nos termos do artigo 34º, nº2 do CPTA em € 30.000,01.

Lisboa, 17 de Novembro de 2015

(Ana Paula Boularot)

(Martins de Sousa)

(Santos Cabral, vencido nos termos da declaração de voto que junto)

(Isabel Pais Martins)

(Silva Gonçalves)

(Sebastião Povoas, Presidente)

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Declaração de voto

Em 19 de Junho de 2013 o recorrente interpôs recurso da decisão que converteu o inquérito em processo disciplinar. O cerne da questão suscitada nos presentes autos prende-se, assim, com a interpretação do artigo 6º nº 7 do Estatuto dos Trabalhadores Exercendo Funções Publicas que dispõe: A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

Efectivamente, importa precisar se o recurso da decisão do CSM que converteu o inquérito em processo disciplinar se configura como uma questão impeditiva do prosseguimento do processo, ou seja, importa definir se a resolução de tal questão prévia é uma condição do prosseguimento do processo disciplinar. A resposta a tal questão é, em nosso entender, afirmativa uma vez que o objecto do recurso no caso vertente era exactamente decidir se o procedimento disciplinar deveria, ou não, prosseguir e, caso o mesmo recurso tivesse procedência, o processo terminaria. (conf. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-09-2013)

Invoca-se o prosseguimento da actividade do Sr.Inspector em sede de procedimento disciplinar como elemento relevante para concluir pela não operacionalidade da suspensão prevista no referido artigo 6º. Todavia, a circunstância de tal actividade ter sido exercida não contem qualquer virtualidade em termos de colocar em causa a suspensão do prazo prescricional e apenas pode relevar “per si” como admissível, ou inadmissível, legalmente, com as inerentes consequências. A comprovar tal lógica argumentativa a circunstância de que uma eventual procedência do recurso em causa teria o significado de remeter aquela actividade administrativa para o limbo da irrelevância jurídica.

Termos em que julgaria improcedente o recurso interposto

(Santos Cabral)