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INSOLVÊNCIA
ADQUIRENTE DE BEM
ENTREGA
Sumário
O adquirente de um bem em processo de insolvência pode requerer e obter a sua entrega, no mesmo processo ou seu apenso, nos termos prescritos nos art.°s 901.° e 930.°, ambos do CPC.
Texto Integral
Processo n.º 677/09.1TYVNG-F.P1
Proveniente do 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:
I. Relatório
B….. (Portugal), S.A.,credor reclamante no processo de insolvência da C…., Lda., requerida, mediante apresentação em 18/8/2009, e decretada por sentença transitada em julgado no dia 8 de Outubro seguinte, comprou, por escritura pública outorgada no dia 29 de Outubro de 2010, a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma habitação no rés-do-chão esquerdo, com entrada pelo n.º 86, com garagem identificada como A1 e logradouro nas traseiras, do prédio urbano sito na Rua … n.ºs ../.., da freguesia de …, concelho de Vila do Conde, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 703 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 659, que havia sido apreendida para a massa insolvente daquela sociedade, representada naquele acto pelo seu Administrador que procedeu à venda no âmbito do mesmo processo de insolvência.
Tal fracção foi adquirida pelo preço de 72.000,00 € e garantia, mediante hipoteca registada em 27/2/2007, um crédito reclamado por aquele banco no valor de 176.270,75 €.
Em 29/11/2010, o referido banco requereu que fosse investido na posse da fracção que adquirira, com auxílio das autoridades policiais e, se necessário, com arrombamento da porta, alegando estar ocupada por terceiros que se recusam proceder à sua entrega, sem qualquer título, visto que o contrato de arrendamento que a insolvente havia celebrado, em 1/3/2008, com D….. fora resolvido, em 10/5/2010, por acordo reduzido a escrito, entre este e o Administrador da Insolvência.
O Sr. Administrador da Insolvência confirmou o alegado, em 1/2/2011.
Por despacho de 16/2/2011, foi afirmado que incumbia ao Administrador da Insolvência “diligenciar pelo necessário para a entrega dos bens, conferindo-lhe a lei tal poder/dever”, pelo que foi notificado para o que tivesse por conveniente.
Em 31/3/2011, o Sr. Administrador da Insolvência informou que “o imóvel ainda se encontra abusivamente ocupado pelo terceiro” e que não tinha poderes para o despejar por aquele bem já não pertencer à massa insolvente, visto ter sido vendido.
Perante esta informação, o credor adquirente requereu, em 13/4/2011, que se oficiasse à autoridade policial para prestar auxílio ao Administrador da Insolvência de modo a poder ser investido na posse daquela fracção, mediante arrombamento da porta e despejo das pessoas e bens que lá se encontram, se necessário, requerimento que reiterou em 31/10/2011, acrescentando que os seus ocupantes apenas “possuem contrato de arrendamento habitacional da fracção oposta (r/c direito)”, mas não da fracção A (r/c esquerdo), por si adquirida, visto nunca lhes ter sido dada de arrendamento pela sociedade insolvente ou pelo seu anterior proprietário.
Em 27/12/2011, o Sr. Administrador da Insolvência informou que nada tinha a opor ao requerido pelo credor adquirente e que a fracção que lhe foi adjudicada nunca tinha sido dada de arrendamento aos seus actuais ocupantes, como comprovou com a declaração que juntou, emitida pelo gerente da sociedade insolvente.
Em 1/2/2012, reportando-se aos requerimentos e informações acabados de referenciar, foi proferido o seguinte despacho: “Fls. 82, 91, 92, 102: A fracção em causa já não pertence à massa insolvente, pelo que nos parece, salvo melhor opinião, não tem este tribunal legitimidade para actuar, devendo o adquirente da mesma lançar mão da acção e no tribunal competentes, para obter a restituição da fracção. Notifique o A.I., o B…. e a comissão de credores”.
Em 6/2/2012, o Banco adquirente requereu a reforma desse despacho, pedindo a sua substituição por outro que ordene que se oficie à autoridade policial para prestar auxílio ao Administrador da Insolvência de modo a poder ser investido na posse da identificada fracção, mediante arrombamento da porta e despejo das pessoas e bens que lá se encontram, se necessário, nos termos anteriormente requeridos, invocando o disposto nos art.ºs 901.º, 840.º, n.º 2, 930.º, n.ºs 1 e 3, todos do CPC, e 17.º do CIRE e defendendo a desnecessidade do uso da acção de reivindicação.
O Ministério Público teve vista no processo e pronunciou-se pela impossibilidade legal de recorrer à força pública sem o exercício do contraditório, reconhecendo embora razão ao requerente.
Em 10/2/2012, foi proferido o seguinte despacho: “Na sequência do despacho proferido a fls. 104, veio o B....... requerer a sua reforma pelos motivos ali alegados. Salvo melhor opinião, não nos parece que haja qualquer reforma a fazer, mantendo-se integralmente o despacho proferido. Com efeito, e pelo que consta dos autos, o único contrato de arrendamento celebrado pela insolvente foi com D…. e foi este contrato que foi resolvido pelo A.I. Aquando da entrega da chave ao B......., é que o A.I. constatou que o imóvel se encontra ocupado por um terceiro, desconhecendo-se a que título o mesmo o ocupa. Ora, atendendo a esta situação, ao que parece o facto de o imóvel já não ser propriedade da massa insolvente, não pode este tribunal ordenar o arrombamento da porta da fracção e, muito menos, o despejo das pessoas que lá se encontram, até porque até podem estar legitimadas para o efeito. Deste modo, reiteramos a posição de fls. 104, devendo o B....... recorrer aos meios comuns, indeferindo-se a requerida reforma do despacho. Notifique”.
Inconformado com estes despachos, o credor/requerente interpôs recurso de apelação e apresentou as correspondentes alegações, o qual foi admitido por despacho de 22/3/2012, para subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Contra-alegou o Ministério Público sustentando a confirmação do decidido.
Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal da Relação, foi suscitada a questão prévia da inadmissibilidade do recurso do segundo despacho, de 10/2/2012, por respeitar ao indeferimento de um requerimento de reforma, pelo que foi mandado ouvir as partes sobre esta questão, tendo o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto sufragado o entendimento então expresso pelo ora Relator e o recorrente afirmado que não podia deixar de ser apreciado o mérito do despacho de 1/2/2012.
E, em 8/10/2012, decidiu-se não admitir o recurso do despacho datado de 10/2/2012, por ser legalmente inadmissível (cfr. art.º 670.º, n.º 2, do CPC), restringindo-se o objecto do recurso interposto ao despacho de 1/2/2012. Nessa sequência e em conformidade, para excluir a matéria referente ao segundo despacho e evitar qualquer complexidade, convidou-se o apelante a sintetizar as conclusões que havia apresentado, o que fez nos seguintes termos: “A) O preceito do art. 901º do CPC visa tutelar os interesses do adquirente de bens em processo executivo, que tenha dificuldade em tomar posse dos mesmos, proporcionando-lhe um meio específico de reação contra o seu detentor ilegítimo, consistindo no requerimento para que a entrega judicial do bem ocorra no próprio processo de execução, evitando que tenha de propor uma ação para esse efeito. B) Tal norma pressupõe evidentemente que o bem em causa tenha deixado de pertencer ao executado em virtude da sua venda em processo executivo, sendo aplicável ao processo de insolvência, por remissão do art. 17º do CIRE, no caso de haver resistência à entrega de imóvel após a sua venda no processo de insolvência, como ocorre na situação sub judice. C) Por conseguinte, contrariamente ao afirmado no despacho de 01/02/2012, o facto do imóvel já não pertencer à massa insolvente não implica que o Banco adquirente tenha de apresentar ação de reivindicação para obter a entrega da fração de que se tornou proprietário, tendo o Tribunal a quo competência para ordenar tal entrega. D) Estando o Banco recorrente munido do título de transmissão a seu favor da fração em causa, in casu uma escritura pública de compra e venda, podia lançar mão do meio processual previsto no art. 901°, consentâneo com a urgência característica do processo de insolvência, requerendo a entrega do imóvel no âmbito deste processo, como admitiu o Ministério Público na sua promoção de 09/02/2012. E) Destarte, o art. 901º do CPC confere ao adquirente de imóvel em processo executivo o poder de requerer a entrega desse bem «nos termos prescritos no artigo 930.º, devidamente adaptados», sendo que o n.º 1, do art. 930°, do CPC, determina que «À efectivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora». F) Logo, serão aqui aplicáveis as normas respeitantes à apreensão material dos bens, no caso de coisa imóvel, o art. 840º do CPC, cujo n.º 3, estipula que «o juiz determina o auxílio das autoridades policiais nos casos em que as portas estejam fechadas ou haja receio justificado de oposição de resistência, arrombando-se aquelas, se necessário». G) Por outro lado, do n.º 3 do art. 930º, do CPC, decorre que a investidura do adquirente na posse terá de ser efetiva, isto é, implicará a entrega material do imóvel, acompanhada dos respetivos documentos e chaves. H) Ora, sendo intenção do legislador atribuir ao adquirente de bem em execução judicial um mecanismo expedito para tomar posse do mesmo, a interpretação restritiva do art. 901º do CPC, defendida pelo Ministério Público, que reduziria o seu âmbito de aplicação aos casos em que não seja necessário o recurso a meios coercivos para a entrega do bem, afigura-se desconforme com o comando do art. 9º, n.º 3, do Código Civil. I) A exclusão da aplicação das normas dos arts. 901º e/ou 840º do CPC ao requerimento apresentado pelo Banco apelante, para entrega efetiva do bem imóvel que adquiriu no âmbito de venda realizada em processo de insolvência, através do auxílio das autoridades policiais e, se necessário, arrombamento da porta da fração em causa, constitui uma interpretação inconstitucional daqueles preceitos e das normas dos arts. 17º do CIRE e 930º, n.º 1 e 3, do CPC que para eles remetem, por postergar o direito fundamental do recorrente a uma decisão judicial em prazo razoável, consagrado no art. 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. J) Face à morosidade habitual de uma ação declarativa para condenação dos ocupantes do imóvel na sua entrega ao legítimo proprietário, é forçoso concluir que a posição assumida pelo Tribunal a quo é deveras contraproducente, desincentivando fortemente a aquisição de bens em processos de insolvência. K) Em todo o caso, a efetivação da entrega do imóvel ao apelante não obstará a que os ocupantes da fração possam deduzir oposição, sendo permitido o exercício do contraditório pelos detentores de bens adjudicados no processo de insolvência. L) Ainda que o Tribunal a quo considerasse indispensável a audição prévia dos detentores do imóvel, como defende o Ministério Público, não deveria ter indeferido o requerimento apresentado pelo Banco adquirente para entrega coerciva do imóvel, mas antes ordenado a citação prévia dos seus detentores para, querendo, deduzirem oposição, por aplicação analógica dos arts. 928º e 929º, n.º 1, do CPC- nunca remeter o recorrente para os meios comuns. M) Sendo certo que, face ao desconhecimento da identidade dos ocupantes do imóvel, a sua defesa caberia ao Ministério Público, a quem compete representar os incertos (cfr. art. 16º, n.º 1, do CPC), o que já foi assegurado na tramitação deste incidente. N) Por conseguinte, o despacho proferido em 01/02/2012, violou as normas dos arts. 901º, 930º, n.º 1 e 3 e 840°, n.º 3, do CPC, arts. 1º e 17º do CIRE, 9º, n.º 3, do Código Civil e 20º, n.º 4, da Constituição.”
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu remetendo para as contra-alegações apresentadas na 1.ª instância e concluindo pela confirmação do despacho recorrido.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso que acabou por ser admitido.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 – cfr. art.º 12.º do mesmo diploma), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que nele se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se o Banco recorrente pode obter a entrega efectiva da fracção que comprou no âmbito do processo de insolvência, com auxílio da força pública e arrombamento se necessário.
II. Fundamentação
Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que se deixaram exarados no antecedente relatório, e outros não resultam nem foram dados como provados, pelo que resta aplicar-lhes o direito, tendo em vista a resolução da supramencionada questão.
Decorre do art.º 1.º do CIRE que o processo de insolvência é um processo de execução universal, visando a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto da liquidação pelos credores ou a satisfação dos créditos destes pela forma prevista num plano de insolvência que assente na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.
Embora o uso da disjuntiva possa apontar para uma conclusão diferente, a verdade é que aquele preceito fixa uma finalidade única ao processo de insolvência que é a satisfação dos credores.
“Esta satisfação é que pode ser alcançada através de uma de duas alternativas, seja pela repartição do produto da venda do património do devedor, entretanto alienado – que se constitui como regime supletivo -, seja pela via definida num plano de insolvência aprovado no processo – instrumento este que no contexto deste art.º 1.º deve ser entendido em sentido amplo, de modo a abranger qualquer meio legalmente admitido de satisfação dos interesses dos credores alternativos à liquidação, como sucede com o chamado plano de pagamentos, previsto e regulado nos art.ºs 251.º e seguintes” (cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão de 2009, pág.58).
A qualificação do processo de insolvência como um processo de execução universal, feita na primeira parte daquele preceito, na sequência da tradição jurídica portuguesa, significa “sem dúvida, que nele são chamados a concorrer todos os credores que, precisamente, com o processo se intenta tutelar”, ainda que não se verifique necessariamente a liquidação do património do devedor que constitui a massa insolvente sempre que seja aprovado um plano de insolvência, e que, embora “em rigor, só quando, à falta de medidas alternativas, se segue o modelo geral da liquidação global do activo é que, verdadeiramente, se concretiza a natureza executiva universal do processo de insolvência”, “precisamente porque o processo de insolvência está legalmente qualificado como um processo de execução (universal), é às disposições do processo executivo que em primeiro recurso, e sempre que necessário, se deve atender” (cfr. os referidos autores, na obra citada, pág. 60).
À mesma conclusão se chega através da integração dogmática do processo de insolvência na categoria dos processos especiais, o que justificou a norma do art.º 17.º do CIRE que estatui: “O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”.
E também se chegaria, mesmo sem esta norma, como sucedia antes da sua vigência, através da análise do disposto nos art.ºs 463.º, n.º 1 e 466.º, ambos do CPC, actualmente em vigor, este na redacção dada pelo DL n.º 38/2003, de 8/3, aqui aplicável, os quais continuam a ser necessários para saber, com precisão, qual a metodologia que se deve seguir para, em concreto, identificar as normas do Código de Processo Civil que são aplicáveis ao processo de insolvência.
Apesar de ter desaparecido o adjectivo da designação do Código, não há dúvida de que o processo de insolvência continua a revestir a natureza de processo especial.
O art.º 463.º, n.º 1, do CPC dispõe, no que importa considerar, que “os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário”.
E o citado art.º 466.º estabelece: “1. São subsidiariamente aplicáveis ao processo comum de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva. 2. À execução para entrega de coisa certa e para prestação de facto são aplicáveis, na parte em que o puderem ser, as disposições relativas à execução para pagamento de quantia certa. 3. Às execuções especiais aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo comum.”
Assim, porque o processo de insolvência inclui uma multiplicidade de actos e fases de carácter declarativo e executivo, o apelo ao Código de Processo Civil verifica-se para qualquer fase e momento e abrange quaisquer incidentes, apensos e recursos (cfr. neste sentido, os referidos autores, obra citada, pág. 121).
No presente caso, o recurso vem interposto de um despacho proferido, ao que parece, no apenso de apreensão de bens que recusou a entrega ao credor reclamante da fracção que adquirira à massa insolvente, o que faz pressupor que não foi homologado qualquer plano de insolvência e que o processo prosseguiu para satisfação dos credores, na medida do possível, segundo o modelo geral de liquidação do activo, em que, verdadeiramente, se concretiza a natureza executiva universal do processo de insolvência.
Como tal, aplicam-se-lhe as disposições do processo comum de execução.
Sob a epígrafe “entrega dos bens”, o art.º 901.º do CPC estatui: “O adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 930.º, devidamente adaptados”.
Por sua vez, o art.º 930.º do CPC preceitua: “1. À efectivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, se o executado não fizer voluntariamente a entrega… … 3. Tratando-se de imóveis, o agente de execução investe o exequente na posse, entregando-lhe os documentos e as chaves, se os houver, e notifica o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito do exequente. … 6. Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 6 do artigo 930.º-B, e caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”
O art.º 831.º dispõe, no n.º 1, que “os bens do executado são apreendidos, ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem prejuízo, porém, dos direitos que a este seja lícito opor ao exequente” e acrescenta, no n.º 2, que “no acto de apreensão, verifica-se se o terceiro tem os bens em seu poder por via de penhor ou de direito de retenção e, em caso afirmativo, procede-se imediatamente à sua citação”.
O art.º 840.º, com a epígrafe “entrega efectiva”, no n.º 2, permite ao agente de execução solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais, quando seja oposta alguma resistência na efectivação da entrega do imóvel, e, no n.º 3, estabelece que “ a requerimento fundamentado do agente de execução, o juiz determina o auxílio das autoridades policiais nos casos em que as portas estejam fechadas ou haja receio justificado de oposição de resistência arrombando-se aquelas, se necessário, e lavrando-se auto da ocorrência”.
A redacção actual do art.º 901.º, acima transcrito, foi dada pelo DL n.º 38/2003, de 8/3, e está em vigor desde 15/9/2003, sendo aplicável aos processos instaurados a partir dessa data, como é o caso do processo donde vem interposto o presente recurso (cfr. seu art.º 21.º, n.º 1).
A redacção imediatamente anterior foi introduzida pelo DL n.º 180/96, de 25/9, e permitia ao adquirente dos bens penhorados requerer o prosseguimento da execução contra o seu detentor, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa, com base no despacho que lhos havia adjudicado, enquanto a redacção resultante do DL n.º 329-A/95, de 12/12, previa a instauração de execução autónoma por parte do adquirente.
O art.º 3.º deste último decreto-lei revogou os art.ºs 1044.º a 1051.º do CPC que previam e regulamentavam o processo especial de posse ou entrega judicial avulsa, porque o legislador o considerou desnecessário em face das alterações introduzidas por aquele mesmo diploma.
Aquele tipo de processo caracterizava-se pela simplicidade e celeridade e funcionava “como uma acção de reivindicação de via reduzida” que tinha em vista alcançar sumariamente a entrega da coisa (cfr. Ac. da RL de 9/11/1979, BMJ n.º 296, pág. 327), constituindo o processo próprio para o arrematante, em processo executivo, de um prédio, devidamente identificado e registado, obter a posse efectiva desse mesmo prédio.
Com a supressão daquele processo especial, o seu âmbito de aplicação passou a ser abrangido pelo processo comum, mais precisamente pelo art.º 901.º, que consagrou uma forma de tutela igualmente célere para que o adquirente de bens, em processo executivo, pudesse obter a sua entrega de forma rápida e abreviada (cfr., neste sentido, acórdão da RC de 15/1/2008, CJ, ano XXXIII, tomo I, págs. 7/9), sucessivamente simplificada através das supra referidas alterações.
Na actual redacção, o art.º 901.º não prevê qualquer execução, nem sequer a conversão da execução para pagamento de quantia certa em execução para entrega de coisa certa, havendo mesmo quem afirme ser discutível que estejamos perante um incidente da execução, por lhe faltar o carácter anómalo próprio dos incidentes (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, volume 3.º, edição de 2003, pág. 594).
Para estes autores, aquele preceito, desde o início, “visou deixar claro que, encontrando o adquirente dificuldade em tomar posse da coisa corpórea adquirida, a entrega judicial tem lugar, a seu requerimento, no processo de execução”, já que “não se justificava, efectivamente, que o adquirente tivesse de recorrer a uma acção própria para o efeito de conseguir uma entrega que ao tribunal… cabia fazer” e que o mesmo visa “tutelar os interesses do adquirente, proporcionando-lhe um meio específico contra o detentor ilegítimo da coisa adquirida”, o qual, após a última redacção, continuou a ser exercido na própria execução, sendo a entrega feita “nos termos prescritos no art. 930.º, devidamente adaptados” (cfr., obra citada, pág. 593).
Lopes do Rego também afirma que a nova redacção deste preceito deixou claro que ao procedimento nele previsto “é, de imediato, aplicável o preceituado no artigo 930.º (sem que, como é óbvio, tivessem lugar os actos previstos nos artigos 928.º e 929.º)” (in Comentários, vol. II, pág. 141).
Fernando Amâncio Ferreira escreveu, a este propósito, o seguinte:
“Diversamente do que ocorria anteriormente, no âmbito da RPC95-96, na medida em que remetia para o regime da execução para entrega de coisa certa, o texto do art. 901.º, saído da RCP2003, não prevê a possibilidade dos ocupantes alegarem e provarem o que considerarem conveniente a respeito da sua situação, como, em caso paralelo, se admite no art. 675.º da LEC[1] …”, acrescentando que “a lei não sujeita o adquirente dos bens a nenhum prazo, a fim de requerer a sua entrega; daí poder fazê-lo mesmo depois de extinta a execução” (cfr. Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, pág. 397).
E, quanto à entrega da coisa, reportando-se embora à falta do executado mas que tem aplicação ao detentor, por força da remissão feita pelo citado art.º 901.º, afirmou:
Se não entregar voluntariamente a coisa, “a entrega é feita coercivamente, procedendo-se à sua apreensão, depois de realizadas as buscas e outras diligências necessárias para o efeito (art. 930.º, n.º 1) ….
Se a coisa for imóvel, o agente de execução investe o exequente na posse, entregando-lhe os documentos e as chaves, se os houver; também procederá à notificação do executado, dos arrendatários e de quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito do exequente (art. 930.º, n.º 3). Se os arrendatários após a notificação pagarem a renda ao executado, não se exoneram, podendo o exequente exigir-lhes de novo o pagamento. Tratando-se de execução de despejo, terá de haver efectiva desocupação da coisa, por esta ter de ser entregue ao exequente livre de pessoas e bens, à semelhança do que teria ocorrido à data da extinção do arrendamento, se o imóvel tivesse sido voluntariamente restituído .…
Visando a execução a entrega da casa de habitação principal do executado, é aplicável, por força do art. 930.º, n.º 6, 1.ª parte, por razões humanitárias, o disposto nos n.ºs 3 a 6 do art. 930.º-B. Daí dever sobrestar-se na entrega da casa, se esta puser em risco, por razões de doença aguda, a vida da pessoa que nela se encontre, desde que tal se demonstre por atestado médico, que deve de modo fundamentado indicar o prazo durante o qual se deve sustar a entrega.
Resultando da entrega do imóvel sérias dificuldades para o realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (art. 930.º, n.º 6, 2.ª parte). Decorrido um prazo razoável para estas entidades providenciarem (poderá ser um prazo de 10 meses, por analogia com o que se dispõe no n.º 5 do art. 930.º-D), proceder-se-á à entrega do imóvel, mesmo que o realojamento do executado se não tenha efectivado, por não competir ao exequente, mas ao Estado, assegurar habitação condigna a todos, sob reserva do possível, nos termos do art. 65.º da RRP” (cfr. obra citada, págs. 433 e 444).
Embora não se trate da execução de um verdadeiro despejo, cremos que terá de haver uma efectiva desocupação da coisa, pois que a investidura na posse a que alude o n.º 3 do citado art.º 930.º, na sequência de um pedido formulado pelo adquirente, é “a investidura real e efectiva, isto é, a entrega material do imóvel acompanhada dos respectivos documentos e chaves” (cfr., neste sentido, o acórdão da RL de 19/4/2007, proferido no processo n.º 8982/2006-8, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, é sabido que a venda executiva, independentemente da modalidade que revista, transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (cfr. art.º 824.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que o direito daquele se filia no direito deste, dependendo dele quer quanto à sua existência quer quanto à sua extensão.
Procedendo às necessárias adaptações, é evidente que aqui as funções do agente de execução são exercidas pelo Administrador da Insolvência, a quem compete proceder à apreensão, com arrombamento e auxílio da força pública, se necessário, nos termos do art.º 150.º, n.º 4, al. c), do CIRE, e subsequente entrega efectiva do imóvel apreendido; que, no lugar do exequente, surge o adquirente da fracção, no caso o banco recorrente; e que, no lugar do executado, estaria a sociedade insolvente, a quem pertencia, antes da venda, a mesma fracção, a qual se mostra ocupada por terceiros que se recusam entregá-la ao seu legítimo comprador.
Tratando-se de uma venda feita num apenso ao processo de insolvência, e no âmbito desse mesmo processo, cremos não haver dúvidas de que lhe são aplicáveis, nos termos supra referidos, as disposições do processo de execução.
Por isso, tem aqui inteira aplicação o disposto nos art.ºs 901.º e 930.º, ambos do CPC.
Assim, o credor adquirente, ora recorrente, podia requerer e obter a entrega da fracção que comprou, no próprio processo de apreensão de bens apenso à insolvência, com base no respectivo título de transmissão.
A tal não obsta o facto de a fracção já não pertencer à massa insolvente, como é por demais evidente, pois a venda implica a transferência do direito de propriedade sobre a mesma para o adquirente e foi feita no âmbito do processo de insolvência, onde foi requerida a respectiva entrega, mantendo o tribunal recorrido a competência para apreciação dessa pretensão e prolação da correspondente decisão [cfr. art.ºs 7.º do CIRE e 89.º, n.º 1. al. a) e n.º 3, da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13/1, na redacção dada pelo art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/1)].
Deste modo, não podia aquele tribunal ter remetido o adquirente para os meios comuns, como remeteu, antes devendo ter apreciado tal requerimento e determinado a entrega efectiva da fracção comprada, nos termos atrás referidos.
Nem sequer se impõe a audição dos ocupantes da mencionada fracção antes de ordenar a sua entrega, visto que, como se deixou dito, a lei não permite que eles façam qualquer tipo de alegação e prova do que considerem, eventualmente, pertinente sobre a sua situação.
De resto, nem tão pouco se mostra existir qualquer contrato de arrendamento que tenha por objecto a fracção vendida nos autos a que respeita este recurso, muito menos que ele tenha sido celebrado antes da hipoteca constituída sobre a mesma fracção.
É que o único contrato de arrendamento que existiu e teve por objecto a referida fracção foi extinto, por acordo, em 10/5/2010 (cfr. art.ºs 1079.º e 1082.º, ambos do Código Civil).
E é esta fracção que importa considerar, única que pertenceu à sociedade insolvente e que moldou o direito do adquirente.
Um eventual direito dos ocupantes sobre outra fracção é absolutamente irrelevante, já que não foi objecto de aquisição, nem do pedido de entrega formulado pelo credor reclamante, ora recorrente.
Se houve, anteriormente, algum erro sobre a ocupação correspondente ao objecto de eventual contrato de arrendamento de outra fracção que não aquela que está aqui em causa, é tempo de o desfazer, sendo agora o momento oportuno para o corrigir.
Além de resolver o problema do adquirente, obtendo a entrega do que legitimamente comprou, passariam os terceiros a gozar a fracção que lhes foi, alegadamente, arrendada, mas que nada tem a ver com aquela que foi adquirida pelo recorrente, sem necessidade de fazer funcionar o preceituado no n.º 6 do citado art.º 930.º.
E, inexistindo qualquer contrato de arrendamento sobre a fracção vendida, não há que aflorar a questão da caducidade dos direitos reais de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 824.º do Código Civil, nem tomar posição na querela doutrinária e jurisprudencial no sentido de saber se o contrato de arrendamento caduca nos termos daquele preceito ou se o bem vendido foi transmitido ao adquirente sem afectar o direito do arrendatário, em aplicação do art.º 1057.º do mesmo Código, pela simples razão de que não existe contrato de arrendamento que tenha por objecto aquela fracção, cuja entrega é pedida, como é indiscutível.
Procedem, por conseguinte, as conclusões relevantes da apelação, pelo que o despacho impugnado não pode subsistir.
Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC:
O adquirente de um bem em processo de insolvência pode requerer e obter a sua entrega, no mesmo processo ou seu apenso, nos termos prescritos nos art.ºs 901.º e 930.º, ambos do CPC.
III. Decisão
Por tudo o exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que o recorrente seja investido na posse efectiva da fracção que comprou, devendo, para tanto, ser feitas as diligências e observadas as formalidades legais, designadamente as supra referidas.
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Custas pela massa insolvente.
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Porto, 20 de Novembro de 2012
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
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[1] Ley de Enjuiciamiento Civil (Espanha).