I - A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excepcional.
II - Ao ter optado, claramente, por aderir ao princípio da auto-suficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016.º do CC.
III - Neste novo modelo – associado, em grande medida, ao divórcio desligado do conceito de culpa – o referido direito depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do CC, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do CC), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo.
IV - Na fixação do montante dos alimentos, deve o tribunal tomar em conta: (i) a duração do casamento; (ii) a colaboração prestada à economia do casal; (iii) a idade e o estado de saúde dos cônjuges; (iv) as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego; (v) o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns; (vi) os seus rendimentos e proventos; (vii) um novo casamento ou união de facto; e (viii) todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que os recebe e as possibilidades do que os presta (art. 2016.º-A do CC).
V - Não tendo a requerente de alimentos feito prova da sua impossibilidade de trabalhar para prover ao sustento, é de concluir que não está provado o pressuposto da necessidade, o que torna irrelevante a verificação do pressuposto da possibilidade do outro ex-cônjuge.
VI - Acresce que o reduzidíssimo tempo de convivência das partes no estado de casados (por um período máximo de dois meses: entre Maio e Julho de 2011), permite até questionar se não estará posto em crise o próprio fundamento da obrigação de alimentos – a recíproca solidariedade pós-conjugal.
VII - Não tendo igualmente a requerente logrado provar que tenha vivido maritalmente com o requerido desde 2004, não pode equacionar-se a hipótese de se atribuir relevância ao período anterior à celebração do casamento.
VIII - Pelas razões indicadas nos pontos V, VI e VII, não tem a requerente direito a prestação de alimentos.
1. AA instaurou, em 30/10/2014, acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra BB, pedindo a declaração de divórcio entre A. e R.
Citada a R., teve lugar a tentativa de conciliação, na qual as partes converteram aquele pedido em divórcio por mútuo consentimento. Os autos passaram a seguir essa nova forma, ficando a constar que não existem filhos menores, nem bens comuns a partilhar (A. e R. casaram sob o regime da separação de bens), a casa de morada da família é um bem próprio da R., ficando para ela o direito à sua utilização.
Quanto a alimentos, a R. requereu a fixação judicial de pensão a seu favor, a cargo do A., pela quantia mensal de € 400,00, atentas as suas necessidades e as possibilidades do último.
O requerido opôs-se, defendendo o indeferimento daquela pretensão.
Ambas as partes juntaram vários documentos com vista à definição da situação patrimonial de cada uma e foram inquiridas testemunhas.
Em 09/05/2016 foi proferida sentença que, considerando estarem reunidos os devidos pressupostos, decretou o divórcio por mútuo consentimento entre as partes, depois de decidir o incidente da requerida prestação e alimentos nos seguintes termos:
“Julga-se o presente incidente parcialmente procedente por provado e em consequência atribui-se uma pensão de alimentos mensal de € 70,00 a pagar pelo requerido à requerente, até ao último dia de cada mês e por meio idóneo de pagamento.”
Inconformado, o requerido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.
Por acórdão de fls. 187 foi alterada a matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se o requerido do pedido de alimentos definitivos.”
2. Vem a R. requerente interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:
1. Não dispunha assim o douto tribunal da Relação de todos os elementos que lhe permitissem concluir do modo que o fez, revogando a decisão do tribunal de 1ª instância que concedeu à recorrida o direito a uma prestação de alimentos pelo ex-cônjuge;
2. Tendo a recorrida especificado todas as suas despesas e provado os seus fracos rendimentos, e tendo igualmente sido provadas as despesas do recorrente, afere-se não só da necessidade extrema da recorrida bem como da possibilidade económica do recorrente e viabilidade de pagamento de 70,00 € (setenta euros mensais) à recorrida, após pagas todas as suas correntes despesas mensais.
3. Esta necessidade deverá ser colmatada, excepcionalmente e temporariamente, pelo ex-
cônjuge e dentro das suas possibilidades, como resultado de um dever solidário, alicerçado na existência de um vínculo anterior.
4. Ao decidir de forma diversa, o douto acórdão da Relação violou o correcto entendimento dos preceitos citados, nomeadamente o artº 2016º nº 2 e 2004º e 2016º-A nº 1 do Código Civil, afastando o critério da necessidade do cônjuge que deles precisa e a possibilidade de quem os deve prestar.
5. O Tribunal de 1ª instância tinha a prova suficiente para tomar uma decisão, que só poderia ser a que foi tomada, devendo ser mantida nos seus precisos termos.
O A. requerido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. A Apelada nunca demonstrou a sua incapacidade para trabalhar e complementar o rendimento que o Estado Português lhe atribui a título de RSI, antes demonstrando que no domínio das suas competências pode continuar a prestar serviços de geriatria;
2. Não pode ser imposto ao Apelante o pagamento de um “complemento” à Apelada pelo facto de RSI não ser suficiente para a mínima subsistência;
3. Não foi provada nos autos uma economia comum por mais de um mês, nem essa matéria foi impugnada;
4. Não se verificando o pressuposto da disponibilidade alimentar, uma vez que o Apelante tem um rendimento disponível (considerado o seu rendimento ilíquido e o total das despesas fixas provadas) inferior ao salário mínimo nacional.
Cumpre decidir.
3. Vem provado o seguinte (mantendo a redacção dada pelas instâncias):
1) A requerente e o requerido casaram em 20 de maio de 2011, conforme doc. de fls. 8 e estão separados de facto desde julho de 2011.
2) Tendo partilhado casa.
3) O seu relacionamento iniciou-se em finais de 2004.
4) A requerente trabalhava como empregada doméstica, em casas particulares, e fazendo serviços de geriatria domiciliária, auferindo cerca de € 800,00 mensais.
5) Requerente e requerido foram juntos a Angola, nomeadamente em 2007, tendo celebrado contrato de trabalho conforme fls. 57 e 58 e tendo sido constituída uma sociedade em que intervinha a requerente, conforme fls. 59 e 60, situação que não persistiu, tendo o requerido regressado a Portugal, bem como a requerente.
6) A requerente tem despesas com água, luz, telecomunicações, condomínio de € 43,75 pagamento do empréstimo da casa no valor de € 145,00 mensal, medicação e alimentação.
7) A requerente tem atualmente deferido RSI pelo valor mensal de € 180,99 com início em março de 2016; antes disso, em virtude de uma queda que deu, não logrou a atribuição de uma pensão, viu-se então obrigada a não trabalhar e ficou desempregada a usufruir de subsídio de desemprego entre o ano de 2013 e dezembro de 2015; (alterado pela Relação)
8) Em maio de 2010 o requerido divorcia-se da sua esposa à data.
9) Em novembro de 2010 o requerido celebra contrato de arrendamento conforme doc. de fls. 72 verso a 73 verso.
10) Em agosto de 2011 o requerido celebra novo contrato de arrendamento conforme doc. de fls. 82 a 83.
11) O requerido vive novamente com a sua ex-mulher desde 2012.
12) O requerido e a ex-mulher têm em comum encargos bancários relativos a três empréstimos, de cerca de € 733,29 por mês; (alterado pela Relação)
13) E têm despesas com condomínio da atual habitação, luz, gás, água e telecomunicações.
13-A- O requerido e a sua ex-mulher (atual companheira) têm uma despesa mensal com eletricidade, gás, água e telecomunicações, de cerca de € 180,00. (acrescentado pela Relação)
13-B- O recorrente e a sua ex-mulher suportam uma prestação de condomínio de valor anual não inferior a € 65,90. (acrescentado pela Relação)
14) Tendo declarado em 2014 o rendimento global de € 12.062,53, conforme doc. de fls. 97 verso, sendo o valor da pensão do requerido na ordem dos € 860,00.
Foram dados como não provados os seguintes factos:
- Requerente e requerido viviam maritalmente desde 2004, sendo a requerente quem provinha ao sustento da casa, alimentação e todas as despesas comuns diárias, com o seu rendimento mensal, fruto do seu trabalho, e o requerido teria como forma de contribuição o depósito da sua reforma mensal numa conta poupança, aberta no BANCO CC em 2005, que seria usufruída no futuro, quando a requerente deixasse de trabalhar, ou no caso de surgir uma situação inesperada; sendo que ao invés disso o requerido depositou a sua reforma de € 800,00 mensais, de 2004 a 2010, numa conta apenas sua, totalizando € 30.000,00, o que omitiu à requerente;
- A requerente abandonou a sua função em 2007 para acompanhar o requerido numa viagem a Angola, onde este foi com a intenção de abrir uma firma de ar condicionado, aproveitando-se dos poucos recursos do sobrinho da R., convenceu-a a constituir a firma com o seu sobrinho, sendo que era o requerido quem instruía, geria e chefiava todo o processo de funcionamento da mesma;
- Ao final de 8 meses a firma apresentava diversas dívidas;
- Desde 2010 que a requerente não trabalha.
4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, está em causa neste recurso a seguinte questão:
- Direito a alimentos da R. requerente, aqui Recorrente, e sua quantificação.
5. Torna-se necessário começar por equacionar a questão da obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges à luz do regime vigente, retomando-se, para o efeito, os termos do acórdão deste Supremo Tribunal, de 03/03/2016 (proc. nº 2836/13.3TBCSC.L1.S1), in www.dsgi.pt:
“Como vem sendo afirmado por este Supremo Tribunal de Justiça, a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges após o divórcio constitui um efeito jurídico novo, que radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal (por todos, acórdão de 23.10.2012, proc. nº 320/10.6TBTMR.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj).
A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, agora consagrado nos artigos 2016º e 2016º-A do Código Civil.
Inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004, a Lei nº 61/2008 passou a atribuir cariz excepcional ao direito de alimentos entre cônjuges, sendo esta uma das principais mudanças introduzidas no campo dos efeitos do divórcio. O legislador optou, claramente, por aderir ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária.
Estas características estão bem evidenciadas no artigo 2016º do Código Civil, preceito que reconhece a qualquer dos cônjuges o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (nº 2), mas consagra que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (nº 1) e que o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (nº 3).
Este novo modelo, associado, em grande medida, à transição para o sistema do divórcio pura constatação da ruptura do casamento, reconhece “ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais”, como dá nota Maria João Tomé (“Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges” em Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, pág. 445).
Desligando-se do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004º do Código Civil. O conceito de necessidade, ao contrário do que foi já tese dominante na doutrina e na jurisprudência, não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial, como decorre expressamente do texto do nº 3 do artigo 2016º-A do Código Civil quando estabelece que o cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
A obrigação de prestar alimentos deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (artigo 2003º nº 1 do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da ruptura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal. Afastou-se, inequivocamente, a possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos vir a usufruir posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido.
O dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos, agora muito mitigado, não se verificará, contudo, se «razões manifestas de equidade» levarem a negá-lo, o que acontecerá, de harmonia com a exposição de motivos do Projecto de Lei nº 509/X, se for “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”.
O legislador não definiu o conceito desta “cláusula de equidade negativa”, tendo optado por uma cláusula geral a concretizar casuisticamente pelo julgador por forma a abranger situações tão diversas que a sua previsão não lograria esgotar. O carácter vago e impreciso da norma deixa ao critério do tribunal definir “os casos especiais” em que o direito a alimentos será negado ao ex-cônjuge carenciado por se revelar “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”. (…)”
Importa ainda considerar que “Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta” (art. 2016º-A, do CC).
Tendo presentes os critérios gerais enunciados – que se encontram reflectidos, para além da jurisprudência supra citada, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 28/06/2012 (proc. nº 1733/05.0TBCTB.C1.S1), de 20/02/2014 (proc. nº 141/10.6TMSTB.E1.S1), de 23/10/2014 (proc. nº 2155/08.7TMLSB-A.L1.S1), de 24/03/2015 (proc. nº 2419/07.7TMLSB-B.L1.S1), de 10/09/2015 (proc. nº 5548/12.1TBCSC.L1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt; e nos acórdãos de 09/02/2017 (proc. nº 224/11.5T6AVR-B.P1.S1), de 30/03/2017 (proc. nº 248/125TBCMN.G1.S1) e de 04/04/2017 (proc. nº 106/12.3TMLSB-A.L1.S1), consultáveis na base dos sumários da jurisprudência cível in www.stj.pt – passa-se a apreciar o caso dos autos.
6. Entre os factos provados relevam especialmente aqueles que se referem à cronologia dos factos relativos ao casamento e à vida em comum na constância do casamento, e aqueles que se referem aos rendimentos e despesas de cada uma das partes.
Quanto aos primeiros:
- A requerente e o requerido casaram em 20 de Maio de 2011, conforme doc. de fls. 8 e estão separados de facto desde Julho de 2011;
- O requerido vive novamente com a sua ex-mulher desde 2012 [da qual se tinha divorciado em 2010];
- A presente acção de divórcio foi proposta em 30/10/2014;
- O divórcio foi decretado por sentença de 09/05/2016;
- À data do casamento a requerente tinha 55 anos e o requerido 70 anos (cfr. certidão de fls. 8).
Quanto aos rendimentos e despesas:
- A requerente tem despesas com água, luz, telecomunicações, condomínio de € 43,75, pagamento do empréstimo da casa no valor de € 145,00 mensal, medicação e alimentação;
- A requerente tem actualmente deferido RSI pelo valor mensal de € 180,99 com início em Março de 2016; antes disso, em virtude de uma queda que deu, não logrou a atribuição de uma pensão, viu-se então obrigada a não trabalhar e ficou desempregada a usufruir de subsídio de desemprego entre o ano de 2013 e Dezembro de 2015;
- O requerido e a ex-mulher [actual companheira] têm em comum encargos bancários relativos a três empréstimos, de cerca de € 733,29 por mês;
- O requerido e a sua ex-mulher (actual companheira) têm uma despesa mensal com electricidade, gás, água e telecomunicações, de cerca de € 180,00;
- O recorrente e a sua ex-mulher suportam uma prestação de condomínio de valor anual não inferior a € 65,90;
- Tendo declarado em 2014 o rendimento global de € 12.062,53, conforme doc. de fls. 97 verso, sendo o valor da pensão do requerido na ordem dos € 860,00.
Recorde-se que, de acordo com o regime jurídico actual, a obrigação da prestação de alimentos depende dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade previstos no artigo 2004º, do CC.
O acórdão recorrido fundamentou a decisão em sentido negativo nos seguintes termos:
“Vejamos, resumidamente, a situação de cada uma das partes.
Nenhuma delas tem pessoas dependentes e a cargo. Tudo indica que a requerente vive sozinha, enquanto o requerido refez a sua vida com a ex-mulher no ano de 2012, com ela partilha a habitação e as despesas básicas próprias da comunhão de vida (eletricidade, gás e telecomunicações, no valor global mensal de cerca de € 180,00), e também os encargos dos três empréstimos bancários contraídos e que atingem cerca de € 733,29 por mês. Para o conjunto de despesas mensais --- que a sua atual companheira também está obrigada a suportar ---, cujo total é de, aproximadamente, € 913,29, contribui o rendimento do requerido que, no ano de 2014, era de cerca de 1.005,00, beneficiando de uma pensão mensal de cerca de € 860,00.
Se considerarmos, como devemos, que àquelas despesas acrescem encargos com vestuário e alimentação, a situação do recorrente não é deficitária; ainda lhe resta rendimento disponível de valor considerável no conjunto do seu rendimento.
A requerente suporta as despesas básicas da sua subsistência (água, eletricidade, gás, telecomunicações e alimentação), a que acresce medicação e um empréstimo cujo encargo mensal é de € 145,00. Mas atualmente aufere, desde março de 2016, o RSI no valor mensal de € 180,99, insuficiente para a sua subsistência com o mínimo de dignidade, atendendo àqueles encargos e aos padrões de consumo de uma pessoa modesta.
A requerente trabalhou como empregada doméstica em casas particulares e realizou serviços de geriatria domiciliária, auferindo cerca de € 800,00 mensais, mas em 2011 sofreu uma queda e então deixou de trabalhar. Foi-lhe indeferido um pedido de pensão e ficou desempregada, com subsídio de desemprego de que beneficiou até ao final do ano de 2015.
A grande questão que se deve colocar em primeiro lugar é saber se a requerente está impossibilitada ou tem grave dificuldade, total ou parcial, de prover à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho; situação a aferir pelo rendimento produzido pelo património, pelo rendimento de capital e pela sua capacidade de trabalho. Só assim lhe assiste o direito a alimentos a suportar pelo requerido. É ali que reside a origem daquele direito entre divorciados, um requisito essencial e indispensável ao seu reconhecimento, como observámos já.
A prova deste requisito é um ónus da requerente por querer beneficiar do direito (art.º 342º, nº 1, do Código Civil e art.º 414º do Código de Processo Civil) .
Não está provado que o impedimento de trabalhar por causa da queda foi além das circunstâncias em que ocorreu e ainda subsiste. Essa pode ter sido a razão da não atribuição de uma pensão, de ter passado a beneficiar de subsídio de desemprego e, atualmente, de RSI.
Nada está provado quanto à sua saúde e a sua idade ainda não é de reforma (tem atualmente cerca de 60 anos).
Não se demonstrou que esteja impossibilitada de trabalhar, tenha alguma incapacidade ou que não seja possível rentabilizar ou alienar património imobiliário no sentido de obter meios que lhe permitam prover, por si só, ao seu sustento. Em bom rigor, não obstante ser beneficiária de RSI, tem uma profissão e nada nos diz que não a possa exercer com rendimento.
A atribuição de RSI não significa uma incapacidade ou grave dificuldade pessoal para o exercício da sua profissão. Pelo contrário, por ter que estar inscrita em Centro de Emprego e não lhe ter sido atribuída pensão na sequência da queda que sofreu ou por qualquer outra razão, a requerente pode trabalhar. O RSI não é suficiente para a sua subsistência minimamente condigna, mas, só por si, não consente a conclusão de que a requerente não tem condições para, através do desempenho da sua profissão, prover ao seu sustento.
Alguma dificuldade em obter emprego estável e permanente pode ser ultrapassada com trabalho a tempo parcial, o que não será extremamente difícil encontrar atenta a área laboral da sua habilitação e a sua experiência. A inscrição em Centro de Emprego facilitará essa tarefa.”
O juízo da Relação não merece censura. Não tendo a R. requerida feito prova da sua impossibilidade de trabalhar, não está provado o pressuposto da necessidade, o que torna irrelevante a verificação do pressuposto da possibilidade do A. requerido.
No caso dos autos, acresce um factor da máxima relevância (cfr. art. 2016º-A, nº 1, do CC): ainda que as partes tenham estado casadas durante cinco anos, apenas coabitaram por um período máximo de dois meses (entre 20 de Maio e Julho de 2011). O reduzidíssimo tempo de convivência no estado de casados permite até que se questione se, no caso dos autos, não estará posto em crise o próprio fundamento da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, a recíproca solidariedade pós-conjugal.
Talvez pela fragilidade dos fundamentos da sua pretensão, tentou a requerida fazer prova de vida em comum antes da celebração do casamento. Foi dado como provado que “O seu relacionamento iniciou-se em finais de 2004” e que “Requerente e requerido foram juntos a Angola, nomeadamente em 2007, tendo celebrado contrato de trabalho conforme fls. 57 e 58 e tendo sido constituída uma sociedade em que intervinha a requerente, conforme fls. 59 e 60, situação que não persistiu, tendo o requerido regressado a Portugal, bem como a requerente”. Mas não se fez prova de que “Requerente e requerido viviam maritalmente desde 2004, sendo a requerente quem provinha ao sustento da casa, alimentação e todas as despesas comuns diárias, com o seu rendimento mensal, fruto do seu trabalho, e o requerido teria como forma de contribuição o depósito da sua reforma mensal numa conta poupança, aberta no BANCO CC em 2005, que seria usufruída no futuro, quando a requerente deixasse de trabalhar, ou no caso de surgir uma situação inesperada (…)”. Assim, não se pode sequer equacionar qualquer hipótese de se atribuir relevância ao período anterior à celebração do casamento.
Concluindo, quer pela falta de prova da impossibilidade de a requerida trabalhar para prover ao seu sustento e, consequentemente, pela falta de prova do pressuposto da necessidade, quer pelo reduzidíssimo tempo de vida em comum após a celebração do casamento entre as partes, considera-se não ter a R. requerida direito a prestação de alimentos.
7. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 27 de Abril de 2017
Maria da Graça Trigo (Relator)
João Bernardo
Oliveira Vasconcelos