FORO ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
PROPOSITURA DA ACÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Sumário


I. A causa de pedir na presente acção são os prejuízos que o Autor terá sofrido em virtude do decretamento da providência cautelar de suspensão do acto administrativo camarário que autorizou a construção do seu imóvel, a qual foi decretada por iniciativa do Réu.
II. É incontroverso que o exercício do direito de acção (indemnizatória) fundado nos danos derivados de procedimentos cautelares instaurados em sede de foro administrativo está sujeita ao prazo de um ano a que alude o n.º 2 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
III. Trata-se de um prazo dentro qual é possível exercitar esse direito, pelo que, se justifica que, em face da norma interpretativa contida no n.º 2 do art.º 298.º do Cod. Civil se qualifique o mesmo como sendo um prazo de caducidade.
IV. Como deflui da parte final do n.º 2 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o prazo em questão inicia o seu curso com a notificação da decisão que altere, revogue ou declare a caducidade da providência (cfr. n.º 1 do art.º 125.º do mesmo diploma), sendo este o momento a partir do qual, nos termos da lei, o direito pode ser exercido (art.º 329.º do Cod. Civil).
V. A decisão de declarar a inutilidade superveniente da lide constitui, inequivocamente, uma “causa de cessação da providência diferente da execução de decisão do processo principal ao recorrente”, sendo equiparável, para este efeito, à decisão de revogação/alteração, já que tanto uma como a outra se fundam na superveniência de determinados factos (cfr. n.º 1 do art.º 124.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
VI. Pese embora as providências cautelares sejam dependência do processo principal (n.º 1 do art.º 113.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), é irrelevante o momento em que transitou em julgado a decisão da acção principal, já que esse não é o momento legalmente definido para o início do curso do prazo, já que essa decisão não integra os pressupostos do direito de acção prevenido no n.º 1 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. A causa de pedir aí ínsita radica nos danos causados pela adopção da providência.

Texto Integral


ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
AA propôs a presente acção declarativa contra BB e CC, pedindo que os mesmos sejam condenados a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 323.800,00 (trezentos e vinte e três mil e oitocentos euros), acrescidos dos juros desde a data da propositura da acção até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que é proprietário do imóvel situado na Avenida …, nº … em Vendas Novas, o qual teve origem no lote … do Loteamento n.º …/81, Loteamento da Herdade …, sendo os Réus proprietários do imóvel situado na Avenida …, n.º …, em Vendas Novas, o qual teve origem no lote …, do referido loteamento, contíguo ao imóvel do Autor; o Autor adquiriu o referido lote … em 26.07.2002, tendo em 1.10.2004, juntamente com outro, requerido à Câmara Municipal de Vendas Novas a alteração ao Alvará do Loteamento nº …/81, o que foi deferido, após discussão pública onde não foram apresentadas reclamações, por deliberação tomada em reunião da Câmara Municipal de Vendas Novas de 29.12.2004, tendo sido emitido em 5.01.2005 o aditamento ao Alvará de Loteamento …/81, assim se acolhendo a pretensão do Autor; em 2005.03.18, o Vereador do Pelouro das Obras Particulares da Câmara Municipal de Vendas Novas proferiu despacho de deferimento de licenciamento da obra de construção nova, de moradia unifamiliar que o Autor formulou, em 15.09.2005, ao Presidente da Câmara Municipal de Vendas Novas, tendo, em 6.07.2005, sido emitido o Alvará de autorização de obras de construção n.º …, em nome do Autor, o qual iniciou, no início no mês de Agosto de 2005, a construção da sua casa; a obra decorreu a um ritmo acelerado, porém, foi forçado a suspender a respectiva construção, no dia 12.07.2006, porquanto foi notificado pela Câmara Municipal de Vendas Novas, através do Ofício n.º 2478 que ordenou “...a suspensão das obras com efeitos imediatos, tanto no interior como no exterior, sob pena de incorrer em crime de desobediência previsto e punível no artigo 348 do Código Penal.”; a obra de construção encontrava-se em estado muito avançado de construção, que decorria diariamente; na origem desta ordem de suspensão das obras esteve uma providência cautelar intentada pelo Réu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja contra a Câmara Municipal de Vendas Novas e outros que correu os seus termos com o número de Processo 110/06.O BEBJA; no dia 22.02.2006 o Réu intentou uma acção especial para impugnação de acto administrativo, contra o Município de Vendas Novas que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja com o número de processo 59/06.7BEBJA, pugnando pela declaração de nulidade, por carência de forma legal e por violação dos instrumentos de ordenamento do território, do acto administrativo que autorizou a construção da moradia do Autor, fundamentando a sua pretensão no facto de discordar que a mesma beneficiasse de regras diferentes daquelas que ele teve que respeitar aquando da edificação da sua casa, há mais de vinte anos, nomeadamente quanto ao aproveitamento da cave, número de pisos e estética; a Providência Cautelar supra referida foi julgada improcedente por sentença de 27.01.2009, desta sentença o Réu recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, por decisão de 21.05.2009, declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide. No que à acção principal diz respeito, em 06.02.2009, foi proferido despacho saneador/sentença a julgar a acção improcedente, de que o Réu recorreu; por decisão do relator de 12.02.2014 o TCA Sul decidiu não conhecer do recurso e determinou a baixa do processo ao TAF para apreciação do requerimento enquanto reclamação para a conferência, se reunidos os respectivos pressupostos; por despacho confirmado em Reclamação pela formação colegial o TAF recusou a convolação uma vez que o requerimento não tinha sido apresentado no prazo de dez dias; o Réu recorreu desta decisão para o TCA Sul que por Acórdão de 16.12.2015, confirmou a decisão do TAF de Beja; deste Acórdão, o Réu recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual por decisão de 28.04.2016, não admitiu revista; com o Acórdão de 21.05.2009, proferido na providência cautelar que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, foi permitido ao Autor recomeçar as obras de construção da sua casa, porém tinham decorrido três anos, durante os quais as obras estiveram paradas, por motivos completamente alheios à sua vontade e contra a sua vontade; a obra da sua casa ficou exposta a três anos de deterioração, sem que nada pudesse fazer para o evitar; decorrentes do facto das obras de construção da sua casa terem estado paradas e por causa dessa paragem, o A. sofreu diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, descritos pelo Autor na petição inicial, no montante total de € 323.800,00 (trezentos e vinte e três mil e oitocentos euros).
Devidamente citados, os Réus apresentaram contestação, tendo, além do mais, alegado que a caducidade do direito do autor a reclamar dos Réus qualquer indemnização, porquanto, consideram ter decorrido o prazo de um ano previsto no art.º 126.º, n.º 2, do CPTA, por o autor basear a sua pretensão no facto das obras de construção da sua casa terem estado paradas devido à interposição de uma Providência Cautelar por parte do Réu, em 27.03.2006, no TAF de Beja, a qual teve o seu termo por Acórdão proferido pelo TCA Sul, em 21.05.2009, com a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, decisão esta transitada em julgado no dia 9.06.2009.
Realizou-se audiência prévia, facultando-se às partes a possibilidade de discussão de facto e de direito, com vista ao conhecimento imediato de excepção peremptória, nos termos previstos no art.º 591.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Foi proferida decisão que, julgando procedente, por provada, a invocada excepção peremptória de caducidade, absolveu os Réus, Antero José Martins Barreiros e Lucília Marques Matias Martins Barreiros, do pedido deduzido pelo Autor.
O A. não se conformando com a sentença prolatada dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
A. O presente processo tem na sua origem a construção do imóvel de que o Autor é proprietário sito na Avenida 25 de Abril, n.º 7-A, em Vendas Novas, correspondente ao lote n.º 13, do Loteamento n.º 4/81, da Herdade da Ajuda, em Vendas Novas, com base no Alvará de Autorização de Obras de Construção n.º 2713, de 6.07.2005, emitido pela Câmara Municipal de Vendas Novas.
B. Os Réus, são proprietários do imóvel sito na Avenida …, n.º …, em Vendas Novas, correspondente ao lote n.º …, do referido loteamento, contíguo, portanto ao do recorrente e o recorrido marido com o aval da recorrida, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja de Providência Cautelar para suspensão da eficácia de acto administrativo já executado, que correu os seus termos com o número de Processo 110/06.OBEBJA, pedindo a suspensão da decisão da Câmara Municipal de Vendas Novas que autorizou a construção do imóvel do recorrente, providência esta a que se seguiu uma acção especial para impugnação de acto administrativo, contra o Município de Vendas Novas que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja com o número de processo 59/06.7BEBJA, pugnando pela declaração de nulidade, por carência de forma legal e por violação dos instrumentos de ordenamento do território, do acto administrativo que autorizou a construção da moradia do Autor, fundamentando a sua pretensão no facto de discordar que a mesma beneficiasse de regras diferentes daquelas que ele, teve que respeitar aquando da edificação da sua casa, há mais de vinte anos, nomeadamente quanto ao aproveitamento da cave, número de pisos e estética.
C. Em consequência da providência cautelar requerida pelo réu marido com o aval da Ré mulher, a obra de construção do imóvel do recorrente esteve suspensa durante três anos, exposta a três anos de deteriorações, sem que este nada pudesse fazer para o evitar.
D. A acção especial para impugnação de acto administrativo, contra o Município de Vendas Novas que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja com o número de processo 59/06.7BEBJA, foi decidida por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datada de 28.04.2016.
E. No âmbito do presente processo, o recorrente peticionou o pagamento de uma indemnização para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, por si sofridos, por ocasião da suspensão das obras.
F. Os Réus apresentaram contestação, tendo, além do mais, alegado a caducidade do direito do autor a reclamar qualquer indemnização, tendo o Ilustre Tribunal a quo considerado procedente, por provada, a excepção peremptória da caducidade invocada pelos Réus e, em consequência, absolvido os mesmos do pedido deduzido pelo Autor.
G. Em síntese entendeu o tribunal a quo que “ … no caso dos autos, é manifesto que o Autor estriba a sua pretensão na alegada suspensão da obra de construção, em consequência da providência cautelar interposta pelo Réu, reclamando deste e da sua mulher o pagamento de indemnização pelos danos que alegadamente sofreu com a paralisação dos trabalhos. É esta e não qualquer outra a causa de pedir destes autos! Assim sendo, nos termos do citado art.º 126.º, do C.P.T.A., por referência ao art.º 125.º, do mesmo diploma legal, dispunha o Autor do prazo de um ano, contabilizado desde a notificação da decisão final do processo relativo à providência cautelar, para, querendo, reclamar do seu requerente a pertinente indemnização pelos prejuízos para si advenientes da suspensão das obras determinada pela Câmara Municipal de Vendas Novas, como decorrência da interposição da referida providência.
H. Perante o exposto, e nos termos melhor alegados supra, não se conforma o Recorrente com a decisão proferida pelo Ilustre Tribunal a quo uma vez que o tribunal nega ao recorrente a merecida justiça, violando princípios e normas jurídicas.
I. Desde logo se impõe uma questão fundamental para o juízo do presente caso: qual o momento em que o lesado tem conhecimento do direito que lhe assiste?
J. Em sede de análise preliminar da decisão proferida pelo Ilustre Tribunal a quo, cumpre desde logo esclarecer que o Recorrente não compreende, nem tão pouco aceita que tendo a providência carácter indiciário ela não tenha sido conjugada e integrada com a apreciação e desfecho produzido na acção principal.
K. A sentença de que se recorre não faz qualquer alusão à acção principal de que a providência era dependência. A sentença de improcedência desta acção e o respectivo trânsito em julgado ocorreram menos de três anos antes da data da propositura da presente acção.
L. Dispõe o artigo 498º, nº 1 do Código Civil que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a partir do momento em que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe assiste.
Parece-nos inequívoco que o momento a partir do qual o lesado – o Autor – teve conhecimento do direito que lhe assiste é o da data do trânsito em julgado da decisão final que resolveu aquele litígio.
M. As datas apontadas pelos réus como “dies a quo” não são de atender porquanto, nessa altura, estava ainda o A. impedido de saber qual o desfecho final da acção.
N. Considere-se que o mesmo lhe era desfavorável e já o A. não teria o fundamento que agora invoca para propor contra os réus acção de responsabilidade civil. Assim, só quando teve conhecimento que a decisão lhe era favorável em definitivo, é que o A. teve conhecimento do direito que lhe assistia. Antes disso, não pode dizer-se que o tinha porque a decisão poderia ser-lhe desfavorável e, se o fosse, não teria esse direito. Pelo que, antes da decisão da acção principal, o A. estava na incerteza quanto ao seu direito.
O. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que pôs fim à acção principal data de 28.04.2016. Ora, só nessa data - 28.04.2016 - o A. teve a certeza do seu direito.
P. Pelo que considera que o prazo de três anos, estabelecido no artigo 498 n.º1 do CC em que fundamenta a sua pretensão, se inicia na data em que tem conhecimento da decisão da acção principal, ou seja, em 28.04.2016, por ser esta a data em que estava em condições de exercer o seu direito e ter conhecimento integral da extensão dos danos.
Q. Fundando-se a obrigação de indemnização em responsabilidade civil, o prazo de prescrição é de três anos e inicia-se: “ no momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.”(Antunes Varela “ Das Obrigações em Geral”, vol. I, 3ª ed., pág. 520)
R. Aplicando o exposto ao caso concreto, apenas com a notificação da decisão do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datada de 28.04.2016 que pôs fim à acção principal, o recorrente veio a constatar que a providência era injustificada porque não foi reconhecido o direito em que o requerente da providencia – aqui recorrido - fundou a sua pretensão, ou seja, tomou conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do requerente da providencia, ao abrigo do artigo 374º, nº 1 do CPC.
S. Verifica-se, assim, que na data em que foi instaurada a presente acção não tinham decorrido mais de três anos, sobre a data em que ocorreu o facto ilícito em que o recorrente funda a sua pretensão – providência injustificada.
T. Esta questão tem apoio na doutrina nacional pelo que transcrevemos e subscrevemos o que ensina o Conselheiro António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, pág. 264 da ed. de 1998: “ o fundamento legal da injustificada obtenção da providência será encontrado sobretudo através do incidente de oposição introduzido ao abrigo do art. 388º, por não se encontrarem verificados os requisitos legais, eventualmente mediante o recurso a afirmações de factos sem correspondência com a verdade ou ao falseamento da prova. Mas não será afastada a possibilidade de se concluir pela injustificação da medida cautelar no âmbito do recurso de agravo que seja interposto ou, o que será mais corrente ainda, em sede da própria acção principal, onde, num contraditório mais alargado se chegue à conclusão de que a medida cautelar se fundou em factos jurídicos inverídicos ou deturpados, ou em meios de prova falseados.”
U. Daqui decorre que a verificação dos pressupostos legais gerais da responsabilidade extracontratual aqui em causa, nomeadamente a culpa e a ilicitude apenas ocorreu com a improcedência da referida acção de que a providência era dependência.
V. E como a decisão de improcedência da acção principal e o respectivo trânsito em julgado ocorreram menos de três anos antes da data da propositura da presente acção, tem de se concluir pela não verificação da prescrição do direito nela peticionado.
W. O artigo 113º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos sob o título,” Relação com a causa principal”, estabelece:
“ 1 – O processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respectivo”.
X. Determinando, também, a dependência da acção principal, da providência, sob o título, “ Requerimento cautelar”, diz o artigo 114º do CPTA: “A adopção de uma ou mais providências cautelares é solicitada em requerimento próprio, apresentado:
a) Previamente à instauração do processo principal;
b) Juntamente com a p.i. do processo principal;
c) Na pendencia do processo principal.
Y. Todas as alíneas do artigo acima transcrito fazem depender a providencia cautelar da acção principal.
Z. Em igual sentido seguem os nºs 2 e 3 do mesmo artigo “ O requerimento é apresentado no tribunal competente para julgar o processo principal”. “No requerimento, deve o requerente: alínea e) indicar a acção de que o processo depende ou irá depender.”
AA. A decisão da providencia cautelar, tem carácter indiciário, como refere o artigo 124º do CPTA “ 1 – A decisão de adoptar ou de recusar a adopção de providencias cautelares, desde que transitadas em julgado, pode ser revogada ou alterada, oficiosamente ou mediante requerimento, com fundamento em alteração dos pressupostos de facto ou de direito existentes.”
BB. Pelo que, só com a decisão da acção principal o lesado tem a certeza do seu direito. E só a partir dessa data – a do conhecimento da decisão na acção principal – julgada esta improcedente e não se mostrando reconhecido o direito em que o requerente da providência fundou a sua pretensão, assiste ao requerido o direito à indemnização dos prejuízos sofridos com o decretamento da providência, demonstrados que estejam os demais pressupostos da responsabilidade civil.
CC. No caso dos presentes autos e no entendimento do recorrente, o Ilustre Tribunal faz uma interpretação errada do art.º 126.º do CPTA, na redacção em vigor à data dos factos – anterior ao DL n.º 214-G/2015, de 02.10. – «(…) o requerente responde pelos danos que, com dolo ou negligência grosseira, tenha causado ao requerido e aos contra interessados(…)», prevendo o n.º 2, que: «(…)quando as providências cessem por causa diferente da execução de decisão do processo principal favorável ao requerente, a Administração ou os terceiros lesados pela sua adopção podem solicitar a indemnização que lhes seja devida ao abrigo do disposto no número anterior, no prazo de um ano a contar da notificação prevista no nº 1 do artigo anterior.”.
DD. O nº 2 do art.º 126.º do CPTA, confere ao lesado a possibilidade de solicitar a indemnização que lhe seja devida ao abrigo do disposto no número anterior, no prazo de um ano a contar da notificação prevista no nº 1 do artigo anterior.
EE. O prazo de um ano estabelecido no nº 2 do art.º 126.º do CPTA não é um prazo preclusivo do exercício do direito à indemnização.
FF. Citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 123/07.5TBMIR.C1.S1 de 27 de Maio de 2014, Relator Martins de Sousa, consultável em www.dgsi.pt.
“ Retomando o em apreço, reconsideram-se os seguintes aspectos; (i) por força do disposto no art. 212.º, n.º3 da CRP, os tribunais administrativos têm competência para a apreciação da responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos, desde que a prática do acto ilícito esteja dentro de uma relação jurídicoadministrativa;
(ii) a relação material controvertida, tal como a mesma é gizada pela autora/recorrente – i.e., responsabilidade civil decorrente do art.º 126º do CPTA – não configura uma relação jurídico-administrativa que a coloque sob a jurisdição administrativa; (iii) trata-se de uma relação material controvertida de natureza privada e jurídico civil, regulada pelos arts. 483.º e segs. E 562.º e segs. do CC.”
GG. Se assim não fosse – se o prazo do nº 2 do art.º 126.º do CPTA fosse preclusivo da possibilidade de solicitar a indemnização que seja devida ao lesado ao abrigo do disposto no número 1 do mesmo artigo - estaria em franca contradição e retiraria o conteúdo a todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista nos art.s 483º e segs, do CC, uma vez que em sede de direito administrativo o lesado não tem uma forma processual própria de ressarcir os danos que sofreu quando o fim da acção principal de que a providência depende, for conhecido depois de ultrapassado o prazo de um ano.
HH. Como acima se diz, só com a decisão da acção principal o lesado tem a certeza do seu direito, pelo que só depois da decisão da acção principal o recorrente teve a certeza jurídica do direito à indemnização peticionada.
II. Ao considerar o prazo de um ano, estabelecido nº 2 do art.º 126.º do CPTA como um prazo preclusivo do exercício do direito pelo lesado, o Ilustre Tribunal a quo está a violar o disposto nos artigos 483º e segs. e 498º do Código Civil e negar ao recorrente a justiça a que tem direito.
JJ. Salvo o devido respeito que lhe merece, o Ilustre Tribunal a quo deveria ter interpretado o pedido de indemnização apresentado pelo recorrente ao abrigo da conjugação dos artigos 126.º, nº 1, do CPTA e 483º e segs do Código Civil.
KK. A decisão do Tribunal a quo nega ao recorrente a merecida justiça, violando princípios e normas jurídicas.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis entende o Recorrente que deverá ser dado provimento ao presente recurso, não ser considerada a excepção peremptória de caducidade invocada pelos Réus e em consequência ser revogada a decisão de absolvição dos réus do pedido deduzido pelo Autor, ora Recorrente com as inerente legais consequências”.
Os apelados responderam às alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Foram dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).
A única questão a decidir resume-se a saber se é aplicável ao caso dos autos o disposto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.

III. Fundamentação
1.De Facto
Na sentença recorrida foram considerados provados, por documentos juntos a fls. 31 a 52, 163, 168 a 175 e 614 a 622, e por acordo das partes os seguintes factos:
1 - AA é proprietário do imóvel sito na Avenida …, n.º …, em Vendas Novas, correspondente ao lote n.º …, do Loteamento n.º …/81, da Herdade …, em Vendas Novas;
2 - BB e CC são proprietários do imóvel sito na Avenida …, n.º …, em Vendas Novas, correspondente ao lote n.º …, do referido loteamento;
3 - AA iniciou a construção do imóvel descrito em 1- no início de Agosto de 2005, com base no Alvará de Autorização de Obras de Construção n.º …, de 6.07.2005, emitido pela Câmara Municipal de Vendas Novas;
4 - No dia 27.03.2006 BB deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja de Providência Cautelar para suspensão da eficácia de acto administrativo já executado, com o n.º 110/06.0BEBJA, pedindo a suspensão da decisão da Câmara Municipal de Vendas Novas que autorizou a construção do imóvel identificado em 1-;
5 - Nesta sequência, no dia 12.07.2006 a Câmara Municipal de Vendas Novas remeteu a AA uma notificação, que este recebeu, com o seguinte conteúdo: «Informo V.ª Ex.ª, que esta Câmara Municipal pelos fundamentos de facto e de Direito que constam de parecer de 7 de Julho de 2006 do Sr. Consultou Jurídico desta Câmara, deve V.ª Ex.ª relativamente à obra que está a executar sita no Loteamento Municipal da Avenida …, lote n.º … em Vendas Novas, abster-se:
a) De realizar qualquer trabalho na obra causa, tanto no interior como no exterior;
b) Tal suspensão produz efeitos imediatos;
c) O não cumprimento da presente determinação fá-lo-á incorrer em crime de desobediência previsto e punível no art.º 348 do Código Penal;(…)»
6 - A notificação descrita em 5-, teve como fundamento a providência cautelar referida em 4- e a previsão do art.º 128.º, do C.P.T.A.;
7 - No âmbito do processo n.º 110/06.0BEBJA, foi proferida decisão final no dia 21.05.2009 – notificada ao ilustre advogado do Autor por via postal de 22.05.2009 – transitada em julgado em 9.06.2009, onde se declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.

3. O Direito
A causa de pedir na presente acção são os prejuízos que o Autor terá sofrido em virtude do decretamento da providência cautelar de suspensão do acto administrativo camarário que autorizou a construção do seu imóvel, a qual foi decretada por iniciativa do Réu.
Importa ainda reter que a instância em que tal providência foi decidida veio a ser declarada extinta por decisão de 21 de Maio de 2009.
É incontroverso que o exercício do direito de acção (indemnizatória) fundado nos danos derivados de procedimentos cautelares instaurados em sede de foro administrativo está sujeita ao prazo de um ano a que alude o n.º 2 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos[1].
Tal como assinalam AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA[2], trata-se de um prazo dentro qual é possível exercitar esse direito. Justifica-se, por isso, que, em face da norma interpretativa contida no n.º 2 do art.º 298.º do Cod. Civil[3] e como bem se decidiu no saneador sentença apelado, se qualifique o mesmo como sendo um prazo de caducidade.
Esta qualificação, como bem se vê, é fundamental para resolver a questão solvenda.
É que, qualificando-se o prazo em questão como sendo de caducidade, o respectivo decurso implica a extinção do direito. Ademais, tal prazo é impassível de ser suspenso ou interrompido (art.º 328.º do Cod. Civil) e inicia o seu curso no momento em que a lei o determinar ou no momento em que puder ser exercido (art.º 329.º do mesmo diploma), podendo a questão ser conhecida oficiosamente pelo tribunal em alguns casos (art.º 333.º, n.º 1, daquele diploma).
Ao invés, se fosse de qualificar tal prazo como prescricional o seu decurso apenas conferiria ao sujeito passivo o poder de se opor ao respectivo exercício, invocando a prescrição (n.º 1 do art.º 304.º do Cod. Civil), sendo que o tribunal não poderia, oficiosamente, declarar um direito extinto por prescrição (art.º 303.º daquele diploma). O prazo de prescrição é ainda passível de ser suspenso e interrompido (art.ºs 318.º a 327.º do mesmo diploma)[4].
Aqui chegados, temos que, como deflui da parte final do n.º 2 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o prazo em questão inicia o seu curso com a notificação da decisão que altere, revogue ou declare a caducidade da providência (cfr. n.º 1 do art.º 125.º do mesmo diploma)[5].
Este é o momento a partir do qual, nos termos da lei, o direito pode ser exercido (art.º 329.º do Cod. Civil).
No caso, a decisão que pôs termo ao procedimento cautelar foi notificada ao I. Mandatário do Autor em 22 de Maio de 2009 e transitou em julgado em 9 de Junho de 2009.
A decisão de declarar a inutilidade superveniente da lide constitui, inequivocamente, uma “causa de cessação da providência diferente da execução de decisão do processo principal ao recorrente”, sendo equiparável, para este efeito, à decisão de revogação/alteração, já que tanto uma como a outra se fundam na superveniência de determinados factos (cfr. n.º 1 do art.º 124.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
A partir dessa ocasião, começou a correr o falado prazo de um ano.
Logo, logicamente torna-se claro que, pese embora as providências cautelares sejam dependência do processo principal (n.º 1 do art.º 113.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), é irrelevante o momento em que transitou em julgado a decisão da acção principal, já que esse não é o momento legalmente definido para o início do curso do prazo.
O que bem se percebe, já que essa decisão não integra os pressupostos do direito de acção prevenido no n.º 1 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. A causa de pedir aí ínsita radica nos danos causados pela adopção da providência.
Ademais, a decisão de extinção do procedimento cautelar já tinha sido tomada, não se tendo, pois, em sede cautelar, aguardado o desfecho da acção principal. Aliás, o próprio Autor assim o entendeu, pois reconheceu, na petição inicial, que a notificação dessa decisão lhe permitiu “recomeçar as obras de construção da sua casa”.
Por outro lado, não é de aplicar ao caso o disposto no n.º 1 do art.º 498.º do Cod. Civil.
É que, como claramente deflui desse preceito, o conhecimento do direito aí referido reporta-se ao prazo em que deve ser exercido o direito de indemnização. Esse prazo é expressamente designado pela lei como sendo de prescrição, o que, como vimos, não sucede com o prazo a que se reporta o n.º 1 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Nesta defluência, forçoso se torna concluir em sentido concordante com o decidido em 1.ª Instância, i.e. é que o prazo a que alude o n.º 2 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos iniciou, no caso, o seu curso em 22 de Maio de 2009.
Dado que a presente acção foi proposta em momento posterior a 22 de Maio de 2010, é de concluir pela caducidade do direito em questão.
Improcede, por isso, o recurso.
As custas serão suportadas, porque vencido, pelo recorrente (n.º 1 do art.º 527.º do CPC).

Sumário
I. A causa de pedir na presente acção são os prejuízos que o Autor terá sofrido em virtude do decretamento da providência cautelar de suspensão do acto administrativo camarário que autorizou a construção do seu imóvel, a qual foi decretada por iniciativa do Réu.
II. É incontroverso que o exercício do direito de acção (indemnizatória) fundado nos danos derivados de procedimentos cautelares instaurados em sede de foro administrativo está sujeita ao prazo de um ano a que alude o n.º 2 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
III. Trata-se de um prazo dentro qual é possível exercitar esse direito, pelo que, se justifica que, em face da norma interpretativa contida no n.º 2 do art.º 298.º do Cod. Civil se qualifique o mesmo como sendo um prazo de caducidade.
IV. Como deflui da parte final do n.º 2 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o prazo em questão inicia o seu curso com a notificação da decisão que altere, revogue ou declare a caducidade da providência (cfr. n.º 1 do art.º 125.º do mesmo diploma), sendo este o momento a partir do qual, nos termos da lei, o direito pode ser exercido (art.º 329.º do Cod. Civil).
V. A decisão de declarar a inutilidade superveniente da lide constitui, inequivocamente, uma “causa de cessação da providência diferente da execução de decisão do processo principal ao recorrente”, sendo equiparável, para este efeito, à decisão de revogação/alteração, já que tanto uma como a outra se fundam na superveniência de determinados factos (cfr. n.º 1 do art.º 124.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
VI. Pese embora as providências cautelares sejam dependência do processo principal (n.º 1 do art.º 113.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), é irrelevante o momento em que transitou em julgado a decisão da acção principal, já que esse não é o momento legalmente definido para o início do curso do prazo, já que essa decisão não integra os pressupostos do direito de acção prevenido no n.º 1 do art.º 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. A causa de pedir aí ínsita radica nos danos causados pela adopção da providência.

IV. Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Registe.
Notifique.

Évora, 26 de Abril de 2018
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)
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[1] Neste sentido, vide o Ac. do STJ de 27.05. 2014, citado pelo recorrente.
[2] Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., Almedina.
[3] Como sustentam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra, pp. 272, tal disposição classifica como sendo, em regra, de caducidade os prazos fixados pela lei para o exercício de direitos, excepto se esta os qualificar como sendo de prescrição.
[4] A este respeito, vide o Ac. do STJ de 17.11. 2011, acessível em www.dgsi.pt, proc. nº 1372/10.4T2AVR.C1.S1.
[5] Assim AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, loc. cit.