HABEAS CORPUS
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
CASO JULGADO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Sumário

I - O presente pedido de habeas corpus é já o 4.º formulado com referência ao mesmo processo e endereçado ao STJ, sempre com o mesmo fundamento, reportado à prescrição da pena de prisão, divergindo a presente petição das demais apenas no facto de, ao invés das 3 primeiras, que foram apresentadas pelo próprio condenado, esta ser apresentada por terceira pessoa em favor do preso. O 1.º pedido foi indeferido, o 2.º pedido não foi conhecido dada a situação de litispendência decorrente de o anterior acórdão não ter ainda, então, transitado em julgado e o 3.º pedido igualmente não conheceu do pedido cm base no caso julgado formado pelo 1.º acórdão.

II - O presente pedido diverge dos anteriores apenas na identidade do requerente, uma vez que em vez do próprio condenado e preso, é uma outra pessoa física que requer a providência. Em todo o caso, tal não altera o requisito da identidade de sujeitos para efeitos de formação de caso julgado, já que a cidadã requerente formulou o pedido não em seu favor ou interesse, mas em favor e, diríamos, em nome ou representação do próprio preso, embora este não estivesse pessoalmente impedido de o desencadear (ou pelo menos nenhumas razões vêm invocadas nesse sentido), como antes fez, por 3 vezes.

III - O sujeito interessado é, assim, juridicamente o mesmo que formulou idêntico pedido que foi objecto de decisão no anterior acórdão deste STJ, devidamente transitado em julgado, pelo que há identidade jurídica de sujeitos que, com a identidade do pedido (libertação imediata do condenado) e com a identidade de causa de pedir (ilegalidade da prisão por alegada prescrição da pena), configuram a excepção dilatória do caso julgado, que obsta ao conhecimento do mérito da causa.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

AA, presumivelmente mãe do arguido BB (de acordo com os elementos de identificação deste constantes dos autos), preso desde 24.02.2016 no âmbito do processo n.º 135/04.0IDAVR-D da Instância Local de ... (Secção de Competência Genérica – J1) da Comarca de ..., veio, enquanto cidadã no gozo dos seus direitos políticos e invocando a ilegalidade da prisão em que aquele se encontra, requerer a presente providência de habeas corpus, nos termos e com os seguintes fundamentos (transcrição, com sublinhados, do respectivo manuscrito):

- “O fundamento para esta providência está estipulado no art.º 222.º, n.º 2, alín. b), do Código de Processo Penal (CPP), ou seja, a prisão foi motivada por facto pelo qual a lei não a permite.

O facto é a prescrição da pena de prisão a 21.12.2013, três anos antes da detenção para cumprimento da pena de prisão.

A prescrição da pena de 10 meses de prisão, conforme estipula o art.º 122.º, n.º 1, alín. d) do Código Penal (CP) é de 4 anos.

O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena, conforme estipula o art.º 122.º, n.º 2, do CP (21.12.2009).

A decisão que aplica a pena é a sentença condenatória, conforme estipula o art.º 375.º do CPP e art.º 50.º, n.º 4, do CP.

A revogação da pena suspensa determina somente o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, conforme estipula o art.º 56.º, n.º 2, do CP.

A prescrição da pena não se suspende porque não existe qualquer causa das 4 causas previstas no art.º 125.º, n.º 1, do CP.

O condenado nunca esteve contumaz [b)], nunca esteve a cumprir qualquer pena ou medida de segurança privativas da liberdade [c)], nem nunca esteve sujeito ao pagamento de qualquer multa [d)].

Sem qualquer margem para dúvidas, está demonstrado que o prazo de prescrição inicia-se em 21.12.2009 e não se suspendeu, pelo que a pena de prisão de 10 meses prescreveu em 21.12.2013.

Logo a prisão é ilegal.”

O Exmo. Juiz titular daquele processo, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 223.º do CPP, prestou a seguinte informação:

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Novembro de 2009, transitado em julgado em 21 de Dezembro de 2009, foi o arguido BB condenado pela prática, como autor material, de crimes de fraude fiscal, na pena única de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada à condição de o arguido efectuar o pagamento, no prazo de 1 (um) ano, da quantia de €:30.000,00 (trinta mil euros), correspondente à prestação tributária em falta (cfr. 364/393).

Por sua vez, por despacho com a ref. 12645051, datado de 11 de Outubro de 2011, foi revogada a suspensão da execução, ordenando-se o cumprimento efectivo da pena de prisão. Tal despacho foi, por sua vez, revogado, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Maio de 2012, que determinou “ a realização das diligências necessárias e convenientes a estabelecer o juízo de censura ou não censura ao objectivado incumprimento da condição imposta para a suspensão da execução da pena e as respectivas consequências que não deverão ser extraídas sem que ao arguido Joaquim Manuel de Almeida Pereira Valente seja, pelo menos, facultado o contraditório relativamente a todos os elementos probatórios recolhidos.” (cfr. apenso B).

 Em obediência a tal acórdão, foram ordenadas várias diligências no sentido de apurar a situação pessoal e económica do arguido e o seu paradeiro (cfr. fls. 627/718).

Por decisão com a ref. 19627673, datada de 25 de Setembro de 2013 e transitada em julgado em 24 de Outubro de 2013, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ordenando-se o seu cumprimento (cfr. fls. 751/754) (cfr. fls. 751/754).

Tendo sido emitidos mandados para cumprimento de tal pena, foi o arguido preso em 25 de Fevereiro de 2016, tendo sido conduzido ao EPR de Silves.

Importa, então, emitir pronúncia sobre a legalidade de tal prisão.

Ora, como se refere, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2010 (publicado em www.dgsi.pt), “a suspensão da execução da pena como pena de substituição que é pressupõe que a sentença que a aplica determine, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída e só a revogação da suspensão determinará o cumprimento dessa pena principal (de prisão).

“Assim, só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.”

Importa, no entanto, que tal decisão de revogação seja proferida dentro do prazo prescricional da pena suspensa, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída (cfr. em idêntico sentido, o acórdão do STJ de 13 de Fevereiro de 2014 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Julho de 2013, in www.dgsi.pt).

Ora, tendo a decisão de revogação da suspensão sido proferida antes do decurso do prazo de prescrição da pena de substituição, em 24 de Outubro de 2013 (data do trânsito em julgado do despacho revogatório) iniciou-se novo prazo de prescrição, pelo que a pena prescreveria em 24 de Outubro de 2017.

Aliás, tal entendimento foi já sufragado nos presentes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente por acórdão de 6 de Abril de 2016, transitado em julgado a 22 de Abril de 2016 (apenso C), por acórdão de 21 de Abril de 2016 (apenso 135/04.0IDAVR-C.S1-A) e por acórdão de 19 de maio de 2016 (apenso 135/04.0IDAVR-D.S1).

Destarte, mantenho a prisão do arguido BB”.

Os autos foram instruídos, além do mais, com cópias dos acórdãos deste STJ de 06.04.2016, 21.04.2016 e 19.05.2016 relativos aos requerimentos de habeas corpus que entretanto correram termos nos apensos do mesmo processo, a pedido do condenado (apensos C e 135/04.0IDAVR-C.S1-A e 135/04.0IDAVR-D.S1).

Teve lugar a audiência a que alude o n.º 3 do art.º 223.º do CPP, cumprindo apreciar e decidir.

*

II. Fundamentação

A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra no art.º 31.º, n.º 1, como direito fundamental, a garantia do habeas corpus, que subordina a 2 requisitos: (1) abuso de poder, lesivo do direito à liberdade e (2) detenção ou prisão ilegal.

Nos termos do n.º 2 do art.º 222.º do CPP a ilegalidade da prisão deve taxativamente provir de: (a)) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente, (b)) ser motivada por facto que a lei a não permite e (c)) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 31.º da CRP e do n.º 2 do art.º 222.º do CPP a providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

Foi com base no disposto naquela alín. b) que a requerente fundamentou o pedido de habeas corpus, considerando ilegal a prisão de seu filho, uma vez que, quando foi preso, em 24.02.2016, já a pena de 10 meses de prisão, em que tinha sido condenado, havia prescrito.

Este é o 4.º pedido de habeas corpus formulado com referência ao mesmo processo e endereçado a este Supremo Tribunal, sempre com o mesmo fundamento, reportado
à prescrição da pena de prisão (suspensa na sua execução, suspensão essa posteriormente revogada), divergindo a presente petição das demais apenas no facto de, ao invés das 3 primeiras, que foram apresentadas pelo próprio condenado, esta ser apresentada por terceira pessoa em favor do preso, em consonância com aqueles preceitos legais.

Com efeito, o 1.º pedido foi indeferido por acórdão deste STJ de 06.04.2016 (transitado em julgado a 22.04.2016), o 2.º, objecto do acórdão de 21.04.2016, não foi conhecido dada a situação de litispendência decorrente de o anterior acórdão não ter ainda, então, transitado em julgado e o 3.º, apreciado no acórdão de 19.05.2026, igualmente não conheceu do pedido com base no caso julgado formado pelo 1.º acórdão.

Aproveitando a síntese efectuada no anterior douto aresto, importa referir que o arguido BB foi condenado, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18.11.2009, transitado em julgado a 21.12.2009, pela prática de crimes de fraude fiscal, na pena única de 10 (dez) meses de prisão, substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano, subordinada à condição de o arguido efectuar o pagamento, no prazo de 1 (um) ano, da quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), correspondente à prestação tributária em falta.

Por despacho, de 11.10.2011, foi revogada a pena de substituição, e foi ordenado o cumprimento efectivo da pena principal de prisão. No entanto, este despacho foi revogado por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30.05.2012, que determinou "a realização das diligências necessárias e convenientes a estabelecer o juízo de censura ou não censura ao objectivado incumprimento da condição imposta para a suspensão da execução da pena e as respectivas consequências que não deverão ser extraídas sem que ao arguido BB seja, pelo menos, facultado o contraditório relativamente a todos os elementos probatórios recolhidos." (cf. informação a fls. 42). Foram, então, ordenadas diligências e, por decisão de 25.09.2013, transitada em julgado a 24.20.2013, foi revogada a pena de substituição aplicada e ordenado o cumprimento da pena principal de 10 meses de prisão.

Em cumprimento do mandado emitido (cf. fls. 36), o requerente foi preso a 25.02.2016.

Em Abril passado, o requerente fez idêntico pedido de habeas corpus a este tribunal e com os mesmos fundamentos. Na altura, considerou que teria havido “dilação do pagamento” até 21.12.2010 (isto é, o período de 1 ano de suspensão de execução da pena principal, e durante o qual devia proceder ao pagamento de montante correspondente à quantia em dívida), e concluiu que a pena teria prescrito, com base no disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. d), do CP; segundo o então requerente, a prescrição teria ocorrido a 12.12.2014.

Por acórdão de 06.04.2016, transitado em julgado a 22.04.2016, foi deliberado:

«Os mandados de detenção do arguido estão datados de 28/11/2013 e foram cumpridos a 25/02/2016. Uma vez que o arguido iniciou nesta data o cumprimento de pena de prisão é em face da circunstância de já terem decorrido mais de quatro anos sobre a pena primitivamente aplicada que o mesmo esgrima com a consumação da prescrição.

Todavia, como refere Figueiredo Dias, a prescrição da pena é a prescrição da execução da pena[1].

A partir do momento em que a suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, e atempadamente, a pena que o arguido passou a ter que cumprir é a de prisão por dez meses. Portanto, a partir do trânsito em julgado do despacho que operou essa revogação, a prescrição da pena é a prescrição da pena de prisão pois que é a única em relação à qual se pode colocar, nessa altura, a questão da respectiva execução e não perante a pena cominada na primitiva sentença condenatória, de suspensão de execução da pena de prisão, a qual se encontra revogada.

Como a pena de prisão só pode ser cumprida a partir do trânsito em julgado do despacho que operou aquela revogação é a partir dessa data que se contam os 4 anos da prescrição da pena. Efectivamente, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 09/10/2013, o art.º 122.º do CP estabelece no seu n.º 2 que “O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena", que pode não ser, necessariamente, o dia em que transitar em julgado a sentença condenatória (Cf. P. P. de Albuquerque, in "Comentário do Código Penal", pág. 384). No caso de condenação em pena suspensa que depois é revogada, "a decisão que aplica a pena" resulta duma conjugação, da fixação na sentença condenatória, da pena de prisão substituída, com a decisão que revoga a suspensão. Dada a indispensabilidade desta decisão revogatória, para que a pena de prisão se aplique, o prazo de prescrição só pode contar-se a partir dela.

 Aliás, o art.º 125.º, n.º 1, al. c), do CPP, ao referir que a prescrição se suspende, entre outros casos, “durante o tempo em que (...) O condenado estiver a cumprir outra pena”, conduz à mesma solução. O não cumprimento da pena de prisão, invocando a prescrição, pressupõe obviamente a prescrição da pena de prisão, e não de qualquer outra. A pena de prisão aplicada na decisão condenatória tem um prazo de prescrição que se encontra necessariamente suspenso, pelo facto de o arguido estar a cumprir outra pena, ou seja a cumprir uma pena de substituição nomeadamente de suspensão de execução da pena de prisão. Só quando a pena de substituição deixou de estar a ser cumprida, devido à sua revogação, cessa a suspensão do prazo da prescrição da pena de prisão.

Consequentemente, computando o lapso temporal decorrido desde que se verificou a revogação da pena suspensa, é manifesto que ainda não decorreu o prazo prescricional a que alude o artigo 122.º n.º 1 alínea d) do Código Penal.

Pelo exposto, e tudo visto, delibera-se neste Supremo Tribunal de Justiça indeferir, ao abrigo do art.º 223.º n.º 4, e al. a) do CPP, o pedido de HABEAS CORPUS apresentado por BB».

Ainda esse acórdão não tinha transitado em julgado, veio o então mesmo requerente apresentar novo pedido de habeas corpus onde “invocou, no essencial, razões idênticas às que ora alinha para justificar a sua pretensão, que mais não é que a sua imediata restituição à liberdade, por alegadamente encontrar-se prescrita desde 21.12.2014 a referenciada pena de dez meses de prisão, para cujo cumprimento foi preso em 24.02.2016, importa, antes de mais, apurar se há lugar ao conhecimento da presente providência.”(acórdão do STJ de 21.04.2016, no processo n.º 135/04.0IDAVR-C.S1 – A, onde o requerente era também BB). Por isto, não foi neste último acórdão conhecido o pedido formulado por estar verificada uma situação de litispendência.

Considerou o anterior acórdão de 19.05.2016 que o requerente apresentou, entretanto, igual pedido de habeas corpus e com base nas mesmas razões de direito apresentadas no pedido que foi decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.04.2016 e transitado em julgado a 22.04.2016: prescrição da pena em momento anterior ao momento da sua prisão.

Tendo aquele acórdão decidido, relativamente ao mesmo então requerente BB, sobre o mesmo pedido — libertação em razão de prisão ilegal —  e com base nos mesmo fundamentos — prescrição da pena — do pedido agora apresentado e tendo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Abril passado analisado integralmente o pedido quer quanto ao prazo de prescrição, quer quanto às causas de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição da pena, considerou o mesmo último aresto que o Supremo Tribunal estava impedido de analisar novamente a questão por força do caso julgado.

Na verdade – considerou - nos termos do art.º 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art. 4.º, do CPP, o tribunal está impedido de conhecer do mérito da causa quando exista excepção dilatória, isto é, quando exista caso julgado [cf. art.º 577.º, al. i), do CPC ex vi art.º 4.º, do CPP]; ora, nos termos dos art.ºs 580.º e 581.º, ambos do CPC, ex vi art.º 4.º, do CPP, existe caso julgado quando há repetição da causa — ou seja, quando há uma acção idêntica quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao pedido, quer quanto à causa de pedir — e já há sentença transitada em julgado.

Ora – continuou - entre o pedido de habeas corpus agora formulado e o decidido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a 06.04.2016, há identidade de sujeitos — pois ambos os pedidos são de BB — há identidade do pedido, uma vez que se pretende obter com ambos os pedidos o mesmo efeito jurídico — a libertação do requerente —, e há identidade da causa de pedir — em ambos os pedidos se pretende a libertação com base na prescrição da pena, por ter decorrido o prazo de prescrição de 4 anos, determinado pelo disposto no art.º 122.º, n.º1, al. d), do CP, sem que se possa aplicar nenhuma das causas de interrupção ou de suspensão do decurso daquele prazo.

Assim sendo – concluiu esse aresto – “estando preenchida a excepção dilatória do caso julgado, esta obsta, por força do disposto no art.º 576.º, n.º 2, do CCP, ex vi art.º 4.º, do CPP, ao conhecimento, por este tribunal, do mérito da causa”.

Ora, no que o presente pedido diverge dos anteriores e com relevância do decidido no acórdão de 06.04.2016, é somente na identidade do requerente.

Em vez do próprio condenado e preso, é uma outra pessoa física que requer a providência.

Mas será que isso altera a identidade de sujeitos enquanto requisito do caso julgado?

- Afigura-se-nos que não.

Como é sabido, o caso julgado constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa (art.º 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alín. i), do CPC, aplicável, como os demais, ex vi art.º 4.º do CPP), é de conhecimento oficioso (art.º 578.º do CPC) e verifica-se quando se repete uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (art.º 580.º, n.º 1, do CPC), tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (art.º 580.º, n.º 2, do CPC).

Repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.º 581.º, n.º 1, do CPC).

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (idem, n.º 2).

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (idem, n.º 3).

E há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (idem, n.º 4).

Nas palavras de Alberto dos Reis[2], a identidade subjectiva que caracteriza o caso julgado depende essencialmente da identidade jurídica que não da identidade física, podendo haver identidade jurídica desacompanhada da identidade física.

Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira[3], o n.º 2 do art.º 31.º da CRP  “reconhece uma espécie de acção popular de habeas corpus (cfr. art.º 52.º, n.º 1), pois, além do interessado, qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos tem o direito de requerer a providência em favor do detido ou preso. Além de corporizar o objectivo de dar sentido útil ao habeas corpus, quando o detido não possa pessoalmente desencadeá-lo, essa acção popular sublinha o valor constitucional objectivo do direito à liberdade”.

Quer dizer, a cidadã requerente formulou o pedido não em seu favor ou interesse, mas em favor e, diríamos, em nome ou representação do próprio preso, embora este não estivesse pessoalmente impedido de o desencadear (ou pelo menos nenhumas razões vêm invocadas nesse sentido), como antes fez, por três vezes.

O sujeito interessado é, assim, juridicamente o mesmo que formulou idêntico pedido que foi objecto de decisão no anterior acórdão deste STJ de 06.04.2016, devidamente transitado em julgado, pelo que há identidade jurídica de sujeitos que, com a identidade do pedido (libertação imediata do condenado) e com a identidade de causa de pedir (ilegalidade da prisão por alegada prescrição da pena pelo decurso do prazo de prescrição de 4 anos a que alude a alín. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP), configuram a excepção dilatória do caso julgado.

Ora, a situação do condenado BB, a quem respeita a presente providência, foi já apreciada e decidida em anterior acórdão deste STJ transitado em julgado, como de resto o mesmo se concluiu no anterior e último acórdão, pelo que o caso julgado, enquanto excepção dilatória, obsta ao conhecimento do mérito da causa, ou seja, aqui, do pedido[4].

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            III. Decisão

     Face ao exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em não conhecer do pedido de habeas corpus apresentado por AA em favor de BB, com base na excepção do caso julgado formado pelo acórdão deste STJ de 06.04.2016 e transitado em julgado em 22.04.2016, com referência ao mesmo processo n.º 135/04.0IDAVR-C.S1.

Custas pela requerente, com a taxa de justiça de 5 UC.

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Supremo Tribunal de Justiça, 23 Junho de 2016

Francisco Caetano

Souto de Moura

Santos Carvalho

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[1] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 713.
[2] Código de Processo Civil, Anot., III, pág. 98.
[3] Constituição da República Portuguesa, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, pág. 509.
[4] No sentido exposto, v. os Acs. do STJ de 23.03.1988, Proc. 000020, 04.01.1990, Proc. 000040, 14.03.2002, Proc. 02P1062, 21.04.2010, Proc. 80/10.0YFLSB.S1, in www.dgdsi.pt e de 04.02.2106, Proc. 529/03.9TAAVR-E.S1-5.ª, in Sumários, no site do STJ.