1. Para que possa funcionar a presunção de culpa estabelecida no art. 493º nº 1 do CC, antes de mais é necessária a prova da base da presunção, prova que incumbe ao impetrante da indemnização.
2. A base da presunção engloba factos pelos quais se há-de demonstrar que:
a) O alegado responsável tem em seu poder determinada coisa;
b) O alegado responsável tem o dever de vigiar essa coisa;
c) Essa coisa causou danos ao impetrante da indemnização.
3. Provado que os javalis entraram para a faixa de rodagem da AE, neles embatendo o veículo do lesado autor, mas tendo este alegado e não provado que essa entrada ocorreu depois de terem passado sobre a vedação de protecção, sem alegação e prova de que a vedação lhe tenha causado danos, falta a prova da base daquela presunção e o art. 493º nº 1 do CC não é aplicável.
4. Na falta de prova da culpa da concessionária como lesante, o art. 483º nº 1 do CC não é aplicável.
Autor: B... ;
Ré primitiva: A.... –
Interveniente principal passiva: Companhia de Seguros C....
O A. intentou a presente acção sumária, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 7 395, 38, acrescida de juros de mora à taxa legal contados após a citação.
Para tanto, alegou, em síntese:
O A. tripulava o então seu veículo 27-95-LT no dia 26 de Outubro de 1999, pelas 7 horas no IP 2 quando imprevisivelmente se lhe depararam cinco javalis na faixa de rodagem, os quais embateram no veículo.
A entrada dos javalis para a faixa de rodagem ocorreu depois de terem passado sobre a vedação de protecção existente ao longo do IP2, junto a uma valeta cimentada em forma de V que serve a E.N. 18, e sem a deficiente vedação tal entrada não seria possível.
À R. incumbia vigiar e zelar pela conservação e segurança da rodovia, enquanto concessionária, tendo-os omitido, assim colocando em perigo a segurança rodoviária.
Em consequência, o 27-95-LT sofreu avultados danos, tendo o custo da respectiva reparação ascendido a € 5 795, 38.
Acresce que o A. não pode utilizar o veículo durante o tempo da respectiva imobilização (8 dias), o que se traduziu numa perda diária de ganhos de €200, 00.
A R. contestou, invocando a prescrição e impugnando, aduzindo, em suma, que a vedação estava em bom estado, em conformidade com as normas regulamentares, e a ré efectuava inspecções regulares à vedação. E deduziu a referida intervenção, mais tarde admitida.
A seguradora da ré primitiva também contestou, invocando, além da prescrição:
- a exclusão de determinados danos do âmbito do seguro (v.g. resultantes de lucros cessantes e de paralisações);
- a franquia (a cargo da segurada) de 10% do valor do sinistro com o mínimo de PTE 500 000 por lesado quanto a danos indirectos e de PTE 500 000 por lesado quanto a danos materiais, conforme ponto 10 das condições particulares da apólice a fl. 102).
No saneador de fls. 128 ss, foi julgada improcedente a excepção de prescrição com referência ao art. 498º nº 1 do CC, foi redigido um facto assente e foi elaborada a base instrutória com 21 quesitos. Veio a ser aditado o quesito 8º-A.
A Ré primitiva reclamou por deficiência da dita base, para serem aditados os factos dos art. 8, 18, 19, 24, 26 e 31 da contestação, mas tal foi indeferido (vd. fls. 230 e 232).
Realizou-se a audiência de julgamento que culminou nas respostas dadas a fls. 245.
A sentença de fls. 253 julgou a acção inteiramente improcedente, em suma porque, embora se verifique a presunção legal de culpa da ré A.... nos termos do art. 493º nº 1 do CC, não se haviam contudo provado os danos invocados.
Da decisão de improcedência recorreu o A., concluindo a sua alegação no sentido de que se deviam alterar as respostas negativas aos quesitos 9º a 16º para provado (respeitantes aos danos e incluindo por lapso o 15º que fora provado), para que consequentemente se proferisse decisão favorável ao A.
Na sua contra-alegação a fls. 355 (= fls. 368), a ré A...., concluindo, suscitou as seguintes questões:
1ª) No caso de terem solução positiva as questões suscitadas pelo recorrente, pretende a alteração da resposta dada ao quesito 8º-A de provado para não provado, face aos depoimentos de D... , Engº E... e F... , que identifica;
2ª) O art. 493º nº 1 do CC é inaplicável ao caso;
3ª) Na hipótese de se entender aplicável tal preceito, deve dar-se oportunidade à ré para provar que a vedação estava em bom estado de conservação, aditando-se à dita base os factos dos art. 8, 18, 19, 24, 26 e 31 da contestação, conforme já reclamara mas que foi indeferido (vd. fls. 230 e 232);
4ª) A sentença violou o caso julgado e é nula conforme art. 668º nº1 al. d) do CPC, porquanto a sentença refere «Nesta senda, competia à ré demonstrar que os animais teriam entrado na IP2, existisse ou não a referida valeta, houvesse ou não qualquer falha de segurança», mas a fl. 232 o tribunal decidira que «Assim, é sobre o A. que recai o ónus de provar que tal vedação se encontra deficiente».
A ré seguradora contra-alegou, defendendo que o recurso deve improceder.
Foi nesta Relação proferido um 1º acórdão, a fls. 411, que, em suma:
- Considerou que a única questão a decidir respeitava a decisão impugnada pelo A. quanto à matéria de facto;
- Alterou as respostas aos quesitos 9 a 14 e 16 de não provado para provado, pelos fundamentos que apontou;
- Concluiu que, apurada a existência dos danos e decidida já a responsabilidade da ré A...., apenas há que condenar a ré seguradora, em € 7395,38 mais os juros à taxa legal desde a citação, como condenou, assim revogando a decisão recorrida.
Deste acórdão reclamou a ré A.... por nulidade de omissão de pronúncia, dado nele se não havia conhecido das questões que a mesma suscitara na contra-alegação, como se devia ter conhecido face ao disposto no art. 684º-A do CPC (vd. fls. 437).
Não houve resposta e foi nesta Relação proferido um 2º acórdão, a fls. 445, que, anulando o anterior:
- Conheceu da colocada questão de facto do quesito 8º-A, e ainda decidiu oficiosamente alterar o facto E), proveniente da resposta dada aos quesitos 7º e 8º (resposta que na 1ª instância fora «Provado apenas que, no local, junto à vedação de protecção existente ao longo da IP2, existe uma valeta cimentada em forma de «V», que serve a E.N.18») para a seguinte: «E) A entrada dos javalis para a faixa de rodagem ocorreu depois dos mesmos terem passado a vedação de protecção existente ao longo da IP2 junto a uma valeta cimentada em forma de «V» que serve a E.N.18», para evitar contradições (cf. fl. 462 desde ponto 9.4.2. até fl. 464);
- Considerou que, «com a alteração da matéria de facto, perde interesse a análise da questão» da inaplicabilidade do art. 493º nº 1 do CC, por se verificarem todos os pressupostos da responsabilidade face ao disposto no art. 483º nº 1 do CC, assim:
a) «Por parte da ré houve uma omissão – a falta de tapagem do espaço formado pelo V da valeta e das condições de eficácia da rede na zona junto ao V. De tal omissão resultou a entrada de javalis (...) donde resultou a violação de direitos patrimoniais do autor (...)»;
b) «E, sendo a ré imputável, a omissão é-lhe censurável porque podia e devia ter colmatado a falta»;
c) «Houve a produção de danos (...)»;
d) «E há uma relação de causalidade necessária entre a omissão e os danos (...). A causalidade é indirecta» (vd. fl. 464 ponto 9.5 até fl. 466);
- Considerou que a alteração fáctica e a responsabilidade extra-contratual da recorrida «prejudicam a 3ª pretensão da recorrida», a inclusão dos factos dos ditos artigos da contestação na base instrutória (vd. fl. 466 ponto 9.6);
- Considerou não se verificar o invocado caso julgado, pois que não se tratava de «decisão que se destinasse a decidir directamente a questão» e era modificável, e porque «além do espaço da valeta não vedado pela rede, esta se encontrava levantada», sendo que, «de qualquer maneira, face à nova situação, a questão está ultrapassada» (vd. fl. 467);
- Concluiu pela revogação da sentença, condenando a ré seguradora, nos mesmos termos do anterior acórdão anulado.
Deste acórdão reclamam ambas as rés:
A ré A.... reclama por nulidade, por um lado porque à Relação estava vedado alterar a resposta aos quesitos 7 e 8 (facto sob E)) cuja decisão da 1ª instância ninguém impugnou, tendo a Relação violado o caso julgado na medida do não provado pela 1ª instância; por outro lado porque a Relação omitiu pronunciar-se sobre a questão da inaplicabilidade do art. 493º nº 1 do CC, que fora por si suscitada conforme art. 684º-A do CPC.
A ré seguradora reclama também por nulidade, porquanto, perante o provado contrato de seguro, do âmbito deste estavam excluídos os danos resultantes de lucros cessantes, paralisação e perdas indirectas de qualquer natureza, e haveria que descontar da condenação o valor da franquia. Logo, só poderia ser condenada no valor do conserto e descontando a franquia, como defendera na contestação.
Não houve qualquer resposta do A.
Entretanto, correram novos vistos, dado que o primitivo relator e o 2º adjunto cessaram definitivamente funções judiciais.
Questões a resolver:
- Do recurso (do A):
1ª) Se a decisão de facto quanto aos quesitos 9 a 14 e 16 deve ser alterada de não provado para provado;
- Da contra-alegação da 1ª ré, para a hipótese de solução positiva da 1ª questão:
2ª) Se a decisão de facto quanto ao quesito 8º-A deve ser alterada para não provado;
3ª) Se o art. 493º nº 1 do CC é inaplicável ao caso;
4ª) Se, na hipótese de solução negativa da 3ª questão, se deve ordenar a ampliação da base instrutória aos factos dos art. 8, 18, 19, 24, 26 e 31 da contestação, conforme já reclamara mas que foi indeferido;
5ª) Se a sentença violou o caso julgado e é nula conforme art. 668º nº1 al. d) do CPC, porquanto a sentença refere «Nesta senda, competia à ré demonstrar que os animais teriam entrado na IP2, existisse ou não a referida valeta, houvesse ou não qualquer falha de segurança», mas a fl. 232 o tribunal decidira que «Assim, é sobre o A. que recai o ónus de provar que tal vedação se encontra deficiente».
- No caso de a acção dever proceder:
6ª) Se a ré seguradora só poderá ser condenada no valor do conserto e descontando a franquia, como defendera na contestação.
Enunciadas as questões, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentos:
De facto:
A 1ª instância julgara provados os seguintes factos, a que se acrescenta a sua proveniência da base instrutória e em A) a cláusula da franquia como consta do doc. de fl. 102 não impugnado:
A) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 87/40067, em vigor a 26 de Outubro de 1999, a R. transferiu para a interveniente, então denominada «Companhia de Seguros C....», a responsabilidade civil pelo pagamento de indemnizações devidas a terceiros, pelas quais fosse responsável, na qualidade de concessionária e no exercício das actividades expressamente referidas nas Condições Especiais e Particulares, bem como o ressarcimento dos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, directa e exclusivamente decorrentes de lesões, corporais e/ou materiais, causadas a terceiros, com exclusão, além do mais, dos danos resultantes de lucros cessantes, paralisações e perdas indirectas de qualquer natureza, tendo ainda sido clausulada a franquia de 10% do valor do sinistro com o mínimo de PTE 500 000 por lesado quanto a danos indirectos e de PTE 500 000 por lesado quanto a danos materiais conforme ponto 10 das condições particulares da apólice;
B) No dia 26 de Outubro de 1999, cerca das 7 horas, quando já estava a clarear, ao Km. 85, 3, da IP2, área da comarca do Fundão, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o tractor pesado de mercadorias, com a matrícula 27-95-LT, conduzido pelo A., a quem pertencia (resp. aos quesitos 1º e 2º);
C) O A. conduzia o LT pela sua mão de trânsito a uma velocidade de aproximadamente 60 Kms./h., no sentido Castelo Branco/Soalheira, encontrando-se o piso seco e estando a clarear (resp. aos quesitos 3º e 4º) ;
D) A dada altura, ocorreu um embate entre o LT e cinco javalis, que surgiram na faixa de rodagem em que o mesmo circulava, e em consequência do embate os ditos animais morreram (resp. aos quesitos 5º e 6º);
E) No local e junto à vedação de protecção existente ao longo da IP2, existe uma valeta cimentada em forma de «V» que serve a E.N.18 (resp. aos quesitos 7º e 8º);
F) Na mencionada ocasião, na referida valeta, encontravam-se pêlos e cerdas de javali, bem como rastos das suas patas (resp. ao quesito 8º-A);
G) O A. utiliza o seu veículo para fazer transporte de coisas, em regime de aluguer, com carácter regular e permanente, fazendo disso a sua profissão (resp. ao quesito 15º);
H) No local do acidente, não existia nenhum sinal de perigo e a R. não accionou qualquer outro meio sinalético de advertência de perigo (resp. ao quesito 17º);
I) O Km. 85,300 encontra-se aproximadamente a 2,3 e 2,5 quilómetros de dois nós de acesso à auto-estrada: «nó da Lardosa» a sul, e «nó da Soalheira», a norte, respectivamente (resp. ao quesito 18º);
J) Com excepção das áreas de acesso automóvel, a auto-estrada concessionada à R. está vedada em toda a sua extensão por uma rede metálica e uma fiada de arame farpado, fixada em postes de madeira (resp. ao quesito 19º);
L) A R. procede a regulares inspecções dessa vedação, que tem mais de um metro de altura em toda a sua extensão (resp. aos quesitos 20 e 21).
Sobre a impugnação da decisão de facto:
1ª) questão: Quesitos relativos aos danos (9 a 14 e 16):
Afigura-se-nos que o A. tem razão, devendo os quesitos indicados, além do 15 já provado, julgar-se provados. Assim deve ser com base nos depoimentos das testemunhas João Luís (que confirmou os danos alegados, merecendo credibilidade face à razão de ciência invocada), D.... (agente da BT que viu a danificação do veículo no local, considerando-a avultada), João Caneira (que depôs sobre os dias gastos para o conserto), Edmundo (empresário de transportes que confirmou os valores do 16º como estipulados pela ANTRAM), as fotografias e orçamento juntos. Estranho seria—e isto é uma chamada de atenção para a 1ª instância—que de um embate em 5 javalis que ficaram mortos não tivessem resultado danos... quando a experiência da vida nos ensina que mesmo um pequeno cão embatendo de frente num veículo em boa velocidade causa em princípio danos apreciáveis.
2ª) questão: Quesito 8º-A:
Não se encontram razões para alterar a resposta de provado, pois que as testemunhas D.... e G... viram os pêlos ou cerdas dos javalis na vedação e não há motivo para afastar a sua credibilidade. Apenas não se sabe se tal é sinal de os javalis terem entrado pela vedação ou terem tentado sair por ali apesar dela (pois a cerca de 2 ou 3 kms. há nós de acesso sem vedação).
Posto isto, e em conclusão, além dos enumerados factos provados, há que aditar-se como tais os dos quesitos 9 a 14 e 16 (fls. 136 e 137), relativos aosdanos sofridos, os quais se dão aqui por reproduzidos.
De direito:
Questão: Sobre a (in)aplicabilidade do art. 493º nº 1 do CC:
A sentença considerou aplicável esse normativo, enquanto a A.... entende-o não aplicável.
Preceitua artigo 493º, n.º 1, do Código Civil que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (...) responde pelos danos (...) que a coisa (...) causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Nos termos da Base XXV nº 2 do D.L n.º 335-A/99, de 20.08 (diploma que aprovou as bases da concessão à R.), “a concessionária responderá perante o concedente e perante terceiros, nos termos da lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na concepção, no projecto, na execução das obras ou duplicação e na conservação das auto-estradas (...)”.
Prescreve a Base XLIII nº 1 do D.L. n.º 335-A/99, de 20.08, que “a Concessionária deverá manter as Auto-Estradas em (...) perfeitas condições de utilização, realizando todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam”.
A sentença, depois de mencionar aqueles preceitos, considerou a este respeito:
«Conclui-se, então, estar cometida à concessionária da auto-estrada – no caso, a R. - o dever de vigilância da coisa imóvel que é a auto-estrada no seu todo, considerando não só as faixas de rodagem, como as bermas, raids de protecção e toda a zona envolvente criada para a segurança da própria via e dos seus utentes, como sejam as vedações e outros equipamentos.
«Por isso, sempre que ocorra um acidente originado por uma falha nas condições de segurança específicas da auto-estrada, a concessionária encarregada da vigilância dessas condições e da sua permanente eficácia, responde pelos danos que estejam numa relação de causa-efeito com essa falha de segurança, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
«Ora, se as bases da concessão impõem a vedação em toda a extensão é porque se pretende evitar a entrada de animais. Logo, a simples presença de um animal na auto-estrada é uma anomalia que faz presumir a culpa do encarregado da vigilância da coisa”, o que configura, uma “presunção da prática de um facto ilícito”.
«(...) Nesta senda, competia à R. demonstrar que os animais teriam entrado na IP2, existisse ou não a referida valeta, houvesse ou não qualquer b falha de segurança.
«Competia à ré, em suma, a prova histórica do acontecimento e com ela a conclusão de que não tinha havido falha no dever de vigilância, afastando a culpa inerente à presunção legal».
Permitimo-nos discordar.
Pelas referidas Bases se vê que a 1ª ré, detentora da auto-estrada, tem o dever legal de conceber, projectar e executar as obras ou duplicação e a conservação da auto-estrada sem deficiências ou omissões, realizando todos os trabalhos necessários para que a auto-estrada satisfaça o fim a que se destina. E a auto-estrada abrange, além das faixas de rodagem e do mais que aqui não importa referir, as vedações.
Se, por exemplo, da má construção ou conservação ou manutenção da vedação, imputáveis à concessionária, resultarem danos para o utente da auto-estrada, presumir-se-á a culpa da concessionária nos termos do artigo 493º, n.º 1, do Código Civil e só não responderá pelos danos se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Mas, para que possa funcionar a presunção de culpa (dispensando o A. de provar a culpa), antes de mais é necessária a prova da base da presunção. A base da presunção engloba factos pelos quais se há-de demonstrar que:
a) O alegado responsável tem em seu poder determinada coisa;
b) O alegado responsável tem o dever de vigiar essa coisa;
c) Essa coisa causou danos ao impetrante da indemnização.
E a prova da base da presunção incumbe a quem faz valer o direito de indemnização, o A., porque se trata de facto constitutivo do seu direito (art. 342º nº 1 do CC).
Ora, o A. não provou a base da presunção, no que respeita à causação dos danos pela “coisa”, no caso, pela vedação, parte componente da auto-estrada.
Não foi a auto-estrada (ou a vedação) que causou os danos. Não se provou qualquer deficiência na vedação. E não é de admirar que não se tenha provado, pois que o A. não alegou qualquer deficiência concreta na vedação, antes alegou que a entrada dos javalis para a faixa de rodagem ocorreu depois de terem passado sobre a vedação de protecção existente ao longo do IP2, junto a uma valeta cimentada em forma de V que serve a E.N. 18 ( 2 ).
O que causou os danos não foi, ainda que indirectamente ( 3 ), alguma deficiência na vedação (facto não alegado e não provado), foram sim tão só os cinco javalis, que embateram no veículo que o utente do IP tripulava.
Todavia, não consta que a A.... seja detentora dos javalis e tenha o dever de os vigiar.
Consequentemente, o art. 493º nº 1 do CC não é aplicável ao caso (4 ).
Todavia, jus novit curia (art. 664º do CPC).
Sucede que o art. 483º nº 1 do CC, preceito geral da responsabilidade civil extracontratual, também não cobra aplicação no caso, dado que, incumbindo nesta sede ao A. provar a culpa da 1ª ré como lesante, os factos provados não permitem concluir pela culpa da concessionária na eclosão do evento danoso, a entrada dos javalis na faixa de rodagem.
O caso é semelhante à hipótese de o A. circular em estrada nacional e ter acidente provocado por javalis que na estrada se atravessassem à frente do veículo. De nada serviria o A. pedir indemnização ao Estado. É risco que deve ser assumido por quem circula na estrada. Quando muito poderia pensar-se na responsabilização de quem tenha introduzido tais animais selvagens no território nacional.
O conhecimento da questão 4ª, subsidiária, está prejudicado, em virtude da solução acima exposta.
Questão da violação do caso julgado:
O que ocorreu foi que o tribunal indeferira a reclamação contra a base instrutória por considerar que ao A. competia a prova da culpa, enquanto na sentença o tribunal considerou haver presunção legal de culpa e decidiu não com base nesta mas sim com base na inexistência de prova dos danos. Trata-se de decisões diferentes com fundamentos diferentes, pelo que o vício não pode ser o de ofensa de caso julgado positivo.
Relativamente à questão 6ª, caso a acção procedesse, haveria de atender-se à defesa da seguradora e conhecer-se da questão. Nessa hipótese, apenas se deveriam atender os custos do conserto do veículo e descontar-se a franquia, por cujo valor desta responderia a segurada. Porém, porque não cobra aplicação no caso o art. 493º nº 1 ou o art. 483º do CC e a acção deve improceder, o conhecimento da questão 6ª fica prejudicado.
Consequentemente e em resumo, a decisão da 1ª instância deve ser confirmada embora por diferente fundamento. A improcedência da acção não ocorre por falta de prova dos danos, mas sim por não estar apurada a responsabilidade da concessionária pelos danos sofridos pelo A.
III- Decisão:
Pelo exposto, e anulado o anterior acórdão, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão impugnada, embora por diferente fundamento.
Custas do recurso pelo A. apelante.
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(1) Da 1ª instância vinha provado sob E): No local e junto à vedação de protecção existente ao longo da IP2, existe uma valeta cimentada em forma de «V» que serve a E.N.18. O acórdão alterou para: A entrada dos javalis para a faixa de rodagem ocorreu depois dos mesmos terem passado a vedação de protecção existente ao longo da IP2, existe uma valeta cimentada em forma de «V» que serve a E.N.18.
(2) Note-se que qualquer deficiência concreta na vedação, porque facto essencial (e não apenas instrumental) para a procedência da acção, só poderia ser considerada na decisão, preenchidas as 3 condições do art. 264º nº 3 do CPC: resultar de alegação oportuna; resultar da instrução e discussão; audição das partes conforme ali disposto. Falta desde logo a 1ª condição.
(3) E a causalidade por deficiência na vedação só poderia ser indirecta: a deficiência permitia a entrada dos animais e estes embatiam no veículo.
(4)No sentido aproximado do que se deixa expresso, pela aplicação do preceito só no caso de defeito de construção, de conservação ou manutenção, vd. AC. RC. no pº 3290/05, RL de 9-6-2005 e RP de 14-2-2002 na net. Ainda no sentido do texto há forte corrente jurisprudencial do STJ, que por brevidade não se cita. Vd. ainda MENEZES CORDEIRO, in Igualdade Rodoviária..., 2004, p. 48