INSTITUTO PÚBLICO
CARGO DE CHEFIA
SUBSÍDIO DE INSENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário


I. Embora o Código de Processo Civil em vigor não contenha norma similar à do art. 646º, nº 4 do diploma anterior, porque a decisão jurídica deve assentar nos factos, a matéria jurídico-conclusiva acolhida na factualidade dada como provada, não pode ser considerada na decisão de direito, nada obstando, por isso, que a Relação a considere como não escrita maxime quando constitua o thema decidendum.

II. Os institutos públicos integram a administração indireta do Estado, sendo o Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) um instituto público sujeito à tutela governamental.

 III. Constituindo a isenção de horário de trabalho o regime em regra correspondente ao exercício de funções dirigentes, a compensação correspondentemente devida já está incluída na remuneração fixada para os cargos de direção/chefia, sem que por isso seja devido qualquer suplemento remuneratório específico.

IV. O suplemento remuneratório por prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho não pode deixar de ser considerado como uma despesa referente ao funcionamento dos serviços do INAC, pelo que depende de lei que a autorize, de aprovação governamental e ainda da respetiva inscrição e cabimento orçamental.

V. O princípio da igualdade, na sua vertente de ”trabalho igual, salário igual”, não confere o direito ao recebimento do subsídio de isenção de horário de trabalho ao trabalhador a quem a lei não lhe confere tal direito, apenas pelo facto de ser pago, ilegalmente, a outros trabalhadores.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa comum contra INAC – INSTITUTO NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL, I.P., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de € 146.266,85, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho e juros de mora vencidos até 31 de dezembro de 2014 e vincendos à taxa legal.

Para tanto alegou que exerceu funções de dirigente em regime de comissão de serviço e de isenção de horário de trabalho ao serviço do R. desde 2 de março de 2000 até 14 de fevereiro de 2011 e que o R. apenas lhe pagou as retribuições devidas e complementos de isenção de horário de trabalho a partir de 1 de janeiro de 2009, pelo que desde 2 de março de 2000 e até 31 de dezembro de 2008 tem direito àquelas prestações que a R. já reconheceu a outros trabalhadores em casos a si idênticos.

Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, o R. contestou invocando a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos e que a A. mantém o vínculo à função pública e esteve em comissão de serviço no INAC em regime de requisição, pelo que não pode invocar o regime do contrato de trabalho. Não é devida ao pessoal dirigente dos institutos públicos, designadamente do R., subsídio de isenção de horário de trabalho e que, a considerar-se submetida ao regime do contrato de trabalho, não tem suporte legal o pagamento automático de tal verba, sem acordo escrito e sem autorização da IGT.

A A. respondeu pugnando pela improcedência da invocada exceção da prescrição e da argumentação desenvolvida pela R. na sua contestação.

Foi proferido saneador-sentença na qual se julgou improcedente a invocada exceção da prescrição e se conheceu do mérito, com o seguinte dispositivo:

 «Face ao exposto, julgamos a presente acção procedente, por provada, e em consequência condenamos o R a pagar à A a quantia global de € 102.992,95 a que acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data de vencimento de cada prestação e até efectivo e integral pagamento.

Custas pela R – artigo 446.º do Código de Processo Civil»

Inconformado, o R. apelou, tendo a Relação proferido a seguinte deliberação:

«Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento à apelação e revogar a decisão final constante da sentença da 1.ª instância, absolvendo-se o ora recorrente dos pedidos que contra ele foram formulados.

Custas pela recorrida.»

Desta deliberação recorre agora a A. de revista, pugnando pela revogação do acórdão e pela manutenção da sentença da 1ª instância.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da revista, tendo apenas a A. respondido, discordando e pugnando pela revogação do acórdão recorrido.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“A - O douto acórdão recorrido elimina da factualidade dada como assente o ponto 18º da matéria de facto fixada na 1ª instância, por o mesmo conter referências conclusivas.

B - Assim não entende a Recorrente, por tal facto ser relevante para a decisão da causa, concordando no entanto com a alteração da sua redação para: "Os alegados créditos salariais da autora referidos no ponto 16º da petição inicial totalizam € 102.929,95".

C - A Recorrente entende que o acórdão recorrido efetuou incorreta interpretação e aplicação do disposto no DL nº 133/98, na Portaria nº 543/2007, no Despacho Conjunto nº 38/2000 que aprova o Regulamento de Carreiras, Regulamento Disciplinar e Regime Retributivo do INAC, na Lei nº 3/2004 de 15 de Janeiro (artº 6º, nºs 1 e 2, al. a) e 34º nºs 1 e 4), na Lei nº 2/2004 (EPD) e ainda no artº 6º da lei nº 23/2004.

D - O acórdão recorrido afasta-se da fundamentação de direito habitualmente seguida noutras decisões sobre casos idênticos ao dos presentes autos e referidos no artº 4 do presente recurso, proferidas nas 1ª, 2ª e 3ª instâncias e onde o INAC é R, este apenas foi condenado.

E - Num universo de cerca de três dezenas de processos em que o INAC é R, este apenas foi absolvido nos sete processos referidos a fls 12 do acórdão recorrido versando o mesmo objeto, sendo minoritária aquela jurisprudência se confrontada com a proferida nas 1ª e 2ª instâncias em sentido contrário.

F - Até porque alguma daquela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça obteve vencimento apenas por falta de pronúncia do Tribunal Constitucional sobre o objeto do recurso, por falta de legitimidade para a interposição do recurso para aquele tribunal.

G - O acórdão absolutório proferido no Processo nº 5169/12.1TTLSB.L1.S1 baseou-se na constatação de que o INAC é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, e que aos seus ex-dirigentes se deve aplicar o regime remuneratório do EPD previsto na lei nº 2/2004, onde não se encontra previsto o pagamento de suplemento por isenção de horário de trabalho.

H - E ainda porque o pagamento de tal suplemento aos dirigentes é considerado uma despesa referente ao funcionamento dos serviços do INAC, que como IP está dependente de lei que a autorize e de aprovação governamental, bem como da respetiva inscrição e cabimento orçamental.

I - Ora nos autos ficou provado que o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho foi decidido pelo Recorrido em relação a alguns ex-dirigentes do INAC antes de 2009, sem oposição da tutela, nos termos do artº 256º do Código do Trabalho e mediante prévia inscrição e cabimento orçamental.

J - Os acórdãos referidos no acórdão recorrido como estabilizadores da Jurisprudência do STJ, desconsideraram normas jurídicas essenciais plasmadas nomeadamente nos artºs 2º e 6º da lei nº 23/2004, de 22 de Junho, aplicáveis aos contratos de trabalho celebrados pelos ex-dirigentes do Recorrido ao abrigo do Código do Trabalho, nos regulamentos da carreira dirigente e de horários de trabalho, e ainda nos estatutos do INAC.

K - Os aludidos acórdãos não interpretaram corretamente a norma do nº 2 do artº 1º, conjugada com o artº 13º ambas da Lei nº 2/2004 (EPD), ao defenderem que esta lei é aplicável aos institutos públicos e consequentemente ao INAC, quando é certo que aquela norma exceciona as matérias específicas reguladas pela lei nº 3/2004, onde é determinado que o regime regra na contratação do pessoal dos IP é o do regime privado.

L - As mesmas normas se encontra[m] ainda plasmadas no estatuto do INAC e no artº 6º, nº 1 da Lei nº 23/2004, que prevalece sobre o artº 13º da lei nº 2/2004.

M - O entendimento sufragado sobre caso idêntico, no Acórdão da Relação de Lisboa de 11-09-2013 - processo nº 408/12.9TTLSB.L, é de que existiu uma relação laboral entre A. e R. decorrente da deliberação que nomeou aquele em cargo dirigente, referindo que "...todo o pessoal dirigente do R. estava isento de horário de trabalho. A aceitação do exercício de cargo dirigente em comissão de serviço assentava neste pressuposto, havendo acordo tácito entre R. e os trabalhadores em causa quanto ao regime de isenção de horário".

N - O Regulamento da DGAC consagra a atribuição do regime de isenção do horário de trabalho a todo o pessoal dirigente e de chefia, estando o mesmo em vigor a 2-‑03-2000 data em que a A. subscreveu o documento escrito "Acordo relativo ao exercício de cargos em regime de comissão de serviço" celebrado ao abrigo do referido regulamento.

O - E sendo certo que este Acordo não estabeleceu um horário de trabalho, parece óbvio que a A. e ora Recorrente exerceu efetivamente funções de dirigente para o R. e ora recorrido em regime de isenção de horário de trabalho.

P - A sujeição da Recorrente ao regime de isenção de horário de trabalho sempre foi reconhecida pelo R. e pelos órgãos de tutela, que a partir de Agosto de 2009 passaram a pagar aos dirigentes o subsídio de isenção de horário de trabalho.

Q - Pelo que se mostra ininteligível e até contraditória a mudança de atitude do INAC ao fundar-se no relatório da IGF para não pagar o dito subsídio à Recorrente, já que aquela obrigação resulta diretamente do disposto no artº 256º do Código do Trabalho, para o qual remetem os Estatutos do Recorrido e os contratos individuais de trabalho celebrados entre este último e a Recorrente.

 R — A recusa de pagamento do suplemento de isenção de horário a Recorrente com fundamento no "parecer" desfavorável da IGF não colhe, porquanto o dito parecer não é vinculativo, e o Recorrido até o contraditou e adotou prática diferente da ora alegada, tendo determinado o pagamento do dito suplemento desde o ano de 2009, com o fundamento de que: (a) a situação dos dirigentes em causa, não estando coberta por uma isenção de horário de trabalho legalmente regularizada, foi materialmente idêntica à que existiria se existisse isenção; (b) Se assim não for entendido, o INAC tem a obrigação de lhes pagar o trabalho suplementar prestado, ao longo do mesmo período".

S - O pagamento do respetivo suplemento rege-se pelo contrato individual de trabalho celebrado entre Recorrente e Recorrido, ao abrigo dos estatutos do INAC que remetem para os artigos 245º e 256º nº 2 do Código de Trabalho (lei 99/2003 de 27-08), e da lei nº 23/2004.

T - Os acórdãos em que o Supremo Tribunal de Justiça absolveu o INAC dos pedidos de seus ex-dirigentes, não declararam a nulidade dos contratos individuais de trabalho para exercício de funções dirigentes e dos pagamentos a que os referidos contratos deram origem.

U - E não sendo nulos, os ditos contratos, e nomeadamente os celebrados com a Recorrente, são válidos porque, ainda que hipoteticamente anuláveis, há muito se encontrariam convalidados pelo decurso do tempo.

V - A vinculação pública da Recorrente é irrelevante no que concerne ao direito daquela ao suplemento de isenção de horário de trabalho emergente do contrato individual de trabalho celebrado com o Recorrido.

X - Os estatutos do INAC não prevêem a contratação de dirigentes ao abrigo do EPD, e a Lei nº 23/2004 determina que "as pessoas coletivas públicas cujas estruturas tenham funções dirigentes em regime de contrato de trabalho, apenas podem contratar pessoal para as referidas funções em regime de comissão de serviço prevista no Código do Trabalho”.

Y - A cláusula 9ª do contrato de trabalho celebrado entre Recorrente e Recorrido exclui a aplicação do estatuto remuneratório do EPD, caindo pela base a fundamentação acolhida no acórdão recorrido, da alegada inexistência de lei que autorize o pagamento daquele suplemento remuneratório à Recorrente, da não aprovação governamental e ainda da respetiva falta de inscrição e cabimento orçamental do aludido suplemento,

W - Porquanto foi e é prática comum do INAC a inscrição de tais pagamentos nos orçamentos daquele Instituto, e a sua aprovação pela tutela.

Z - O facto de o Tribunal do Trabalho de Lisboa não se ter declarado incompetente para dirimir o litígio gerado pelo contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, é prova que a relação laboral pelo mesmo criada é de natureza privada e regido pelo artº 256º do Código do Trabalho, e não pelo EPD, situação esta hipotética que teria determinado a declaração de incompetência pelo foro laboral.

AA - A interpretação e aplicação do artº 13º da lei nº 2/2004, dos artigos 2º nº 1 e 6º da lei nº 23/2004, do artigo 256º do Código do Trabalho na versão da lei nº 99/2003 de 27-08, é inconstitucional por violação do princípio fundamental da igualdade de tratamento previsto nos artºs 13º e 59º da CRP, enquanto interpretadas no sentido de que aos trabalhadores que exerceram funções dirigentes em regime de comissão de serviço, e nomeadamente à Recorrente, não se aplica o regime previsto no artº 256º do Código do Trabalho que prevê o pagamento do suplemento por isenção de horário de trabalho.

BB - Tal interpretação das aludidas normas acolhida no acórdão recorrido consubstancia violação do princípio da igualdade de tratamento na sua formulação de "a trabalho igual salário igual", discriminando negativamente a Recorrente em relação a outros dirigentes do INAC identificados nos artigos 18º, 27º e 28º da PI, designadamente BB, CC, DD e EE, que ainda que em igualdade de circunstâncias que Recorrente, lhes foi pago o suplemento remuneratório recusado a esta última.

CC - E ainda discriminação da Recorrente em relação aos dirigentes do INAC, a partir de 2009 até à atualidade, os quais vêm recebendo o dito suplemento remuneratório, sendo notória a desigualdade de tratamento.

DD - O caso da Recorrente é em tudo idêntico ao dos dirigentes referidos na conclusão BB e nos artºs 20º, 22º, 30º e 31º da PI, conforme foi expressamente reconhecido pelo INAC na Informação nº 80/DGR/RH/2009, cfr ponto 10º da matéria de facto assente.

EE - O facto de o regulamento de carreiras do pessoal dirigente do INAC apenas prever o regime de comissão de serviço ao abrigo do Código do Trabalho, impede a contratação de dirigentes com vínculo de emprego público ao abrigo do EPD, carecendo pois de qualquer fundamento legal a diferenciação operada em termos de discriminação salarial mantida pelo INAC entre trabalhadores dirigentes da mesma entidade empregadora pública.

FF - A fundamentação acolhida no acórdão recorrido, e na esteira dos acórdãos do STJ de 14-01-2016 - proc. 5169/12.9TTLSB.L1.S1 e de 3-03-2016 - proc. nº 294/13.1TTLSB.L1.S1, é uma solução híbrida e desajustada à legislação aplicável in casu,

GG - Já que dá cobertura a situações discriminatórias entre os dirigentes do INAC em igualdade de circunstâncias, escolhendo este último sem critérios objetivos os ex-dirigentes vencedores em ações judiciais nas 1ª e 2ª instâncias, a quem paga o dito suplemento.

HH - Enquanto a outros que igualmente obtiveram vencimento em ações judiciais - caso da Recorrente - é recusado o pagamento do referido suplemento, diferindo-o através da interposição de recursos de revista das decisões judiciais da 2ª instância, discriminação traduzida na adoção pelo INAC de "dois pesos e duas medidas".

II - A interpretação do artº 13º da lei nº 2/2004 de 15-01, conjugada com as normas dos artºs 2º nº 1 e 6º da lei 23/2004 de 22-06 e dos artºs 21º e 27º dos estatutos do INAC feita pelo douto acórdão recorrido, favorece a discriminação entre os dirigentes do Recorrido, e nomeadamente da Recorrente, face aos demais dirigentes da Administração direta e indireta do Estado,

JJ - Na medida em que promove a desigualdade e diferenciação de estatuto remuneratório em igualdade de circunstâncias, designadamente na atribuição de suplemento de representação aos dirigentes nomeados ao abrigo do EPD, que mais não é do que um suplemento compensatório pela disponibilidade dos dirigentes para além do horário normal de trabalho, eufemismo para disfarçar a atribuição do suplemento por isenção do horário de trabalho que é recusado a alguns ex-dirigentes do Recorrido.

KK - Atendendo a que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão dos juros moratórios vencidos há mais de cinco anos, mantêm-se as alegações produzidas no ponto III das contralegações em sede do recurso de apelação.”

2 – REGIME JURÍDICO ADJETIVO APLICÁVEL

Os presentes autos respeitam a ação de processo comum e foram instaurados no dia 23/02/2015.

O acórdão recorrido foi proferido em 19/10/2016.

É assim aplicável:

- O Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho;

 - O Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se a Relação não deveria ter eliminado o ponto 18º da matéria de facto fixada na 1ª instância;

2 - Se é devido à A. o subsídio de isenção de horário de trabalho referente ao período de 2 de março de 2000 a 31 de dezembro de 2008;

3 – Se a interpretação e aplicação do artº 13º da Lei nº 2/2004, dos artigos 2º nº 1 e 6º da Lei nº 23/2004, do artigo 256º do Código do Trabalho na versão da Lei nº 99/2003 de 27-08, ofendem o princípio fundamental da igualdade de tratamento previsto nos artºs 13º e 59º da CRP.

4 – FUNDAMENTAÇÃO

4.1 – OS FACTOS

São os seguintes os factos considerados provados pelas instâncias:

“1º- A Autora tem a categoria de Técnica Superior IV, nível 24 do escalão E e consta do mapa de pessoal do INAC, em regime de contrato de trabalho sem termo;

2º- Desempenhou funções de titular de órgão de estrutura, naquele organismo, no período de 02.03.2000 a 31.12.2008, como Chefe de Departamento de Concorrência, Preços e Defesa do Consumidor e, a partir de 12 de março de 2013 até 14 de fevereiro de 2011, com a categoria de Directora de Regulação Económica, vide docs. 1 a 4, 7 juntos com a p.i;

3º- Durante aquele período exerceu tais funções, de forma ininterrupta em regime de comissão de serviço de três anos, conforme os Acordos de Comissão de Serviço que constam dos autos a fls. 14 e ss;

4º- A Autora foi nomeada para o exercício das funções descritas em 2º) pelo Conselho de Administração do Réu, em comissão de serviço;

5º- No exercício daquelas funções a A nunca esteve sujeita aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, nem esteve submetida a horário de trabalho previamente fixado para o desenvolvimento das tarefas diárias;

6º- Nunca a A auferiu qualquer importância a título de trabalho suplementar, vide recibos de vencimento de fls. 12 a 110;

7º- Consta da Informação nº 80/DGR/RH/2009, a seguinte menção: “os restantes dirigentes prestam funções nas mesmas condições de trabalho da requerente, designadamente, praticam a mesma modalidade de horário de trabalho, isto é, a ausência de horas pré-determinadas para início, pausa de descanso e termo do trabalho”, vide doc. 112;

8º- Em 30.07.2009, o Ré deliberou pagar: “a partir do vencimento do mês de agosto, a todos os atuais dirigentes, os subsídios correspondentes ao valor mínimo previsto na lei, a título de complemento remuneratório (…)”, vide doc. 9, que se dá por reproduzido nesta sede;

9º- E mais deliberou pagar os créditos laborais anteriores a 31.12.2008, por isenção de horário de trabalho à trabalhadora BB, conforme resulta do doc.9;

10º- Consta da Informação nº 80/DRG/RH/2009 do Departamento de Gestão de Recursos Humanos da Ré: “(…) as comissões de serviço dos restantes dirigentes (directores e chefes de departamento foram constituídas ao abrigo das mesmas disposições legais (art. 244º, e ss do Código do Trabalho) da requerente, pelo que lhes é objectivamente aplicável o mesmo regime jurídico mencionado no parecer da DGAEP, no que diz respeito ao pagamento deste suplemento a partir desta data.”, vide doc. 112;

11º- Idêntica informação consta do parecer nº E-10463, de 18.05.2009, da DGAEP, onde é referido: “ os suplementos que ainda não foram objecto de revisão e/ou não possam ser considerados idênticos aos previstos e regulados em leis gerais, terão de se manter até à sua revisão ou extinção.”, cfr. mesmo documento;

12º- No âmbito do proc. nº 1720/11.0TTLSB, que correu termos pela 2ª secção do 2º juízos foi reconhecido pelo Réu à dirigente CC, o direito ao pagamento do subsídio de isenção de trabalho, na transacção judicial ali efectuada, vide doc. 111;

13º- O direito ao reconhecimento do subsídio de isenção do horário de trabalho foi reconhecido pelo Réu a outros ex-dirigentes, nomeadamente, DD e EE, nos processos nº 408/12.9TTLSB, 5º juízo, 1ª secção, e nos autos de 3229/12.2.TTLSB, 1º juízo, 1ª secção, 841/12.6TTLSB, 2º juiz, 1ª secção, e 5156/12.7TTLSB,4º juízo, 2ª secção;

14º- Em 21.08.2009, a A requereu ao Réu o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, relativamente ao período em que exerceu funções de Chefe de Departamento de Concorrência, Preços e Defesa do Consumidor e de Directora de Regulação Económica, cfr. doc. 6;

15º- Como o R nada disse, a 22 de dezembro de 2010, a A voltou a requerer a liquidação e pagamento do referido subsídio desde 02.03.2008 até 31.12.2008, vide doc.8;

16º- No dia 14.02.2011, o Réu fez cessar a comissão de serviço sem que lhe tenha sido paga os créditos salariais relativos ao subsídio de isenção do horário de trabalho, relativamente ao referido período;

17º- Na Informação nº 155/DGR/RH2009, foram estabelecidas as orientações relativas ao cálculo dos subsídios de isenção do horário de trabalho (RM x 12 : 35 horas semanais x 52 semanas) x 150% x 22 dias úteis;

18º- São devidos à Autora os valores constantes do art. 32º da petição inicial que aqui se dão por reproduzidos e que totalizam 102.929, 95€ [eliminado pela Relação];

19º- Quando a A. celebrou os acordos relativos ao exercício de cargos em regime de comissão de serviço, juntos com a P.I., pertencia ao quadro especial transitório criado pela Portaria n.º 1254/2001, de 30 de Outubro, como se comprova da referida lista nominativa, que se junta sob a designação de doc. n.º 1, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

20º- A A. exercia e sempre exerceu, as suas funções no INAC, em regime de requisição, integrando um quadro especial transitório; 

21º- O Regulamento de Carreiras, o Regulamento Disciplinar e o Regime Retributivo do INAC foram aprovados por meio do Despacho Conjunto n.º 38/2000, de 28.10.1999, do Secretário de Estado dos Transportes e do Secretário de Estado do Orçamento, publicado no DR, II Série, de 14.01.2000, e entraram em vigor em 15.11.1999 (Despacho n.º 288/2000, do Secretário de Estado dos Transportes, de 02.11.1999, publicado no DR II Série, de 06.01.2000).

22º- Os Dirigentes do INAC, I.P. e, concretamente, também, a A., ficaram sujeitos a um regime especial, enquadrado e moldado, pelo vínculo à função pública, pelos Estatutos e Regulamentos do INAC, designadamente, da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei-Quadro dos Institutos Públicos, artigos 6.º n.ºs 1 e 2, alínea a) e 34.º n.ºs 1 e 4), da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro (Estatuto do Pessoal Dirigente, artigo 1.º n.º 2 e artigos 13.º a 17.º, relativos ao exercício de funções pelo pessoal dirigente).

19. O Regulamento de horário de trabalho limita-se a estatuir que: “o pessoal dirigente, embora isento de horário de trabalho, se mantêm obrigado à prestação de não menos de 35 horas de trabalho semanal ou do equivalente mensal.”

20º. O R. foi objeto, no decurso do ano de 2011 de uma “Auditoria ao sistema remuneratório e à aplicação das medidas de contenção orçamental, pela Inspeção- Geral das Finanças”, a qual, entre outros assuntos, se debruçou sobre a questão do pagamento do suplemento por Isenção de Horário de Trabalho aos titulares de cargos de chefia e direção no Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P. vide Excerto do Relatório final emitido pela IGF em Dezembro de 2011”.

4.2 - O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4])

4.2.1 – Se a Relação não deveria ter eliminado o ponto 18º da matéria de facto fixada na 1ª instância.

Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto são limitados «à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada), ficando fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art.º 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da perceção e formulação do respetivo juízo de facto» ([5]).

Como refere Teixeira de Sousa ([6]) «O tribunal de revista está vinculado aos factos fixados pelo tribunal recorrido… Como consequência desta vinculação à matéria de facto apurada nas instâncias, o Supremo está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria de facto… Estas vinculações implicam que o Supremo não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e uma proibição de a alterar conduzem necessariamente à impossibilidade (e também à desnecessidade) de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudente convicção das instâncias sobre a prova produzida pelas partes… A impossibilidade de conhecimento de matéria de facto pelo Supremo envolve igualmente a inadmissibilidade de controlo por este tribunal dos poderes inquisitórios ou instrutórios atribuídos às instâncias».

Dispõe, efetivamente, o art. 674º, nº 3 do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Era do seguinte teor o art 18º da matéria de facto julgada provada pela 1ª instância:

São devidos à Autora os valores constantes do art. 32º da petição inicial que aqui se dão por reproduzidos e que totalizam 102.929, 95€”.

A Relação decidiu oficiosamente eliminar o referido do elenco dos factos provados, com os seguintes fundamentos:

“No caso vertente não foi impugnada a decisão de facto.

Devem contudo expurgar-se os factos fixados na 1.ª instância das referências conclusivas, uma vez que, embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado, a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos. Mesmo à luz do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o artigo 607.º, n.º 3 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e as provas continuam a ter por função a demonstração da realidade dos factos – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.

Ora o ponto 18º. da matéria de facto fixada 1.ª instância, ao referir que  são “devidos à Autora os valores constantes do art. 32º da petição inicial que aqui se dão por reproduzidos e que totalizam 102.929,95€” encerra uma afirmação que, por si só, dá resposta à questão de direito essencial colocada ao tribunal pela A. ao instaurar a apresente acção.”

Desta fundamentação decorre que a Relação não procedeu à dita eliminação em sede de reapreciação da prova no âmbito do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, mas por recurso ao disposto no art. 607º nº 3 do CPC, onde se estabelece que na sentença deve “…o juiz discriminar os factos que considera provados…”.

Temos assim que, não se estando no âmbito da livre apreciação da prova, mas na distinção entre matéria de direito e matéria de facto, o respetivo conhecimento inscreve-se nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal, em sede de revista.

Estabelecia o art. 646º, nº 4 do anterior CPC: “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

É certo que o diploma adjetivo ora vigente e aplicável aos autos, não contém disposição idêntica ou similar. Não deixa contudo de consagrar em várias disposições legais, à semelhança do anterior, o entendimento de que as partes devem trazer aos autos os factos, que é sobre estes que deve recair a prova e que é com base neles que deve ser proferida a decisão de direito.

É o que resulta nomeadamente dos arts. 5º (às partes cabe alegar os factos), 410º (a instrução tem por objeto…, os factos necessitados de prova), 411º (incumbe ao juiz realizar ou ordenar..., quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer), 420º (menciona com precisão os factos sobre que há de recair), 423º (com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes), 454º/1/2 (o depoimento só pode ter por objeto factos… o depoimento sobre factos), 465º/2 (as confissões expressas de factos), 466º/1, (a prestação de declarações sobre factos), 487º/3 (averiguação dos mesmos factos), 490º/1 (proceder à reconstituição dos factos), 494º/1 (a perceção direta dos factos pelo tribunal,… ou de reconstituição de factos), 495º/1 (para depor sobre os factos que constituam objeto da prova), 497º/3 (relativamente aos factos), 499º (se tem conhecimento de factos), 503º/3 (a parte deve especificar os factos sobre que pretende o depoimento), 522º/3 (até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa), 526º (tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa), 552º/1/d) (Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito), 567º/1 (consideram-se confessados os factos), 568º/a)/d) (relativamente aos factos que o contestante impugnar… Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito), 572º/c) (Expor os factos essenciais…, sob pena de os respetivos factos), 574º/1/2 (deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir… os factos que não forem impugnados… a admissão de factos instrumentais), 576º/3 (invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor), 584º/2 (impugnar os factos constitutivos… e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito), 587º/1 (a falta de impugnação dos novos factos alegados), 588º/1/2/3 (Os factos constitutivos… tanto os factos ocorridos posteriormente… como os factos anteriores… em que se aleguem factos), 601º (requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos), entre muitos outros.

Estabelece por seu turno o art. 607º, nºs 3/4/5:

3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

Como é sabido, factos ([7]) são os acontecimentos da vida real, os atos concretos , o que é percetível e não as ilações que dos mesmos decorrem.

No caso, a 1ª instância consignara no nº 18 como facto provado que “São devidos à Autora os valores constantes do art. 32º da petição inicial que aqui se dão por reproduzidos e que totalizam 102.929, 95€”.

Este valor é o correspondente ao subsídio de isenção em cujo pagamento a A. pede a condenação do R. e que este alega não ser devido.

O consignado neste nº 18 contém, assim, em si mesmo a resposta à questão de direito que vem colocada pelas partes nesta ação.

Saber se é devido à A. o montante referido a título de subsídio de isenção de horário de trabalho, é precisamente o que está em causa nesta ação, ou seja, constitui thema decidendum.

Não oferece, por conseguinte, qualquer dúvida de que estamos perante matéria jurídico-conclusiva, perante um juízo de valor e de direito a extrair dos factos concretos provados e das normas jurídicas aplicáveis.

Por conseguinte, pese embora inexista norma legal que expressamente considere não escrita a matéria jurídico-conclusiva, deve a mesma ser afastada e não considerada na decisão de direito, o que equivale a considerar-se a mesma como não escrita.

Não merece, pelo referido, qualquer censura o assim decidido pela Relação.

Pretende a recorrente que este tribunal, alterando aquela matéria, considere provado que "Os alegados créditos salariais da autora referidos no ponto 16º da petição inicial totalizam € 102.929,95".

A pretendida alteração implica, todavia, que este tribunal de revista aprecie a posição assumida pelas partes nos articulados concatenando-a com os documentos particulares juntos aos autos.

Ora, não estando em causa, como não está, a ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, a pretendida alteração, porque atinente à fixação de factos materiais, escapa aos poderes deste Supremo Tribunal (art. 674º/3 do CPC).

Acresce que, sendo o montante do subsídio em causa decorrente da fórmula fixada para o respetivo cálculo, da retribuição auferida e dos meses a que respeita, o montante global que a recorrente pretende ver consignado constitui matéria conclusiva.

Pelo referido não merece atendimento a pretensão da recorrente, certo como é que, a factualidade provada constitui base suficiente para a decisão de direito, não se mostrando necessária a remessa dos autos ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto (art. 682º/3 do CPC).

4.2.2 - Se é devido à A. o subsídio de isenção de horário de trabalho referente ao período de 2 de março de 2000 a 31 de dezembro de 2008.

A 1ª instância respondeu afirmativamente a esta questão e condenou o R. no pagamento à A. da quantia de € 102.992,95 e respetivos juros de mora desde a data do vencimento de cada prestação.

Ao invés a Relação, louvando-se na jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, revogou a sentença e absolveu o R. do pedido.

Sobre a questão, como referido no acórdão recorrido, este Supremo Tribunal teve já oportunidade de se pronunciar nos acórdãos de 23.05.2015, processo 1315/12.0TTLSB.L1.S1 (Melo Lima), de 14.01.2016, processo 5169/12.9TTLSB.L1.S1 (Mário Morgado), de 3.03.2016, processo 294/13.1TTLSB.C1.S1 (Leones Dantas), de 31.05.2016, processo 1039/13.TTLSB.L1.S1 (Gonçalves Rocha), de 30.06.2016, proc. 841/12.6TTLSB.L1.S1 (Ana Luísa Geraldes), de 15.09.2016, processo 1895/14.6TTLSB.L1.S1 (Gonçalves Rocha), de 15.09.2016, processo 5024/12.2TTLSB.L1.S2 (relatado pelo aqui relator), de 19.09.2016, processo 943/13.1TTLSB.L1.S1 (Leones Dantas), e de 29.09.2016, processo 4531/12.1TTLSB.L1.S2 (Ana Luísa Geraldes) ([8]).

Porque inexistem razões para alterar o entendimento sucessivamente sufragado, passamos a reproduzir, na parte aplicável, o acórdão de 19.09.2016, proferido no processo 943/13.1TTLSB.L1.S1 (em que o ora relator interveio como adjunto), tendo todavia em consideração os elementos de facto diferenciadores.

«Na data em que a autora iniciou funções na DGAC, estava em vigor a lei orgânica desta entidade, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 121/94, de 14 de maio.

Esta lei orgânica, no que ao quadro de pessoal respeita, estabelecia no art.º 15.º, n.º 1 que: «a DGAC dispõe de pessoal dirigente constante do quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante», sendo que, nos termos do art.º 16.º, n.º 1, o «recrutamento e o provimento dos cargos dirigentes, incluindo o de chefe de repartição, e o ingresso, o acesso e a progressão nas carreiras e categorias do quadro de pessoal da DGAC fazem-se nos termos das leis gerais da função pública, sem prejuízo do disposto nos números seguintes», onde são referenciados os diplomas legais de carreiras específicas.

Daqui resulta que o vínculo que a autora mantinha com a DGAC revestia natureza pública.

Por outras palavras, enquanto funcionária da DGAC, a autora estava vinculada à função pública e respetivas leis gerais.

Sucede que […] a autora transitou para o INAC, instituto público que, tendo por finalidade supervisionar, regulamentar e inspecionar o setor da aviação civil, sucedeu na titularidade de todos os direitos e obrigações do Estado diretamente relacionados com a atividade e atribuições da DGAC (cfr. art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 133/98, de 15 de maio, diploma que criou o INAC e aprovou os respetivos Estatutos), o que, naturalmente, também ocorreu em relação aos vínculos funcionais que foram formados na DGAC e permaneceram, como foi o caso da autora.

Contudo, conforme se pode ler no preâmbulo do referido diploma, em relação ao pessoal que iria exercer funções no INAC, veio o legislador optar «(…) pela adoção do regime de contrato individual de trabalho, como quadro normativo de aplicação geral e, optando-se, consequentemente, por um estatuto de carreiras profissionais de natureza privatística (…)»

No entanto, naturalmente ciente do vínculo que os mantinha à função pública, o legislador veio permitir, nos termos do art.º 4.º, do Decreto-Lei n.º 133/98, de 15 de maio, aos funcionários do quadro da extinta DGAC, bem como os demais trabalhadores que à data da entrada em vigor do referido diploma ali se encontrassem requisitados ou em comissão de serviço, que exercessem o direito de optar pela celebração de um contrato individual de trabalho com o INAC (n.º 1), devendo esse direito ser exercido individual e definitivamente, mediante declaração escrita, no prazo de 60 dias a contar da data da publicação do despacho do ministro da tutela, previsto no art.º 7.º, do mesmo diploma (n.º 2), cessando com essa opção o vínculo à função pública, cessação que se tornaria efetiva através de aviso publicado no Diário da República (n.º 3).

O art.º 5.º, do mesmo diploma, por seu turno, previa a criação na Secretaria-Geral do Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, de um quadro especial transitório a que ficariam vinculados todos os funcionários do quadro da extinta DGAC que não optassem pela celebração de um contrato individual de trabalho com o INAC (n.º 1), sendo a integração neste quadro especial feita com a categoria que os funcionários possuíam na data da sua transição para o R. (n.º 2).

Os Estatutos do INAC publicados em anexo ao sobredito diploma previa, por seu turno, no respetivo art.º 23.º, que os funcionários da extinta DGAC que não exercessem o direito de opção pelo contrato individual de trabalho e que, nessa medida, seriam integrados no mencionado quadro especial transitório criado na Secretaria-Geral do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, passariam a exercer as suas funções no INAC em regime de requisição, por tempo indeterminado (n.º 1) e ficariam sujeitos aos Estatutos e aos regulamentos internos do INAC em tudo quanto respeitasse à sua situação laboral e disciplinar e ao desenvolvimento da sua carreira, sem prejuízo dos direitos adquiridos na função pública quanto à relação jurídica de emprego e sua modificação, remunerações, regalias de carácter social, antiguidade e regimes de aposentação e sobrevivência (n.º 3).

Por seu turno, também a Lei-Quadro dos Institutos Públicos aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, previa no seu art.º 34.º, n.º 1[2], sob a epígrafe “Pessoal” que os institutos públicos podiam adotar o regime do contrato individual de trabalho em relação à totalidade ou parte do respetivo pessoal, sem prejuízo de, quando tal se justificar, adotarem o regime jurídico da função pública, sendo que o n.º 4 do mesmo normativo, fazendo referência ao art.º 269.º da Constituição da República Portuguesa, estabelecia que a adoção do regime da relação individual de trabalho não dispensava os requisitos e limitações decorrentes da prossecução do interesse público.

[…]

[No caso dos autos, vem provado (factos provados 19 e 20) que quando a A. celebrou os acordos relativos ao exercício de cargos em regime de comissão de serviço, juntos com a P.I., pertencia ao quadro especial transitório criado pela Portaria n.º 1254/2001, de 30 de Outubro e que exercia e sempre exerceu, as suas funções no INAC, em regime de requisição, integrando um quadro especial transitório], por tempo indeterminado, nos termos previstos dos artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 133/98, de 15 de maio e, bem assim, do art.º 23.º, dos Estatutos do INAC publicados em anexo ao mesmo diploma.

Daqui se infere que a autora não passou a estar sujeita ao regime do contrato de trabalho quando transitou para o serviço do réu, antes tendo permanecido vinculada às normas da função pública.

Quanto ao horário de trabalho dos funcionários da DGAC, estabelecia o Regulamento emanado da Secretaria de Estado dos Transportes, publicado no DR., II série, n.º 183, de 9 de agosto de 1990, no seu art.º 2.º, que os funcionários e agentes da DGAC estavam, em regra, sujeitos ao regime de horário flexível (n.º 1), sendo que ao pessoal dirigente e de chefia, embora isento de horário de trabalho, era aplicável a obrigatoriedade de prestação mínima de 35 horas de trabalho semanal ou equivalente mensal (n.º 3).

[…]

O aludido regulamento foi emitido em conformidade com o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 323/89, de 26 de setembro, diploma que consagrava o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado, bem como, com as necessárias adaptações, dos institutos públicos que revestissem a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.

Ao abrigo do referido decreto-lei o pessoal dirigente (aqui se incluindo os cargos de diretor-geral, secretário-geral, inspetor-geral, subdiretor-geral, diretor de serviços e chefe de divisão, bem como os cargos a estes legalmente equiparados) era provido em comissão de serviço por período de três anos, renovável por iguais períodos e exercia as suas funções em regime de exclusividade e com isenção de horário de trabalho, não lhe sendo devida qualquer remuneração por trabalho prestado fora do horário normal (artigos 2.º, 5.º, 9.º, 10.º).

O mencionado Decreto - Lei n.º 323/89 foi entretanto revogado pela Lei n.º 49/99, de 22 de junho, diploma que veio estabelecer um novo estatuto do pessoal dirigente dos serviços a organismos da administração central e local do Estado a da administração regional, bem como, com as necessárias adaptações, dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.

Ao abrigo deste diploma, o pessoal dirigente continuou a ser provido em comissão de serviço por um período de três anos, renovável por iguais períodos (art.º 18.º, n.º 1), devendo exercer funções em regime de exclusividade (art.º 22.º), com isenção de horário de trabalho, não lhe sendo devida, por isso, qualquer remuneração por trabalho prestado fora do horário normal (art.º 24.º, n.º 1). 

Como se vê, em nenhum dos supra identificados diplomas se previu qualquer pagamento específico, a título de retribuição por isenção de horário de trabalho, ao pessoal dirigente sujeito a um regime de isenção de horário de trabalho.

Por outro lado, também os Regulamentos de carreiras e regime retributivo do INAC, aprovados pelo Despacho Conjunto n.º 38/2000, publicado no DR n.º 11, II série, de 14 de janeiro de 2000, não consagravam qualquer direito especial para os trabalhadores do réu auferirem subsídio de isenção de horário de trabalho.

A referida Lei n.º 49/99 foi entretanto revogada pela Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro[3], diploma que veio estabelecer um novo estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado, sendo a mesma aplicável aos institutos públicos, salvo no que respeita às matérias específicas reguladas pela respetiva lei quadro (art.º1.º, n.ºs 1 e 2). 

Nos termos da referida Lei n.º 2/2004, continuou a prever-se que o pessoal dirigente estava isento de horário de trabalho, não lhe sendo devida qualquer remuneração por trabalho prestado fora do período normal de trabalho (art.º 13.º), exercendo as suas funções em regime de exclusividade (art.º 16.º) e sendo o provimento nos cargos de direção em regime de comissão de serviço por um período de três anos, renováveis (art.º 19.º, n.º 1).  

Uma vez mais se constata que também este diploma não veio estabelecer qualquer retribuição especial a título de isenção de horário do pessoal dirigente. 

Por seu turno, o art.º 2.º da Lei n.º 23/2004, diploma que aprovou o regime jurídico do contrato individual na Administração Pública, estatuía que “aos contratos de trabalho celebrados por pessoas coletivas públicas é aplicável o regime do Contrato de Trabalho e respetiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei”, dispondo o art.º 6.º que “As pessoas coletivas públicas cujas estruturas tenham funções dirigentes em regime de contrato de trabalho apenas podem contratar pessoal para as referidas funções em regime de comissão de serviço prevista no Código do Trabalho” (n.º 1), bem como que “Os trabalhadores que exerçam funções em regime de comissão de serviço nos termos do número anterior estão sujeitos ao mesmo regime de incompatibilidades, bem como aos deveres específicos do pessoal dirigente da Administração Pública” (n.º 2).

Ou seja, nos termos dos acima citados art.ºs 2.º e 6.º da Lei n.º 23/2004, diploma vigente até 31.12.2008, os trabalhadores que, no seio de pessoas coletivas públicas, exercessem funções dirigentes em regime de contrato de trabalho, não deixavam de estar sujeitos aos deveres específicos do pessoal dirigente da Administração Pública, realidade que nos remete para a Lei n.º 2/2004, aplicável, como vimos, aos institutos públicos (art.º 1º, n.º 2).

A referida Lei n.º 23/2004 foi entretanto revogada e substituída pela Lei n.º 59/2008 de 11 de setembro, que instituiu o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública para vigorar a partir de 01.01.2009.

A partir de então a questão de saber se quem exercia cargos de direção e de chefia tinha direito a um suplemento remuneratório, ficou expressamente resolvida.

Com efeito, o art.º 209.º, da referida Lei n.º 59/2008, sob a epígrafe “Isenção de horário de trabalho, passou a dispor que: 

«1 - O trabalhador isento de horário de trabalho nas modalidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 140.º tem direito a um suplemento remuneratório, nos termos fixados por lei ou por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 

2 - O disposto no número anterior não se aplica a carreiras especiais e a cargos, designadamente a cargos dirigentes, bem como a chefes de equipas multidisciplinares, em que o regime de isenção de horário de trabalho constitua o regime normal de prestação do trabalho».

Temos bem presente que o regime jurídico estabelecido neste último diploma não é aplicável à situação dos autos, atendendo a que o pedido da autora está balizado pelo período compreendido entre 2 de março de 2000 e 31 de dezembro de 2008.

A sua referência é, no entanto, fundamental no contexto dos autos, na medida em que a lei passou a consagrar expressamente que os titulares de cargos dirigentes não têm direito a qualquer suplemento remuneratório, apesar de os outros trabalhadores da Administração Pública poderem usufruir desse direito.

Esta posição do legislador manteve-se no atual regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho [4], que dispõe em termos idênticos aos que vinham da lei anterior, no respetivo art.º 164.º.

Ora, à luz do regime legal acima descrito verifica-se que nenhum dos diplomas a que fizemos referência previa (ou prevê) a atribuição de um suplemento remuneratório a quem exercesse funções de dirigente/chefia no seio do INAC.

[…]

E o mesmo se aplica às normas imperativas de direito público a que acima fizemos referência, relativas ao exercício de funções pelo pessoal dirigente às quais o INAC, enquanto instituto público, está igualmente vinculado (Lei n.º 2/2004, de 15/01, Lei n.º 23/2004, de 22/06 e Lei 59/2008, de 08/2009), por força do seu Estatuto e do exercício de funções de natureza pública.

[…]

Importa ter também presente que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 32.º do Regulamento de Carreiras (aprovado pelo já referido Despacho Conjunto n.º 38/2000 publicado no DR n.º 11, II Série, de 14 de janeiro de 2000) os cargos de chefia são considerados órgãos de estrutura, sendo que o exercício da respetiva titularidade ocorre por nomeação em regime de comissão de serviço, nos termos do disposto no art.º 34.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, cabendo-lhes por isso mesmo, níveis de retribuição mais elevados, nos termos do disposto no art.º 2.º do Regime Retributivo também aprovado pelo mesmo Despacho, que determina que os níveis de retribuição são os estabelecidos na tabela constante do anexo III, identificada como tabela para titulares de órgãos de estrutura.

Ou seja, o maior nível de retribuição auferida pelo pessoal dirigente contempla já as especiais exigências que o exercício de tais funções acarretam, como a maior disponibilidade, razão pela qual não está prevista a retribuição especial da isenção de horário. 

Neste sentido, se pronunciou já este Supremo Tribunal no acórdão de 14 de janeiro de 2016, no Processo n.º 5169/12.9TTLSB.L1.S1, aí se consignando no respetivo sumário o seguinte: «II- Constituindo a isenção de horário de trabalho o regime em regra correspondente ao exercício de funções dirigentes, a compensação correspondentemente devida já está incluída na remuneração (mais elevada) fixada para os cargos de direção/chefia, sem que por isso seja devido qualquer suplemento remuneratório específico».

A mesma doutrina que foi também seguida nos acórdãos que se lhe seguiram sobre esta mesma matéria e dos quais destacamos o que foi proferido no processo n.º 1039/13.1TTLSB, em 30 de maio de 2016, onde se pode ser o seguinte:

«Esta opção legislativa só se compreende em virtude da natureza das funções de chefia implicarem uma maior disponibilidade por parte do trabalhador, função que por essa razão já é melhor remunerada do que os trabalhadores não dirigentes, para compensar essa maior disponibilidade que pode ser exigida àqueles e não a estes.  

Sendo estas as razões do regime posterior à Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro, elas valem também para o período anterior à sua vigência, pois a circunstância de o regime legal que antes vigorava não estabelecer, expressamente, qualquer direito especial para a isenção de horário inerente às funções de chefia, resulta do legislador entender que, já sendo melhor remuneradas para compensar a maior disponibilidade que era exigida para o seu desempenho, não se justificava atribuir-lhes qualquer subsídio para este efeito».

Em suma, constituindo a isenção de horário de trabalho o regime em regra correspondente ao exercício de funções dirigentes, tudo aponta para que a compensação correspondentemente devida esteja já incluída na remuneração (mais elevada) fixada para os cargos de direção/chefia, sem que por isso seja devido qualquer suplemento remuneratório específico.

Importa, por último, ter presente que, integrando o INAC, enquanto instituto público, a administração indireta do Estado, o mesmo está sujeito à tutela governamental, com todas as peculiaridades e vicissitudes que tal acarreta.

Na verdade, e de acordo com os artigos 1.º e 2.º, dos próprios Estatutos do INAC, (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 133/98 de 15 de maio), a aprovação do respetivo regime retributivo está dependente dos Ministros da respetiva tutela e das Finanças, sendo que para além de disporem de orçamento próprio, nos termos do disposto no art.º 27.º, n.º 2 do referido Estatuto, esse mesmo orçamento está ainda, nos termos do disposto no art.º 41.º, n.º 1 e 2, al. a) da Lei Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro), dependente da aprovação do mesmo por parte do Governo.

Daqui se retira que a autorização de realização de despesas no INAC está dependente de aprovação governamental.

Por outro lado, também o art.º 22.º, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, diploma que contém as normas legais de desenvolvimento do regime de administração financeira do Estado, prevê que a autorização de despesas está sujeita aos requisitos da conformidade legal (prévia existência de lei que autorize a despesa) e da regularidade financeira (inscrição orçamental, correspondente cabimento e adequada classificação da despesa), normativo aplicável aos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e que abrangem todos os organismos da Administração Pública, dotados de autonomia administrativa e financeira, que não tenham natureza, forma e designação de empresa pública (cfr. art.ºs 43.º, n.ºs 1 e 2 e 52.º, do referido diploma).

Reportando-nos à situação em apreço, o suplemento remuneratório em causa não pode deixar de ser considerado como uma despesa referente ao funcionamento dos serviços do INAC, despesa que sempre dependeria de lei que a autorizasse, de aprovação governamental e ainda da respetiva inscrição e cabimento orçamental, pressupostos que, no caso vertente, não se mostram verificados.

Por tudo o que antecede, somos a concluir que não é devido à autora o subsídio de isenção de horário de trabalho por ela reivindicado nestes autos pelo exercício das funções de dirigente no período compreendido entre 02 de março de 2000 e 31 de dezembro de 2008.»  

Alega a recorrente que “Y - A cláusula 9ª do contrato de trabalho celebrado entre Recorrente e Recorrido exclui a aplicação do estatuto remuneratório do EPD, caindo pela base a fundamentação acolhida no acórdão recorrido, da alegada inexistência de lei que autorize o pagamento daquele suplemento remuneratório à Recorrente, da não aprovação governamental e ainda da respetiva falta de inscrição e cabimento orçamental do aludido suplemento,

W - Porquanto foi e é prática comum do INAC a inscrição de tais pagamentos nos orçamentos daquele Instituto, e a sua aprovação pela tutela.”

Porém, a alegada exclusão não consta nem do elenco dos factos provados, nem dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os contratos de fls.14 a 17 e 21 verso a 24.

Igualmente não consta dos factos provados que tenham sido inscritas nos orçamentos do R. as verbas destinadas ao pagamento à A. dos prendidos subsídios e a sua consequente aprovação pela tutela.

4.2.3 – Se a interpretação e aplicação do artº 13º da Lei nº 2/2004, dos artigos 2º nº 1 e 6º da Lei nº 23/2004, do artigo 256º do Código do Trabalho na versão da Lei nº 99/2003 de 27-08, é inconstitucional por violação do princípio fundamental da igualdade de tratamento previsto nos artºs 13º e 59º da CRP.

Refere-se a este propósito no acórdão que vimos reproduzindo:

«Impõe-se […] que tenhamos presente que, sendo o réu parte integrante da administração indireta do Estado, toda e qualquer despesa feita pelo mesmo tem que respeitar as normas imperativas de direito público. 

Consequentemente, não tendo a autora, como vimos, direito à atribuição de subsídio de isenção de horário de trabalho que veio peticionar, por tal pretensão carecer de base legal, a circunstância de ter havido trabalhadoras do réu a quem foi pago o aludido suplemento remuneratório não é violador do invocado princípio da igualdade, porquanto este princípio constitucional só funciona num contexto de legalidade.

Como se refere no acórdão do STA de 04 de setembro de 2014, proferido no Processo n.º 01117/13 e disponível em www.dgsi.pt, que apela ao “respeito pela exigível coerência da própria ordem jurídica”, a propósito de relações de trabalho em regime de direito público, mas em termos aplicáveis a qualquer situação sujeita a requisitos e limitações decorrentes da prossecução do interesse público, «(…) o princípio da igualdade, na sua vertente de ”trabalho igual, salário igual”, não poderá servir de fonte à ilegalidade, tal a de atribuir um subsídio de função a quem não tem direito a ele apenas porque a ilegalidade se estende a outros. O princípio da igualdade (...) “não garante a igualdade ao não direito” (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Teoria da Constituição, 7ª edição, página 427).»

Por um lado, como se argumentou no acórdão desta Secção de 30 de maio de 2016, proferido no Processo n.º 1039/13.1TTLSB.L1.S1, e que tem plena aplicação para o caso dos autos: «(…) no caso vertente não é possível concluir que este princípio foi violado desde logo porque, relativamente às demais trabalhadoras com a qual Autora se compara, a factualidade apurada não permite concluir pela existência de uma eventual discriminação por se desconhecer se as mesmas também transitaram da DGAC para o INAC ou se foram já admitidas neste último ao abrigo de um contrato de trabalho e ainda, no primeiro caso, se optaram pelo contrato de trabalho ou mantiveram o vínculo à função pública.»

Tudo para se concluir que não se verifica a violação do princípio da igualdade vertido nos arts.º 13º e 59º da Constituição da República Portuguesa.

Pelo exposto e sem necessidade de outros fundamentos, a revista improcede.

DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 30.03.2017

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco


__________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n.º 2 do CPC.
[5] Ac. do STJ (4ª secção) de 10.12.2015 (Melo Lima), proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1. No mesmo sentido cfr. também o acórdão deste mesmo tribunal e secção de 22.04.2015 (Melo Lima), proc. 822/08.4TTSNT.L1.S1.
[6] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 422.
[7] Facto deriva do latim factum que significa ato, acontecimento, feito, obra, conduta.
[8] Todos acessíveis em www.dgsi.pt.