ESCUSA DE JUIZ
IMPEDIMENTO
Sumário


I - Do regime legal vigente em matéria de impedimentos, recusas e escusas, resulta que o fundamento e regime das recusas e escusas expressamente previsto em processo penal não se adequa aos casos em que exista vínculo familiar ou equivalente entre o juiz e o advogado de algum dos sujeitos processuais, verificando-se, antes, lacuna a preencher com recurso às normas do processo civil, ex vi do art. 4º do CPP, pois não pode levar-se às últimas consequências as ilações a retirar da autonomia e suficiência do processo penal nesta matéria, bem como do carácter excecional das normas que preveem as causas de impedimento, conforme entendia F. Dias na vigência do CPP de 1929 e continua a entender face ao CPP/1987 e ao novo Código de Processo Civil (2013).

II - Nos termos do art. 115º nºs 1 d), 2 e 3 do NCPC ex vi do art. 4º do CPP, é causa de impedimento do juiz que o seu cônjuge tenha intervindo no processo como mandatário judicial de assistente, mas a solução acolhida naqueles preceitos dita que é o advogado que não pode ser admitido como mandatário judicial num processo em que, por virtude de distribuição anterior, deva intervir no julgamento da causa juiz que seja seu cônjuge.

III - Assim, no caso presente não é a senhora juíza requerente quem se encontra impedida, pois o substabelecimento a favor do senhor advogado (7.02.2018), seu cônjuge, apenas foi junto aos autos em data posterior à distribuição do processo (17.01.2018,) que ditou a sua participação como juiz adjunta na audiência de julgamento. Antes é o senhor advogado que não poderá ser admitido como mandatário judicial do assistente naquele processo, tal como estabelecido no citado art. 115º nº3 do N.C.P.C.

Sumariado pelo relator

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. – Relatório

1. – A senhora juíza do Juízo Central Criminal - Secção 1 – do Tribunal da Comarca de Faro veio deduzir incidente de escusa perante este Tribunal, de modo a não intervir na Audiência de Julgamento no processo comum com intervenção do tribunal coletivo nº 908/17.4T9FAR como juiz adjunta do tribunal coletivo presidido pela Juiz 2 daquele mesmo Juízo Central, dado que um dos assistentes, o Banco X, SA, juntou substabelecimento em 7.02.2018 a favor do marido da senhora juíza requerente, que entende ser tal circunstância suscetível de criar um juízo de suspeita sobre a sua imparcialidade, quanto mais não seja aos arguidos, mostrando-se assim preenchida a previsão do art. 43º nºs 1 e 4 do CPP.

2. Ouvido, o senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do pedido de escusa formulado pela senhora Juíza.

3. Não havendo que proceder a quaisquer diligências por se mostrar devidamente instruído o pedido de escusa em causa, cumpre apreciar e decidir.

II. DECIDINDO.

1. – Considerações de ordem geral

Nos seus artigos 39º a 47º, o C.P.Penal regula o essencial dos pressupostos e regime dos impedimentos, recusas e escusas em processo penal, enquanto garantias da imparcialidade do juiz, acolhendo um sistema essencialmente bipartido das garantias de imparcialidade, na medida em que prevê por um lado causas de impedimento (artigos 39º a 42º) e por outro fundamentos de recusa e escusa (artigos 43º a 45º).

No primeiro caso, mediante a indicação das causas de impedimento, de funcionamento automático, limita-se o juiz a declarar-se impedido no processo.

No segundo caso, estabelecendo uma cláusula geral – poder ser considerada motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre imparcialidade do juiz – que permite avaliar em concreto os motivos invocados pelo requerente do incidente, seja ele o MP, arguido, assistente ou partes civis, no que respeita à recusa, e pelo próprio juiz, quanto à escusa.

2. – As causas de impedimento em geral e a situação de facto objeto do presente incidente

As causas de impedimento previstas nos arts 39º e 40º do CPP abrangem situações de intervenção do juiz no processo, quer como juiz quer a título diverso – als c) e d) do art. 39º e art. 40º do CPP – e casos em que o juiz ou outras pessoas a quem o ligam vínculos de natureza familiar, têm especiais vínculos, nomeadamente de natureza familiar, com alguns outros sujeitos ou intervenientes processuais - o arguido, o ofendido, pessoa com legitimidade para se constituir assistente ou parte civil - para além do relacionamento entre juízes no mesmo processo (art. 39º nº3 CPP).

Todavia, o CPP não inclui expressamente entre as causas de impedimento a existência de quaisquer vínculos (familiares ou de outra natureza) entre o juiz, o MP, o defensor do arguido ou o mandatário de algum dos demais sujeitos ou intervenientes processuais. Esta omissão leva ao entendimento doutrinário de que relações de natureza familiar, designadamente conjugais ou equivalentes, entre o juiz e os aludidos profissionais do foro atuando como tal no mesmo processo (nomeadamente o casamento entre juiz que deverá intervir na audiência de julgamento e o mandatário de um dos assistentes, que nos ocupa no caso presente), não constituem causa de impedimento, mas antes de recusa ou escusa, nos termos do art. 43º CPP, por se entender, por todos, nas palavras de Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9ª ed., 1998, pp. 157 e 159, que “ .. o presente código pretendeu estabelecer mais vincadamente que o anterior uma regulamentação autónoma do processo penal, diminuindo a dependência do processo civil [ devendo] por isso entender-se que não há outros casos de impedimento, além dos que estão previstos no CPP”.

3. – O casamento ou união de facto entre o juiz e o mandatário do arguido como fundamento material de impedimento.

Porém, não podemos acompanhar aquele entendimento, pois afigura-se-nos que do regime legal vigente em matéria de impedimentos, recusas e escusas, resulta que o fundamento e regime das recusas e escusas expressamente previsto em processo penal não se adequa aos casos em que exista vínculo familiar ou equivalente entre o juiz e o advogado de algum dos sujeitos processuais, verificando-se, antes, lacuna a preencher com recurso às normas do processo civil, ex vi do art. 4º do CPP, com os fundamentos desenvolvidos já em acórdão do TRE de 17 de Março de 2009, com este mesmo relator, e que, no essencial, passamos a expor.

a) Em primeiro lugar, de acordo com o aludido modelo bipartido das garantias de imparcialidade acolhido no CPP, o legislador não elege de forma aleatória as causas de impedimento, nem atribui mera natureza residual ao incidente de recusa ou escusa, de tal forma que pudesse entender-se – como parece subjacente ao entendimento doutrinário aludido – que todas as situações potencialmente relevantes que não se encontrassem previstas entre as causas taxativas de impedimento, sempre podiam constituir fundamento de recusa ou escusa.

b) Pelo contrário, as causas de impedimento (arts 39º e 40º, CPP) constituem um conjunto de «proibições» absolutas de o juiz praticar determinada função, por contraponto com as «proibições» relativas inerentes à recusa e escusa. Entre nós, só quanto ao impedimento pode afirmar-se que o mesmo constitui um dos requisitos do sujeito judicante, primeiro que uma pretensão da parte, pois constituindo uma exigência objetiva e irrenunciável do processo penal português não pode ser derrogado com o consenso dos sujeitos processuais, contrariamente ao que, objetivamente, pode suceder com os fundamentos de escusa ou escusa.

Na verdade, as causas de impedimento funcionam ope legis, consistindo em circunstâncias cuja relevância é abstratamente reconhecida pelo legislador atenta a nitidez dos factos e a sua autossuficiência, do ponto de vista do seu potencial negativo sobre a imparcialidade (relação de parentesco ou afinidade, conjugalidade ou equivalente ou intervenção anterior no processo na prática de atos certos e determinados), que não depende de matizes ou particularidades a verificar em cada caso. Os impedimentos (atualmente previstos no art. 39º e 40º CPP) visam “… garantir a imparcialidade dos juízes contra as influências que o legislador entende afetá-la sempre”, enquanto a recusa ou escusa acautela as situações concretas que podem afetar aquela imparcialidade, mas não a afetam necessariamente, funcionando, pois, ope judicis.

Como bem sintetiza Mouraz Lopes, “ Se a causa do impedimento decorre, genericamente e em abstrato por virtude da verificação de um facto que põe em causa a imparcialidade do tribunal de uma maneira insustentável à própria identidade da jurisdição, na suspeição é a possibilidade ou o temor que determinado facto pode constituir para a imparcialidade do juiz, no caso concreto, que está em causa. É a verificação de uma condição de incompatibilidade num determinado caso concreto, e só neste, que não atinge o grau de desconfiança ao sistema para ser suportado por um motivo de impedimento, que está em causa, quer na escusa, quer na recusa” .

c) Ora se assim é, como julgamos ser, não vemos como pode o casamento ou união de facto entre o juiz do processo, o respetivo MP ou o advogado do arguido ou outro sujeito processual, pôr em risco a imparcialidade do juiz (incluindo a sua vertente objetiva, ou seja, a respetiva aparência) só em certas situações e não noutras, tanto mais que perante vínculos que nos nossos dias respeitam a situações muito diversas entre si (podendo mesmo ser bastante ténues em alguns dos casos aí previstos), o legislador optou por considerá-los, sempre, impedimento do juiz. É o caso, por exemplo, de o juiz ou o seu cônjuge, ser parente até ao 3º grau do arguido, do ofendido ou de pessoa com a faculdade de se constituir assistente ou parte civil (mesmo que nunca intervenham no processo).

Se é assim relativamente a casos em que pode estar em causa um interesse indireto, e distante, do juiz no resultado do processo, a lei parece guiar-se por idêntica racionalidade quando acautela a influência ou aparência de influência que determinados vínculos possam representar, como é o caso das situações previstas no art. 39º nº3. Por mais desconhecido ou indiferente que um sobrinho do cônjuge do juiz possa ser para este, sempre aquela relação de afinidade tornará o juiz impedido, se este afim (ou o parente correspondente) interveio em fase anterior do mesmo processo.

Não que um determinado vínculo, nomeadamente de natureza familiar, entre o juiz e outras pessoas com interesse direto ou intervenção profissional, no processo, não pudesse constituir a base para o incidente de recusa ou escusa, como sucedia com o art. 112º do CPP de 1929 que considerava expressamente fundamento de suspeição a existência de parentesco ou afinidade no quarto da linha colateral entre o juiz ou a sua mulher e a parte acusadora, o arguido ou o ofendido. O que não se compreenderia é que um vínculo como o casamento ou a união de facto, em que é manifesta a representação social e jurídica da sua força ou relevância intersubjetiva, assente num núcleo de laços afetivos e de interesses que se pretende defendido pelo ordenamento jurídico a diversos títulos, incluindo ao nível da privacidade, só em alguns casos pudesse constituir motivo para a não intervenção do juiz no processo como forma de garantir a sua imparcialidade.

Parece, pois, incoerente e insatisfatória a alternativa que seria permitir, em princípio, a intervenção simultânea no processo do juiz e do seu cônjuge que interviesse como magistrado do MP, de arguido, de assistente ou ofendido, e só excecionalmente se impedisse essa mesma coexistência no processo, perante um qualquer circunstancialismo concreto que justificasse a escusa ou recusa. Com efeito, como justificar a necessidade de apreciação jurisdicional daquele casamento ou união de facto, em concreto, com base em que critérios deveria o tribunal competente para o julgamento do incidente julgar verificado o fundamento de escusa ou recusa nuns casos e não noutros? – Como justificar, em todo o caso, que se vede em processo civil a intervenção simultânea do juiz e do seu cônjuge como mandatário judicial, conforme decorre do art. 115º nºs 1 d), 2) e 3), do NCPC, aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de junho, e se admitisse tal intervenção em processo penal?

Mas também colocando a tónica no grau de afetação do interesse público subjacente aos impedimentos e à recusa ou escusa se conclui que o casamento ou união de facto entre o juiz e o advogado do arguido ou outro sujeito processual, como se verifica in casu, não pode constituir apenas fundamento de recusa ou escusa.

Na verdade, pelas suas implicações pessoais e relevância social, o casamento e a união de facto entre o juiz e o advogado de sujeito processual são tão objetiva e inequivocamente comprometedores da imparcialidade do julgador, designadamente em função da tutela das aparências, que só o afastamento daquele juiz – ou o afastamento daquele advogado, acrescentamos desde já – permite a manutenção da confiança no processo, justificando-se, em regra, o regime mais gravoso da nulidade dos atos do juiz impedido (art. 41º nº3 CPP), bem como outros aspetos do regime positivo do impedimento e do incidente de escusa ou recusa. Com efeito, o impedimento é declarado pelo próprio juiz por despacho no processo, oficiosamente ou a requerimento do assistente, do arguido ou das partes civis (art. 41º nºs 1 e 2 ), enquanto a escusa ou recusa tem que ser suscitada em incidente a decidir, em regra, pelo tribunal imediatamente superior, devendo ser suscitado em momentos determinados do processo sob pena de se consolidar a intervenção do juiz no processo (cfr art. 44º C.P..); o despacho judicial de impedimento é irrecorrível, mas há recurso do despacho em que o mesmo não reconheça impedimento que lhe tenha sido oposto (42º nº 3)

d). – Do confronto dos fundamentos do impedimento, por um lado, e da recusa ou escusa, por outro, bem como do funcionamento ope legis e ope judicis que lhes correspondem e mesmo do seu regime processual e respetivos efeitos, concluímos, pois, que o carácter casuístico e concreto que assume entre nós a recusa ou escusa, como forma de garantia da imparcialidade, continua a não se adequar ao risco que a relação de conjugalidade entre o juiz e mandatário judicial de outro sujeito processual continua a representar para a imparcialidade do juiz e a respetiva representação social, se é que esse risco não aumentou mesmo por via do impacto crescente das redes sociais e dos media.

4.- Da aplicação do art. 4º do CPP ao caso vertente

Pelas razões que deixámos expostas, consideramos antes que o casamento ou união de facto entre o juiz e o advogado de arguido ou de assistente – no que aqui importa – deve ser considerado materialmente causa de impedimento, por sempre colocar em causa, genericamente e em abstrato, a imparcialidade do juiz.

Assim, não se encontrando a hipótese sub judice contemplada na previsão dos arts. 39º e 40º, do CPP, verifica-se caso omisso a integrar com recurso à norma do processo civil que prevê entre os casos de impedimento do juiz, ter intervindo na causa como mandatário judicial o seu cônjuge, ou seja, o art. 115º nºs 1 d), 2 e 3, como aludido, para o que valem ainda as razões que se seguem.

Na verdade, esta questão não é nova e sobre ela se pronunciara já o Prof. F. Dias na vigência do CPP de 1929 (cfr. Direito Processual Penal, Coimbra Editora-1981 p.317), em termos semelhantes aos que assume hoje dia, no domínio do CPP/87 e do NCPC, de 2013, conforme pode ler-se em JORGE DE FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, Sujeitos Processuais Penais: O Tribunal. - Texto de apoio ao estudo da unidade curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015/2016), Coimbra-2015, no seguinte trecho que transcrevemos e cuja extensão se justifica, em nosso ver, pela sua relevância em casos como o presente. Escrevem os autores:

«Tem-se entendido entre nós que a indicação dos motivos de impedimento é taxativa, por constituírem eles exceções à regra da competência do juiz. Não revelará, no entanto, por exemplo, o art. 39.º do CPP lacunas que devam ser preenchidas por recurso às normas paralelas do CPC, designadamente, as do art. 115.º? Contra a ideia pode logo avançar-se o argumento formal de que o CPP regulou a matéria expressamente, não podendo pois falar-se aqui com propriedade de “lacunas”. Certo é, no entanto, que o art. 115.º do CPC é mais lato, em alguns dos seus comandos, do que o art. 39.º do CPP; e não pode duvidar-se, por outro lado, de que a necessidade de confiança comunitária nos juízes se faz sentir com muito maior força em processo penal do que em processo civil. Como se verá infra, a regulação processual penal não cobre expressamente variados casos em que o risco de falta de parcialidade é tão gritante – v. g., a hipótese em que o juiz é o próprio ofendido – que seria chocante, e não raro inconstitucional, conceber o catálogo dos impedimentos consignados no CPP como taxativamente esgotante. Parece, pois, que uma razão tão premente como a da boa administração da justiça penal e uma leitura do regime legal conforme com o previsto no art. 32.º-5 da Constituição vivamente aconselham a que se integre, nesta parte, o CPP pela regulamentação contida no CPC e que se mostre em concreto aplicável»

Como aludido supra, tanto o quadro normativo como o entendimento jurídico que a situação atual impõe são, no que aqui importa, semelhantes aos verificados no domínio do CPP e que levaram o Prof. F. Dias a escrever em 1981 palavras quase iguais às que hoje repete no trecho ora transcrito. Por um lado, os atuais artigos 39º e 40º do CPP estabelecem o elenco de causas de impedimento do juiz em processo penal, podendo considerar-se que, pelo menos tendencialmente, o legislador processual penal pretendeu regular nestes preceitos toda a matéria, pelo que não existiria propriamente lacuna a preencher, tal como poderia considerar-se no CPP/29; por outro, a doutrina e jurisprudência pronunciam-se no sentido da taxatividade das causas de impedimento por último pode considerar-se também hoje que as normas que preveem as causas de impedimento (arts 39º e 40º do CPP) têm carácter excecional por constituírem exceções à regra da competência do juiz.

Todavia, tal como naquela época, deve hoje igualmente afirmar-se que nenhuma destas considerações obsta a que se verifiquem situações de tal modo relevantes do ponto de vista das garantias da imparcialidade do juiz, que não se ajustam à apreciação jurisdicional casuística e concreta própria do regime da escusa ou recusa, antes devendo ser valoradas genericamente e em abstrato, como o faz art. 115º do N.C.P.Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de junho, ao regular entre os casos de impedimento do juiz a intervenção na causa como mandatário judicial do cônjuge do juiz ou de pessoa com quem ele viva em economia comum, em termos que melhor veremos infra.

Continua, pois, válida a afirmação do Prof. F. Dias de que a necessidade de confiança comunitária nos juízes se faz sentir com maior força (ou, pelo menos, com força idêntica) em processo penal do que em processo civil, pelo que sempre careceria de fundamento a não consideração destas situações entre as causas de impedimento no processo penal.

Numa matéria em que é marcante a tutela da aparência, não seria fácil explicar que o cônjuge do juiz ou a pessoa com quem vive em união de facto pudesse representar o arguido ou algum dos sujeitos processuais nuns casos e noutros não, mas mais difícil seria compreender que tal nunca pudesse ocorrer em processo civil mas pudesse verificar-se em processo penal.

Impõe-se concluir, pois, que também atualmente não pode levar-se às últimas consequências as ilações a retirar da autonomia e suficiência do processo penal nesta matéria, bem como do carácter excecional das normas que preveem as causas de impedimento. As alterações verificadas face ao regime do CPP de 1929 não levaram à desatualização do entendimento inicialmente expresso pelo Prof. F. Dias, antes pelo contrário, pois este reafirma aquele mesmo entendimento, como vimos no trecho supra transcrito, e afirma mesmo que «… não obstante o silêncio do Código, se justifica mobilizar o previsto no art. 115.º-1, d), do CPC27, e considerar impedido o juiz que esteja na mesma situação [i.e. ser cônjuge, parente ou afim até ao 3.º grau ou viver em condições análogas às do cônjuge] em relação a um magistrado do Ministério Público, a um defensor ou a um advogado do assistente ou da parte civil que intervenha ou haja intervindo no processo. Na verdade, ninguém compreenderia e seria motivo para uma profunda desconfiança sobre a realização da justiça no caso que um juiz conhecesse de uma acusação deduzida pelo seu cônjuge ou que num mesmo julgamento pai e filho interviessem como juiz e defensor; o que, por si só, é justificação para que aquele impedimento previsto na lei processual civil seja subsidiariamente estendido ao processo penal

Veja-se ainda a jurisprudência e doutrina citadas por F. Dias e Nuno Brandão no estudo supracitado, destacando-se a posição de Henriques Gaspar que se pronuncia igualmente no sentido da aplicação subsidiária de algumas das causas de impedimento previstas no art. 115º do NCPC ao processo penal, no Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., 2016, p. 113.

5. – Conclusão – da aplicação do disposto no art. 115º nº3 do C.P.Civil ex vi do art. 4º do C.P.P.

Entendemos, assim, em síntese final, que é aplicável no caso sub judice o disposto no art. 115º nº 1 d) e nº3 do N.C.P. Civil, que prevê e regula o impedimento resultante da potencial intervenção de juiz e mandatário judicial seu cônjuge ou com quem viva em economia comum num mesmo processo, em tribunal com mais de um juiz, como sucede no caso presente, nos seguintes termos:

Artigo 115.º (art.º 122.º CPC 1961)

Casos de impedimento do juiz

- 3 - Nos juízos em que haja mais de um juiz ou perante os tribunais superiores não pode ser admitido como mandatário judicial o cônjuge, parente ou afim em linha reta ou no 2.º grau da linha colateral do juiz, bem como a pessoa que com ele viva em economia comum, que, por virtude da distribuição, haja de intervir no julgamento da causa; mas, se essa pessoa já tiver requerido ou alegado no processo na altura da distribuição, é o juiz que fica impedido.»

Ora, a solução acolhida no preceito ora transcrito dita que é o advogado que não pode ser admitido como mandatário judicial num processo em que, por virtude da distribuição, deva intervir no julgamento da causa juiz que seja seu cônjuge (no que aqui importa), exceto se o advogado interviera já no processo na altura da distribuição, caso em que é o juiz que fica impedido.

Assim sendo, no caso presente não é a senhora juíza requerente quem se encontra impedida, pois o substabelecimento a favor do senhor advogado (7.02.2018), seu cônjuge, apenas foi junto aos autos em data posterior à distribuição do processo (17.01.2018 - cfr fls 30 destes autos de escusa) que ditou a sua participação como juiz adjunta na audiência de julgamento. Antes é o senhor advogado, seu cônjuge, que não poderá ser admitido como mandatário judicial do assistente naquele processo tal como estabelecido no citado art. 115º nº3 do N.C.P.C. para quem entende, como nós, ser aquela disposição aplicável ao processo penal ex vi do art. 4º do CPP.

III. DISPOSITIVO
Por todo o exposto, acordam os Juízes da 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o presente incidente de escusa deduzido pela senhora juíza do Juízo Central Criminal - Secção 1 – do Tribunal da Comarca de Faro, de intervir como juíza adjunta na Audiência de Julgamento a realizar no processo comum com intervenção do tribunal coletivo nº 908/17.4T9FAR que ali corre seus termos.

Sem custas

Évora, 10 de abril de 2018

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)