1 - São pressupostos da obrigação de indemnizar: o facto voluntário (ativo ou omissivo) do agente, a ilicitude desse facto, a imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
2 – Tendo-se provado apenas que a autora não tinha outro rendimento que não fosse o proveniente do seu trabalho e que por ter auferido os rendimentos que constam dos recibos no período de novembro de 2009 em diante, passou a depender dos rendimentos do seu marido para fazer face às despesas mensais do agregado familiar, composto por ambos e três menores, e chegaram a ter que pedir dinheiro emprestado a amigos e familiares, tal matéria factual é insuficiente para fundamentar a condenação por danos não patrimoniais.
3 – Peticionado o pagamento do descanso compensatório, compete ao trabalhador alegar e provar que prestou o trabalho suplementar e que não gozou o descanso compensatório. Feita esta prova, compete à entidade empregadora provar o respetivo pagamento.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])
1 – RELATÓRIO
AA intentou, no Juízo de Trabalho de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste, a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, LDA., pedindo que:
- Seja reconhecida e declarada a ilicitude e consequente nulidade da Adenda ao Contrato de Trabalho celebrada entre si e a R. com as legais consequências e, por via disso, seja a R. condenada a:
- Reintegrá-la no seu posto e local de trabalho, com a antiguidade e a categoria profissional e tempo laboral que lhe pertencia à data da assinatura da adenda ao contrato de trabalho;
- A pagar-lhe as remunerações mensais, remunerações de férias, subsídios de férias e de Natal vencidas desde a data do respetivo despedimento, no montante de € 8.987,00, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal ou efetiva reintegração;
- A pagar-lhe o montante de € 1.753,51, a título de trabalho suplementar e descanso compensatório não gozado nem pago e remanescentes devidos nos créditos vencidos pela não inclusão da média do trabalho suplementar na remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal, nos anos de 2006 a 2007;
- A pagar-lhe a quantia de € 23.260,00, a título de diferenças salariais na sua remuneração, remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal, vencidos e não pagos nos anos de 2009 a junho de 2012;
- A conceder-lhe as férias não gozadas nem pagas, desde 2009 até ao presente, por exclusiva culpa da R.;
- A pagar-lhe uma indemnização pela violação do dever de ocupação efetiva de, pelo menos, € 22.500,00;
- A pagar-lhe os subsídios de refeição no valor diário de € 5,69, por cada dia em que ficou obrigada à inatividade, bem como das folgas não gozadas e formação não facultada pela R., na vigência do contrato e em montante a calcular em execução de sentença;
- A pagar-lhe uma indemnização no valor de, pelo menos, € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência da violação pela R. dos seus direitos e regalias, sujeitando-a à assinatura da adenda e a inatividade e a manter o vínculo de efetiva, mas sem trabalho nem salário e, bem assim, pela impossibilidade de aceder ao subsídio de desemprego após o seu abusivo despedimento, em virtude do crime de abuso de confiança à segurança social praticado pela R. e referente à não entrega dos descontos efetuados sobre a remuneração desde janeiro de 2010 até à data do despedimento;
- A pagar a sanção pecuniária compulsória nos termos do disposto no art. 829º-A do CC de, pelo menos, € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de a reintegrar, em conformidade com a sentença que vier a ser proferida nos presentes autos;
- A pagar-lhe os juros de mora vincendos à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;
- A regularizar as contribuições pagas à segurança social, relativamente à A. desde novembro de 2009 até ao presente, com base na remuneração real que deveria ter sido paga com inclusão dos remanescentes supra discriminados e reclamados.
Como fundamento alegou que foi admitida ao serviço da R. em 1.03.2006, através de contrato de trabalho sem termo, para exercer, por conta e sob a autoridade e direção desta, as funções de vigilante, auferindo ultimamente a retribuição base mensal de € 629,60, acrescida da quantia diária de € 5,28 de subsídio de almoço. Trabalhava 40 horas semanais, em turnos rotativos. A R. aproveitou-se da sua incapacidade temporária e da sua debilidade e limitações e pressionou-a a assinar uma adenda ao contrato de trabalho que diminuiu o seu horário de trabalho. Tal adenda, porque foi obtida mediante coação, é nula. Mais tarde quis revogar essa adenda e passar novamente a trabalhar a tempo inteiro, no entanto, a R. não lhe deu qualquer resposta. Além disso, a R., sabendo que a A. não podia laborar ao domingo por ter filhos menores e não ter onde os deixar, atribuiu-lhe um horário nesse dia. A R. deu ordens verbais para que a A. ficasse em casa, violando assim o direito de ocupação efetiva. Ficou sem rendimentos e sofreu com esta situação, pelo que, por esses danos, tem direito a receber uma indemnização de € 22.500,00. Entretanto, a R. enviou-lhe uma carta a comunicar que considerava o contrato de trabalho denunciado, por abandono de trabalho, visto a A. ter deixado de comparecer por mais de 10 dias. Todavia, tal não sucedeu, pois não trabalhava apenas porque a R. não lhe dava trabalho. Nunca foi sua intenção pôr termo ao contrato de trabalho pelo que falta o elemento subjetivo da cessação do contrato por abandono do trabalho. A R. não entregou as contribuições para a segurança social a partir de 31.01.2010 o que a impossibilitou de obter o subsídio de desemprego. Por tal facto e por todas as violações contratuais levadas a cabo pela R., que a sujeitou à assinatura da adenda e a uma situação de inatividade, sem trabalho nem salário, tem direito a receber uma indemnização por danos morais. A atitude da R. ao invocar um abandono de trabalho inexistente configura uma situação de despedimento ilícito pelo que tem direito a ser reintegrada e a serem-lhe pagos os salários intercalares. Na vigência do contrato prestou trabalho suplementar que não lhe foi pago. Também não gozou o respetivo descanso compensatório. Além disso, o valor do trabalho suplementar prestado e não pago deve ser considerado no cômputo dos valores a pagar a título de subsídios de férias e de Natal. Após a assinatura da adenda que levou a que passasse a trabalhar em regime de tempo parcial, viu o seu rendimento reduzido relativamente ao valor que recebia quando trabalhava a tempo inteiro, pelo que a R. deve pagar-lhe a diferença.
Citada, a R. contestou invocando a prescrição dos créditos, porque tendo o contrato terminado por abandono do trabalho, os efeitos da cessação produzem-se no dia 21.03.2012, data em que se completaram os 10 dias após a ocorrência do abandono e, por isso, o prazo de prescrição de 1 ano completou-‑se em 22.03.2013, sendo que a ação foi intentada em 19.05.2013. Alegou ainda que a adenda ao contrato de trabalho que levou à passagem da A. a regime de trabalho a tempo parcial resultou de uma pretensão manifestada por ela, que comunicou ao supervisor que tinha dificuldades em comparecer ao trabalho e preferia trabalhar menos horas e de preferência ao fim de semana, pois tal era-‑lhe mais conveniente do ponto de vista pessoal, sendo que nunca lhe disse que essa pretensão era meramente temporária. A retribuição da A. passou a ser inferior porque a mesma passou a trabalhar menos tempo. A adenda foi livremente assinada pela A. não se verificando nenhum vício da vontade e não existindo qualquer invalidade da mesma. Sempre pagou à A. em função do trabalho que a mesma prestou pelo que não lhe deve qualquer diferença salarial. Não houve qualquer violação do dever de ocupação efetiva. Comunicou à A. em 28.01.2011, a escala e horário de trabalho no cliente Edifício Miraflores Premium. Este local de trabalho manteve-se inalterado até 7.03.2012, data em que a A. deixou de comparecer sem ter apresentado qualquer justificação. Assim, o abandono do trabalho verificou-se e esta forma de cessação do contrato é plenamente válida. Nada deve à A. de trabalho suplementar e descanso compensatório. Não comunicou à segurança social em 31.10.2010 o fim do contrato de trabalho da A., só o tendo feito em setembro de 2012.
A A. respondeu, pugnando pela não verificação da prescrição porque o prazo de 1 ano se conta a partir da data da receção da carta a comunicar o abandono do trabalho, ou seja, de 19.06.2012, pelo que o prazo ainda não tinha decorrido à data da instauração da ação.
Dispensada a realização de audiência preliminar foi proferido despacho saneador em que se conheceu da incompetência em razão da matéria e se absolveu a R. da instância relativamente ao pedido referente à regularização das contribuições para a segurança social, relegando-se para final o conhecimento da exceção de prescrição.
Realizado o julgamento foi proferida a sentença com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) julgo improcedente a exceção de prescrição dos créditos da autora;
b) declaro ilícito o despedimento da autora;
c) condeno a Ré a pagar à autora as retribuições mensais e subsídios de férias e de Natal devidos desde a data do despedimento, ocorrido em 19.6.2012, no valor mensal de € 238,71 até à data do trânsito em julgado da presente decisão, nos termos do art. 390º, do CT, deduzindo os valores a que alude o nºs 2 do referido artigo, a quantificar em sede de incidente de liquidação;
d) condeno a Ré a reintegrar a autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
e) condeno a Ré no pagamento da quantia diária de € 50, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração da autora;
f) condeno a Ré a pagar à autora juros de mora sobre as quantias atrás referidas contados à taxa anual de 4% desde o vencimento e até integral pagamento;
g) no mais, julgo a ação improcedente e absolvo a Ré do restante contra si peticionado.”
Inconformada, a A. apelou, vindo a Relação a proferir a seguinte deliberação (com um voto de vencido relativamente à condenação pelos danos não patrimoniais):
“Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da autora e, em consequência, alterar a sentença recorrida cujo decisório passa a ser nos seguintes termos:
a) Julga-se improcedente a excepção de prescrição dos créditos da autora;
b) Declara-se ilícito o despedimento da autora;
c) Condena-se a Ré a pagar à autora as retribuições mensais e subsídios de férias e de Natal devidos desde a data do despedimento, ocorrido em 19.6.2012, no valor mensal de € 479,16 até à data do trânsito em julgado da presente decisão, nos termos do art. 390º, do CT, deduzindo os valores a que alude o nºs 2 do referido artigo, a quantificar em sede de incidente de liquidação;
d) Condena-se a Ré a reintegrar a autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
e) Condena-se a Ré no pagamento da quantia diária de € 50, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração da autora;
f) Condena-se a Ré a pagar à autora a quantia de € 59,51 a título de remuneração de descanso compensatório.
g) Condena-se a Ré a pagar à autora juros de mora sobre as quantias atrás referidas contados à taxa anual de 4% desde o vencimento e até integral pagamento;
h) Condena-se a Ré a pagar à autora a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde a data deste acórdão até integral pagamento;
i) Absolve-se a Ré do restante peticionado.
Custas em 1ª instância conforme ali estabelecido.
Custas em 2ª instância a cargo da autora e Ré na proporção de 1/2 por cada uma.”
Do assim decidido, recorre agora a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão na parte em que a condenou a pagar à A. a indemnização por danos não patrimoniais e a indemnização por descanso compensatório, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
«1- A indemnização por danos extra-patrimoniais deve ser determinada à luz do previsto no artº 494º do Código Civil, por remissão operada pelo nº 3 do artº 496º do mesmo Código;
2- Para o efeito necessário é que se verifique um nexo causal claramente discernível entre o facto apontado ao Réu, por um lado, e o dano alegado como causado ao autor, por outro (i); O dano a ressarcir no âmbito de tal causa de pedir tem de ser de natureza nitidamente moral ou extra-patrimonial, e não ser, em bom rigor, de cariz patrimonial ou económico (ii); Deve ser grave e relevante, e não traduzir-se em meros incómodos ou inconvenientes naturais ou consequentes (não obstante o seu processo causal de alguma forma ligado à ilicitude do acto ou do facto) (iii); e a ser objeto de ressarcimento a tal título, ainda assim, ser o valor a pagar adequado, coerente e conforme com a ordem de valores habitualmente praticados para casos e situações análogas por parte dos Tribunais (iv).
3- Inexistindo culpa da entidade empregadora, ora recorrente, nas alegadas consequências danosas sofridas pela empregada, antes pelo contrário tendo esta autora concorrido de forma determinante para a situação verificada, não deve haver lugar à condenação daquela em qualquer ressarcimento a tal título;
4- Inexistindo qualquer tipo de especial relevância particular no alegado dano qualificado como extra-patrimonial sofrido pela A e trabalhadora, ora recorrida, não há lugar a qualquer dano que seja considerado relevante e digno de reparação em sede de indemnização por danos extra-patrimoniais;
5- Os danos de cariz extra-patrimonial situam-se por regra no plano dos prejuízos de cariz psicológico ou moral sofridos pelo putativo lesado, e não se confundem, nem devem confundir com danos de cariz económico-financeiro pelo mesmo sofridos;
6- Sendo o dano alegadamente sofrido pela recorrida resultante de uma alegada redução de prestação efectiva de trabalho por comparação com aquele que era o seu período normal de trabalho e por causa imputável à entidade empregadora, ora recorrente, e da qual resultou uma invocada perda e redução de retribuição, a qual por sua vez, deu azo a uma situação de redução de rendimento pessoal e familiar, e a uma situação de dependência do marido e de terceiros, por um lado;
7- E não se tendo provado a ocorrência de qualquer outro dano de cariz extra-‑patrimonial, designadamente de cariz psicológico ou moral (como dor, humilhação, penúria ou outro), não estamos perante uma situação de dano extra-patromonial mas, quando muito, de dano patrimonial.
8- O dano patrimonial - ao invés do dano extra-patrimonial que deve ser julgado com base no critério da equidade -, baseia a determinação da medida do seu ressarcimento no princípio ou na teoria da diferença entre a situação verificada após e por consequência do facto lesivo, e aquela que existiria se tal facto e consequência não se tivessem verificado;
9- Para efeito de qualificação e conclusão pela existência de uma situação de dano extra-patrimonial, designadamente de alegada situação de penúria humilhante, deve o Tribunal basear-se em factos que assim o permitam afirmar, e não em considerações adverbiais ou adjectivas por si próprio formuladas (e aditadas), à revelia de matéria de facto suficiente para o sustentar;
10- Inexistindo nos autos matéria de facto que permita concluir pela existência de danos de cariz psicológico ou moral por parte da A, ora recorrida, não podia, nem pode, o Tribunal dar como provada e existente tal dano e prejuízo para efeito do seu ressarcimento á luz da obrigação de indemnização dos danos extra-patrimonais previsto no artº 496º do Cód Civil;
11- Ainda que se admitisse, por mero dever de patrocínio, a existência de semelhante dano de cariz extra-patrimonial, o certo é que na determinação do montante adequado para a sua compensação, para além dos critérios gerais e abstractos fixados regra geral no artº 494º do Código Civil,
12- Deve sempre atender-se à ordem de valores e patamares que vão sendo fixados pelos Tribunais, designadamente pela Jurisprudência das instâncias de recurso, de modo a assegurar alguma coerência e lógica do sistema na decisão e ressarcimento deste tipo de casos;
13- Designadamente e em sede laboral, daquela que vai sendo emanada pela 4ª Secção do STJ, e especificamente sumariada, resumida e disponível no respectiva base de dados junto do site www.dgsi.pt.
14- Por mero dever de patrocínio, o que por mera cautela e sem se conceder se admite, caso se considerasse verificado uma situação de dano extra-patrimonial sofrido pela A e imputável à R, ora recorrente, ainda assim nos aprece o valor de 15.000,00 euros exorbitante e perfeitamente desajustado para a situação de facto em causa; Com efeito;
15- Constatando-se, unicamente e sem mais, que por virtude da menor prestação e dação efectiva de trabalho por parte desta, sofreu a mesma uma redução de valor da sua retribuição salarial face àquela que seria devida em função da correspondente ao período normal de trabalhador a tempo parcial que havia sido acordado entre as partes, e que por tal facto ficou dependente do seu marido e de empréstimos de terceiros, consideramos - à luz da culpa da R nos factos e da condição económica da A - que uma indemnização adequada e ajustada seria da ordem dos 2 500,00 euros, e não mais;
16- Já no que versa ao segundo objecto da Revista, ou seja a questão do descanso compensatório remunerado em que a R foi condenada pela Relação, parece que o diferencial que justifica a diversa decisão prolatada pela Relação relativamente à Sentença da 1ª instância reside no novo e último facto 39 que esta aditou à Fundamentação.
17- Sucede, porém, que deste novel facto - dos valores constantes dos recibos - nada resulta que permita saber qual e que tipo de trabalho suplementar a A. prestou. Unicamente que terá recebido algumas verbas por contrapartida de horas de trabalho suplementar prestadas com as correspectivas majorações legais.
18- Em sede de trabalho suplementar o que foi dado como provado foi o que consta dos pontos 4, 36 e 37 (não impugnados) da fundamentação da sentença e cujo conteúdo se dá por reproduzido.
19- Nunca poderia, por isso, proceder a pretensão da A. de novo repristinada em sede de recurso, porquanto aqueles factos são essenciais para que se saiba em que medida e prazo, podia e devia ter a A, beneficiado do alegado descanso compensatório (vide artº 202º e 203º do CT 2003).
20- Para além e independentemente disso, a cisão que para efeito do ónus da prova regulado pelo artº 342º do C Civil é efectuada pelo Tribunal da Relação, entre quem deve provar a falta de gozo do descanso compensatório que considera devido, por um lado (i), e a remuneração desse mesmo descanso compensatório, por outro (ii), é artificiosa, e não nos parece que proceda (vide pág. 50 do Acórdão).
21- E isto porque, o descanso compensatório remunerado que está em causa na óptica do Tribunal da Relação face à sua decisão é que se reporta ao previsto no artº 202º, nº 1 do CT 2003, e tal descanso compensatório remunerado traduz-se e concretiza-‑se na prática, na concessão de tal descanso - ou seja, em não trabalhar - noutro dia ou dias dentro dos tais 90 dias posteriores, sem que a remuneração mensal da trabalhadora sofra qualquer desconto.
22- No fundo, o regime do TS nestes casos e situações, e ao abrigo do pretérito regime do artº 202º do CT 2003, o que confere direito à retribuição majoração na medida das horas e tipo de horas de trabalho prestado para além do horário de trabalho, e depois e ainda, a 25% do total dessas horas prestada a mais, como tempo de descanso ou de não prestação de trabalho.
23- Daqui não resulta que essas horas de descanso compensatório tenham de ser objecto de uma retribuição específica e à parte mas, tão-somente visa a lei que a ocorrência de tais dias de descanso compensatório no mês em que ocorram não deve, nem pode, determinar a qualquer desconto equivalente no valor da retribuição mensal.
24- Daqui resulta que era à A que incumbia a prova da prestação do trabalho suplementar (o que inclui, qual o tipo de trabalho suplementar prestado e em que medida/quantidade o foi), o respectivo descanso compensatório remunerado devido, bem como a não concessão deste mesmo descanso compensatório por parte da R (artº 342º do C Civil).
25- Logo, não tendo sido provado por parte da A - sobre a qual recaia o respectivo ónus da prova (artº 322º, nº 1 do C Civil) - que não gozara do alegado descanso compensatório (pelo Tribunal a quo considerado como devido, bem ou mal agora pouco interessa), não pode à mesma ser concedido qualquer tipo de atribuição pecuniária como contrapartida.
26- E isto porque, tal atribuição pecuniária remuneratória surge, no caso, como contrapartida do alegado direito ao gozo de um descanso compensatório, que não está provado, nem demonstrado.
27- Daqui resultando que a decisão em causa contraria o direito na interpretação e aplicação que faz das regras contidas nos artº 483º, 494º e 496º, nº 3 e 342º, nº 1 e 2, 334º, 562º, 563º e 798º do Código Civil, artº 129º, nº, b) e 278º do CT e artº 6707º [?], nº 3 e 4 do CPC, pelo que deve ser revogada e anulada por superior e diversa decisão desse Supremo Tribunal.»
A A. contra-alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
“1- O recurso das decisões contantes das alíneas f) e h) do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é inadmissível, nos termos e fundamentos invocados, no ponto II destas contra alegações, que aqui se dão, por integralmente reproduzidos.
2- Devendo ser indeferido por, inadmissibilidade, o que se requer.
3- O dever de ocupação efectiva é um direito do trabalhador que vincula a entidade patronal, mesmo antes de ter sido consagrado nos CT de 2003 e 2009, conforme resulta entre outras, da doutrina e jurisprudência citados no ponto IV destas alegações.
4- Não sendo por isso, admissível no sistema jurídico nacional, a violação sistemática e reiterada no tempo pela entidade patronal, da obrigação de atribuir tarefas concretas diárias ao seu trabalhador e remunerar-lhe pelo seu exercício,
5- Aliás, da lei, resulta inequívoca tal obrigação, cfr. decorre das disposições conjugadas dos artigos 59º. da CRP, 126º., 127º. nº. 1 alíneas a); b); c); e nº. 3, 129º. nº. 1 alíneas a), b) c) e d); 130º. Al. b); 258º.; 276º. nº. 2; 277º. e 278º.; 323º. nº. 1; 340º.; 389º. nº. 1. alíneas a) e b) e 390º. nº. 1; 394º. nº, 2 alíneas a); b); e) e f) todos do CT.
6- Consequentemente, delas não resulta qualquer possibilidade de manter um trabalhador durante anos, sem trabalhar e sem receber remuneração,
7- Como a Ré /Recorrente, tem feito com a A/Recorrida até ao presente momento, apesar de múltiplas solicitações pela A/Recorrida, cfr. doc junto aos autos e os que ora se juntam.
8- Ficando desta feita, inequivocamente, provada a violação culposa do dever de ocupação efectiva da A/Recorrida, pela Ré /Recorrente,
9- Desde a data da assinatura da adenda ao contrato de trabalho até ao dia 21.09.2016.
10- E por via disso, confirmado os danos, prejuízos, sofrimentos, transtornos e outros males causados à A/Recorrida ao longo desses anos,
11- Os quais, configuram-se danos de natureza patrimonial e não patrimoniais, tuteláveis pelo direito e passíveis de serem ressarcidos, em sede de indemnizações por danos não patrimoniais.
12- Assim, se naqueles casos em que as empresas, alteram abusivamente funções e de local de trabalho aos trabalhadores,
13- Como forma de pressionar e prejudicar-lhes, há violação do dever de ocupação efectiva, que gera danos não patrimoniais, cfr, decorre de alguns acórdãos citados,
14- No presente caso, não se provou que a A/Recorrida/ incumpriu ou cumpriu defeituosamente o contrato, antes pelo contrário,
15- Tendo antes da adenda e após esta, nas raras datas em que lhe foi atribuído trabalho, cumprido os seus deveres laborais para com a entidade patronal,
16- Tais como, assiduidade, prestação efectiva de trabalho, eficácia na realização das tarefas que lhe forem cometidas,
17- Boa relação com os colegas, clientes da Ré/ Recorrente,
18- E respeitado sempre as ordens e instruções da sua Entidade Patronal, que não sejam ilegais.
19- E à Entidade Patronal, incumbe entre outros os deveres constantes dos artigos citados no n°. 5, destas conclusões,
20- Sendo a ocupação efectiva do trabalhador uma obrigação legal que vincula a Ré Recorrente, desde a celebração do contrato até à extinção legal do vínculo laboral.
21- Da prova produzida nestes autos, resultou inequívoca, que, após a assinatura da adenda ao contrato,
22- A trabalhadora, não ficou a operar em termos de tempo parcial, mas "trancada numa prateleira da subcave, sem trabalho e sem salário".
23- Passando anos a receber zero horas de tempo laboral e zero euros a título de remunerações,
24- Tal como, ainda hoje acontece, apesar do vínculo de efectividade, não ter sido extinto por nenhuma das formas previstas no artigo 340º. do CT.
25- Tornando a sua sobrevivência completamente impossível, por via do salário que deveria ter-lhe sido mensalmente pago, no valor mínimo de €: 479,00.
26- Porém, em absoluta violação legal e do contrato celebrado entre as partes, a Ré Recorrente, manteve e continua a manter a A/Recorrida,
27- Sem reintegração efectiva, cfr. doc nº. 2 a 5 que se juntam,
28- Apesar da Ré Recorrente, não ter recorrido, do acórdão da Relação de Lisboa, no item constante da alínea d) da decisão condenatória.
29- E por via disso, sem trabalho e sem salário,
30- Ao assim ter procedido e continuar a proceder, A Ré Recorrente, privou a A Recorrida, desde 2010 até ao presente,
31- Do direito à ocupação efectiva,
32- Do direito ao salário e regalias,
33- E consequentemente, do direito à dignidade, pessoal e profissional.
34- Mantendo a A, expectante da sua reintegração, simplesmente, porque a Ré /Recorrente, não se rege, nem pelos contratos, nem pela Lei, nem pelas convenções,
35- E de igual modo, desrespeita também a decisão constante do acórdão sub judice, e já com trânsito em julgado.
36- Pelo que a violação do dever de ocupação efectiva da A, continua ainda em curso pela Ré, de forma abusiva, ilegal e ao arrepio do acórdão proferida nestes autos,
37- Não se descortinando, como pretende a Ré aceitar as demais condenações constantes do acórdão, designadamente, a obrigação de reintegração da A/Recorrida e recorrer dos danos não patrimoniais,
38- Sem que até esta data, se tenha procedido sequer à reintegração da A, mantendo-a na prateleira e sem salário, não obstante os pedidos da mesma.
39- Pois, a continuação da recusa tácita de reintegração da A, inviabiliza a pretensão manifestada no recurso pela R/Recorrida.
40- Porquanto, os danos não patrimoniais, que vem sofrendo desde a assinatura da adenda até ao presente, continuam a causar prejuízos diários de natureza patrimonial e não patrimonial à A/Recorrida.
41- Sufragando a tese de que os danos não patrimoniais da A devem ser apreciados por via da equidade como critério objectivo,
42- Deve o Supremo Tribunal de Justiça, apreciar com a habitual sabedoria e conhecimento, a situação vivida pela A/Recorrida,
43- Desde a data em que lhe foi recusada o direito à protecção da maternidade e pressionada a assinar a adenda dos autos,
44- E por via desta, ser desde então reduzida à Prateleira da sua casa, sem trabalho e sem salário até ao dia de hoje,
45- E por via disso, confirmar a decisão do Tribunal da Relação no que se refere aos danos não patrimoniais arbitrada à A/Recorrida,
46- Por ser mais consentânea com o fim da Justiça,
47- E permitir que a humilhante discriminação feita à A/Recorrida, pela Ré Recorrente, chegue finalmente ao fim,
48- Devendo a pretensão da Ré Recorrida improceder e com as legais consequências.
49- No demais, subscreve na integra, o decido no acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, e bem assim os fundamentos constantes do mesmo.
Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu parecer no sentido da concessão da revista quanto à condenação por danos não patrimoniais e a sua negação quanto ao pagamento do descanso compensatório, não tendo merecido resposta.
2 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:
1 – Se a A. tem direito a receber indemnização por danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, em que montante;
2 – Se a A. tem direito a receber indemnização por descanso compensatório não gozado.
3 - FUNDAMENTAÇÃO
3.1 - OS FACTOS
A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:
«1- A autora foi admitida como trabalhadora da Ré, em 1 de março de 2006, mediante um contrato sem termo, conforme documento junto a fls. 63 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, para desempenhar funções correspondentes à categoria profissional de vigilante, sob autoridade, fiscalização e direção efetiva da Ré.
2- Ficou acordado que a autora auferiria a retribuição mensal de € 595,13 acrescida do subsídio de refeições no valor de € 5,28.
3- Remuneração mensal que foi sendo atualizada, designadamente, em janeiro de 2008 para € 612,45 e em janeiro de 2009 para € 629,60.
4- Na vigência do contrato de trabalho, a autora, de acordo com as necessidades da Ré e em cumprimento das suas ordens, prestou-lhe trabalho suplementar.
5- A Ré remunerou a autora pelo trabalho suplementar prestado nos dias feriados pagando-lhe o valor das horas trabalhadas nesse dia, ou seja, multiplicando o valor hora pelo número de horas trabalhadas.
6- A autora esteve de licença de maternidade e com incapacidade para o trabalho por doença nos períodos referidos na declaração junta a fls. 142, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, tendo auferido da segurança social os correspondentes subsídios.
7- A autora e a Ré assinaram a adenda ao contrato de trabalho junta a fls. 65 e datada de 1.11.2009, nos termos da qual acordaram alterar a cláusula 6ª do contrato de trabalho à qual atribuíram a seguinte redação: “o segundo outorgante deverá cumprir um horário que poderá ser por turnos rotativos e de duração máxima de 132 horas mensais, assim como o primeiro outorgante pagará a retribuição horária de € 3,63”.
8- No período de novembro de 2009 a março de 2012, a autora auferiu os valores constantes dos recibos juntos a fls. 117 a 141 que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais.
9- Após abril de 2012, a Ré deixou de pagar o vencimento à autora.
10- A autora remeteu à Ré a carta datada de 3.2.2012, que se encontra junta a fls. 147 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, na qual, entre outras coisas, comunicou à Ré a denúncia da adenda, com efeito retroativo à data da assinatura da mesma, comunicando ainda a sua disponibilidade imediata para retomar a plenitude do exercício de funções. Enviou ainda documento contendo o horário de funcionamento da instituição frequentada pelas suas filhas menores para efeitos de elaboração do tempo da sua prestação laboral de forma compatível com a necessidade de prestar assistência às filhas. Esta carta foi recepcionada na Ré em 6.2.2012.
11- A autora remeteu à Ré a carta datada de 7.3.2012, que se encontra junta a fls. 147 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, na qual, entre outras coisas, comunicou à Ré a ausência de resposta desta à carta por si enviada em 3.2.2012, referiu a sua manutenção em situação de inatividade e requereu que a Ré a informasse no prazo de 10 dias se iria ou não atribuir-lhe tempo laboral completo. Comunicou ainda à Ré que a partir da próxima semana deixaria de ter disponibilidade para prestar serviços aos sábados e domingos. Esta carta foi recepcionada na Ré em 12.3.2012.
12- A autora enviou à Ré os emails juntos a fls. 159 a 167, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, comunicando-lhe a sua disponibilidade para trabalhar.
13- A Ré não deu resposta às cartas da autora de 3.2.2012 e 7.3.2012.
14- A autora, pelo menos a partir de 28 de janeiro de 2011, prestava trabalho aos domingos, das 8 h às 16 h, no Edifício Miraflores Premium.
Além disso, quando o supervisor tinha possibilidade de lhe arranjar outros trabalhos, em função das disponibilidades manifestadas pela autora, por um lado, e das necessidades dos clientes da Ré, por outro lado, o supervisor entrava em contacto com ela para ver se podia ou não fazer esses trabalhos.
15- A autora entregou à Ré a exposição datada de 27.2.2008 junta a fls. 179 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais.
16- Com data de 18 de junho de 2012, a Ré remeteu à autora a carta junta a fls. 180 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, na qual lhe comunicou que a autora desde o dia 11.3.2012 não comparecia ao trabalho, sem nada ter comunicado nem ter apresentado qualquer justificação para o efeito, pelo que, por corresponder a um período superior a 10 dias úteis seguidos, a Ré presumia e considerava rescindido o contrato de trabalho da autora por abandono de trabalho, extinção essa que lhe comunicou por meio da referida carta.
17- A autora respondeu a esta carta através da carta datada de 28.6.2012 e junta a fls. 181, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, na qual referiu que a presunção com base na qual a Ré extinguiu o contrato é abusiva e falsa e informou pretender impugnar o despedimento.
18- No mês de abril de 2006, a autora realizou 8,99 horas de trabalho em dia feriado que lhe foi pago à razão unitária de € 3,43.
19- No mês de junho de 2006, a autora realizou 15,99 horas de trabalho em dia feriado que lhe foi pago à razão unitária de € 3,43.
20- A Ré, quando efetua o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, inclui no cálculo do valor a pagar, a média do valor pago a título de trabalho noturno mas não inclui a média do valor pago a título de trabalho suplementar.
21- No mês de dezembro de 2006, a autora realizou 16,99 horas de trabalho em dia feriado que lhe foi pago à razão unitária de € 3,43.
22- A autora não tinha outro rendimento que não fosse o proveniente do seu trabalho.
23- Por ter auferido os rendimentos que constam dos recibos no período de novembro de 2009 em diante, a autora passou a depender dos rendimentos do seu marido para fazer face às despesas mensais do agregado familiar, composto por ambos e três menores, e chegaram a ter que pedir dinheiro emprestado a amigos e familiares.
24- A Ré procedeu mensalmente à retenção na fonte das contribuições devidas pela trabalhadora à segurança social.
25- A Ré sabia que sobre si impende a obrigação de entregar à segurança social as quantias monetárias resultantes dos descontos efetuados na remuneração da autora.
26- Em 14.9.2012, a Ré comunicou à segurança social a cessação do contrato de trabalho da autora.
27- A R dedica-se à atividade de segurança privada, designadamente à prestação de serviços de vigilância por conta e à ordem de terceiros.
28- Tal atividade é prosseguida no terreno com recursos a vigilantes com a categoria de Vigilantes profissional como é o caso da A, e que exercem as respetivas funções nos vários locais/clientes que em cada momento a R tem, e na medida em que é preciso. Em resumo, a medida espacial e geográfica da afetação e ocupação dos trabalhadores Vigilantes depende, visceralmente, da existência de clientela e das respetivas necessidades.
29- Quer a atividade de prestação de serviços em causa, quer as funções de vigilância a desempenhar, caracterizam-se por alguma ambulatoriedade no espaço e no tempo, na medida em que variam em função dos clientes e respetivos locais/estabelecimentos, sendo que estes, por sua vez, variam em função de contratos comerciais de prestação de serviços precários (com prazo).
30- A alteração ao contrato de trabalho acordada em novembro de 2009 resultou de pretensão manifestada pela A ao respetivo Supervisor da R, e de acordo com a qual a mesma tinha dificuldades em comparecer ao trabalho (e estar sempre a justificar), e preferia trabalhar menos horas.
31- Na sequência desta pretensão, a autora elaborou e subscreveu a petição escrita de fls. 255 na qual solicita a sua passagem de full-time a part-time por motivos familiares a partir do dia 1 de novembro de 2009.
32- Petição esta que passou depois pelo Supervisor Victor Valentim, prosseguiu para o Coordenador de Meios Humanos (CC) - e que integram a cadeia hierárquica da R, para efeito de visto e aprovação -, e chegou à Secção de Pessoal da R em 17.11.09, onde, confirmada aceitação e aprovação de tal alteração, foi a mesma convolada em Adenda ao contrato.
33- A Ré comunicou à autora a respetiva escala e horário de trabalho no cliente Edifício Miraflores Premium, por carta datada de 28.1.2011 e rececionada em 31.1.2011.
34- Local de trabalho este que se manteve inalterado até março de 2012 inclusive.
35- A partir de 7-3-2012, a A deixou de comparecer ao trabalho. Com exceção das cartas referidas em 10 e 11 supra, a autora não comunicou qualquer justificação para ter deixado de comparecer ao trabalho, tal como não apresentou qualquer posterior justificação impossibilitante de assim ter procedido anteriormente.
36- As folgas da autora, no trabalho por turnos, não correspondiam obrigatoriamente com o Sábado ou o Domingo sendo que só correspondiam a um Domingo duas vezes em cada oito semanas.
37- Todas as remunerações por trabalho prestado eram liquidadas e processadas no respetivo recibo de vencimento, sob a designação de:
- “horas extra” (a 50% ou a 75%),
- “horas extra a 100%” (correspondente à retribuição do trabalho extra noturno);
- “horas feriado” (acréscimo relativo ao trabalho prestado em dias de feriado);
- e a remuneração por “trabalho noturno” (correspondente ao acréscimo de 25% respetivo), sendo pagas no mês seguinte e através de transferência bancária para a conta da A, surgindo no final do recibo de vencimento a identificação da conta bancária.
38- Relativamente aos dias feriados trabalhados, a Ré não descontava esse valor na retribuição base e pagava as horas trabalhadas nesse dia de acordo com o respetivo valor unitário.
39- A autora auferiu os valores constantes dos recibos cujas cópias estão juntas a fols. 67 a 89 e 95 a 116 (aditado pela Relação).»
3.2 – O DIREITO
Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto dos recursos, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([3]).
3.2.1 - QUESTÃO PRÉVIA
Invoca a recorrida nas suas contra-alegações a inadmissibilidade do recurso.
Trata-se contudo, de questão já decidida por despacho do ora relator não objeto de reclamação, motivo pelo qual não tem este coletivo que emitir qualquer pronúncia.
3.2.2 – Se a A. tem direito a receber indemnização por danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, em que montante.
Alterando a sentença da 1ª instância que absolvera a R. do pedido de indemnização por danos não patrimoniais que a A. computara em € 20.000,00, a Relação condenou a R. no pagamento da quantia de € 15.000,00 contra o que agora se rebela a R., alegando que não estão reunidos os pressupostos para o arbitramento desta indemnização, que os pretensos danos que fundamentaram a decisão da Relação são meros danos patrimoniais, para além de que o montante fixado é exagerado e, entendendo-se que é devido, não deve exceder os € 2.500,00.
Estipula o art. 483º do CC:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
De acordo com esta norma (que consubstancia o regime regra da responsabilidade subjetiva acolhido pelo nosso ordenamento jurídico), são pressupostos da obrigação de indemnizar: o facto voluntário (ativo ou omissivo) do agente – “(não um mero facto natural causador de danos), pois só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar direitos alheios, ou de agir contra disposições legais” -, a ilicitude desse facto, a imputação do facto ao agente, o dano – “pois sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil” e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – “de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação, pois só quanto a esses manda a lei indemnizar o lesado” ([4]).
Entendeu a Relação que a R., por força do art. 153º, nº 1, al. b) do CT, estava obrigada legalmente a estipular na adenda «o período normal de trabalho diário e semanal» e que, com essa omissão, «permitiu-se a que, de forma arbitrária e sem respeito pelo direito da autora a saber qual o horário mínimo diário e semanal de trabalho a que estava sujeita e com que podia contar, utilizasse a sua força de trabalho de forma aleatória… e durante quase 3 anos, a Ré ou não atribuiu qualquer trabalho à autora em alguns meses ou diminui noutros considerável e irregularmente, a quantidade de trabalho que, anteriormente, era executado por ela, muito abaixo do máximo de 132 horas fixado na adenda».
Estamos, assim, perante uma situação de violação contratual geradora de responsabilidade civil, cabendo, por isso, ao lesado provar o incumprimento, e ao lesante ilidir a sua culpa uma vez que esta se presume (art. 799º do CC).
O dano “é o prejuízo in natura que o lesado sofreu nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” ([5]).
Os danos tanto podem ser patrimoniais como não patrimoniais.
O dano patrimonial “é o prejuízo sofrido pelo lesado, susceptível de avaliação em dinheiro” ([6]), ou seja, “verifica-se quando a situação vantajosa prejudicada tenha natureza económica” ([7]). É aquele que tem direta expressão ou tradução pecuniária.
O dano não patrimonial “é o que resulta da lesão de bens estranhos ao património do lesado” ([8]), “não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Ofendem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral” ([9]).
Não vem questionada na revista a obrigatoriedade da inclusão na adenda do período normal de trabalho diário e semanal da A., nem que a mesma, por força dessa omissão e por imperativo legal, estava obrigada a proporcionar-lhe trabalho durante 132 horas mensais e a remunerá-la por essas horas, o que não cumpriu, pois durante quase 3 anos, a Ré ou não atribuiu qualquer trabalho à autora em alguns meses ou diminui noutros considerável e irregularmente, a quantidade de trabalho que, anteriormente, era executado por ela, muito abaixo do máximo de 132 horas fixado na adenda.
Temos pois por demonstrada a violação da referida norma legal e do direito da A. ao recebimento de remuneração correspondente às 132 horas mensais, com o que se mostram preenchidos os pressupostos do art. 483º do CC acima explicitados.
Porém, como resulta do referido, o dano consistiu na diminuição da retribuição da A., pelo que, tendo o mesmo natureza económica e tradução pecuniária, consubstancia um dano patrimonial.
Porém a A. peticionou a indemnização e a Relação a arbitrou, a título de danos não patrimoniais.
Estipula o art. 496º, nº 1 do CC, que são indemnizáveis os “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Assentando o direito à indemnização na existência do dano e na sua gravidade, impendia sobre o lesado, no caso a A., (art. 342º do CC) o ónus da respetiva prova, ou seja, os factos demonstrativos desse dano “desprovido de conteúdo económico, insusceptíve[l] de avaliação em dinheiro” e da respetiva seriedade.
Vem apenas provado que a autora não tinha outro rendimento que não fosse o proveniente do seu trabalho e que por ter auferido os rendimentos que constam dos recibos no período de novembro de 2009 em diante, a autora passou a depender dos rendimentos do seu marido para fazer face às despesas mensais do agregado familiar, composto por ambos e três menores, e chegaram a ter que pedir dinheiro emprestado a amigos e familiares.
Esta matéria factual é insuficiente para fundamentar a condenação por danos não patrimoniais. Daqui resulta a existência de um dano patrimonial – a diminuição da retribuição. E a única consequência que vem provada deste dano patrimonial é a de que a A. passou a depender dos rendimentos do seu marido para fazer face às despesas mensais do agregado familiar, composto por ambos e três menores, e chegaram a ter que pedir dinheiro emprestado a amigos e familiares, o que é muito pouco para fundamentar a atribuição da indemnização, face à exigência contida no art. 496º, nº 1 do CC.
A Relação refere que a conduta da R. ao não distribuir trabalho à A. e ao reduzir, em consequência, a respetiva retribuição, conduziu a que esta “ficasse em situação de relevante penúria económica levada ao humilhante ponto de ter de pedir dinheiro emprestado a amigos e familiares”.
Estas considerações não têm, porém, apoio nos factos provados.
Acresce que nesta análise não pode olvidar-se que foi a própria A. que pediu a diminuição do tempo de trabalho, pese embora o ulterior abuso da R., ou seja, foi a A. quem tomou a iniciativa da redução da sua retribuição (factos 30 a 32). Por outro lado, tendo a diminuição decorrido a partir de novembro de 2009, apenas em 3 de fevereiro de 2012 a A. denunciou a adenda comunicando ainda a sua disponibilidade imediata para retomar a plenitude do exercício de funções.
Não estando provado que a A. sofreu outros danos que não os meramente patrimoniais, não pode manter-se a condenação em indemnização pelos danos não patrimoniais.
3.2.3 – Se a A. tem direito a receber indemnização por descanso compensatório não gozado.
Consignou-se no aresto revidendo, em fundamentação da condenação da R. no pagamento dos três dias de descanso compensatório: «do facto provado nº 39 retira-se que a autora prestou trabalho suplementar nos meses de Abril a Agosto de 2006 e em Março, Abril, Novembro e Dezembro de 2007.
Atento o disposto no art. 202º-1-2 do CT/2003, o descanso compensatório remunerado corresponde a 25% das horas de trabalho suplementar realizado e vence-se quando se perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, o que, na altura, para a autora, correspondia a 8 horas diárias.
Ou seja, só após cada 32 horas de trabalho suplementar se vence 1 dia de descanso complementar remunerado.
Assim, resulta do mesmo facto provado nº 39 que em Maio de 2006 venceu-se 1 de descanso compensatório; em Julho de 2006 venceu-se 1 de descanso compensatório; e em Agosto de 2006 venceu-se 1 de descanso compensatório.
E em Dezembro de 2007 venceu-se 1 de descanso compensatório.
Incumbia à autora, nos termos do art. 342º-1 do CC a prova de que prestara trabalho suplementar em quantidade que conferia direito a descanso complementar e essa prova foi feita.
Mas também incumbia à autora, nos mesmos termos do art. 342º-1 do CC, a prova de que não gozara os apurados 3 dias de descanso compensatório, o que não logrou fazer.
No entanto, sendo esse descanso compensatório remunerado, o seu pagamento não se presume e constitui matéria de excepção com a alegação e prova a cargo da Ré, por força do art. 342º-2 do CC, o que a Ré não fez.»
Como se vê desta fundamentação, a impugnada condenação no pagamento da quantia de € 59,31 correspondente à remuneração de três dias de descanso compensatório, assentou no entendimento de que cabia à A. fazer a prova de que não gozou os dias de descanso compensatório e à R. a prova do pagamento, provas que nem uma nem outra fizeram.
Como se consignou no acórdão desta 4ª secção de 3 de julho de 2014, proc. 532/12.8TTVNG.P1.S1 (Fernandes da Silva), seguindo o entendimento anteriormente assumido no acórdão desta mesma secção de 16.12.2010, ali referido (proc. 314/08.1TTVFX.L1.S1 - Mário Pereira) «não basta ao reclamante do direito em causa a prova de que prestou trabalho suplementar; peticionando o pagamento do descanso compensatório, cabe ao autor a alegação e prova não apenas da prestação do trabalho suplementar mas também que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos. Uma vez provados estes factos – que são constitutivos do direito que o A. se arroga – é que, então, caberia à Ré a prova do respectivo pagamento, tudo em conformidade com as regras da distribuição do ónus da prova previstas no art. 342.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil”.
Ou seja, a R. só teria que provar que pagou a remuneração respetiva, se a A. tivesse provado que não gozou o descanso compensatório. E, como se referiu no aresto revidendo, a A. não logrou fazer essa prova.
Por conseguinte, não pode manter-se a condenação da R. no pagamento da referida quantia.
4 – DECISÃO
Pelo exposto delibera-se:
1 – Conceder a revista e revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou a R. a pagar à autora a quantia de € 59,51 a título de remuneração de descanso compensatório e a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e respetivos juros de mora.
2 - Custas da revista pela recorrida.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2017
Ribeiro Cardoso (Relator)
João Fernando Ferreira Pinto
Joaquim António Chambel Mourisco
_________________________
[1] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições (texto em itálico) em que é mantida a versão original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, nº 2 do CPC.
[4] Cfr., entre outros Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., pág. 445 e segs. e Sinde Monteiro, Estudos Sobre a Responsabilidade Civil, 1983, pág. 9 segs.
[5] Antunes Varela, in ob. cit. pág. 524.
[6] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. pág. 114.
[7] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, 2º, pág. 285.
[8] Mota Pinto, in ob. cit., pág. 115.
[9] Galvão Teles, Direito das Obrigações, 3ª ed. pág. 331.