I - A denúncia do contrato de arrendamento rural efectuada pelo senhorio, indisponibilizando-se o inquilino, em absoluto, a entregar o locado, depois de se haver recusado a celebrar um contrato de comodato, em relação ao mesmo prédio, mantendo-se na sua posse, durante cerca de três anos, após o momento em que aquela denúncia deveria ter produzido todos os efeitos que lhe são próprios, não determina a renovação do arrendamento, mesmo quando o locatário toma a iniciativa unilateral de efectuar depósitos, na CGD, em nome do senhorio.
II – A extinção do arrendamento, em consequência da denúncia contratual, importa, para que se verifique a respectiva renovação, a exigência da falta de oposição do locador, com base na presunção de que as partes acordaram, tacitamente, na renovação.
III – A denúncia extrajudicial accionada pelo senhorio, sem oposição do arrendatário, torna-se operante e, consequentemente, determina a extinção do contrato de arrendamento rural, sem necessidade de qualquer intervenção do Tribunal, face à inexistência, entretanto, de qualquer litígio entre as partes.
IV – Não tendo os réus restituído o prédio aos autores, estes devem lançar mão da acção declarativa de condenação, como meio processual próprio para obter uma sentença favorável que constitua título executivo bastante para a entrega coerciva do prédio.
V - Devendo o contrato de arrendamento rural considerar-se extinto, face à inexistência de oposição à denúncia, por parte do locatário, não importa apreciar a sua cessação, em acção de despejo, e, havendo reconhecimento do direito de propriedade do senhorio, sem que o inquilino prove a titularidade do direito de crédito que invocou, como causa legítima da recusa da restituição do prédio, há que o condenar na sua restituição ao senhorio.
A... e marido, B...., residentes na Rua ....., Tondela, propuseram a presente acção, com processo sumário, contra C... e esposa, D...., residentes na Rua ......, TondeIa, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a reconhecer aos autores o direito de propriedade do prédio rústico infradiscriminado, restituindo-o aos mesmos, livre e devoluto, a abster-se da prática de qualquer acto que perturbe ou impeça o livre acesso dos autores ao aludido prédio, e ainda a pagar aos autores uma indemnização, no valor de 8.000,00€, a título de danos morais e patrimoniais, alegando, para o efeito, e, em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio em causa, cujo direito de propriedade adquiriram, mediante escritura pública de compra e venda, a E....
Porém, o réu marido impediu, por diversas vezes, o acesso a tal prédio, ao autor marido, privando os autores de exercer o seu direito de propriedade, de forma plena, causando-lhes diversos danos, pelos quais devem ser indemnizados.
Na contestação, os réus alegam que, há mais de dezassete anos, trazem arrendado o prédio dos autores, inexistindo qualquer acto que os impedisse do exercício do direito de propriedade, tendo concluído no sentido da improcedência da acção.
Na resposta à contestação, os autores sustentam que o antecedente contrato de arrendamento rural foi denunciado, por F...., terminando como na petição inicial.
A sentença julgou a acção, procedente por provada e, em consequência, condenou os réus a reconhecer os autores como proprietários do prédio rústico, constituído por terra de semeadura, com testada de pinhal, sito ao Soito, Redonda, Amieira de Baixo, Regada de Baixo, Regada Nova, Meeira de Baixo, freguesia de Vilar de Besteiros, que confronta do Norte com Sílvio Pereira de Carvalho, do Sul com Maria da Glória Cardoso, do Nascente com rio, e do Poente com caminho, inscrito na matriz, sob os artigos 2439 e 2441, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela, sob a ficha nº00468, a restituir aos autores o referido prédio rústico, completamente, livre de pessoas e bens, a abster-se da prática de qualquer acto que perturbe ou impeça o livre acesso dos autores ao mencionado prédio, e a pagar aos autores a quantia de 200,00€, a título de danos não patrimoniais por estes sofridos, absolvendo-os, porém, do pedido indemnizatório, formulado a título de danos patrimoniais.
Desta sentença, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
1a – A resposta ao quesito 29 deverá ser alterada por esta Relação, nos termos do artigo 712º, nº 1, do CPC.
2ª – Já que o impõe os documentos de folhas 59, 60, 223, 227, 240 e 241, bem como os duplicados dos subsequentes depósitos juntos aos autos com a contestação.
3ª – Daqui resultando que a denúncia do contrato que consta da resposta ao quesito 33 deixou de produzir qualquer efeito jurídico a partir do momento em que os referidos F.... e mulher repristinaram tal contrato, continuando a receber as rendas, no tempo e pelo prazo previsto no contrato de arrendamento e continuando os réus a usufruir e a utilizar o locado.
4ª – De todo o modo, tendo em conta a data da carta, 07.04.1992 e a data a partir da qual se produziria a denúncia, 31.12.1993, atento o facto de que a vontade das partes foi no sentido da manutenção do contrato de arrendamento (contrária ao conteúdo da declaração de denúncia) não poderia esta vir a ser considerada válida e eficaz.
5ª – Ainda que assim se não entendesse, a acção de reivindicação não é o meio próprio para efectivar a denúncia de um contrato de arrendamento.
6ª – O senhorio que denunciou, com notificação ao inquilino, um contrato de arrendamento rural, sem que o arrendatário tenha deduzido oposição necessitaria de propor acção declarativa de despejo, nos termos do nº 2 do artigo 35º do DL nº 385/88 de 25.10.
7ª – Desde o início do contrato de arrendamento, 01.01.1987, sempre os réus liquidaram a renda no tempo, à pessoa do senhorio e lugar próprios.
8ª – A conduta dos réus sendo estribada num contrato de arrendamento, confere-lhe legitimidade para usar de todos os direitos enquanto arrendatários e tendo agido estes nessa firme convicção, não praticaram qualquer facto ilícito e procederam com culpa, pelo que, necessariamente não tem lugar o pagamento de qualquer indemnização aos autores, seja a que título for.
9ª – Foram violados, entre outros, os seguintes normativos: artigos 342º, 376º, 483º e 487º do Código Civil, 668º, c) e d) do CPC e 35º, do DL nº 385/88 de 25.10.
10ª – Dando-se provimento ao recurso, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que, em face da matéria assente e, ainda, dada como provada, julgue a acção improcedente, por não provada, tudo com as legais consequências.
Nas suas contra-alegações, os autores defendem a improcedência do recurso, mantendo-se, em toda a sua extensão e conteúdo, a sentença recorrida.
*
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da renovação do contrato de arrendamento rural.
III – A questão do meio processual utilizado pelos autores para atingir o fim em vista.
IV – A questão do pagamento da indemnização.
I
DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Entendem os réus que a resposta ao quesito 29º deverá ser alterada, em conformidade com o teor dos documentos existentes nos autos.
Com efeito, pergunta-se, no ponto nº 29 da base instrutória, se “desde o início do contrato de arrendamento acima referido em F) que a propriedade denominada «Quinta da Póvoa da Alagoa» vem sendo cultivada pelos aqui réus que, ainda aí, vêm roçando o mato, amanhando a parte de cultivo, podando, sulfatando e apanhando as uvas das videiras, aí apascentam o seu gado, utilizando os arrumos com pastos e até animais, a casa da eira com cereais, pastos, produtos agrícolas, e na eira debulham e secam os cereais, no âmbito do referido contrato e mediante o pagamento da indicada renda anual?”, sendo certo que, por força da resposta restritiva que sobre o mesmo incidiu, ficou provado que “desde o início do contrato de arrendamento acima referido em F) que parte da propriedade denominada «Quinta da Póvoa da Alagoa» vem sendo utilizada pelos aqui réus que, ainda aí, apascentam o seu gado”.
Assim sendo, o essencial da divergência que a resposta restritiva a este ponto da base instrutória conheceu, reside na limitação do objecto físico do locado e na extensão dos actos de utilização que do mesmo os réus realizam.
A isto acresce que os réus sustentam a pretendida alteração, que não concretizam, no teor dos documentos referidos, que se reportam a talões de depósito, na CGD, e a um cheque, mas que não contêm a virtualidade suficiente para operar o fim pretendido, e outros elementos de prova não indicaram, no sentido de fundamentar a sua posição.
Finalmente, os réus, invocando a necessidade de ser alterada a matéria factual dada como provada, relativamente ao aludido ponto da base instrutória, não esclareceram o sentido exacto das respostas que entendem corresponder, correctamente, à prova produzida nos autos, deixando de observar o estipulado pelo artigo 690º-A, nº 1, b), do CPC, que impõe a observância de determinados ónus, que não satisfizeram, na sua totalidade.
Assim sendo, este Tribunal da Relação aceita que se devem considerar como provados os seguintes factos:
Mostra-se inscrito, na matriz, sob os artigos 2439 e 2441, e descrito, na Conservatória do Registo Predial de Tondela, sob a ficha nº00468, o prédio rústico, constituído por terra de semeadura, com testada de pinhal, sito ao Soito, Redonda, Amieira de Baixo, Regada de Baixo, Regada Nova, Meeira de Baixo, freguesia de Vilar de Besteiras, que confronta do Norte com Sílvio Pereira de Carvalho, do Sul com Maria da Glória Cardoso, do Nascente com rio, e do Poente com caminho – A).
Mediante escritura de compra e venda, outorgada em 30 de Dezembro de 2003, no Cartório Notarial de Santa Comba Dão, os autores declararam comprar a E...., que declarou vender-lhes o terreno referido em A) – B).
Mediante escritura de compra e venda, outorgada em 13 de Junho de 1996, no 1º Cartório Notarial de Viseu, F.... e mulher, G..., declararam vender a E...., que declarou comprar-lhes o terreno referido em A) – C).
Mediante escritura de compra e venda, outorgada em 31 de Maio de 1949, H... declarou vender a F.... e mulher, G...., que declararam comprar-lhes aquele prédio rústico – D).
Em 12 de Janeiro de 2004, o autor marido apresentou queixa, na GNR do Campo de Besteiros, a que foi atribuído o NUIPC 06/04.0GA TND – E).
Mediante documento escrito, a folhas 52, cujo teor a sentença dá por reproduzido, em 1 de Janeiro de 1987, F.... e mulher, G...., deram de arrendamento, a C...., que o tomou, o terreno referido em A) – F).
Pelo prazo de seis anos, prorrogável, nos termos da lei, com início a 1 de Janeiro de 1987 – G).
A renda anual, a pagar em casa de senhorio, durante o mês de Dezembro de cada ano, é de 50.000$00 (249,40 euros) – H).
O réu marido requereu a notificação judicial dos autores para se absterem de impedir o exercício pleno dos seus direitos de arrendatário – I).
Os autores foram, judicialmente, notificados, em 2 de Fevereiro de 2004 – J).
A partir de Dezembro 1996, passaram a ser efectuados depósitos, na conta da Caixa Geral de Depósitos, Agência de Tondela, com o nº039535350, por C...., em nome do referido E...., no valor de 50.000$00, conforme documentos a folhas 65 a 72, cujo teor a sentença dá por, integralmente, reproduzido – L).
Os réus são donos de um rebanho, com cerca de 100 ovinos – M).
Tal rebanho vem apascentando, regularmente, o terreno referido em A) – N).
Os réus recusam-se a entregar o local aos autores – O).
Desde 31 de Maio de 1949 até 31 de Dezembro de 1993, F.... e antecessores, pessoalmente ou por intermédio de outrem, amanharam o pinhal, cortaram o mato e os pinheiros, colheram a resina e a lenha, cultivaram a terra e a vinha e apanharam as uvas, no terreno referido em A) - 1º.
Na convicção de exercer um direito de propriedade, e de que não lesavam os interesses ou direitos de outrem – 2º.
À vista de toda a gente – 3º.
Sem oposição de ninguém – 4º.
E sem interrupções – 5º.
No dia 10 de Janeiro de 2004, o autor marido deslocou-se ao prédio, juntamente com um especialista, para pedir um orçamento para limpeza do mato e pinheiros existentes no pinhal – 6º.
Em 2003, o autor marido deslocou-se ao prédio, juntamente com um especialista, para pedir um orçamento para limpeza do mato e pinheiros existentes no pinhal – 7º.
O réu marido tinha colocado um tractor a obstruir a passagem – 8º.
De seguida, o autor chamou a GNR do Campo de Besteiros, que conseguiu convencer o réu a retirar o veículo que obstruía o caminho – 9º.
No dia 11 de Janeiro de 2003, os autores voltaram ao terreno – 10º.
Tendo o réu colocado o reboque do tractor, no caminho de acesso, e impedido os autores de saírem – 11º.
Em 2004, o autor marido voltou a deslocar-se ao seu terreno e verificou que os réus tinham colocado uma rede de vedação para animais – 12º.
O comportamento dos réus tem gerado bastante instabilidade, emocional e psicológica, no seio do agregado familiar dos autores – 14º.
O autor marido é trabalhador estudante, frequentando o 3° ano de Engenharia Topográfica, no Instituto Politécnico da Guarda – 17º.
O mês de Janeiro e Fevereiro são época de exames – 18º.
O pinhal existente carece de limpeza de prevenção para o Verão – 24º.
Um incêndio, a deflagrar-se, provocaria um dano na mata de pinheiros ali existente – 26º.
Desde o início do contrato de arrendamento, acima referido em F), que parte da propriedade, denominada "Quinta da Póvoa da Alagoa", vem sendo utilizada pelos aqui réus que, ainda aí, apascentam o seu gado – 29º.
Os réus, para evitar que aquele seu rebanho demande para outras propriedades vizinhas, vedaram parte da dita propriedade, fazendo ainda, no interior da mesma, algumas cercas para guardar os animais – 31º.
F.... enviou a C.... uma carta, datada de 7 de Abril de 1992, por este recebida, a 14 de Abril de 1992, cujo teor a sentença dá por, integralmente, reproduzida, denunciando o contrato de arrendamento, solicitando a entrega do terreno, livre e devoluto, com efeito a partir de 31 de Dezembro de 1993 – 33º.
Nunca mais os réus se dispuseram a entregar o terreno e a deixá-lo, livre e devoluto – 36º.
Perante tal situação, E.... solicitou aos réus a entrega do terreno, livre e devoluto – 37º.
Os réus enviaram a E.... a minuta do contrato de arrendamento, a foIhas 84 – 38º.
Que este recusou, por carta, a foIhas 86 – 39º.
Notificando os réus para abandonarem o local – 40º.
Mantendo-se estes a ocupar o terreno, referido em A) – 41º.
Foram enviadas aos réus as cartas, a foIhas 87 e 88 – 42º.
E... propôs aos réus a outorga de um contrato de empréstimo, a foIhas 89 a 91 – 43º.
E, paralelamente, notifica os réus de que, caso não aceitem a realização do contrato, devem abandonar o terreno – 44º.
O que os réus recusam – 45º.
II
DA RENOVAÇÃO CONTRATUAL
Entendem os réus que ocorreu a repristinação do contrato, deixando a denúncia de produzir qualquer efeito jurídico, a partir do momento em que os antecessores senhorios do prédio locado, F.... e mulher, continuaram a receber as rendas, e os réus a usufruir e utilizar o mesmo.
Neste particular, provou-se que o referido F.... enviou ao réu marido uma carta de denúncia do contrato de arrendamento, solicitando a entrega do terreno, livre e devoluto, com efeito a partir de 31 de Dezembro de 1993, que este recebeu, a 14 de Abril de 1992, nunca mais os réus se dispondo a restituir o terreno e a deixá-lo, livre e devoluto, acabando o E.... por lhes solicitar a sua entrega.
Entretanto, os réus enviaram aquele E.... a minuta de um contrato de arrendamento rural, que este declinou, notificando-os, porém, sem sucesso, para abandonarem o local, acabando por lhes propor a outorga de um contrato de empréstimo, em regime de comodato, sem o pagamento de qualquer contra-prestação, tendo-os notificado, igualmente, para, caso não aceitassem a realização deste contrato, abandonar o terreno, o que os réus recusam, passando, a partir de Dezembro 1996, a efectuar depósitos, na CGD, em nome do referido E...., no valor de 50.000$00.
Assim sendo, a denúncia do contrato de arrendamento rural efectuada pelo senhorio, indisponibilizando-se o inquilino, em absoluto, a entregar o locado, depois de se haver recusado a celebrar um contrato de comodato, em relação ao mesmo prédio, mantendo-se na sua posse, durante cerca de três anos, após o momento em que aquela denúncia deveria ter produzido todos os efeitos que lhe são próprios, não determina a renovação do arrendamento, mesmo quando o locatário toma a iniciativa unilateral de efectuar depósitos, na CGD, em nome do senhorio.
Com efeito, a extinção do arrendamento, em consequência da denúncia contratual, importa, para que se verifique a respectiva renovação, a exigência da falta de oposição do locador, com base na presunção de que as partes acordaram, tacitamente, na renovação, como bem decorre do disposto pelo artigo 1056º, do Código Civil (CC).
Ora, rejeitando o senhorio, de forma determinante e categórica, a continuação do gozo do locado, pelo inquilino, a oposição infundamentada e insubsistente deste último, que nele se mantém, durante mais de um ano, e até procede ao depósito das rendas, não pode considerar-se como renúncia ao direito de obter o despejo, nem, consequentemente, como causa de renovação contratual1.
III
A ACÇÃO E O FIM PROSSEGUIDO
Sustentam ainda os réus que a acção de reivindicação não é o meio próprio para efectivar a denúncia de um contrato de arrendamento, devendo o senhorio, que denunciou, com notificação ao inquilino, um contrato de arrendamento rural, sem que o arrendatário tenha deduzido oposição, propor a correspondente acção declarativa de despejo.
Os contratos de arrendamento rural consideram-se, sucessiva e automaticamente, renovados se não forem denunciados, pelo arrendatário ou pelo senhorio, sendo que, neste último caso, o senhorio deve avisar o arrendatário, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de dezoito meses, relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação, ou de um ano, se se tratar de arrendamento a agricultor autónomo, em conformidade com o estipulado pelo artigo 18º, nº 1, b), da Lei do Arrendamento Rural (LAR).
Com efeito, o direito do senhorio evitar a renovação do contrato de arrendamento rural, para o termo do respectivo prazo, é exercido, mediante denúncia, comunicada ao arrendatário, com a antecedência e segundo a forma previstas na lei.
Tendo os autores cumprido este pressuposto, que constitui uma excepção dilatória atípica, a respectiva notificação extrajudicial tem o valor de interpelação atempada, mas não garante, automaticamente, a desocupação do prédio, que sempre fica na dependência da vontade do arrendatário.
E, não tendo havido oposição tempestiva do arrendatário, a denúncia do contrato pelo senhorio constitui um negócio jurídico unilateral receptício, que se tornou eficaz quando a interpelação extrajudicial chegou ao conhecimento dos réus, nos termos do disposto pelo artigo 224º, nº 1, do CC, operando a extinção do contrato, sem possibilidade da sua renovação2.
Assim sendo, a denúncia extrajudicial accionada pelo senhorio, sem oposição do arrendatário, tornou-se operante e, consequentemente, determina a extinção do contrato de arrendamento rural, sem necessidade de qualquer intervenção do Tribunal, face à inexistência, entretanto, de qualquer litígio entre as partes.
Mas, não tendo os réus restituído o prédio aos autores, como lhes competia, estes tiveram de lançar mão da presente acção declarativa de condenação, destinada a obter sentença que constitua titulo executivo bastante para viabilizar a sua entrega judicial, em eventual execução para entrega de coisa certa, nos termos do estipulado pelos artigos 46º, nº 1, a) e 928º e seguintes, do CPC.
Uma vez transitada a sentença que condena os réus a reconhecer aos autores o direito de propriedade sobre o aludido prédio rústico, e que condena os réus a restituir aqueles o dito prédio, entregando-o, livre e devoluto, a mesma torna-se, imediatamente, exequível, com base no disposto pelos artigos 46º, nº 1, a), 47º, nº 1 e 677º, todos do CPC3.
Nesta situação, que o legislador não previu, expressamente, o senhorio deve socorrer-se da presente acção declarativa, a que se reporta o artigo 35º, nº 2, da LAR, que é ainda o meio processual próprio para obter uma sentença favorável que constitua título executivo bastante para a entrega coerciva do prédio aos autores se, entretanto, os réus não rectificarem a sua conduta, entregando-o aqueles, livre e devoluto, independentemente de uma nova demanda.
Porém, não constituindo a interpelação extrajudicial qualquer espécie de título executivo, mas devendo o contrato de arrendamento rural considerar-se extinto, face à inexistência de oposição à denúncia, por parte dos réus, a que alude o artigo 19º, nº 2, da LAR, havendo reconhecimento, por estes, do direito de propriedade dos autores, a restituição do prédio só pode ser recusada, nos casos previstos na lei, nos termos do disposto pelo artigo 1311º, nº 2, do CC, entre os quais se conta a existência do arrendamento, invocado pelos réus, mas que, entretanto, cessou, por denúncia, cuja apreciação não carece, por isso, de ser reservada para a acção de despejo4.
IV
DO PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO
Defendem, finalmente, os réus que não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização aos autores, por sempre terem pago a renda, no tempo, à pessoa do senhorio e, no lugar próprio.
Efectivamente, não tendo os réus provado a titularidade do direito de crédito que invocaram, como causa legítima da recusa da restituição do prédio, considerando que, devido à ocupação abusiva do locado que, continuadamente, vêm exercendo, recusando-se a restituí-lo aos autores, estes têm sofrido danos não patrimoniais, ao nível da instabilidade, emocional e psicológica, cuja gravidade justifica a tutela do direito, nos termos do estipulado pelo artigo 496º, nº 1, do CC, é razoável, consequentemente, arbitrar-lhes, a esse título, como resulta da sentença recorrida, a quantia de 200,00 € (duzentos euros).
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações dos réus.
*
CONCLUSÕES:
I - A denúncia do contrato de arrendamento rural efectuada pelo senhorio, indisponibilizando-se o inquilino, em absoluto, a entregar o locado, depois de se haver recusado a celebrar um contrato de comodato, em relação ao mesmo prédio, mantendo-se na sua posse, durante cerca de três anos, após o momento em que aquela denúncia deveria ter produzido todos os efeitos que lhe são próprios, não determina a renovação do arrendamento, mesmo quando o locatário toma a iniciativa unilateral de efectuar depósitos, na CGD, em nome do senhorio.
II – A extinção do arrendamento, em consequência da denúncia contratual, importa, para que se verifique a respectiva renovação, a exigência da falta de oposição do locador, com base na presunção de que as partes acordaram, tacitamente, na renovação.
III – A denúncia extrajudicial accionada pelo senhorio, sem oposição do arrendatário, torna-se operante e, consequentemente, determina a extinção do contrato de arrendamento rural, sem necessidade de qualquer intervenção do Tribunal, face à inexistência, entretanto, de qualquer litígio entre as partes.
IV – Não tendo os réus restituído o prédio aos autores, estes devem lançar mão da acção declarativa de condenação, como meio processual próprio para obter uma sentença favorável que constitua título executivo bastante para a entrega coerciva do prédio.
V - Devendo o contrato de arrendamento rural considerar-se extinto, face à inexistência de oposição à denúncia, por parte do locatário, não importa apreciar a sua cessação, em acção de despejo, e, havendo reconhecimento do direito de propriedade do senhorio, sem que o inquilino prove a titularidade do direito de crédito que invocou, como causa legítima da recusa da restituição do prédio, há que o condenar na sua restituição ao senhorio.
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DECISÃO:
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida.
*
Custas, a cargo dos réus-apelantes.