I – A limitação do acesso a um terceiro grau de jurisdição no que aos procedimentos cautelares respeita é determinada pela natureza provisória das decisões que no seu âmbito são emitidas.
II – Essa provisoriedade não abrange a decisão da Relação que negou o pedido de dispensa de pagamento de taxa de justiça remanescente relativa ao recurso de apelação.
III – Em matéria não abrangida por aquela restrição, uma vez satisfeitos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso fixados no nº 1 do art. 629º e verificada a condição específica da sua impugnabilidade – ter interesse para o recorrente independentemente da decisão sobre o procedimento cautelar – estabelecida no nº 4 do art. 671º, é admissível recurso de revista.
IV – O nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais permite que, em ações de valor superior a € 275.000,00, seja desconsiderado, no todo ou em parte, o valor da taxa de justiça remanescente que, de outro modo, as partes teriam de pagar a final.
V – Com este mecanismo, o legislador pretendeu atenuar - adequando-o em termos de proporcionalidade ao serviço judicial efetivamente realizado - o valor da taxa de justiça que a parte final da tabela I estabelece de modo automático e ilimitado em função do valor da causa.
VI – Ascendendo o valor da causa a € 8.750.000,00, a aplicação das regras enunciadas nos arts. 6º, nºs 1 e 2, 7º nº 2, e no parágrafo final da Tabela I, anexa ao RCP, sem o uso do dito mecanismo flexibilizador, leva ao valor de € 158.049,00 que funcionará, nesse caso, como contrapartida do serviço judicial desenvolvido com o julgamento da apelação, em que alegou a apelante e contra-alegaram as duas apeladas, cabendo à recorrente, enquanto parte vencida na apelação, suportá-lo.
VII – Embora o direito de acesso ao direito e aos tribunais não seja gratuito nem mesmo tendencialmente gratuito, a lei não pode adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça.
VIII – A desproporcionalidade entre o valor económico das custas que sejam legalmente exigidas e o valor do serviço de administração de justiça prestado, se existir, será lesiva do direito de acesso aos tribunais e é incompatível com a natureza de taxa que cabe à taxa de justiça.
IX – Tendo o Tribunal da Relação apreciado e decidido o recurso de apelação com análise e valoração de extensa, prolixa e complexa matéria de facto, tendo as recorridas formulado elevado número de conclusões e envolvendo a questão de direito a apreciar considerável complexidade, justifica-se, ainda assim e em face do valor da taxa que seria exigível nos termos enunciados em VI, uma redução de 60% da taxa de justiça remanescente devida a final pelas apelante e apeladas, que apenas pagarão 40% da mesma.
2ª SECÇÃO CÍVEL
I – Proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de … que julgou improcedente a apelação que fora interposta pela AA, Lda, contra a sentença proferida no âmbito da providência cautelar que movera contra BB, SGPS, S.A., e CC, S.A., veio a aí recorrente apresentar requerimento onde, com invocação do disposto nos artigos 616° n° 1, ex vi, do artigo 666° n° 1, ambos do CPC e 6° n° 7, do Regulamento das Custas Processuais[1] (RCP), pediu que:
a) Se declarasse que o valor do recurso interposto é de € 30.000,01, como lhe foi atribuído pela recorrente;
E, subsidiariamente:
b) Fosse reformada a condenação quanto a custas, dispensando-se as partes do pagamento do montante da taxa de justiça que excede o valor da taxa de justiça inicial, nos termos do disposto na segunda parte do art. 6°, n° 7, do RCP.
As apeladas, BB, SGPS, S.A., e CC, S. A., apresentaram também requerimento onde pediram exatamente o mesmo que solicitara a apelante.
Foi depois proferido acórdão que julgou improcedente o pedido de reforma quanto a custas.
Nele escreveu-se, no que aqui importa destacar, o seguinte:
“(…) na sequência da improcedência da apelação, o respetivo Coletivo determinou que as custas fossem a cargo da apelante – art. 527do CPC
A reforma das custas pode ser solicitada, nos termos do art. 616º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi art. 666º do mesmo diploma legal.
Não havendo recurso do acórdão em apreço e por nós subscrito, quer a recorrente quer os recorridos podem, em teoria, solicitar a reforma do mesmo quanto a custas.
Porém, há que averiguar se o podem fazer substancialmente, ou seja, se o que alegam consubstancia, ou não, violação de qualquer das regras que regem esta matéria e que estão enunciadas no Código de Processo Civil/CPC — art°s 527° a 541°.
Como supra referimos, o determinado quanto a custas obedeceu ao legalmente previsto.
Logo, não estamos perante a necessidade de qualquer reforma de custas, mas sim e tão só, perante um pedido de redução da taxa de justiça, nos termos do art° 6° n°7 do Regulamento das Custas Processuais/RCP (…) que estabelece o seguinte:
(…) 7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Ora com todo o respeito pela argumentação aduzida pela recorrente e recorridos, ou seja, todas as partes neste processo, não é este o momento próprio para se fazer o juízo global da complexidade dos autos pelo que o faremos, unicamente, no que ao recurso diz respeito.
Mas, importa deixar claro que o valor da causa já estava antes quantificado e corretamente determinado em função do beneficio que se visa obter, não estando na disponibilidade das partes alterá-lo — art°s.297° e 304° do CPC.
Estamos, por isso, na presença duma acção de valor consideravelmente elevado: €8.750.000,00.
Aplicando as regras de custas previstas legalmente, efectivamente, as partes terão que pagar um montante elevado de taxa de justiça remanescente - condizente com o que alegam -: €51.867,00 (cinquenta e um mil oitocentos e sessenta e sete euros).
Não podemos também esquecer que quando se trate de procedimentos cautelares, a taxa de justiça paga é atendida, a final, na acção respectiva e ainda que deverá ser tomada em atenção nas custas de parte devidas à parte vencedora – art°s.539° e 533° do CPC.
No que se reporta à complexidade do recurso, não devemos olvidar que se trata dum processo urgente que obriga o respectivo Colectivo a um esforço suplementar - por a par de outros processos que temos em mão - e não é o facto do acórdão em análise ser confirmatório que lhe retira a especificidade e a dificuldade.
No caso vertente obrigou a vários dias de estudo e discussão e também teve impugnação da matéria de facto, a qual não foi atendida por razões técnicas que estão explicitadas no mesmo acórdão (fls.1989 a 1996).
Raciocinando, a contrario, não estamos objectivamente perante um caso simples e de fácil solução, como se infere das, excepcionalmente, extensas alegações de recurso.
Por tudo o que fica dito e atendendo ainda aos interesses em causa, nomeadamente, de ordem económica, não reputamos de desproporcional a taxa de justiça exigida às partes pelo presente recurso.”
Veio a recorrente interpor o presente recurso de revista contra este acórdão, tendo apresentado alegações onde formula as conclusões que de seguida transcrevemos:
A. O Acórdão recorrido subsume-se ao artigo 671.°, n.° 4, do CPC, uma vez que i) foi proferido na pendência do processo da Relação e que ii) o acórdão do Tribunal da Relação, proferido sobre a decisão do Tribunal de 1ª. Instância, que conheceu do mérito e pôs termo ao processo, não admitia recurso de revista, desde logo por ter confirmado a decisão da 1ª. Instância, havendo dupla conforme,
B. Sendo que apesar de as Partes terem qualificado o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça como reforma quanto a custas, o Tribunal a quo entendeu tratar-se de um simples requerimento e decidiu-o enquanto tal.
C. Ao acórdão recorrido não é aplicável o artigo 370.°, n.° 2, do CPC, por não ter por objecto decisão que tenha decidido acerca do decretamento de uma providência cautelar nem da inversão do contencioso.
D. A limitação da recorribilidade para o STJ prescrita no artigo 370.º, n.° 2, do CPC só se justifica pelo carácter urgente dos procedimentos cautelares e peia natureza perfunctória e provisória das medidas nesse âmbito decretadas, pelo que tal irrecorribilidade não se aplica à decisão sob recurso, que versa sobre custas processuais.
E. Subsidiariamente: o presente recurso sempre seria admissível ao abrigo do artigo 629,°n.° 2, alínea d), do CPC, porque o acórdão recorrido está em contradição com outro acórdão proferido no domínio da mesma legislação – o actual RCP -, sobre a mesma questão de direito e já transitado em julgado, mais concretamente, com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 12.12.2013, no processo n.° 1319/12.3TVLSB-B.LI.SI (doravante, acórdão fundamento), e não foi proferido, tanto quanto se apurou, acórdão uniformizador de jurisprudência sobre a questão em apreço.
F. Embora o artigo 629.°, n.° 2, alínea d), do CPC apenas aluda a contradição com acórdão da Relação deve entender-se, por maioria de razão, que também inclui situações de contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
G. A questão fundamental de direito decidida de forma contraditória pode enunciar-se nos seguintes termos: a aplicação de uma taxa de justiça superior a €150.000 a um recurso de apelação que revestiu complexidade afigura-se ou não desproporcional e deve ou não dar lugar à aplicação do disposto no artigo 6.°, n.° 7, 2.a parte do RCP, no sentido de haver dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça.
H. No acórdão fundamento, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que: A cobrança de mais de € 150.000 como contrapartida de tramitação processual, inserida no âmbito de procedimento cautelar - embora de valor muito elevado e reportado a relações jurídicas de grande complexidade substantiva - que se consubstanciou essencialmente na emissão e confirmação de um juízo de inadmissibilidade de um recurso de apelação violaria os princípios da proporcionalidade e da adequação, erigindo-se, por isso, em ilegítima restrição no acesso à justiça."
I. Contrariamente, o acórdão recorrido não considerou desproporcional a aplicação de uma taxa de justiça superior a €158.000,00 por um recurso de apelação, precisamente com fundamento na respectiva complexidade.
J. Existe, assim, contradição entre os dois acórdãos, uma vez que o STJ julgou desproporcional uma taxa de justiça de valor superior a €150.000 num caso em que estavam em causa valores elevados, em que a relação material era complexa e em que essa complexidade teve reflexos na decisão de cariz estritamente processual, ao passo que o acórdão recorrido não considerou desproporcional a aplicação de uma taxa de justiça na ordem dos €158.000 precisamente por ter considerado não estar "perante um caso simples e de fácil solução".
K. A solução propugnada no acórdão fundamento é a que se afigura mais consentânea, designadamente com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da proibição do excesso e com o direito de acesso à justiça e aos tribunais.
L. O montante das taxas de justiça não pode ser fixado apenas em função do valor da acção ou do recurso, sob pena de inconstitucionalidade - vd., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 471/2007 e 116/2008.
M. O montante na ordem dos €158.000,00 a título de taxas de justiça devidas pelo recurso de apelação, para além de por si só exorbitante, é desproporcional e desajustado à complexidade do recurso de apelação, pois que este não implicou a reapreciação da decisão sobre matéria de facto e a questão de direito em causa não era especialmente complexa, prendia-se com o exercício de um direito de preferência, e já havia sido escalpelizada e decidida pelo Tribunal de 1ª. Instância.
N. No caso sub judice, o valor do recurso, com base no qual é determinado o montante da taxa de justiça, não teve qualquer influência nem na complexidade do recurso nem no volume de trabalho dos Senhores Juízes Desembargadores.
O. Bastava que o valor do negócio em apreço ou das participações sociais em questão fosse inferior para que a causa, com igual complexidade, tivesse um valor mais baixo e, por consequência, não fosse sequer devido qualquer pagamento de taxa de justiça remanescente.
P. A taxa de justiça é uma taxa e não um imposto e, como tal, tem de configurar uma contrapartida pelo serviço prestado pelo Estado, o que implica pelo menos uma adequação e proporcionalidade entre o montante da taxa de justiça e o custo do serviço prestado pelo tribunal - cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 17.03.2010, e n.° 471/2007 do Tribunal Constitucional.
Q. Para além disso, as Partes adoptaram uma conduta processual cooperante, pautada pela lisura, e não usaram, em momento algum, expedientes ou manobras dilatórias.
R. Deste modo, impunha-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de apelação interposto pela Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.° 7, 2.a parte, do RCP. Ademais,
S. As normas ínsitas no artigo 6.°, n.° 1, n.° 2 e n.° 7, do RCP, em conjugação com o Anexo I do RCP, interpretadas e aplicadas no sentido de não estabelecerem um limite máximo para as custas a pagar, dando azo à aplicação de montantes de taxa de justiça manifestamente desproporcionais aos serviços públicos prestados, são inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade (cf. artigo 2.° da CRP) e do direito de acesso à justiça (cf. artigo 20.°, n.° 4, da CRP) e, por isso, não devem ser aplicadas com essa interpretação no caso dos autos.
Termina pedindo a revogação do acórdão e que as partes sejam dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de apelação.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto da Relação contra-alegou sustentando a inadmissibilidade do recurso e para o caso de assim se não entender, a sua improcedência.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questão única sujeita à nossa apreciação a de saber se, quanto às custas devidas pelo julgamento do recurso de apelação, é de dispensar as partes do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos termos permitidos pelo nº 7 do art. 6º do RCP.
II – Os elementos processuais a considerar para a decisão da presente revista são os que acabámos de enunciar em sede de relatório e ainda que o valor do processo é de € 8.750.000,00.
III – Importa, antes de mais, saber se o recurso é admissível.
É questão não isenta de dúvidas, como denuncia a abordagem que dela faz a recorrente, ao dispensar-lhe, como lhe dispensa, a maioria das conclusões que formula.
Estamos, de facto, perante decisão proferida no âmbito de procedimento cautelar, em cujo campo rege o art. 370º do CPC, cujo nº 2 dispõe: “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.”
Uma primeira abordagem levaria à afirmação da sua inadmissibilidade, salvo se – como aliás defende a recorrente a título subsidiário - o caso fosse de reconduzir à previsão normativa do nº 2 do art. 629º do CPC.
Sabe-se, porém, que a limitação do acesso a um terceiro grau de jurisdição no que aos procedimentos cautelares respeita é determinada pela natureza provisória das decisões que no seu âmbito são emitidas, devendo admitir-se que essa provisoriedade não abrange a decisão da Relação que negou o pedido de dispensa de pagamento de taxa de justiça remanescente relativa ao recurso de apelação.
Assim, é de seguir o entendimento já adotado sobre a matéria por este STJ, no seu acórdão de 12.12.2013[2],[3] onde se escreveu:
“Saliente-se que não obsta à admissibilidade da revista o regime – restritivo do acesso ao STJ – constante do art. 387º-A, do CPC: na verdade, embora a questão agora discutida seja emergente da pendência inicial de um procedimento cautelar, a condenação em custas de determinado montante não constitui obviamente decisão provisória ou cautelar a que deva aplicar-se aquele regime restritivo de recurso, mas antes decisão final e definitiva sobre tal matéria, que onerará irremediavelmente a parte condenada com o pagamento das custas liquidadas; e, sendo o valor possível destas e, portanto, a sucumbência da parte vencida - decorrente da prolação da decisão impugnada na presente revista - manifestamente superior à alçada dos tribunais de 2ª instância verificam-se os pressupostos gerais da recorribilidade, tal como se mostram definidos no art. 678º do CPC.”
Aqui estamos perante acórdão proferido na pendência do processo na Relação, sobre matéria não abrangida pela aludida restrição, sendo certo, por outro lado, que quer o valor da causa, quer o da sucumbência, satisfazem os requisitos gerais de admissibilidade do recurso fixados no nº 1 do art. 629º; e a condição específica da sua impugnabilidade – ter interesse para o recorrente independentemente da decisão sobre o procedimento cautelar – estabelecida no nº 4 do art. 671º é também inegável, concluindo-se, pois, pela admissibilidade da revista.
Da pretendida dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente:
Correspondendo ao montante devido pelo impulso processual do interessado, a taxa de justiça é fixada no Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 2 de fevereiro, em função do valor e complexidade da causa – nº 1 do art. 6º desse Regulamento.
A devida pelos recursos é fixada nos termos da tabela I-B – nº 2 do mesmo preceito -, sendo paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações - nº 2 do art. 7º.
E na parte final da tabela I estabelece-se que “Para além dos € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fração, 3 UC, no caso da coluna A, 1,5 UC no caso da coluna B e 4,5 UC, no caso da coluna C.”
Diretamente relacionado com este último dispositivo, o nº 7 do citado art. 6º dispõe o seguinte: “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Esta última norma, introduzida pelo art. 2º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro, permite, pois, que, em ações de valor superior a € 275.000,00, seja desconsiderado, no todo ou em parte, o valor da taxa de justiça remanescente que, de outro modo, as partes teriam de pagar a final.
Em descrição da evolução legislativa que levou à criação do preceito, consta do acórdão do Tribunal Constitucional nº 361/2015, o seguinte:
“(…)
Os treze escalões previstos na tabela I preveem os valores da ação até ao montante de € 275.000,00, a que acresce, para além desse limiar, a final, por cada €25.000 ou fração, 3 UC, no caso da coluna A, 1,5 UC, no caso da coluna B, e 4,5 UC, no caso da coluna C
(…) O contexto normativo em que se situa tal normação decorre do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (e posteriormente alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de agosto, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de agosto, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de agosto, e Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro), o qual introduziu uma nova disciplina para as custas processuais, revogando, entre várias normas e diplomas que versavam sobre a matéria de custas, o Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro.
Uma das vertentes da alteração trazida pelo RCP radicou precisamente nos mecanismos de fixação do valor do tributo a pagar.
Pode ler-se no preâmbulo do diploma em apreço:
«De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores.
De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.»
Refletindo essa mudança, o artigo 6.º, n.º 1, do RCP, enuncia, como regra geral, que a taxa de justiça é fixada «em função do valor e complexidade da causa», por referência a uma tabela, como já acontecia no regime anterior. Mas, inovatoriamente, a fixação da taxa de justiça passou a ter como fator de majoração do montante da taxa de justiça a complexidade da causa, podendo o juiz «determinar, a final, a aplicação dos valores [agravados] de taxa de justiça constantes da tabela I-C (…) às ações e recursos que revelem especial complexidade», por conterem «articulados ou alegações prolixas», dizerem respeito a «questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso» ou implicarem «a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas» (artigos 6.º, n.º 5, do RCP, e 530.º, n.º 7, do CPC). Com o RCP, o legislador consagrou, assim, um «sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção em casos de processos especial e particularmente complexos» (cfr. SALVADOR da COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2012, 4.ª edição, pág. 231).
A par deste mecanismo corretivo, no sentido ascendente, do valor da taxa de justiça a pagar, em função da materialidade da lide, não foi editado qualquer outro que, agora no sentido inverso, permita genericamente ao julgador intervir no domínio da taxa de justiça, reduzindo-a para valores inferiores aos correspondentes à taxa normal, mormente para aqueles constantes da tabela I-B. O que não significa que a intervenção judicial moderadora no domínio das custas judiciais esteja ausente por completo: persiste nas causas de valor mais elevado, ainda que limitada ao que respeita ao remanescente a pagar a final.
Com efeito, na redação originária do RCP, a tabela I estatuiu vários escalões de valor da causa até ao montante de € 600.00,00 e, a partir daí, uma taxa de justiça variável, entre os limites estabelecidos, devendo a parte liquidá-la no seu valor mínimo e pagar o excesso, se o houvesse, a final (artigo 6.º, n.º 6, do RCP).
O Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quadro normativo aqui aplicável, veio, inter alia, alterar as tabelas anexas ao RCP, o que decorreu, como resulta do respetivo preâmbulo, da consideração de «que a taxa de justiça nalguns casos não estava adequada à complexidade da causa, pelo que se prevê um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento». Passou, assim, a prever-se, na tabela I, uma taxa de justiça fixa, graduada por escalões em função do valor da causa, até ao limite de € 275.000,00, sendo, a partir daí, calculado o mesmo valor de acréscimo por cada unidade ou fração no montante de € 25.000, mantendo-se a sua exigibilidade apenas no final da lide. E, desse modo, reintroduziu-se um mecanismo de aumento automático e ilimitado do montante da taxa de justiça em função do valor da causa, já antes consagrado pela tabela I anexa ao CCJ, embora diminuído na sua expressão, idóneo a gerar um remanescente a pagar a final.
Importa neste ponto notar que, na vigência do CCJ, o funcionamento desta regra foi atenuado com a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, que passou a prever a possibilidade de intervenção corretiva do juiz, circunscrita aos processos de valor superior a € 250.000,00, quanto ao remanescente a pagar a final. Dizia o n.º 3 do artigo 27.º do CCJ, na redação introduzida pelo referido Decreto-Lei n.º 324/2003 que «se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente». No RCP, solução normativa homóloga só veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, com o aditamento de um novo número ao artigo 6.º, com a seguinte redação: «7- Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento»
(…)”
É de reter, pois, que com o mecanismo de correção criado pela dita norma, de conteúdo idêntico ao do nº 3 do art. 27º do revogado CCJ, o legislador pretendeu atenuar - adequando-o em termos de proporcionalidade ao serviço judicial efetivamente realizado - o valor da taxa de justiça que a parte final da tabela I estabelece de modo automático e ilimitado em função do valor da causa.
O valor da taxa de justiça passou, deste modo, a poder ser objeto de correção por parte do julgador, não apenas no sentido da sua agravação a ser determinada, nos termos do nº 5 do art. 6º, pela especial complexidade da ação ou do recurso, mas agora também no sentido da dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente devida nas causas de valor superior a € 275.000,00, caso a especificidade do caso o reclame, tomando-se em consideração, designadamente, a complexidade da causa e a conduta das partes.
À consagração desta solução legal não foi seguramente alheia a posição do Tribunal Constitucional que, como é descrito no seu acórdão nº 421/2013, julgara inconstitucionais normas do CCJ substancialmente idênticas às do RCJ supra referidas, antes da criação do mecanismo flexibilização constante do citado nº 7 do seu art. 6º, dele constando, além do mais, o seguinte:
“Assim, decidiu-se «julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede € 49.879,79, é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão» (Acórdãos nºs. 227/2007 e 116/2008).
Também se julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição de excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP, «a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, o), 18.º, n.º 2, e tabela anexa do CCJ, na redação do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de €123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.º 471/2007).
E reafirmou-se um tal juízo de inconstitucionalidade, apreciando esse mesmo conjunto normativo, «na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um recurso de agravo de um despacho interlocutório, interposto por quem não é parte na causa, sendo a questão de manifesta simplicidade e tendo o recurso seguido uma tramitação linear, ascendem ao montante global de €15 204,39, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.º 266/2010). O mesmo sucedeu no Acórdão n.º 470/07, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição, «a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a €100.000,00».
Sendo também à luz das mesmas valorações constitucionais que não se censuraram soluções legais de tributação que, embora pautadas por exclusivos critérios de valor (da ação), não conduziram, nos concretos casos em apreciação, à fixação de uma taxa de justiça desproporcionada à complexidade do processo (Acórdãos nºs. 301/2009, 151/2009 e 534/2011).”
E o mesmo acórdão nº 421/2013, versando o regime emergente do referido Decreto-Lei nº 52/11 – anterior, portanto, à criação do nº 7 do art. 6º - julgou “inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
Atentemos no caso em exame.
Ascendendo o valor da causa a € 8.750.000,00, a aplicação das regras enunciadas nos arts. 6º, nºs 1 e 2, 7º nº 2, e no parágrafo final da Tabela I, anexa ao RCP, sem o uso do dito mecanismo flexibilizador, leva a que, além da taxa de justiça inicialmente paga pela apelante, ora recorrente, e por cada uma das apeladas no valor unitário de € 816,00 – num total de € 2.448,00 -, cada uma delas tenha ainda de pagar de remanescente de taxa de justiça o valor de € 51.867,00, - num total de € 155.601,00.
Ou seja, o valor de € 158.049,00 funcionará, nessa hipótese, como contrapartida do serviço judicial desenvolvido com o julgamento da apelação, em que alegou a apelante e contra-alegaram as duas apeladas, cabendo à recorrente, enquanto parte vencida na apelação, suportá-lo, pois que a seu cargo ficará também a taxa de justiça paga pelas vencedoras, dado o funcionamento das regras atinentes às custas de parte – arts. 533º, nºs 1 e 2, alínea a) do CPC e 26º, nºs 2 e 3, alínea a).
Mister é saber se a exigência de tal valor é proporcional ao serviço judicial efetivamente desenvolvido, ou se, diversamente, se impõe lançar mão da faculdade prevista no nº 7 do art. 6º, para restabelecer, através da dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, o justo equilíbrio que tem de existir entre as duas prestações, de sorte a preservar o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º, nº 1da Constituição da República Portuguesa (CRP)[4], combinado com o princípio da proporcionalidade ínsito no art. 18º, nº 2, 2ª parte do mesmo diploma.
Na verdade, se o referido art. 20º consagra, como se vem afirmando, um direito de acesso ao direito e aos tribunais que não é gratuito nem mesmo tendencialmente gratuito, admitindo a nossa Constituição que se exija uma contrapartida pelos serviços de justiça prestados[5], também não merece dúvidas de que, em face dele, “a lei não pode (…) adoptar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. Ou seja, salvaguardada a protecção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incompatíveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio (…)”[6], estando, pois, proibido o excesso de taxa de justiça.
Além de que a desproporcionalidade entre o valor económico das custas que sejam legalmente exigidas e o valor do serviço de administração de justiça prestado, se existir, será lesiva do direito de acesso aos tribunais e levará a que “se deixe de estar perante verdadeiras taxas e se entre, pelo contrário, no domínio dos impostos”.[7]
E o Tribunal Constitucional afirmou já reiteradamente que é de taxa e não de imposto a natureza da taxa de justiça[8], sendo certo que, nos termos do art. 4º, nº 2 da LGT, “as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.”
Importa, pois, dissecar, avaliando-o em termos de extensão e complexidade, o trabalho judicial envolvido no julgamento da apelação.
Estamos perante um procedimento cautelar que, ao entrar na Relação de Lisboa, era já composto por oito volumes com 1882 páginas.
Através dele, pretendia a requerente que se ordenasse à primeira requerida que se abstivesse de vender à segunda requerida e a esta que se abstivesse de comprar as ações de que a primeira é titular, representativas de 25% do capital social da sociedade DD, SGPS, dado o seu direito de preferência, emergente de acordo parassocial, na transmissão das participações sociais desta sociedade, da qual tanto a requerente, como as requeridas, são sócias.
A matéria de facto julgada como provada em 1ª instância é composta por 135 pontos extraídos do requerimento inicial, 70 pontos extraídos da oposição da requerida “BB” e 67 pontos extraídos da oposição da requerida “CC”.
No recurso de apelação que interpôs contra a decisão de 1ª instância que, após a audição das requeridas, revogou a providência decretada antes do estabelecimento do contraditório, a ora recorrente formulou, ao alegar, dezanove conclusões onde, em síntese:
- sustentou que nas suas oposições as requeridas não alegaram factos novos nem carrearam meios de prova suscetíveis de alterar o ponto 45 dos factos inicialmente julgados como provados que, por isso, deve ser mantido;
- pugnou pela desconsideração de 25 pontos da matéria de facto julgada como provada por, alegadamente, conterem apenas “opiniões, conclusões, considerações e especulações retiradas dos subjetivos juízos e valorações das recorridas” e, bem assim, pela manutenção da decisão que decretara a providência.
A requerida BB, SGPS, S. A., contra-alegou formulando 79 conclusões e sustentando a improcedência do recurso.
Também a requerida CC, S.A., contra-alegou, formulando 46 conclusões em que sustentou a improcedência do recurso.
E para o caso de o recurso interposto ser julgado procedente, pediu subsidiariamente, o alargamento do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no art. 636º, nºs 1 e 2, interpondo recurso também do despacho proferido em 20 de Junho de 2016[9] que apenas admitiu uma pequena parte da oposição que oportunamente deduzira, pedindo a admissão de toda a oposição deduzida ou, subsidiariamente, daquilo que alegou nos arts. 387º a 437º, 64º e 65º, 100º a 102º, 134º a 137º, 143º e 144, 151º a 153º, 238º a 243º, 143º a 136, 140º a 144º, 150º a 153º, 229º, 233º a 243º, 251º, 409º a 417º e 295º a 386º. Pediu a revogação do despacho em conformidade e a anulação da sentença proferida, a fim de ser considerada esta factualidade. Neste âmbito formulou 12 conclusões.
Por fim, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela recorrente, pediu, subsidiariamente, e com invocação do nº 2 do art. 636º, a ampliação do objeto do recurso “às questões que poderiam ter sido suscitadas em sede de recurso da decisão inicial” (sic), impugnando a decisão inicial, na parte em que julgou como provados 7 factos que identifica, depois transpostos como tal para a decisão subsequente ao contraditório, sustentando, a partir daí, a improcedência da providência.
Neste âmbito formulou 14 conclusões.
A requerente respondeu, em longo[10] requerimento, à matéria da ampliação do recurso peticionada.
No acórdão da Relação de …, que vai de fls. 1888 a 2016, conheceu-se, sucessivamente:
- Da pretensão da recorrente de ver desconsiderados os 25 pontos da decisão de facto que enuncia e que foram extraídos das oposições apresentadas pelas requeridas, não se atendendo a mesma, mas procedendo-se à síntese factual de parte dessa matéria e esclarecendo-se que do alegado só será objeto de valoração aquilo que tem natureza factual, com desconsideração do que são opiniões.
- Do mérito da decisão proferida em 1ª instância, que foi mantida.
- Teve-se como prejudicada a ampliação do recurso pedida pela 2ª requerida, a título subsidiário, para a hipótese de vingar a tese da recorrente e de ser revogada a decisão apelada.
Tudo o descrito revela, à saciedade, que não colhe a versão da recorrente quando, com vista a obter a pretendida dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, equipara o presente caso ao que foi decidido no já citado acórdão deste STJ de 13.2.2013, no qual, como consta do respetivo sumário, a “tramitação processual, inserida no âmbito de procedimento cautelar – embora de valor muito elevado e reportado a relações jurídicas de grande complexidade substantiva – (…) se consubstanciou essencialmente na emissão e confirmação de um juízo de inadmissibilidade de um recurso de apelação (…)”. (sublinhado nosso)
Se a simplicidade e exígua extensão da tramitação executada neste último caso impunha, por respeito ao princípio da proporcionalidade e da adequação, que se não cobrassem, como contrapartida, mais de € 150.000,00, e se dispensasse, por isso, o pagamento de 90% da taxa de justiça remanescente, o mesmo não se passa no caso em apreciação, em que o serviço desenvolvido foi substancialmente diverso, tanto em quantidade como em complexidade.
Aqui o Tribunal da Relação apreciou e decidiu o recurso de apelação com necessária análise e valoração de extensa, prolixa e complexa matéria de facto, em que as recorridas formularam elevado número de conclusões e em que a questão de direito a apreciar envolvia considerável complexidade, vindo invocado direito de preferência na venda de participações sociais emergente de acordo parassocial.
E se não merece dúvida razoável que naquele outro caso o montante da taxa de justiça inicialmente pago pelos recorrentes, no valor de € 816,00, acrescida do correspondente a 10% do remanescente, se mostrava equilibrado como contrapartida do simples e exíguo serviço de justiça prestado, aqui a taxa de justiça já paga, no valor de € 2.448,00, de modo algum pode ser tida como contrapartida minimamente adequada do trabalho judicial aplicado no recurso de apelação, que envolveu a intervenção de três juízes desembargadores em matéria que já classificámos de complexa. E seria esse o resultado se a pretensão da recorrente fosse atendida em pleno e a taxa de justiça remanescente fosse pura e simplesmente dispensada.
Mas entendemos que há razões justificadoras de uma redução parcial.
Na verdade, mesmo sopesando o considerável volume e complexidade do trabalho aportado no julgamento da apelação, consideramos que uma taxa de justiça no valor de € 158.049,00 não representa, por excesso, uma contrapartida equilibrada e razoável do serviço judicial prestado. Também a conduta processual da apelante e das apeladas não merece reparo.
O estabelecimento do equilíbrio adequado entre as duas prestações leva a que, nos termos do citado art. 6º, nº 7, dispensemos o pagamento de 60% da taxa de justiça remanescente devida a final pelas apelante e apeladas, sendo esta devida apenas na proporção de 40%.
IV – Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente, reduzindo-se em 60% a taxa de justiça remanescente devida a final pelas partes na apelação, pagando estas apenas 40% da mesma.
Atento o seu decaimento nesta revista, a recorrente suportará 40% das custas respetivas, reduzindo-se, por razões idênticas às expostas, em 60% a taxa de justiça remanescente, sendo devida apenas 40% da mesma.
Lisboa, 18.01.2018
Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relator)
João Bernardo
Oliveira Vasconcelos
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[1] Diploma a que respeitam as normas doravante referidas sem menção de diferente proveniência
[2] Invocado pela recorrente e em que foi Relator o Conselheiro Lopes do Rego, processo 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Vinha interposto recurso contra acórdão da Relação proferido no âmbito de procedimento cautelar, mas restringido à parte em que no mesmo se conhecera do pedido de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente.
[4] Segundo o qual “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”
[5] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 180
[6] Ibidem, pág. 183
[7] Ibidem, pág. 183
[8] Acórdãos nºs 419/89 de 15.09.1989, 307/90 de 4.03.1991, 42/92 de 11.06.1992, 240/89 de 22.03.1994 e 214/2000 de 5.04.2000.
[9] Contra o qual interpôs apelação autónoma que não foi recebida, tendo apresentado reclamação contra essa rejeição, na altura ainda pendente de apreciação.
[10] De fls. 1724 a 1743