ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
EXCLUSIVIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário


1- Cabe à entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho o ónus da prova dos factos donde se possa concluir pela descaracterização do acidente de trabalho, por se tratar de facto impeditivo do direito invocado.
2- Nunca tendo a entidade empregadora proporcionado ao sinistrado qualquer formação em matéria de segurança no trabalho, designadamente, para o exercício de funções em altura, apesar daquele já trabalhar para ela há mais de seis anos, e a que estava obrigada face ao disposto nos artigos 282º, nº 1 e 127º, nº 1, alínea f) do Código do Trabalho/2009, e 20º, nº 1 da Lei nº 102/2009, de 10/9, é de considerar justificada a violação de regras de segurança por falta de concessão de formação adequada na área da segurança no trabalho.
3- A alínea b) do n.º 1 do art. 14º da LAT, não se contenta com a circunstância do trabalhador que sofreu um acidente ter actuado com negligência grosseira, pois exige ainda que a actuação que a consubstancia seja, em exclusivo, a causa do acidente.
4- Apesar do sinistrado se fazer elevar à altura de 9 metros num cesto encaixado nos garfos dum empilhador, o que não lhe dava estabilidade, não é de descaracterizar o acidente resultante de queda daquela altura, ao abrigo da mencionada alínea b), por não ter sido a causa exclusiva do acidente, pois agiu movido pela vontade da sua empregadora ser agradável à empresa a quem prestava serviços, para quem o contrato de manutenção com esta celebrado era de primordial importância, pois fora durante algum tempo a sua única cliente, e continuando a ser ainda das suas principais clientes em Portugal.

Texto Integral

            Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1---

AA, viúva, residente em ..., por si e em nome dos seus filhos menores,

BB, e

CC, instaurou uma acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra

DD, Lda., com sede em Lisboa, peticionando a sua condenação no pagamento do seguinte:

 

a) À A, viúva do sinistrado, uma pensão anual, acrescida de subsídios de férias e de Natal, devida a partir de 15-12-2010; despesas de transporte; subsídio de funeral e subsídio por morte;

b) A cada um dos filhos do sinistrado uma pensão anual, acrescida de subsídios de férias e de Natal, devida a partir de 15-12-2010; e subsídio por morte;

c) A todas as quantias deverão acrescer de juros legais.

 

Requereu ainda a fixação duma pensão provisória para cada um dos beneficiários.

Alegou para tanto que é viúva de EE, pai dos co-autores BB e CC, falecido em 14-12-2010, na sequência duma queda quando desempenhava as funções de técnico de optoelectrónica e informática por conta da R, de quem era funcionário, e ao serviço de quem auferia uma remuneração anual de 33.459,84 euros, cuja responsabilidade emergente de acidentes de trabalho não estava transferida para qualquer seguradora. Na altura do acidente, encontrava-se o sinistrado EE no seu local e tempo de trabalho, estando então a instalar uma antena de radiofrequência nas vigas de cobertura de um edifício, a uma altura de 9 metros, quando caiu desamparado no chão, tendo sofrido lesões que lhe determinaram a morte.

Mais alegou que o mencionado acidente ocorreu por violação de regras de segurança por parte da ré, pelo que a mesma é responsável pelo pagamento de uma pensão quer à viúva, quer a cada um dos filhos do falecido, tendo ainda direito ao pagamento das despesas de deslocação a tribunal, ao subsídio por morte e ao subsídio de funeral. 

A Ré apresentou contestação, alegando, sumariamente, que o acidente que vitimou o seu trabalhador ocorreu por violação, sem causa justificativa por parte do mesmo, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador e previstas na lei, e por um comportamento negligente daquele.

Pugna assim pela descaracterização do acidente, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei 98/2009, de 4-09, pois no dia e hora em que o mesmo ocorreu, o sinistrado efectuava um trabalho que não estava incluído no tipo de serviço que a ré prestava aos seus clientes, pelo que não estava a trabalhar “por conta e sob ordens da ré”. Acresce ainda que no local se encontravam meios que permitiam a execução do trabalho com segurança, o que o sinistrado desrespeitou, conduta que determinou o acidente que o vitimou, actuando assim com negligência grosseira.

Além disso, sustenta que a retribuição do sinistrado não incluía o pagamento das deslocações em viatura própria, concluindo pela sua absolvição dos pedidos.

Foi proferido despacho saneador, sendo deferido o pedido de pagamento de pensão provisória, determinando-se que a mesma fosse paga pelo FAT nos seguintes termos:

a) À autora AA, a pensão anual de 8.450,35 euros

b) À autora BB, a pensão anual de 5.633,57 euros

c) Ao autor CC, a pensão anual de 5.633,57 euros.

           

E seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, foi realizada a audiência de discussão e julgamento da causa, a que se seguiu a prolação de sentença, que julgando improcedentes os pedidos, deles absolveu a ré.

Não se conformando, apelaram os AA, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em julgar parcialmente procedente o recurso, pelo que, e revogando a sentença apelada, condenou a R, DD, Ldª, a passar a pagar aos AA. as pensões por morte, nos valores anuais, respectivamente, de € 8.450,35 à A. AA, até atingir a idade da reforma por velhice, alterada para € 11.267,13 (acrescida das actualizações a que houver lugar) a partir dessa data, e € 5.633,67 (igualmente acrescida das actualizações a que houver lugar) a cada um dos AA, BB e CC, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, consoante deixem de frequentar ou continuem a frequentar o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior ou equiparado, respectivamente.

E condenou-se ainda a R a:

 

- Reembolsar o Fundo de Acidentes de Trabalho dos valores adiantados aos AA;

- Pagar à A. AA a quantia de € 2.515,32, a título de subsídio por morte e € 1.914,06, a título de despesas de funeral;

- Pagar aos AA. BB e CC a quantia de € 2.515,32, a título de subsídio por morte;

- Pagar a todos os AA juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data de vencimento de cada prestação (que, quanto ao subsídio de funeral, é 27/12/2010).

 

            Inconformada, traz-nos a R a presente revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) O Supremo Tribunal de Justiça pode, com fundamento no disposto no artigo 674°, n° 1, alínea b) do C.P.C., apreciar se o tribunal recorrido violou as condições previstas no artigo 640° respeitantes ao ónus do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto;

2) Nos termos do disposto no artigo 640º, nº, 2, alínea a), aplicável ao caso sub judice, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso;

3) A indicação "com exactidão" das passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas não se basta com a referência ao início e termo dos depoimentos, devendo ser indicadas as horas, minutos e segundos das passagens das gravações dos depoimentos em que funda o recurso;

4) Os Apelantes não cumpriram o ónus de impugnação da matéria de facto previsto no artigo 640º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do C.P.C., pois limitaram-se a indicar o início e fim dos tempos dos depoimentos das testemunhas FF e GG;

5) O incumprimento de tal ónus comprometeu o contraditório exercido pela ora Recorrente em sede de contra-alegações;

6) O Tribunal a quo deveria, por incumprimento do referido ónus de impugnação, ter rejeitado o recurso da matéria de facto interposto pelas Apelantes;

7) Ao admitir o recurso sobre a matéria de facto e ao alterar a redacção do ponto 38º da matéria de facto e aditado o ponto 39º-A, o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 640º, nº 1, alínea b) e n° 2, alínea a) do CPC;

8) A decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância sobre o artigo 10º da Base Instrutória não foi impugnada pelos Apelantes, e, por isso, não constitui objecto de recurso;

9) O artigo 10º da Base Instrutória foi dado como "não provado" porque, de acordo com a prova testemunhal produzida nos autos, o pagamento das despesas de funeral do sinistrado foi suportado pelo pai e irmão do sinistrado;

10) O artigo 74º do C.P.T. permite ao Tribunal "condenar em quantidade superior ao pedido" ou "em objecto diverso" do pedido, mas não permite que o Tribunal da Relação altere a decisão da matéria de facto, simplesmente porque estão em causa direitos indisponíveis;

11) O caso dos autos não se enquadra em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a d) do artigo 662º, n° 2 do C.P.C;

12) O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 74º do CPT e 662º, n° 2 do C.P.C., ao aditar o ponto 51 à matéria de facto;

 13) O sinistrado, ao elevar-se a mais de 9 metros de altura num empilhador, em cujos garfos encaixou um cesto metálico que não fazia parte integrante daquele e que, depois de encaixado, não permanecia imóvel e estável, incumpriu as prescrições de segurança que decorrem dos artigos 4°, 5°, 14°, 15°, 29°, 36° e 37° do Decreto-Lei n° 50/2005;

14) Foi o uso deste equipamento, que não oferecia os requisitos mínimos de segurança, que deu causa à queda, de que resultou a morte do sinistrado;

15) O acesso à informação de que sinistrado dispunha não era de molde a tomar-lhe manifestamente difícil o conhecimento das normas sobre condições de segurança no trabalho em altura, maxime o uso de equipamento adequado;

16) A conclusão do Tribunal a quo de que foi a pressão do trabalho que fez com que o sinistrado optasse por se elevar a mais de 9 metros de altura utilizando um empilhador com um cesto encaixado nos garfos, é desprovida de fundamento fáctico;

17) Não consta da decisão da matéria de facto, nem da sua fundamentação, qualquer facto do qual se infira a quantidade de trabalho que o sinistrado tinha agendado para os dias seguintes ao dia do acidente ou, sequer, se o sinistrado podia ou não acomodar a conclusão daquele trabalho - que não fazia parte das tarefas do sinistrado - na sua agenda;

18) O sinistrado não estava obrigado a concluir o trabalho no dia do acidente e a testemunha FF propôs o cancelamento dos trabalhos;

19) O sinistrado estava perfeitamente consciente do perigo que corria quando decidiu utilizar o empilhador para se elevar a mais de 9 metros de altura, porque a testemunha FF o alertou para tal perigo;

20) A decisão do sinistrado de se elevar através do empilhador a mais de 9 metros de altura importa a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança;

 21) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, considerando que o sinistrado, justificadamente, violou as condições de segurança, violou o disposto no artigo 14°, n° 1, alínea a) e n° 2 da LAT;

22) A decisão do sinistrado de se elevar num empilhador com um cesto encaixado nos respectivos garfos a cerca de 9 metros de altura, ou seja, numa estrutura que não apresentava condições mínimas de segurança, "configura efectivamente negligência grosseira, porquanto se tratou de um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancia em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão."

23) A testemunha FF não concordou com a utilização do empilhador para a realização dos trabalhos, quis cancelar os trabalhos e chateou-se com o sinistrado porque ele insistiu em realizar os trabalhos naquelas condições.

24) A conduta do sinistrado foi negligente e constitui, naquele contexto, um comportamento temerário, gratuito e inútil, de uma imprudência inaudita, sem fundamento, e, por isso, reprovável à luz do senso comum e do elementar sentido de prudência, pressupostos no paradigma do homem médio ("bom pai de família").

25) A decisão de se elevar a mais de 9 metros de altura com recurso ao empilhador, da inteira e exclusiva responsabilidade do sinistrado, foi a única causa do acidente;

26) O Tribunal a quo ao decidir que o acidente não resultou exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado violou o disposto no artigo 14°, nº 1, alínea b) da Lei nº. 98/2009.

Pede assim que se julgue procedente o recurso e que, em consequência, seja revogado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, com a consequente absolvição da Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.

           

Os AA também alegaram, tendo concluído assim a sua alegação:  

1. A forma que os AA utilizaram, em sede de apelação, para referenciar a prova gravada que fundamentou a impugnação da matéria de facto satisfaz o ónus estabelecido no art. 640°, nº 2, al. a), do CPC, conforme foi caucionado pelo Acórdão recorrido;

2. O regime fixado no art. 640°, nº 2, al. a), do CPC não impede que o ponto da matéria de facto impugnado seja infirmado pela consideração do depoimento da testemunha no seu todo;

3. O Acórdão ora recorrido não acolheu os termos em que os AA haviam impugnado a matéria de facto, nem a decisão que os mesmos pretendiam ver proferida sobre ela, tendo rejeitado a redacção preconizada para o ponto 38°, as alterações aos pontos 21 ° e 39° e o aditamento ao ponto 10°, considerando inclusivamente este último não passível de recurso;

4. O Acórdão recorrido consubstancia uma decisão de alteração da matéria de facto, tomada ao abrigo do disposto no art. 662°, nº 1, do CPC, no âmbito do poder / dever de reapreciação oficiosa da matéria de facto que a lei confere à Relação, com vista a permitir o alcance e a descoberta da verdade material dos factos;

5. Da decisão da Relação referida na conclusão anterior não cabe recurso para o STJ, atento o disposto no nº 3 do art. 662° do CPC, pelo que o recurso da R. tem, nesta parte, de ser rejeitado;

6. Ao contrário do que alega a R, a prolação da Relação sobre a matéria de facto erradamente julgada na 1ª Instância não se enquadra na previsão do nº 3 do art. 674° do CPC, razão pela qual o STJ não pode conhecer da mesma, atento o disposto no nº 2, in fine, do art. 682°;

7. O aditamento do ponto 51° à Matéria de Facto promovido pelo Acórdão recorrido não viola o disposto nos arts. 74° do CPT e 662°, nº 2, do CPC, tendo decorrido do exercício do poder / dever de reapreciação oficiosa da matéria de facto ao abrigo do nº 1 deste último artigo, que permite alterar a decisão da 1ª Instância, sem possibilidade de recurso para o STJ, e não da faculdade de condenação extra vel ultra petitum;

8. O facto de os AA não terem, nesta parte, recorrido da sentença do Tribunal de 1ª Instância daria lugar, quanto muito, a uma nulidade decisória, só arguível no requerimento de interposição de recurso, atento o disposto nos arts. 615°, nº 1, als. d), in fine, e e), do CPC, e 77°, nº 1, do CPT, nulidade essa que a R. não arguiu;

9. O acórdão recorrido não extravasou assim a faculdade de condenação extra vel ultra petitum prevista no art. 74° do CPT, na exacta medida em que esta decorreu da matéria de facto firmada no cumprimento do dever estabelecido no nº 1 do art. 662° do CPC;

 10. O Acórdão recorrido interpretou e aplicou correctamente o disposto no art. 14º, nº 1, al. a), e 2, da Lei nº 98/2009, ao subsumir no conceito de "causa justificativa" da violação das regras e condições de segurança previstas na lei para a realização de trabalhos em altura, obstativa da descaracterização do acidente de trabalho, o ambiente funcional e laboral decorrente da delegação em bloco, multiplicidade e diversidade de todas as tarefas relativas à actividade da R, da agenda sobrecarregada e da pressão intensa e sempre latente a que o sinistrado estava permanentemente sujeito por parte de Espanha com vista à maximização dos resultados, que o levou a querer concluir impreterivelmente o trabalho no dia fatídico, à custa da sua própria segurança;

11. É inaceitável a insistência da R., na esteira da sentença de 1ª Instância, de que o sinistrado tinha um equipamento alternativo de elevação, que era uma plataforma com um braço extensível dotado de uma capacidade elevatória até 17 metros, com cesto, arnês e linha de vida, quando ficou plenamente provado que o mesmo não estava operacional, por ter as baterias descarregadas;

12. A invocação de prova testemunhal para infirmar a decisão recorrida, em termos que consubstancia um autêntico recurso em matéria de facto, é inadmissível em sede de revista;

13. O acidente não proveio exclusivamente da negligência grosseira do sinistrado;

14. Tendo o empilhador utilizado para elevar o falecido sido manobrado por outro trabalhador, sem quaisquer habilitações, formação ou qualificações para o efeito, que podia inclusivamente ter-se recusado a fazê-lo, recusa essa que teria inviabilizado a execução da tarefa fatídica, a negligência não pode ser assacada apenas e só ao falecido sinistrado;

15. O art. 14°, nº 1, al. b), da Lei nº 98/2009 exige que a negligência grosseira causadora do acidente de trabalho provenha exclusivamente do sinistrado;

16. Não tendo a negligência sido exclusiva do sinistrado, bem esteve o Tribunal a quo ao recusar a aplicação da disposição em apreço e, nessa medida, não considerar descaracterizado o acidente de trabalho mortal sofrido pelo marido e pai dos AA.

17. Deve, pois, ser confirmada a condenação da R. a reparar todos os danos decorrentes do acidente, nos termos consignados no Acórdão recorrido.

Pedem assim que a revista seja liminarmente rejeitada e não admitida, ou, caso assim se não entenda, seja julgada improcedente.

Admitido o recurso, foram os autos com vista ao Senhor Procurador-Geral Adjunto que emitiu parecer no sentido da revogação do acórdão com a consequente repristinação da sentença da 1ª instância, não tendo o mesmo sido objecto de discordância de qualquer das partes.

Cumpre pois decidir.

2----

Para tanto, as instâncias deram como provados os seguintes factos:

1- EE faleceu no dia 14 de Dezembro de 2010, no estado de casado com a autora AA;

2- A autora BB nasceu no dia 24 de Abril de 1994, sendo filha de EE e AA;

3- O autor CC nasceu no dia 17 de Novembro de 2002, sendo filho de EE e de AA;

4- No dia 14 de Dezembro de 2010, cerca das 14h45, EE foi vítima de uma queda quando procedia à instalação de uma antena de radiofrequência nas vigas de cobertura do edifício da sociedade “HH, S.A” situadas a uma altura de nove metros em relação ao solo;

5- Em razão do aludido acidente, EE, sofreu graves lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, lesões essas que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida no dia 14 de Dezembro de 2010;

6- O sinistrado foi admitido pela ré em 15 de Julho de 2004 para, sob as suas “ordens, direcção e fiscalização”, exercer as funções inerentes à categoria profissional de técnico de optoelectrónica e informática;

7 Em 14 de Dezembro de 2010, auferia EE, em contrapartida das funções enunciadas em 6), a retribuição anual de, pelo menos, € 28.167,84 (€ 1.858,33 x 14 meses, a título de retribuição base, + € 6,41 x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de almoço e € 50,00 x 12 meses, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho);

8- O sinistrado auferia, ainda, um suplemento por utilização de viatura própria, no valor mensal de € 441, pago doze meses por ano, e devidamente inscrito no seu recibo de vencimento;

9- Em 14 de Dezembro de 2010, a ré não tinha transferido para qualquer entidade legalmente habilitada a responsabilidade emergente de acidente de trabalho que vitimasse EE.

10- A ré tem por objecto a prestação de serviços e comercialização de sistemas de comunicações e telecomunicações, sistemas móveis de captura e integração automática de dados, consultadoria em hardware e software, importação e exportação de hardware e software;

11- Datado de 1 de Outubro de 2010 e com termo a 30 de Setembro de 2011, a ré celebrou com a “HH, S.A.” o contrato de manutenção constante de fls. 85 a 89 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

12- Em ordem à execução da tarefa referida em 4), o sinistrado utilizou, para a sua elevação, o empilhador N... e um cesto metálico, encaixado nos respectivos garfos;

13- O cesto metálico não fazia parte integrante do empilhador;

14- E, uma vez encaixado nos garfos do empilhador, não permanecia imóvel e estável;

15- Daí que não oferecesse condições mínimas de segurança para que o sinistrado executasse a tarefa descrita em 4) a 9 metros de altura;

16- A execução da tarefa referida em 4) não integrava o conteúdo funcional da categoria mencionada em 6);

17- A ré não tinha organizado serviços de segurança e higiene no trabalho;

18- A autora AA aufere, do ISS, IP, uma pensão de sobrevivência no valor mensal de € 317,08;

19- A autora BB aufere, do ISS, IP, uma pensão de sobrevivência no valor mensal de € 79,27;

20- O autor CC aufere, do ISS, IP, uma pensão de sobrevivência no valor mensal de € 79,27;

21- No circunstancialismo de tempo e lugar referidos em 4), o sinistrado executava as tarefas ali mencionadas no âmbito e na execução de serviços da ré para a HH;

22- Para a execução das tarefas mencionadas em 4), a ré não colocou à disposição do sinistrado equipamentos, acessórios e meios adequados à sua elevação;

23- Nem lhe disponibilizou equipamento de protecção individual para prevenir o risco de queda em altura, mormente arnês com a respectiva linha de vida e dispositivo de fixação;

24- O empilhador era manobrado por um trabalhador da “HH, S.A.”, possuidor de categoria profissional de técnico de computadores;

25- A ré nunca proporcionou ao sinistrado informação e formação no âmbito da higiene, segurança e saúde no trabalho;

26- Designadamente, as relevantes para o exercício de tarefas como as mencionadas em 4);

27- O sinistrado era o único trabalhador da ré;

28- Sendo que, a partir de 09 de Novembro de 2006, e como a gerência da ré tivesse ficado a cargo exclusivamente do sócio II, que exercia esse cargo a partir de Espanha, o sinistrado ficou incumbido, para além das tarefas referidas em 6), das de:

a) Realizar contactos com clientes e potenciais clientes para definição de soluções;

b) Apresentar propostas de venda de equipamentos e prestação de serviços a clientes;

c) Prestar serviços de assistência técnica e manutenção dos equipamentos vendidos;

d) Realizar contactos com instituições bancárias e outros organismos;

e) Fornecer elementos aos serviços de contabilidade para o processamento do seu salário;

29- Visto não receber da ré ordens e instruções diárias acerca da forma de execução do seu trabalho;

30- E visto o sócio-gerente da ré deslocar-se a Portugal cerca de duas vezes por ano, aqui permanecendo curtos espaços de tempo;

31- Assim, era o sinistrado quem organizava o seu trabalho, combinando directamente com os clientes ou potenciais clientes as reuniões e as deslocações para cumprimento dos contratos de assistência técnica e manutenção;

32- A ré não tinha conhecimento dos trabalhos que o sinistrado realizava em cada dia;

33- Nem acompanhava diariamente as suas actividades;

34- No dia e hora referidos em 6), a ré desconhecia que o sinistrado se encontrava no local também ali mencionado;

35- Sendo certo que não lhe deu qualquer instrução nesse sentido;

36- Tendo sido, ao invés, o sinistrado quem acordou directamente com um funcionário da “HH, S.A:” a sua deslocação a esta empresa;

37- Sem que ao gerente da ré tivesse dado conhecimento dessa sua deslocação;

37A- Em geral a R. não presta serviços de instalação de antenas aos seus clientes.

37B- Como a R. não dispusesse nem de meios nem de técnicos para efectuar o serviço de instalação de antenas, se algum cliente solicitasse esse serviço, recorria, em regra, a empresas especializadas.

37C- Cabendo ao sinistrado contactar essas empresas e acompanhar os seus técnicos ao local para uma visita prévia para elaboração do respectivo orçamento.

«38- A tarefa referida em 4) formalmente não estava incluída no âmbito do contrato de manutenção referida em 11), celebrado entre a ré e a HH, S.A.»;

39- O qual não pressupunha a prestação de serviços de instalação de antenas, mas apenas serviços de manutenção;

39A- Apesar de formalmente não resultar do contrato, a prática instituída na relação entre a R., através do sinistrado, e a HH, atenta a duração e proximidade da relação e a importância da mesma para a R. (a FCC foi durante algum tempo a sua única cliente e continua a ser das principais clientes em Portugal) foi no sentido de considerar incluídos no contrato, ao abrigo das “deslocações” ali previstas, certos serviços respeitantes a equipamento de radiofrequência, como foi o caso da instalação a que o sinistrado procedia no dia 14/12/2010.[1]

40- A antena que o sinistrado se encontrava a instalar não corresponde a nenhuma das antenas identificadas no Anexo I, do contrato referido em 11);

41- Mas antes era uma antena de marca “Cisco”;

42 - Aliás, as antenas identificadas no Anexo I, do contrato referido em 11) já há algum tempo que estavam instaladas nesta empresa, sendo que nenhuma delas é da marca “Cisco”;

43- No circunstancialismo de tempo e lugar referido em 4), encontrava-se nas instalações da “HH, S.A.” uma equipa de trabalho constituída por elementos do “JJ” cuja missão consistia na montagem de uma antena no exterior do edifício;

44- Para execução desse trabalho, bem como para a execução da tarefa referida em 4), a “HH, S.A.” alugara uma máquina de marca MANITOU 171 AET que permitia uma elevação de pessoas até 17 metros de altura;

45- Essa máquina elevatória possuía um braço extensível com um cesto na sua extremidade, o qual dispunha de arnês com linha de vida;

46- O sinistrado sabia que a máquina se encontrava nas instalações da “HH, S.A.”;

47- A máquina foi utilizada pela equipa do JJ pela manhã e quando o sinistrado a quis utilizar à tarde a bateria da mesma estava descarregada, tendo o mesmo decidido recorrer ao equipamento referido em 12);

48- Para efeitos de contratação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, o sinistrado chegou a contactar e a reunir com a empresa Medicar Lisboa;

49- A ré aprovou a proposta apresentada por esta empresa e o seu gerente assinou todos os documentos com vista a contratação desses serviços.

50- Desconhecendo, todavia, a ré qual a razão de o contrato não ter sido efectivamente celebrado.

51- A A. AA pagou em 27/12/2010 a importância de € 1.914,06 de despesas de funeral à Agência Funerária ..., Ldª (aditado pela Relação).

3---

           

A primeira questão suscitada pela recorrente prende-se com o pretenso incumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº, 2, alínea a) do CPC, ao não indicar com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas em que funda a sua pretensão, sustentando a recorrente que não basta a referência ao início e termo dos depoimentos, devendo ser indicadas as horas, minutos e segundos das passagens dessas gravações.

             

Efectivamente, os AA impugnaram na apelação a matéria de facto apurada pela 1ª instância, especificadamente quanto aos nºs 10, 21, 38 e 39 dos factos provados, pretendendo que “[A] presença do sinistrado nas instalações da FCC se verificava no âmbito do contrato, designado “Contrato Manutenção 2010-2011”, celebrado entre esta e a R”.

E indicaram para tanto os depoimentos das testemunhas, ambas colaboradoras da FCC, FF [depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento realizada em 10.MAR.2014, e gravado no sistema integrado de gravação digital, com início às 15.08 horas (duração de 41.21 min. – instâncias dos AA.) – e às 16.36 horas (duração de 56.06 min. – instâncias da R.) – acta com a referência 919329] e GG [depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento realizada em 24.MAR.2014, e gravado no sistema integrado de gravação digital, com início às 12.45 horas (duração de 36.47 min. – instâncias dos AA.), às 13.06 horas (duração de 20.24 min. – esclarecimentos) e às 15.14 horas (duração de 41.09 min. – instâncias da R.) – acta com a referência 923423].

Alegaram que ambas as testemunhas declararam que a intervenção realizada no dia do acidente estava abrangida pelo contrato, apesar de as antenas não estarem identificadas no respectivo anexo, que o tipo de intervenção era enquadrável no seu âmbito, e que o contrato preconizava a realização de deslocações que eram utilizadas para outros fins que não a mera assistência e manutenção, sendo a deslocação inerente ao dia do acidente facturada e paga como uma deslocação ao abrigo do referido contrato de manutenção, declarações que constam do próprio relatório da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho no inquérito que realizou sobre o acidente.

Debruçando-se sobre a problemática da invocada inobservância do disposto pelo art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, diz o acórdão sujeito que a forma de indicação adoptada pelos apelantes “satisfaz, se bem que na sua expressão mínima, a exigência a que se refere o art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, pelo que, ao contrário do sustentado pela recorrida, não vemos razões para rejeitar o recurso nesta parte”.

Aceitamos esta posição da Relação, tanto mais que esta é que ouviu os depoimentos, sendo ela quem está, por isso, em condições para apreciar se as passagens indicadas correspondem à matéria relevante para a impugnação pretendida, e se as indicações dos apelantes permitem a detecção imediata dos depoimentos que eram relevantes.

Ora, esta circunstância foi confirmada pela Relação, pois procedeu à audição, na íntegra, dos depoimentos das testemunhas que foram indicadas, quer pelos recorrentes, quer pela recorrida.

Não vemos por isso, razões para ser rejeitada a apelação nesta parte, conforme pretendia a recorrente[2].

Por outro lado, embora esta alegue que tal omissão pôs em causa o seu direito ao contraditório, constatamos que a conduta processual dos apelantes não constituiu qualquer obstáculo ao exercício de tal poder, pois verificamos que impugnou abundantemente na sua alegação a pretensão dos AA apelantes, indicando as passagens dos depoimentos das suas testemunhas que infirmavam aquela pretensão.

Além disso, o direito ao contraditório também ficou garantido com a audição pela Relação, na íntegra, não só dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos AA, mas ainda pela audição integral das testemunhas que a R invocou.

Improcede assim esta questão.     

3.1---

            Sustenta ainda a recorrente que a Relação violou o disposto nos artigos 74º do CPT e 662º, n° 2 do C.P.C., ao aditar o ponto 51 à matéria de facto, pois a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância não foi impugnada quanto à resposta negativa que foi dada ao artigo 10º da Base Instrutória.

 

Argumenta para tanto que embora o artigo 74º da C.P.T. permita condenar em quantidade superior ao pedido, ou em objecto diverso do pedido, não permite que o Tribunal da Relação altere a decisão da matéria de facto, só porque estão em causa direitos indisponíveis. E invocando que o caso dos autos não se enquadra em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a d) do artigo 662º, n° 2 do C.P.C, pugna pela ilegalidade do mencionado aditamento.

Mas não tem razão.

            Antes de mais temos de dizer que não há qualquer violação do disposto no artigo 74º do CPT, pois este preceito tem aplicação em sede do julgamento da causa conforme for de direito, não visando o apuramento dos factos relevantes para a decisão da causa, matéria que está regulamentada no artigo 662º do CPC.

Resulta com efeito, do nº 1 deste último preceito que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, ressumando deste normativo um propósito claro do legislador em dar sentido prático ao princípio do duplo grau de jurisdição em sede de apreciação da matéria de facto, imputando ao Tribunal da Relação o dever de, na reapreciação da matéria de facto, formar autonomamente a sua convicção, seja “ex officio”, seja a solicitação do recorrente e/ou do recorrido, com referência aos meios de prova correspectivamente indicados[3].

               

Por isso, dando a Relação como assente a matéria constante do artigo 10º da BI, que a 1ª instância tinha desconsiderado, e que entendeu ser matéria relevante, atenta a indisponibilidade dos direitos dos beneficiários em caso do acidente vir a ser qualificado como de trabalho, e tendo aditado por isso, o facto constante do ponto 51º, atento o teor do documento de fls. 255, fê-lo no âmbito dos poderes que aquele nº 1 do artigo 662º do CPC lhe confere, posição que é insindicável, conforme determina o nº 4 deste preceito.

            Por outro lado, advém da norma ínsita no artigo 674º, nº 3 do CPC que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

            Assim sendo, e não se tratando de nenhum destes casos, improcede também esta questão.    

4---

Tendo a Relação concluído que o inditoso marido e pai dos AA foi vítima dum acidente de trabalho indemnizável, pugna a entidade empregadora pela sua descaracterização ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 14º da Lei 98/2009, de 4/9, a seguir designada por LAT.

Efectivamente, tendo o acidente dos autos ocorrido no dia 14 de Dezembro de 2010, já então se encontrava em vigor aquela lei, pois tinha começado a vigorar em 1 de Janeiro de 2010, conforme determinado no seu artigo 188º.  

            Esclarecido que é esta a lei aplicável, vejamos então se a empregadora tem razão.

4.1--

          A descaracterização do acidente de trabalho constitui uma causa de exclusão da sua reparação, argumentando-se para tanto que, resultando esta protecção do trabalhador de responsabilidade objectiva do empregador, que assenta basicamente no risco da autoridade, não se justifica que ela subsista quando o acidente for totalmente imputável a um comportamento intencional ou altamente culposo da vítima.

            Por isso, apesar do acidente ter todas as características de um acidente de trabalho, há algo resultante dum comportamento do próprio sinistrado que faz com que o direito à reparação não funcione.

Efectivamente, advém do artigo 14º, nº 1 da LAT que o empregador não tem que reparar os danos decorrentes do acidente que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei - alínea a).

E resulta do seu nº 2 que se considera que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento, ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.

Sustenta a recorrente que o sinistrado, ao elevar-se a mais de 9 metros de altura num empilhador, em cujos garfos encaixou um cesto metálico que não fazia parte integrante do mesmo, e que, depois de encaixado, não permanecia imóvel nem estável, incumpriu as prescrições de segurança que decorrem dos artigos 4°, 5°, 14°, 15°, 29°, 36° e 37° do Decreto-Lei n° 50/2005, tendo sido o uso deste equipamento que deu causa à queda de que resultou a morte do sinistrado.

            E nesta linha conclui que o Tribunal a quo, ao considerar que a violação das regras de segurança foi justificada, violou o artigo 14°, n° 1, alínea a) e n° 2 da LAT.

 

Sobre esta questão diz o acórdão recorrido:

“No caso não são conhecidas condições de segurança estabelecidas pelo empregador, mas a lei, designadamente o DL 50/2005, de 25/3, que estabelece as prescrições mínimas de segurança e de saúde para utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, determina (art. 4º) que os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos art. 10º a 29º (nº1) e que os trabalhadores devem utilizar os equipamentos de trabalho em conformidade com o disposto nos art. 30º a 42º (nº 3).

Entre outros “requisitos mínimos gerais aplicáveis a equipamentos de trabalho” o artigo 14.º determina que “Os equipamentos de trabalho e os respectivos elementos devem ser estabilizados por fixação ou por outros meios sempre que a segurança ou a saúde dos trabalhadores o justifique” e o art. 15º, nº 1 que “O equipamento de trabalho que provoque riscos devido a quedas ou projecções de objectos deve dispor de dispositivos de segurança adequados”.

O art. 29º sob a epígrafe “equipamento de elevação ou transporte de trabalhadores” estabelece:

1- Os equipamentos de trabalho de elevação ou transporte de trabalhadores devem permitir:

a) Evitar riscos de queda do habitáculo, se este existir, por meio de dispositivos adequados;

b) Evitar os riscos de queda do utilizador para fora do habitáculo, se existir;

(…)

1- Se os riscos previstos na al. a) do número anterior não puderem ser evitados através de um dispositivo de segurança, deve ser instalado um cabo com um coeficiente de segurança reforçado cujo estado de conservação deve ser verificado todos os dias de trabalho.

Dispõe por sua vez o art. 36º:

1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.

2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual.

3- O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança.

4- A escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização.

(…)

E o artigo 37.º (medidas de segurança colectiva):

1- As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.

2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.”

E apesar da Relação concluir que ao usar o equipamento que utilizou para a sua elevação (o empilhador N... e um cesto metálico, encaixado nos respectivos garfos, que não fazia parte integrante do mesmo), o sinistrado não zelou pela sua própria segurança, pois o cesto não permanecia imóvel e estável, e incumpriu por isso as prescrições de segurança que decorrem dos art. 4º, 5º, 14º, 15º, 29º, 36º e 37º do DL. nº 50/2005, veio a considerar-se justificada a violação das mencionadas regras de segurança.

Temos de concordar com o decidido quanto à existência de causa justificativa para a violação das mencionadas normas e para o consequente afastamento da aplicação da parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 14º da LAT.

Efectivamente, embora se desconheça qual o grau de instrução do sinistrado, o que se apurou é que este nunca havia recebido qualquer formação em matéria de segurança no trabalho, designadamente, para o exercício de funções em altura, apesar de já trabalhar para a recorrente desde 15 de Julho de 2004 (o acidente foi em Dezembro de 2010), nem esta tinha organizado quaisquer serviços de segurança e higiene no trabalho.

É certo que as prescrições legais de segurança e saúde no trabalho, visando promover a segurança e saúde dos trabalhadores, impõem deveres a estes, conforme preceitua o art. 17º da Lei nº 102/2009, de 10/9, diploma que consagra o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, e donde se colhe que:

“1 — Constituem obrigações do trabalhador:

a) Cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador;

b) Zelar pela sua segurança e pela sua saúde, bem como pela segurança e pela saúde das outras pessoas que possam ser afectadas pelas suas acções ou omissões no trabalho, sobretudo quando exerça funções de chefia ou coordenação, em relação aos serviços sob o seu enquadramento hierárquico e técnico;

c) Utilizar correctamente e de acordo com as instruções transmitidas pelo empregador, máquinas, aparelhos, instrumentos, substâncias perigosas e outros equipamentos e meios postos à sua disposição, designadamente os equipamentos de protecção colectiva e individual, bem como cumprir os procedimentos de trabalho estabelecidos;

(…)”

No entanto, não podemos ignorar que o cumprimento de tais obrigações pressupõe que o empregador lhe tenha fornecido a necessária informação e ministrado a adequada formação em matéria de segurança e saúde no local de trabalho.

Efectivamente, e conforme resulta do artigo 282º, nº 1 do Código do Trabalho/2009, o empregador deve informar os seus trabalhadores sobre aspectos relevantes da sua protecção em matéria de segurança e saúde e deve assegurar-lhes formação adequada que os habilite a prevenir os riscos associados ao exercício da respectiva actividade, conforme lhe impõe o nº 3.

Iguais obrigações decorrem do artigo 127º do mesmo compêndio legal, que sob a epígrafe “deveres do empregador” estabelece no seu nº 1, alínea f), que constitui obrigação deste fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidentes de trabalho.

E identicamente estabelece o nº 1 do artigo 20º da supracitada Lei nº 102/2009, que o trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho em que se insere e o exercício de actividades de risco elevado que lhe estejam associadas.

Ora, nada disto a entidade empregadora cumpriu, pois nunca proporcionou ao sinistrado qualquer formação na área da segurança no trabalho, nem lhe prestou qualquer informação que o pudesse habilitar a prever os riscos derivados do trabalho que estava a realizar quando se acidentou e a tomar as adequadas medidas de prevenção, apesar deste já trabalhar para ela há mais de seis anos.

            Perante este quadro de reiterado incumprimento contratual por parte da recorrente, temos de concluir pela existência de causa justificativa da violação das condições de segurança pelo sinistrado, pois face à atitude do empregador de total falta de acesso a informação e a formação nesta matéria, dificilmente se concebe que aquele tivesse tido conhecimento do acervo de normas cujo incumprimento lhe vem assacado no acórdão.

E por isso, não podemos descaracterizar o acidente à luz da alínea a) do artigo 14º da LAT, pois face ao preceituado no seu nº 2, temos de considerar justificada a violação daquelas regras de segurança por falta de concessão de formação adequada na área da segurança no trabalho e especificamente aquando da utilização de equipamentos de trabalho.

 E improcedendo esta questão, vejamos então se estão reunidos os requisitos da negligência grosseira invocada pela recorrente.

 

4.2---

 

            Dispõe o art. 14º, nº 2, alínea b) da LAT, que o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, sendo apto a integrar esta figura “o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”, conforme diz o nº 3 do referido normativo.

          Trata-se da consagração da doutrina que se foi firmando no domínio da Lei nº 2127, de cuja base VI, nº 1, alínea b) resultava que não dava direito a reparação o acidente de trabalho que proviesse, exclusivamente, de falta grave e indesculpável da vítima, pois segundo a doutrina que se foi firmando, com foros de unanimidade, no domínio desta LAT, só assumia esta natureza um comportamento temerário do sinistrado, inútil para o trabalho, indesculpável e reprovado pelo mais elementar sentido de prudência, vendo-se neste sentido os acórdãos do STJ de 20/9/88, BMJ 379/527 e de 12/5/99, BMJ 487/208.

          Também para a descaracterização do acidente de trabalho à luz da alínea b), do nº 1, do artigo 14º da actual LAT, o legislador optou claramente pela modalidade mais grave da culpa, pois só uma falta grave, indesculpável e exclusiva da vítima é que é apta a produzir tal efeito, não tendo esta virtualidade os comportamentos do sinistrado que constituam meras imprudências, inconsiderações, irreflexões ou leviandades.

          Efectivamente, a culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto – cfr. Vaz Serra, RLJ, 11º – 151, podendo nela distinguirem-se três graus:

          culpa levíssima, que é aquela que só as pessoas extremamente diligentes podem evitar;

          o de culpa leve, que é aquela em que não cairia uma pessoa de vigilância ou diligência média;

          o de culpa grave, que é aquela em que o agente usa de uma diligência abaixo do mínimo habitual, procedendo como pessoa extremamente desleixada

           

          Por outro lado, e para Galvão Teles, Direito das Obrigações 274, 4ª edição, quer a culpa grave quer a leve correspondem a condutas de que uma pessoa normalmente diligente – o bonus pater - se absteria, consistindo a diferença entre elas em que a primeira só por uma pessoa particularmente negligente se mostra susceptível de ser cometida, apresentando-se por isso como uma culpa grosseira, correspondente à “magna negligentia” dos romanos.

         

          Já dissemos que para a descaracterização do acidente de trabalho à luz da alínea b) do artigo 14º da LAT, o legislador optou claramente pela modalidade mais grave da culpa, pois só a negligência grosseira e exclusiva do sinistrado é que é apta a produzir tal efeito.

          Por isso e desde logo temos que afastar da descaracterização do acidente aqueles comportamentos da vítima que constituam meras imprudências, inconsiderações irreflexões ou leviandades, pois é preciso que o comportamento do sinistrado assuma o alto grau de censura e reprovação correspondente ao exigido para a negligência grosseira.

 

         Mas não basta uma conduta susceptível de integrar uma negligência grosseira do sinistrado, pois exige-se ainda que a conduta do sinistrado seja causa adequada e exclusiva do acidente[4].

         Por último temos que referir que, conforme é jurisprudência pacífica, cabe à recorrente o ónus da prova dos factos donde se possa concluir pela descaracterização do acidente, por se tratar de facto impeditivo do direito invocado - STJ , 19/5/89, BMJ 387/415; 29/4/91, BMJ 406/489; 8/X/91, BMJ 410/565; 13/1/93, CJ 2281; 12/5/99, BMJ 487/208; 25/11/2009, processo nº 331/07.9TTVCT.P1.S1; 9 de Julho de 2014, processo nº 572/10.1TTLSB.L2.S1, estes últimos acessíveis em www.stj.pt (base de dados) e artigo 342º nº 2 do CC.

          Por isso, terá a entidade responsável de alegar e provar matéria de facto suficiente para se poder concluir pela existência de negligência grosseira do sinistrado e que a sua conduta foi causa adequada e exclusiva do acidente.

          Atentas estas considerações, vejamos então se os factos que as instâncias apuraram são suficientes para se concluir que ocorre a pretendida descaracterização.

         

4.1.1---

               O acidente dos autos ocorreu no dia 14 de Dezembro de 2010, cerca das 14h45, tendo o sinistrado sido vítima de uma queda quando procedia à instalação de uma antena de radiofrequência nas vigas de cobertura do edifício da sociedade HH, S.A, e que estavam situadas a uma altura de nove metros em relação ao solo.

Trabalhava então para a Ré, que tem por objecto a prestação de serviços e comercialização de sistemas de comunicações e telecomunicações, sistemas móveis de captura e integração automática de dados, consultadoria em hardware e software, importação e exportação de hardware e software.

 

Foi neste contexto que, datado de 1 de Outubro de 2010 e com termo a 30 de Setembro de 2011, a ré havia celebrado com a HH, S.A. o contrato de manutenção que vem descrito a de fls. 85 a 89 dos autos.

E embora a execução do trabalho de instalação da antena de radiofrequência não integrasse o conteúdo funcional da categoria profissional de técnico de optoelectrónica e informática detida pelo sinistrado, nem formalmente estivesse incluída no âmbito do contrato de manutenção celebrado entre a ré e a FCC, a prática instituída na relação entre a R, através do sinistrado, e aquela empresa, foi no sentido de considerar incluídos no contrato, ao abrigo das “deslocações” ali previstas, certos serviços respeitantes a equipamento de radiofrequência, como era o caso da instalação a que o sinistrado procedia no dia 14/12/2010.

Para tanto contribuiu a proximidade da relação estabelecida entre o sinistrado e a FCC, atenta a importância que assumia para a R a manutenção deste contrato de prestação de serviços, pois esta foi durante algum tempo a sua única cliente, continuando a ser das suas principais clientes em Portugal.

Foi levado por estas razões que o sinistrado acedeu à instalação da antena de radiofrequência nas vigas de cobertura do edifício desta sociedade, a 9 metros de altura, tendo utilizado, para a sua elevação, o empilhador N... e um cesto metálico, encaixado nos respectivos garfos, e que não fazia parte integrante do mesmo.

É certo que se encontrava nas instalações da HH uma equipa de trabalho constituída por elementos do “JJ”, cuja missão consistia na montagem de uma antena no exterior do edifício, tendo para a sua execução, e do que o sinistrado estava a realizar, a FCC alugado uma máquina de marca MANITOU 171 AET que permitia uma elevação de pessoas até 17 metros de altura, possuindo um braço extensível com um cesto na sua extremidade, o qual dispunha de arnês com linha de vida.

E apesar desta máquina ter sido utilizada durante a manhã pela equipa do JJ, quando o sinistrado a quis utilizar, à tarde, a sua bateria estava descarregada, tendo sido neste circunstancialismo que decidiu recorrer ao empilhador N....

 E, uma vez encaixado o cesto nos garfos do empilhador, e apesar deste não permanecer imóvel e estável, o sinistrado optou por efectuar o trabalho de instalação da antena de radiofrequência, sendo o empilhador manobrado por um trabalhador da HH, que apenas possuía a categoria profissional de técnico de computadores.

Atento este quadro fáctico, temos de conceder que a actuação do sinistrado foi pouco prudente, fazendo-se elevar à altura de 9 metros num cesto encaixado nos garfos dum empilhador, que não lhe dava estabilidade, e que, além disso, era manobrado por um profissional que não detinha qualificação nesta área, pois tratava-se dum técnico de informática.

Apesar disso, agiu movido pela vontade da sua empregadora ser agradável à HH, para quem o contrato de manutenção com esta celebrado era de primordial importância.

Por outro lado, sendo o empilhador manobrado por uma pessoa sem a necessária qualificação, também não é de afastar que esta circunstância tenha contribuído para a eclosão do acidente.

Daí que se tenha de concluir que a conduta do sinistrado não foi a causa exclusiva do acidente, tal como decidiu a Relação

Por isso, também não se pode descaracterizar o acidente ao abrigo da invocada alínea b), nº 2, do art. 14º da LAT, conforme advoga a recorrente, pois não está provado que a conduta imprudente do sinistrado tivesse sido a causa exclusiva do acidente, prova que lhe competia, conforme já se deixou dito.

E improcedendo também esta questão, resta-nos confirmar o julgado.

 

5---

            Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista.

Custas pela recorrente.

           

            Anexa-se sumário do acórdão.

            Lisboa, 3 de Março de 2016

            Gonçalves Rocha (Relator)

            Leones Dantas

            Mário Belo Morgado

__________________________
[1] As partes destacadas a negrito resultam de alteração da Relação.
[2] Em sentido idêntico veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 16-05-2012, processo n.º 1598/08.0TTLSB.L1.S1, desta 4.ª Secção, que embora proferido no âmbito do anterior CPC, mantém plena actualidade.
[3] Neste sentido se pronuncia o acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Abril de 2015, processo nº 1716/11.1TTPNF.P1.S1 (Revista) – 4ª Secção, Melo Lima.
[4] Neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 17/3/2010, processo nº 110/06.0TTCBR.C1.S1, www.stj.pt (base de dados).