RECURSO PENAL
RECURSO DIRECTO
RECURSO DIRETO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA PARCELAR
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I - Sendo o objecto do recurso um acórdão condenatório, estando em causa a aplicação de penas superiores a 5 anos de prisão – concretamente 9 anos e 6 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando os recursos apenas reexame de matéria de direito (circunscrita à discussão da pretendida redução da medida as penas, pretendendo o recorrente DD a suspensão da execução da pena), cabe ao STJ conhecer dos recursos.
II - O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, crime pelo qual os arguidos foram condenados, é punível com uma pena de prisão de 4 a 12 anos. A actividade do arguido DD cingiu-se ao que ocorreu no dia 31-07-2015. Por sua vez, no que diz respeito ao arguido AA consta que desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 2012 e até 31-07-2015, o arguido dedicou-se à venda de cocaína a diversos toxicodependentes, actividade que desenvolvia habitualmente em duas localidades. Estando em causa uma actividade habitual, circunscrita no espaço, sem meios de logística, como veículos automóveis, de que não há sinal, a verdade é que há apenas duas concretizações, uma em Abril de 2015 e outra no dia 31-07-2015, data em que é detido.
III - No que respeita à natureza e qualidade do estupefaciente em causa, o produto comercializado era cocaína. Ao arguido AA foram apreendidas 101,074g de cocaína, sendo 99,530g, correspondente a 124 doses, que entregou ao arguido DD. Ao arguido DD foram apreendidas 100,020g, sendo 99,530 o recebido do co-arguido AA. Foi apreendido dinheiro no valor total de 617,54€.
IV - O dolo dos arguidos foi directo e intenso. No que diz respeito aos antecedentes criminais, o arguido DD possui 2 condenações por condução em estado de embriaguez em pena de multa, que cumpriu. No que tange ao arguido AA, o arguido sofreu 2 condenações por tráfico, sendo a primeira por factos cometidos em 1995, tendo sido condenado na pena de 5 anos e 2 meses de prisão e por factos cometidos em 13-01-2000, foi condenado na pena de 8 anos de prisão.
V - As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração são elevadas. As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência. Ponderando todos os elementos enunciados, nomeadamente o encurtamento do período temporal, em que surgem concretizadas as condutas de tráfico, entende-se justificar-se intervenção correctiva, afigurando-se equilibrada e adequada a pena de 7 anos de prisão, no que diz respeito ao arguido AA, em lugar da pena de 9 anos de prisão aplicada pela 1.ª instância. No que concerne ao arguido DD, que não assumiu a prática dos factos, entende-se ser de manter a pena de 6 anos de prisão aplicada pela 1.ª instância.

Texto Integral


No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 976/15.3PAPTM da Comarca de Faro – Instância Central de … – 2.ª Secção Criminal – foram submetidos a julgamento os arguidos:

1.º - AA, solteiro, pedreiro, nascido a 08-04-1963, filho de BB e de CC, natural de …, residente na Rua …, n.º …, 3.º Esq. Portimão, preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de …, transferido definitivamente para o Estabelecimento Prisional de …, onde deu entrada em 15-09-2016, conforme fls. 785 e 787;

2.º - DD [na certidão de registo de nascimento junta a fls. 749 consta O…] solteiro, …, natural de …, nascido em 8-04-1963, filho de EE e de FF, residente na Rua …, …-A, F…, atualmente preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de …;

3.º - GG; e,

4.º - HH.


O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum e com a intervenção do Tribunal Coletivo, imputando a prática pelos arguidos, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-B anexa àquele diploma legal.


***



Por acórdão do Tribunal Colectivo da 2.ª Secção Criminal da Instância Central de …, da Comarca de Faro, de 30 de Maio de 2016, constante de fls. 709 a 724 do 3.º volume, depositado em 31 seguinte, conforme declaração de depósito de fls. 727, foi deliberado julgar parcialmente procedente a acusação, por parcialmente provada, e em consequência:

 - Absolver os arguidos GG e HH.

 - Condenar:

 - O arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B, anexa àquele diploma, na pena de 9 (nove) anos de prisão;

 - O arguido DD pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B, anexa àquele diploma, na pena de 6 (seis) anos de prisão.



****



Inconformados com o assim deliberado, os arguidos DD e AA interpuseram recurso, apresentando as motivações de fls. 742 a 744 e fls. 752 a 753 verso, do 4.º volume, ambos dirigidos ao Tribunal da Relação de Évora.


O arguido DD remata a motivação com a seguinte conclusão:

12º

 Entende-se que perante o projecto de vida que o Recorrente ambiciona – comportamento dentro dos parametros da legalidade/idoneidade da nossa sociedade, (que estão a ser praticados no EP-cfr. consta do Douto Acórdão), bem como ao facto de ter sido encontrado na sua residencia produto estupefaciente, não tendo ficado provado, a origem e destino do mesmo, deveria ter sido aplicada uma pena de prisão, suspensa na sua execução ou de menor período, roçando os tempos mínimos que a mesma pudesse comportar.

Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso e por via dele, ser anulado o acórdão condenatório recorrido e em resultado trazer um acórdão condenatório mais favorável ao Arguido.


O recorrente AA remata a motivação com as seguintes conclusões:

1 - O arguido AA não se conforma com a pena de 9 (nove) anos de prisão que lhe foi aplicada.

2 - A pena de prisão aplicada não se conforma com a lei e mostra-se desajustada e desproporcional às circunstâncias do caso.

3 - O recorrente AA colaborou com o Tribunal recorrido para a descoberta da verdade, ajudando na condenação do arguido DD e na absolvição dos arguidos GG e HH.

4 - O Tribunal recorrido não valorizou de forma positiva a postura cooperante do recorrente, pelo contrário, aproveitou a sua colaboração para o condenar e penalizar na determinação da medida da pena.

5 - O recorrente sente que a sua contribuição para a descoberta da verdade não foi devidamente valorizada na determinação da medida da pena e não se conforma com a pena de 9 (nove) anos a que foi condenado.

6 - O recorrente entende que a aplicação de uma pena de 7 (sete) anos de prisão, seria mais ajustada e proporcional às circunstâncias do caso conjugadas com a sua postura em sede de audiência de julgamento

7 - Ao aplicar ao arguido AA uma pena de 9 (nove) anos de prisão, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.

Termina pedindo que o recurso seja julgado provado e procedente e em consequência seja revogado o acórdão recorrido, proferindo-se outro onde se aplique ao recorrente uma pena de prisão de 7 (sete) anos.



****


O recurso do arguido DD foi admitido por despacho de 6-07-2016, a fls. 757, para subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, sem indicação de tribunal ad quem.

No mesmo despacho, relativamente ao recurso interposto pelo arguido AA, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do Novo Código de Processo Civil.    


***


O Ministério Público junto da Instância Central - Secção Criminal de … apresentou a resposta de fls. 764 a 768, dirigida aos Venerandos Desembargadores do Tribunal da relação de …, concluindo:

1. Perante a matéria de facto dada como provada, cremos que as Mmas. Juízes a quo ponderaram todas as circunstâncias relevantes (v.g. grau de ilicitude das condutas elevado em função da qualidade e das quantidades de produto estupefaciente; grau de culpa elevado em função do dolo na forma directa presente na consumação das condutas; duas condenações sofridas pelo arguido AA em penas de prisão efectiva de 5 anos e 2 meses e de 8 anos, pela prática de crimes da mesma natureza; e a falta de autocensura do arguido DD), elencadas no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal e observaram estritamente o disposto nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.

2. Afigura-se, assim, como adequadas e proporcionais as medidas das penas em que os arguidos foram condenados, em ordem à prossecução das finalidades descritas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, sendo muito elevadas as exigências de prevenção especial de socialização e elevada a prevenção geral.

3. Pelo que, o douto acórdão recorrido não nos merece qualquer reparo, entendendo-se não se mostrarem violados os dispositivos legais invocados ou outros.

        Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão proferida pelas Mmas. Juízes a quo.


***


Por despacho de fls. 772, em 25-08-2016, foi admitido o recurso do arguido AA nos mesmos moldes do recurso do co-arguido DD.

***


Por despacho de 7-10-2016, proferido a fls. 788, foi ordenada a subida dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de ….

***


Em 14-10-2016 é efectuada a remessa ao Tribunal da Relação de …, conforme fls. 793, dando entrada em 18 seguinte, conforme carimbo aposto a fls. 794, datando de 19-10-2016, o termo de apresentação e exame, a fls. 795. 

***


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de …, a fls. 797/8, emitiu douto parecer no sentido de dever ser declarada a incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do recurso e determinar-se a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

***


Foi ordenado o cumprimento do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, por despacho de 20-10-2016, a fls. 799, não tendo havido resposta.

***


Sobre conclusão de 15-11-2016 é proferida decisão sumária na mesma data, a fls. 803/6, citando acórdãos do STJ proferidos entre 29-11-2000 e 21-01-2004 (!) e o AUJ n.º 8/2007, de 14-03-2007, e onde se determina a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente para conhecer do recurso.

***


A remessa é efectuada em 12-12-2016, conforme fls. 811, dando entrada no Supremo Tribunal de Justiça em 15-12-2016 (capa do 4.º volume).

***


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer de fls. 813 a 815, pronunciando-se nestes termos:

“III – Acompanhamos a resposta à motivação da Ex.ma Procuradora Adjunta que, de resto, vai ao encontro da fundamentação do acórdão recorrido.

a) No que respeita ao recurso do arguido DD, condenado na pena de 6 anos de prisão, deve-se salientar em primeiro lugar que, contrariamente ao que alega, deu-se como provado, quer o destino do estupefaciente que lhe foi apreendido – n.º 14 dos factos provados: era destinado à venda a terceiros que o procurassem para tanto, mediante contrapartidas monetárias -, quer a origem da maior quantidade - n.º 8: o Arguido AA… entregou ao Arguido DD… duas embalagens…

 A ilicitude do facto, quer pelo tipo de acção (detenção com destino à venda), quer pela natureza do estupefaciente (cocaína, com um grau de pureza de cerca de 25%), quer pela quantidade (cerca de 100 g), assume relevo.

 O dolo é intenso (embora comum neste tipo de ilícito), registando duas condenações por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez.

 A não assunção de responsabilidade pela prática dos factos, e a inexistência de circunstâncias atenuantes de relevo (é apenas referida a sua inserção social, sem particular valor atenuante), na ponderação global, justificam inteiramente a pena fixada, situada no limiar inferior da moldura.

b) No que respeita ao recurso do arguido AA importa destacar não só o período durante o qual exerceu esta actividade (de 2012 até Julho de 2015), como também a natureza do estupefaciente, e o facto de viver da comercialização deste produto.

 E se é certo que as transacções dadas como provadas envolvem individualmente quantidades sem significado maior, o mesmo sucedendo ao estupefaciente que lhe foi apreendido, tal não colide com a graduação maior da sua culpa. Tratou-se de uma actividade de tráfico constante e regular de cocaína ao logo de mais de três anos, como modo de vida.

 Justifica-se pois que a pena se situe na metade superior da moldura, e mais próxima do seu limite mínimo (8 anos), como sucedeu, em adequada valoração da confissão que fez.

 E, enquadrando-se a pena fixada dentro das molduras da culpa e prevenção, e obedecendo aos princípios gerais que a devem determinar [e tem sido jurisprudência deste Supremo Tribunal[1] que no recurso de revista pode-se sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite ou da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.], está salvaguardada de qualquer censura correctiva.

IV - Pelo exposto entendemos que os recursos deverão ser julgados improcedentes”.

 


***


Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes silenciaram.

***


Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com o julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

***


Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

***


Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

E como referia o acórdão do STJ de 11 de Março de 1998, in BMJ n.º 475, pág. 488, as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.



***


          

Questões propostas a reapreciação e decisão

 

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.

As questões suscitadas pelos recorrentes são:


Recorrente DD


Questão I – Medida da pena – Conclusão única apresentada no artigo 12;

Questão II – Suspensão da execução da pena – idem.


Recorrente AA


Questão I – Medida da pena – Conclusões 1.ª a 7.ª

     


*****


Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida traçado pelo arguido, oficiosamente, já que nos situamos no terreno da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência (artigo 434.º do Código de Processo Penal e artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro), abordar-se-á, previamente, a questão da definição da competência para cognição do recurso, face ao indevido endereço pelos recorrentes e posterior indevida remessa do processo pelo tribunal recorrido para o Tribunal da Relação de ....



******



Apreciando. Fundamentação de facto.


Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.

 

Factos provados


1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 2012 até ao dia em que foi detido pela P.S.P. (31.07.2015), o Arguido AA, também conhecido por “II”, dedicou-se à venda de cocaína a diversos toxicodependentes, actividade que desenvolvia habitualmente na localidade de …, mas também em Albufeira, mais concretamente nas ….

2. Essa venda na localidade de … decorria essencialmente na Rua …, …, mais propriamente nas proximidades da passagem aérea existente na linha de caminhos-de-ferro, próximo do Centro Comercial …, bem como nas zonas envolventes.

3. No dia 7 de Abril de 2015, pelas 19h15m, junto às escadas da passagem aérea de peões existente entre a Rua … e a Avenida …, em …, o Arguido AA vendeu uma “mucha” com cocaína, com 0,039 gramas de cocaína (peso líquido total), a JJ, toxicodependente e seu cliente habitual, pelo preço de € 9,00 (nove euros), que deste recebeu, venda essa que foi precedida de contacto telefónico estabelecido entre ambos.

4. Nessa ocasião e poucos minutos depois dessa transacção, o Arguido AA trazia ainda consigo um telemóvel, de marca Alcatel e a quantia de € 28,54, que foram apreendidos pelos agentes da P.S.P. de ….

5. Efectuada busca de seguida, foi ainda encontrado no interior do quarto do Arguido AA, na residência sita na Urbanização …, nº …, 3º Esq., …, € 270,00 (duzentos e setenta euros) em notas do Banco Central Europeu.

6. No âmbito dessa actividade, o Arguido AA, para além do contacto directo e para mais facilmente iludir o controlo policial no seu contacto com os consumidores, usava telemóveis, cujos números fornecia aos toxicodependentes, por essa via, combinando as quantidades e os locais onde se procederia à venda, deslocando-se após tais contactos aos locais previamente combinados.

7. O Arguido AA procedia à venda de cocaína, dividida em pequenas embalagens, a preços que variavam, consoante o peso e a qualidade, por norma, entre os € 10 (dez euros) o pacote e € 40 (quarenta euros) 1 grama.

8. No dia 31 de Julho de 2015, pelas 12h30m, o Arguido AA, que se encontrava acompanhado pelo Arguido GG, entregou ao Arguido DD, que se encontrava acompanhado pelo Arguido HH, à porta da residência deste último, localizada na Rua …, acima referida, duas embalagens contendo uma delas 50,060 gramas de Cocaína (peso líquido total), com 25,1% grau de pureza, correspondente a 62 doses individuais e contendo a outra 49,470 gramas, de Cocaína (peso líquido total), com 25,0% grau de pureza, correspondente a 62 doses individuais.

9. Efectuada uma revista pelos agentes da P.S.P. ao Arguido DD, no mesmo local, foi-lhe ainda apreendido um telemóvel e € 290,00 (duzentos e noventa) euros, em notas do Banco Central Europeu (29 notas de € 10,00).

10. Nesse local, foi ainda apreendido ao Arguido AA, € 170,00 (cento e setenta euros) em notas do Banco Central Europeu e dois telemóveis.

11. Também nesse dia, no interior da residência do Arguido AA, sita na Urbanização …, nº …, 3º esq., em …, foram apreendidos, no decorrer de busca domiciliária:

- três embalagens contendo no seu total 1,505 gramas de Cocaína (peso líquido total), com 21,5% grau de pureza, correspondente a 1 dose individual.

- € 140,00 (cento e quarente euros); e

- 1 (um) telemóvel.

12. No mesmo dia, no interior da residência do Arguido DD, sita na Rua …, nº … A, em … – Albufeira, foram apreendidos, no decorrer de busca domiciliária:

- uma embalagem contendo no seu total 0,490 gr. de Cocaína (peso líquido total), com 32,4% grau de pureza, a qual se encontrava em cima do sofá; e

- um saco de plástico transparente contendo no seu interior vários maços de sacos transparentes e vários cantos de sacos de plástico, utilizados para acondicionar “quartas” de cocaína, os quais se encontravam na cozinha.

13. Ainda no mesmo dia, no interior da residência do Arguido HH, sita na Rua …, em … – Albufeira, foram apreendidos, no decorrer de busca domiciliária:

- 1 (uma) balança de precisão digital

14. Na verdade, as duas embalagens de cocaína apreendidas ao Arguido DD, na tarde do dia 31 de Julho de 2015, junto à residência do Arguido HH, bem como o demais produto estupefaciente apreendido era destinado por aquele à venda a terceiros que o procurassem para tanto, mediante contrapartidas monetárias, o que apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade, designadamente, ter sido abordado e detido pelas autoridades policiais.

15. Agindo do modo descrito, o Arguido AA fez com que a cocaína por ele vendida fosse distribuída por várias pessoas, na sua maioria indivíduos dependentes do consumo de tais produtos estupefacientes, com o único intuito de obter lucros monetários com a venda de tal produto.

16. O Arguido AA vive da comercialização de estupefacientes e com os lucros obtidos fazia face às suas despesas diárias.

17. Os Arguidos AA e DD conheciam as características dos produtos estupefacientes que detinham e comercializavam e destinavam-nos à sua venda e comercialização a um conjunto indeterminado de toxicodependentes.

18. Os Arguidos AA e DD tinham perfeito conhecimento que o produto que detinham e comercializavam é considerado, pela sua composição, natureza, característica e efeitos, substâncias estupefacientes e, como tal, que toda a actividade relacionada com ele, designadamente: posse, consumo, oferta ou cedência a qualquer título a terceiros, por eles levada a cabo, lhes estava vedada e, não obstante esse conhecimento, quiseram adquirir, deter e vender aqueles produtos estupefacientes destinando-os ao uso de terceiros toxicodependentes que os procurassem.

19. AA e DD agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal.

     Mais se apurou relativamente ao Arguido

AA

20. À altura da ocorrência dos factos agora em fase de julgamento e antes de ser sujeito a uma medida de prisão preventiva em 01.08.2015, AA encontrava-se a residir num apartamento em … pertencente a KK, uma ex-companheira de nacionalidade …, local onde o Arguido já vivia há alguns anos. Segundo refere, encontrava-se na altura sem ocupação laboral e com dificuldades económicas.

21. AA nasceu em … no seio de um numeroso agregado familiar, sendo um dos oito filhos de um casal que habitava num meio rural empobrecido. O Arguido apenas frequentou a escola primária local e fez o 1º ciclo do ensino básico aos 15 anos, tendo crescido a ajudar os pais na horta familiar e a cuidar dos animais.

22. Em 1983 saiu sozinho de …, juntando-se aos irmãos que já viviam em Portugal e fixou residência na margem sul, obtendo emprego como ajudante de pedreiro na construção civil. Ao longo da primeira metade da década de 90 terá trabalhado em diversas zonas do Algarve (Quinta do Lago, Quarteira e Albufeira, tanto na construção civil como em jardinagem, tendo morado em … nos últimos 7 anos. Desde essa altura e até ao presente, durante os períodos em que esteve em liberdade, AA esteve algum tempo desempregado ou realizando tarefas laborais ocasionais na construção civil, situação em que se encontrava quando foi preso.

23. No plano familiar AA mencionou ter a progenitora em …, tendo 5 irmãos em Portugal, mas nenhum a morar no Algarve. Segundo a irmã por nós contactada, os seus familiares não sabem muito sobre a vida do Arguido, que tem dois filhos já adultos (com 30 e 25 anos) ambos a viver em F…, fruto de um relacionamento que teve no seu país de origem.

24. O Arguido manteve, nos últimos anos, em …, uma união de facto com KK, mas esta ligação afectiva terá terminado em 2013 quando a ex-companheira regressou a …, ficando AA a residir na sua habitação.

25. AA tem tido visitas com carácter esporádico por parte dos irmãos no estabelecimento prisional de … e mostra-se adaptado ao meio institucional. Não tem registo de qualquer medida disciplinar interna e está enquadrado num curso de formação profissional de pedreiro com a duração de 300 horas promovido pelo Centro Protocolar de Justiça (CPJ), que se encontra a realizar obras de requalificação do espaço prisional.

26. Do Certificado de Registo Criminal deste Arguido constam as seguintes condenações:

- no Processo nº 173/95, por decisão de 17.11.1995, pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão;

- no Processo nº 79/96, por decisão de 01.07.1996, pela prática de um crime de Consumo de heroína, na pena de 2 meses de prisão;

- no Processo nº 299/97.8TAGDL, por decisão de 09.06.1998, pela prática, em 17.06.1997, de um crime de Detenção de Arma Ilegal, na pena de 3 meses de prisão; e

- no Processo nº 35/00.3JAPTM, por decisão de 09.04.2002, transitada em julgado em 30.04.2002, pela prática, em 13.01.2000, de um crime de Tráfico, na pena de 8 anos de prisão.

DD

27. À data da prisão preventiva determinada no processo em apreço, DD vivia e trabalhava na zona das … – Albufeira, em habitação contígua à de outros conterrâneos, espaço que partilhava com uma amiga que naquela altura se encontrava fora do país. Faz menção a uma situação laboral activa, a prestar serviços de pedreiro, por conta própria, com a situação regular de permanência no país.

28. O Arguido é originário de …, onde foi criado em contexto de fracos recursos económicos, junto da família alargada, entre uma numerosa descendência, várias mães de filhos e o pai. Desde criança colaborou nas actividades da pequena agricultura familiar e aos 14 anos acompanhou um tio que imigrou para Portugal. Neste país concluiu o 1º ciclo de escolaridade e aprendeu a profissão de pedreiro.

29. Viveu os primeiros anos na zona da Grande Lisboa, 7 anos depois, em 1985, mudou-se para o Algarve, por motivos de trabalho. Fora um período de cerca de um ano e meio, entre 1992 e 1994 em que se viu sujeito a medida coactiva privativa de liberdade, tem-se mantido activo na sua profissão, incluindo 8 anos para o mesmo grupo hoteleiro. Apesar da crise que vigorou nos últimos 10 anos no seu sector de actividade, refere que basicamente foi tendo sempre trabalho. Chegou, por duas vezes, a tomar a iniciativa de ir trabalhar noutros países – Alemanha, Suíça e Inglaterra, mas terão sido experiencias assinaladas como pontuais, durante poucos meses e todas elas tidas como pouco gratificantes. De assinalar a este nível a grande desorganização do Arguido, que refere ter dado início à actividade de empresário em nome individual nos anos 90, mas sem noção do ponto em que se encontram as devidas declarações e descontos.

30. Em termos afectivo-relacionais faz menção a dois relacionamentos maritais com uma filha da primeira relação e dois filhos da segunda. Com esta última “mãe de filhos”, LL, viveu 25 anos. Embora separados desde 2010, o Arguido mantém um relacionamento positivo de entreajuda, designadamente no que respeita à obrigação de colaborar financeiramente na educação dos descendentes.

31. A sua família transmite de DD a imagem de um indivíduo trabalhador, sem hábitos ou relações pró-criminais conhecidas, sendo avaliado como pessoa de fácil trato, com hábitos pacatos, apreciador de petiscos, na companhia de amigos. Não há referência a consumos de substâncias, a não ser de álcool. Apesar de alguns problemas de saúde relacionados, com valores elevados de diabetes, colesterol e ácido úrico, não reconhece a necessidade de mudança em sentido de abstinência ou tratamento especializado.

32. Em meio prisional, tem revelado um comportamento isento de reparos. Está enquadrado num curso de formação de pedreiro promovido pelo Centro Protocolar de Justiça, participando desta feita nas obras de requalificação do EP de …. O principal apoio do exterior é observado na pessoa da ex-mulher LL, que, apesar de residir em ….

33. Encontra-se a trabalhar no EP de … na faxina da zona prisional desde 10.10.2015.

34. Do seu Certificado de Registo Criminal constam as seguintes condenações:

- no Processo nº 416/06.9GTABF, por decisão de 15.05.2006, transitada em julgado em 01.06.2006, pela prática, em 23.04.2006, de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, na pena de 40 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses; e

- no Processo nº 701/10.5GTABF, por decisão de 20.12.2010, transitada em julgado em 21.03.2011, pela prática, em 31.08.2010, de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses.

GG

35. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.

HH

36. Cresceu em … com os pais e 6 irmãos. Veio para Portugal em 1972, onde já se encontrava o seu pai, fazendo cá a 4ª classe.

37. A sua companheira com quem viveu 3 anos, faleceu em 2004. Tem duas irmãs a viver em L….

38. Trabalhou sempre na construção civil, garantindo o seu sustento.

39. Vive sozinho numa casa cujo proprietário faleceu, não pagando qualquer valor pela mesma.

40. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.



**********



Apreciando. Fundamentação de direito.


Questão Prévia

Recorribilidade – Recurso directo

Da definição da competência para cognição do recurso.

           

Como se viu, os recursos interpostos do acórdão do Colectivo da 2.ª Secção Criminal da Instância Central de … da Comarca de Faro, foram incorrectamente dirigidos pelos recorrentes ao Tribunal da Relação de …, para onde foram encaminhados, após admissão dos recursos, a fls. 757 e 772 que não deram sinal em sentido contrário, e depois de outro despacho a ordenar a remessa ao Tribunal da Relação de …, a fls. 788, sendo que o Ministério Público na Comarca dirigiu a resposta aos Venerandos Desembargadores (fls. 764), tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto na Relação emitido parecer no sentido de ser declarada a incompetência da Relação, a que se seguiu o cumprimento do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, vindo o Exmo. Desembargador a quem foi o processo distribuído, em decisão sumária de fls. 797/8 excepcionado a incompetência da Relação para conhecer dos recursos, sendo ordenada a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente para apreciar os mesmos.

Esta opção do recorrente e posterior adesão no tribunal recorrido determinaram a produção de processado anómalo, no caso, não tributado, e demoras de evitar, sendo que, datando o despacho de admissão do recurso de 25-08-2016, (o último, de fls. 772, notificado ao M.º P.º em 15-09-2016, ut fls. 782, já após apresentação da resposta), o processo foi dirigido para o Tribunal da Relação de … em 14-10-2016, tendo chegado ao Tribunal da Relação no dia 18-10-2016, onde foi distribuído no mesmo dia (3.ª capa do 4.º volume), sendo expedido para este Supremo Tribunal de Justiça em 12-12-2016, aqui chegando em 15-12-2016, o que significa perda de tempo escusado em processo de arguidos presos preventivamente desde 1-08-2015, para além de dar causa a encargos extra, perfeitamente dispensáveis, dando azo a outras consequências, como conduzir a distribuições nas Relações causadoras de desequilíbrios, pois a quem couber em sorte um processo nestas condições pode dar baixa do mesmo com ligeira decisão sumária ou despacho ao correr da pena.

Dir-se-á que, infelizmente, não é caso único. Longe disso. Casos há em que a indevida circulação ocupa dois ou três meses.

Poder-se-ia ter evitado o trilho percorrido pelos autos no qual foram gastos, para além do mais, cerca de dois meses, tendo em conta a data da indevida remessa para o Tribunal da Relação de Évora – 14 de Outubro de 2016 – e a entrada neste Supremo Tribunal de Justiça – 15 de Dezembro de 2016.

O problema criado foi resolvido, mas porque não é raro tal acontecer, há que tomar posição expressa, até porque o Tribunal da Relação, em casos como o presente, estando em causa pena única fixada em acórdão cumulatório superior a oito anos de prisão, apreciou mesmo o recurso, quando não tinha competência material no caso concreto, o que ocorreu por duas vezes, como se verá infra.

     

Nesta abordagem, temos de partir do seguinte quadro:

Está em causa um acórdão final proferido por um tribunal colectivo.

As penas aplicadas foram a de 9 (nove) anos de prisão, ao recorrente AA e a de 6 (seis) anos de prisão ao recorrente DD.

Os recorrentes visam apenas o reexame de questão de direito, tão só questionando a medida das penas aplicadas, que pretendem ver reduzidas.


Vejamos.


Com a epígrafe Recurso para a relação estabelece o artigo 427.º do Código de Processo Penal:

 “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação”.

É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.

Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de acórdãos finais proferidos por tribunal colectivo e de júri.

Com a reforma do Código de Processo Penal de 2007 o regime de recursos foi modificado em dois pontos: a propósito da recorribilidade, a nível de graus de recurso, e por outro, a definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo de acórdão final do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do júri, aqui face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a Relação, quando presentes penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.

No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15-09-2007.

Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação.

Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do CPP, que se recorria para o STJ «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06 da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência:

«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».


Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso) e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de …, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, por nós proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199. (Esta numeração não respeita o número do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …).

Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que operou a 15.ª alteração do CPP, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (preceito inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima e pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração ao Código de Processo Penal).


O artigo 432.º do Código de Processo Penal, com a epígrafe “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” passou a estabelecer:

«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito».


Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito, introduzido na revisão de 2007:

«2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».


Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.   


Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186, nota 5, onde refere:

“Os acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo admitiam, desde a Lei n.º 59/98, de 25.8, recurso para o TR e para o STJ, sendo o recurso interposto directamente para o STJ quando visasse exclusivamente o reexame da matéria de direito, isto é, não sendo admissível nesse caso recurso prévio para o TR. Esta opinião, que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007, fica agora consagrada pela Lei n.º 48/2007, no artigo 432.º, n.º 2”.


Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma, na nota 4: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”.

No Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, igualmente na nota 4, pág. 1407, afirma: “Quando o recurso se cinja à matéria de direito e a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, embora a relação tenha competência para o seu conhecimento quando o recurso seja também de facto, o n.º 2 eliminou a dúvida de que se falou anteriormente sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso, directo para o Supremo”.


A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 5-06-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 28-04-2016, de 07-07-2016 (dois), de 7-09-2016, de 16-11-2016, de 30-11-2016, de 7-12-2016, de 14-12-2016, de 4-01-2017, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, in CJSTJ 2013, tomo 2, págs. 210 a 225, n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191/9, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, n.º 232/14.4JABRG.P1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1, todos por nós relatados.

No acórdão de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, consta: “No presente recurso cabe apreciar apenas a confecção da decisão cumulatória, a sua validade, a sua suficiente ou insuficiente fundamentação de facto e ausência de exame crítico do conjunto das condutas e ainda a dimensão da pena única aplicada, estando em causa apenas a pena de síntese aplicada em função do concurso de crimes e não as penas parcelares, cujo conhecimento não é possível em caso de cúmulo por conhecimento superveniente, como é o caso, em que as decisões que fixaram tais penas transitaram em julgado, sendo definitivas. 

Objecto do recurso é apenas a pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência.

O processo foi remetido directamente a este Supremo Tribunal e não como promovido fora enviado ao tribunal de 1.ª instância para que este, por sua vez, o encaminhasse para este STJ. (…)

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido”.

No acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/14.3T2SNT.E1.S1foi afirmado: “No caso presente objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que cabe ao STJ conhecer o recurso”.

No acórdão de 9-07-2015, proferido no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1 e no acórdão de 4-11-2015, por nós igualmente relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, foram versados, respectivamente, acórdão do Tribunal da Relação de …. e acórdão do Tribunal da Relação de …, que haviam conhecido de recursos em que tinham sido fixadas penas únicas de 8 anos e 6 meses de prisão no primeiro caso e de 11 anos de prisão, no segundo, negando provimento num e noutro caso, tendo sido ambos anulados, por verificação de nulidade insanável, nos termos dos artigos 119.º, alínea e) e 122.º, n.º 1 e 2, do CPP, atenta a incompetência material do Tribunal da Relação, após o que se conheceu dos recursos.                   

Como se referiu no acórdão de 4-11-2015, processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, e a essa dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que, estando em equação uma deliberação de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabia ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido”.

Como se disse no acórdão de 28-04-2016, processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1: “Pese embora a clareza da lei, a verdade é que são vários os casos em que, estando em causa acórdãos finais de tribunal colectivo, aplicando pena de prisão superior a 5 anos e visando o recurso exclusivamente matéria de direito, os recursos, como no caso presente, são dirigidos ao Tribunal da Relação, com todas as conhecidas nefastas consequências”. 

No acórdão de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.   

A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”.

E no acórdão de 7-07-2016, processo n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1: “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão – 18 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso”.

No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1, da 5.ª Secção, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada.

Do mesmo modo o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 714/12.2JABRG.S1, igualmente da 5.ª Secção, onde se conclui “assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação”.


Revertendo ao caso concreto

  

No caso presente, objecto dos recursos é um acórdão condenatório, estando em causa a aplicação de penas superiores a 5 anos de prisão – concretamente 9 anos e 6 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando os recursos apenas reexame de matéria de direito (circunscrita à discussão da pretendida redução da medida das penas, pretendendo o recorrente DD a suspensão da execução da pena), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer os recursos.

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer dos presentes recursos.



*******


     

Passando à análise das questões propostas no recurso.

 

 Questão I – Medida das penas parcelares


Passando à determinação concreta da medida das penas, vejamos a moldura abstracta penal cabível ao crime em presença:

- Tráfico de estupefacientes – (Artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) – 4 anos a 12 anos de prisão.


Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


***


No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627- 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211.

A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.

Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.


Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.


Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

 

A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

 

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.


No dizer de Fernanda Palma, inAs Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».


Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.


Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.


Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

    

Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que  considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.

Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.


Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva.

Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».


Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”.

No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   


A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1.


Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes.

Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in SASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».

Como salientou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, publicado no BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.

A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.

Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.

[Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43", 1983, pag. IS) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou depura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum].

Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.


Revertendo ao caso concreto.


Como se alcança das conclusões apresentadas os recorrentes defendem que as penas aplicadas foram severas, pretendendo o recorrente DD fixação de pena que permita suspensão da execução e o recorrente AA, apontando a sete anos de prisão.

Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de oralidade e imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar, embora cabendo focar um ou outro aspecto a merecer reparo.

Sobre a questão da determinação da medida concreta das penas aplicadas pelos crimes em causa, discorreu o acórdão recorrido, no segmento “E. Da Medida da Pena” a fls. 720 /721, após referir os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, concretizando, refere:

“Tendo presente o modelo adoptado e acima referido, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

Assim, será de considerar o seguinte:

As exigências de prevenção de futuros crimes são prementes, mormente, atentas as proporções do flagelo da droga do ponto de vista do tráfico, com todas as consequências que daí advêm. Como se refere no Ac. da 3ª Secção do STJ, de 26.02.97, proferido no proc. nº 926/96 (inédito) e relatado pelo Juiz Conselheiro Pires Salpico, "o crime de tráfico de estupefacientes é daqueles que causam no Povo Português e a mais viva repulsa, pelos enormíssimos danos, tragédias pessoais, familiares e sociais (...) que têm afectado a sociedade de forma absolutamente intolerável (...)".

Há que considerar ainda a natureza do produto estupefaciente comercializado e detido pelos Arguidos (cocaína) incluídas entre as chamadas “drogas duras” – vide Relatório da Comissão de Inquérito Parlamentar (Parlamento Europeu), datado de 22 de Novembro de 1989, in Sub Judice, T. III de 1992.

O dolo revela-se intenso do ponto de vista volitivo, uma vez que os Arguidos agiram com dolo directo e o grau de ilicitude dos factos é elevado relativamente ao Arguido DD, atendendo à quantidade que de produto estupefaciente que o mesmo tinha na sua posse; e muito elevada no que diz respeito ao Arguido AA, considerando, entre o mais, à intensidade e à duração da actividade levada a cabo pelo mesmo.

E, apesar do Arguido DD mostrar-se socialmente inserido, tal não o impediu de levar a cabo a conduta ilícita em apreço e, em audiência de discussão e julgamento, não revelou capacidade de auto-censura.

De resto, ambos os Arguidos contam com antecedentes criminais, sendo que, entre o mais, o Arguido AA já foi condenado, por várias vezes, pela prática de crimes de idêntica natureza, tendo-lhe sido aplicadas penas de prisão efectivas.

Tudo ponderado, julga-se adequado aplicar as seguintes penas:

a) Ao Arguido AA 9 (nove) anos de prisão; e

b) Ao Arguido DD, 6 (seis) anos de prisão”.


***


  Vejamos se no caso em reapreciação são de reduzir as penas aplicadas pelo crime de tráfico de estupefacientes, como vem peticionado pelos recorrentes.

       

Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.

O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punível com uma pena de prisão de 4 a 12 anos.

Trata-se de crime que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio” enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo.

Isto mesmo era expressamente referido no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, adoptada em Viena, na conferência realizada entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro desse ano, que “sucedeu” a outros instrumentos, por onde passam as orientações políticas prosseguidas nesta matéria, como a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, concluída em Nova Iorque, em 31 de Março de 1961 (Convenção Única sobre Entorpecentes, reconhecendo que «a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e económico para a humanidade», e a necessidade de uma actuação conjunta e universal, exigindo uma cooperação internacional), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 435/70, de 12/09, publicado no BMJ n.º 200, págs. 348 e ss. e ratificada em 30 de Dezembro de 1971, modificada pelo Protocolo de 1972, e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, feita em Viena, em 21 de Fevereiro de 1971, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 10/79, de 30 de Janeiro e ratificada por Portugal em 24 de Abril de 1979, estando em causa nestas convenções assegurar o controlo de um mercado lícito de drogas.

É a partir desta Convenção que surgirá, no plano interno, o Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro.

Com a referida Convenção de 1988, aprovada na sequência do despacho do Ministro da Justiça n.º 132/90, de 5 de Dezembro de 1990, publicado no Diário da República, II Série, n.º 7, de 9 de Janeiro, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991, pretende-se controlar o acesso aos chamados «precursores», colmatar as lacunas das convenções anteriores e, sobretudo, reforçar o combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, sendo a razão determinante do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Aí se pode ler que “… o tráfico ilícito de estupefacientes … representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas … com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes …nos diversos grupos sociais …; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem à organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar … os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; … reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; … reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; …”.


Trata-se, pois, de um problema universal, de dimensão mundial, que, obviamente, atinge também o nosso País.

No plano interno, releva neste domínio a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 22 de Abril de 1999, publicada no Diário da República, I Série - B, n.º 122, de 26 de Maio de 1999, e em edição da «Presidência do Conselho de Ministros – Programa de Prevenção da Toxicodependência – Projecto Vida», com o depósito legal 140101/99 e com prefácio do então Ministro Adjunto do Primeiro Ministro.

Partindo do reconhecimento da dimensão planetária do problema da droga, que em termos de tratamento jurídico, a nível internacional data desde 1912, com a Convenção da Haia, ou Convenção Internacional sobre o Ópio, elaborada na sequência da primeira conferência internacional sobre drogas ocorrida em Xangai, em 1909, a estratégia nacional de luta contra a droga assentava em oito princípios estruturantes, a saber: 1 – Princípio da cooperação internacional; 2 – Princípio da prevenção; 3 – Princípio humanista; 4 – Princípio do pragmatismo; 5 – Princípio da segurança; 6 - Princípio da coordenação e da racionalização de meios; 7 - Princípio da subsidiariedade; e 8 - Princípio da participação.

Sublinhando a estratégia da cooperação internacional, estabeleceu o documento como um dos seus objectivos principais o reforço do combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, como opção estratégica fundamental para o nosso País, a partir de seis objectivos gerais e de treze opções estratégicas individualizadas – cfr. Capítulo II – estratégia nacional: princípios, objectivos gerais e opções estratégicas – pontos 8, 9 e 10 (págs. 2980/3 do Diário da República e págs. 45 a 47 da referida edição).

A última disposição estabelecia a revisão da estratégia nacional de luta contra a droga, preconizando a sua revisão obrigatória, pelo menos, dentro de cinco anos, ou seja, no ano de 2004.

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2001, de 22 de Fevereiro de 2001, publicada no Diário da República, I Série – B, n.º 61, de 13-03-2001, foram fixados os 30 objectivos da luta contra a droga e a toxicodependência no horizonte 2004, o que foi feito em Anexo, nomeadamente, o combate ao tráfico ilícito de drogas e ao branqueamento de capitais (objectivos 24, 25 e 26). 

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2001, de 30 de Março de 2001, publicada no Diário da República, I Série – B, n.º 84, de 09-04-2001, foi aprovado o Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência – Horizonte 2004, constante do Anexo integrante da Resolução.

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2006, de 24 de Agosto de 2006, publicada no Diário da República, I série, n.º 180, de 18-09-2006, foi aprovado o Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012, constituindo o Anexo I, integrante da Resolução - Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências 2005-2012 - (págs. 6835 a 6857) e o Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte no curto prazo até 2008 - Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte 2008 -, constituindo o Anexo II, integrante da Resolução, o qual operacionalizou o Plano Nacional contra a Droga e a Toxicodependência 2005-2012 (págs. 6857 a 6881).

Este Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte 2008, anexo II à Resolução 115/2006, por ter saído com várias inexactidões, foi republicado na Declaração de Rectificação n.º 79/2006, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 222, de 17 de Novembro de 2006.

Seguiu-se o Plano de Acção Contra as Drogas e as Toxicodependências 2009-2012, IDT - Instituto da Droga e da Toxicodependência, IP.

Actualmente está em vigor o Plano Nacional para a Redução dos Comportamento Aditivos e das Dependências 2013-2020, que mantém os princípios consagrados no anterior ciclo estratégico, prevendo a sua operacionalização através de dois Planos de Acção de 4 anos, designadamente, 2013-2016 e 2017-2020.


A produção, tráfego e consumo de certas substâncias consideradas como prejudiciais à saúde física e moral dos indivíduos passou a ser punida após a publicação do Decreto n.º 12.210, de 24 de Agosto de 1926.

A este diploma, seguiram-se os Decretos-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, n.º 430/83, de 13 de Dezembro e n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

O tráfico de estupefacientes é um crime de consequências gravíssimas para a sociedade e por isso o legislador o sancionou com penas pesadas.


No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstracto, noutra perspectiva, estamos face a um crime pluriofensivo.

Com efeito, o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública - pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo - ver acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 6 de Novembro de 1991, in Diário da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992 e BMJ n.º 411, pág. 56 (seguido de perto pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 441/94, de 7 de Junho de 1994, in Diário da República, II Série, nº 249, de 27 de Outubro de 1994), onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia” – cfr. ainda sobre o tema, a propósito do concurso - real - do crime de tráfico e de associação criminosa, seguindo o citado acórdão n.º 426/91, o acórdão do mesmo Tribunal, n.º 102/99, de 10 de Fevereiro de 1999, processo n.º 1103/98-3.ª Secção, publicado in Diário da República, II Série, n.º 77, de 1 de Abril de 1999, pág. 4843 e no BMJ n.º 484, pág. 119.

Já no preâmbulo da Convenção Única de 1961 Sobre os Estupefacientes se referia a preocupação com a saúde física e moral da humanidade, reconhecendo a toxicomania como um grave mal para o indivíduo, constituindo um perigo social e económico para a humanidade.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, referia-se terem-se presentes os perigos que o consumo de estupefacientes comportava para a saúde física e moral dos indivíduos e a sua não rara interpenetração com fenómenos de delinquência.

E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, que efectuou a adaptação do direito interno ao constante daquela Convenção de 1961 e da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, fazia-se referência a um relatório recente de um organismo especializado das Nações Unidas, onde se dizia: “A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e na erosão de valores que provoca”.

E no mesmo preâmbulo assinalava-se ainda, que “Na verdade, também pelo lado do consumo, isto é, da prática cada vez mais frequente de delitos por consumidores de droga, se vem notando outro elo de ligação com a criminalidade em geral”.


Concretizando.


Vejamos os índices de actuação dos recorrentes no plano do provado tráfico de estupefacientes.

     

Período temporal


Face ao que consta dos FP, dúvidas não há de que a actividade do arguido DD se cingiu ao que ocorreu no dia 31 de Julho de 2015, como decorre dos FP 8, 9 e 12 (no mesmo dia), sendo o que consta do FP 14 a projecção do que se seguiria em termos de conduta futura, mas que obviamente não teve lugar porque a droga foi apreendida e o arguido detido.

De modo completamente diferente se coloca a questão relativamente ao arguido AA, tendo o acórdão, como se viu, considerado no caso deste arguido muito elevado o grau de ilicitude “considerando, entre o mais, a intensidade e a duração da actividade levada a cabo pelo mesmo”.

No FP 1 consta que desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 2012 e até 31-07-2015 o arguido dedicou-se à venda de cocaína a diversos toxicodependentes, actividade que desenvolvia habitualmente em duas localidades determinadas no FP 2.

Estando em causa uma actividade habitual, circunscrita no espaço, sem meios de logística, como veículos automóveis, de que não há sinal, a verdade é que há apenas duas concretizações, uma em Abril de 2015, em que há contacto com a PSP, que procede a apreensões procedendo a uma busca (FP 4 e 5) e outra no dia 31 de Julho em que é detido.

Tendo tido início desde 2012, desconhece-se se tal teve lugar no início, no meio ou no fim do ano, como se desconhece o que ocorreu ao longo de 2013, no mesmo manto de indefinição se albergando o que terá ocorrido em 2014, estando-se perante uma imputação genérica, que não logrará suficiente esteio para o afirmado no FP 15 e 16.

Mas para além disto, ainda nos deparamos com a expressão “pelo menos”, a qual introduzirá ainda maior zona de indefinição.

Poderá aceitar-se o uso da expressão na dedução de uma acusação, em que tudo ainda está em aberto. Mas já após o julgamento, é de erradicar por completo tal uso.

Com o julgamento e a condenação deve estar-se perante um juízo de certeza, que se não compagina com a coexistência de indefinições, de margens de incerteza. 

Na apreciação da conduta deste recorrente há que ter em atenção esta redução factual, já que não há qualquer concretização de tráfico, de actos de comercialização, ao longo de 2012, de 2013, de 2014 e até Abril de 2015.

      

Zona de actuação


A actuação do recorrente AA na venda de cocaína restringia-se a … e … (Albufeira), como resulta dos Factos Provados 1, 2, 3, 4 e 8.

     

Modo de actuação


Quanto a este ponto há a considerar que estamos perante uma actuação do recorrente traduzida na contacto directo FP 6, com venda directa, a retalho, usando telemóveis para contacto tendo um sido apreendido pela PSP em 7-04-15, conforme FP 4, sendo apreendidos em 31-7-2015, outros dois que detinha e um outro em casa. 

Sobre utilização de veículos nada consta.


Como vendas concretizadas pelo recorrente temos as constantes do FP 3, feita  no dia 7-04-2015, tendo vendido uma mucha com 0,039 g de cocaína pelo preço de 9,00 € a um consumidor identificado.

E do FP 8, no dia 31-07-2015, a entrega ao co-arguido DD de duas embalagens de cocaína.

      

Natureza e qualidade do estupefaciente


No que respeita à natureza e qualidade do estupefaciente em causa, o produto comercializado era cocaína.

Quanto a esta, trata-se de substância que se encontra prevista na Tabela I-B, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, considerada droga dura, com elevado grau de danosidade, sendo, pois, a qualidade da substância reveladora de considerável ilicitude dentro daquelas que caracterizam o tipo legal.

Sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.

Por outro lado, de acordo com Relatório de 11 de Maio de 1992, aprovado pela Comissão de Inquérito, criada por decisão do Parlamento Europeu de 24 de Janeiro de 1991, sobre a proliferação, nos países da Comunidade Europeia, do crime organizado ligado ao tráfico de droga, in Sub Judice, n.º 3, 1992, pág. 95, a heroína é classificada como droga ultra dura e a cocaína como droga dura.

Sobre a distinção entre drogas leves e duras referia a citada Estratégia Nacional de 1999, a págs. 88: «É hoje evidente que as drogas não são todas iguais nos seus efeitos para a saúde e nas consequências sociais do seu consumo (…), devendo ter-se em atenção o grau de perigosidade inerente ao consumo das diferentes drogas, sem prejuízo do reconhecimento e divulgação dos efeitos nefastos de todas as drogas».

No Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, pág. 106, pode ler-se: “As tabelas de substâncias abrangidas pelas Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971 e Única de 1961 foram adaptadas no sentido de incluir uma certa gradação da sua perigosidade, daí extraindo efeitos no tocante às sanções penais, de acordo com o princípio da proporcionalidade, sem referências à distinção entre drogas duras e leves”.

 

Quantidades apreendidas        


Será de atender às quantidades de cocaína apreendidas aos recorrentes


Recorrente AA

Total de 101,074 gramas (0,039 + 50,060 + 49,470 +1,505), sendo 99,530 (50,060 + 49,470), correspondente a 124 doses (62+62), o que entregou ao co-arguido DD em 31-07-2015 (dia da detenção) – FP 3 – 8 - 11


Recorrente DD

 Total de 100,020 gramas (50,060 + 49,470 + 0,490), sendo 99,530 (50,060 + 49,470) o recebido do co-arguido AA no dia 31-07-2015 – FP 8 - 12


Dinheiro apreendido - Valores recebidos e apreendidos

Ao arguido AA

9,00 € - recebidos em 7-04-2015 pela venda de uma mucha – FP 3

28, 54 € - apreendidos pela PSP no dia 7-04-2015 – FP 4 *

270,00 € - apreendidos pela PSP na sequência de busca no mesmo dia – FP 5 

170,00 € - apreendidos pela PSP no dia 31-07-2015 – FP 10

140,00 € - apreendidos pela PSP no dia 31-07-2015, em busca domiciliária  - FP 11

· Como a apreensão relatada no FP 4 foi feita poucos minutos após a venda da mucha (FP 3) desconhece-se se a quantia de 28,54 €, já abrangia os 9,00 € recebidos minutos antes pela mucha.

Mesmo que assim não seja, temos um valor global de 617, 54 €. 


De notar a ausência de referência a depósitos e movimentações de dinheiro, como aplicações financeiras, etc. 


Ao arguido DD

290,00 € - apreendidos pela PSP em revista no dia 31-07-2015 - FP 9


Grau de pureza do estupefaciente

  

0,039 gramas – desconhecida

50,060 gramas – 25,1%

49,470 gramas – 25,0%

1,505 gramas – 21,5%

0,490 gramas – 32,4%

     


****



O dolo dos arguidos foi directo e intenso, bem sabendo que as suas condutas eram proibida e punida por lei, mas, não obstante, quiseram a realização do facto típico - a efectivação de comercialização de estupefacientes.

No que toca aos antecedentes criminais, no que toca ao arguido DD temos apenas duas condenações por condução em estado de embriaguez em pena multa, que cumpriu.

No que tange ao arguido AA, refere o acórdão recorrido ter várias condenações por tráfico, mas manda o rigor que se diga que várias é algo indeterminado  

e que na realidade conforme FP 26 o arguido sofreu duas condenações por tráfico, sendo a primeira por factos cometidos em 1995, tendo sido condenado na pena de 5 anos e 2 meses de prisão e por factos cometidos em 13-01-2000, foi condenado na pena de oito anos de prisão.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tráfico, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública – e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.

Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno do tráfico de droga, que a juzante gera outro tipo de criminalidade.

Como se pode ler no referido Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, pág. 45, “As infrações à legislação nacional em matéria de drogas ilícitas, constituem apenas uma parte da “criminalidade associada à droga”, denominada, segundo uma proposta de tipologia apresentada pela Comissão Europeia ao Conselho da UE (OEDT, 2007), de crimes sistémicos (no contexto do funcionamento dos mercados de substâncias ilícitas), existindo também outros tipos de crimes como os psicofarmacológicos (cometidos sob a influência de substâncias psicoativas), os económicos compulsivos (cometidos para obter dinheiro ou drogas para o consumo), ainda pouco documentados a nível nacional e europeu”.

Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

A considerar que o tipo legal de tráfico de estupefacientes integra o conceito de «Criminalidade altamente organizada», na definição da alínea m) do artigo 1.º do CPP, com a redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto.

Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.   

Como se expressou o acórdão do STJ de 4 de Julho de 1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.

Como assinala o acórdão do STJ de 25-02-2009 “As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade”.

As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.

Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de 4 a 12 anos de prisão, no que respeita ao recorrente AA, ponderando todos os elementos enunciados, nomeadamente, o encurtamento do período temporal em que surgem concretizadas as condutas de tráfico, entende-se justificar-se intervenção correctiva, afigurando-se equilibrada e adequada a pena de 7 anos de prisão.

No que concerne ao recorrente DD, que não assumiu a prática dos factos, como salienta o acórdão recorrido, entende-se ser de manter a pena aplicada.

 

Decisão


Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recursos interpostos pelos arguidos AA e DD, em:

 - Julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente AA, e em consequência, fixar a pena em 7 anos de prisão;

 - Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente DD, mantendo nesta parte o acórdão recorrido.

Sem custas, pelo recorrente AA.

Custas pelo recorrente DD, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

Mantém-se em vigor o valor da UC vigente em 2016, conforme estabelece o artigo 266.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017).   

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017


Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto Matos

_________


[1] Por todos, Ac. STJ de 03.04.2003, Processo n.º 854.03, 5ª