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AVERIGUAÇÃO OFICIOSA DE PATERNIDADE
EXAME SANGUÍNEO
COMPARÊNCIA SOB CUSTÓDIA
Sumário
1. Se o indigitado progenitor - no processo de averiguação oficiosa de paternidade - foi devidamente notificado para comparecer, a fim de ser realizado o exame hematológico, e não compareceu, nem justificou a sua não comparência, deverá ficar incurso na sanção prevista no artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 2. Não é legítimo que se ordene a emissão de mandados de condução sob custódia, a fim de que o indigitado progenitor compareça, no Instituto de Medicina Legal, com vista à realização de exame hematológico.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Nos autos de averiguação oficiosa de paternidade, Proc. 1543/05.5 TBFIG, do 1.º Juízo da Comarca da Figueira da Foz, que correm termos para a averiguação oficiosa da menor A.., o Ministério Público solicitou ao Instituto de Medicina Legal que providenciasse pela marcação de exame hematológico a realizar na pessoa da menor, de sua mãe, B.., e do pretenso pai, C..
O pretenso pai faltou ao exame agendado.
A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu que o pretenso pai fosse condenado em multa e, bem assim, que fosse ordenada a sua comparência, sob custódia, no Instituto de Medicina Legal.
Por decisão proferida em 31 de Outubro de 2006, foi indeferida a douta promoção do Ministério Público.
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Dessa decisão foi interposto recurso.
Foi proferido o despacho judicial a admitir o recurso como recurso de agravo, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
E foi determinado, por esse mesmo despacho, que se notificasse o pretenso progenitor de que, em sede de recurso, é obrigatória a intervenção de Mandatário, pelo que, caso pretendesse apresentar alegações, deveria constituir previamente Mandatário (art. 32.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
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A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou doutas alegações e nelas formulou as seguintes Conclusões:
1- O processo de averiguação oficiosa de paternidade é de jurisdição voluntária – cfr. al. j) do artigo 146.º e artigos 150.º e 202.º da Organização Tutelar de Menores.
2- Nestes processos desenvolve-se toda uma actividade de averiguação de factos tendentes à recolha de provas capazes de constituírem fundamento ao pedido de declaração de paternidade em acção própria.
3- Sendo um processo de jurisdição voluntária, o tribunal pode, como estipula o n.º 2 do artigo 1409.º do Código de Processo Civil, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.
4- O disposto no artigo 519.º do Código de Processo Civil é aplicável nos processos de averiguação oficiosa de paternidade, ex vi do artigo 161.º da O.T.M. e artigo 463.º do Código de Processo Civil.
5- O dever de colaboração cessa apenas perante as circunstâncias enumeradas no n.º 3 do artigo 519.º do Código de Processo Civil, ou seja, violação da integridade física ou moral das pessoas; se implicar intromissão da vida privada ou familiar, domicílio, correspondência ou telecomunicações e violação do sigilo profissional ou de funcionário público.
6- Contudo, o direito do pretenso pai à sua integridade física, (estando em causa a imposição de se sujeitar a exame hematológico) – artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa – não é superior ao direito do menor à sua identidade pessoal – artigo 26.º, n.º 1, do Diploma Fundamental.
7- No actual estado de evolução da medicina, os exames hematológicos constituem um elemento essencial na determinação da paternidade.
8- Pelo que a inviabilização da prova directa da procriação biológica frustrará um meio de prova de especial relevância na medida em que tal meio de prova se apresenta, só por si, apto a assegurar o êxito ou inêxito da acção.
9- Se o indigitado pai não compareceu para realização dos exames hematológicos, apesar de ter expressado, em momento anterior, vontade de se submeter à realização dos mesmos, é admissível compeli-lo a comparecer, sob custódia, no IML a fim de aí ser submetido a exame de sangue, devendo ainda ser condenado em multa processual.
10- O despacho de Mmo. Juiz ao indeferir a promoção do Ministério Público no sentido de condenar o indigitado pai em multa processual e ordenar a emissão de mandados de detenção sob custódia a fim de garantir a sua presença no IML, violou os artigos 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 1864.º e 1865.º, n.º 4, do Código Civil, 519.º, do Código de Processo Civil, e 202.º, da OTM.
11- Nesta conformidade, concedendo-se provimento ao recurso ora interposto pelo Ministério Público e decidindo-se pela revogação do douto despacho impugnado nos termos antes expostos, o qual deverá ser substituído por outro no qual se condene o pai da menor em multa processual e se ordene a emissão de mandados de detenção contra o mesmo a fim de o fazer comparecer no IML em nova data a designar para a colheita de vestígios hematológicos, Vªs Exªs farão, como sempre, inteira Justiça.
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Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O Ex.mo Juiz proferiu despacho em que manteve a decisão em recurso e ordenou a remessa dos autos a este Tribunal da Relação.
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Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumpre-nos decidir.
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Analisando os autos, e considerando os elementos de prova documental que deles constam, devem atender-se aos seguintes elementos com relevância para a decisão sobre o objecto do recurso.
A)
Na Conservatória do Registo Civil de Figueira da Foz encontra-se lavrado o assento de nascimento n.º 219, respeitante à menor A.., nascida em 26 de Abril de 2005, natural da freguesia de São Julião da Figueira da Foz, concelho de Figueira da Foz, estando registada como filha de B...
B)
Em declarações prestadas em 3 de Novembro de 2005, nos Serviços do Ministério Público de Vila Real de Santo António, B.. indicou, como sendo pai de sua filha, António Manuel Gomes Fernandes, residente na Figueira da Foz, em virtude de ter namorado com o mesmo durante seis meses, período esse em que viveu com o mesmo numa casa deste situada numa rua ao lado da casa de sua mãe, que se situa na Rua da Fé, n.º 62 – 1º esqº na Figueira da Foz.
C)
Em declarações prestadas em 5 de Junho de 2006, nos Serviços do Ministério Público de Figueira da Foz, António Manuel Gomes Fernandes disse, em síntese, que viveu maritalmente com a B.. por um período que não pode precisar, mas que terá sido durante o ano de 2004.
Depois disso a Ana Isabel saiu de sua casa, em data que já não pode precisar, mas que terá sido em finais do Verão de 2004.
Cerca de 3 meses depois de ter saído de casa, a Ana Isabel disse-lhe que estava grávida de três meses.
Que não tem a certeza de ser pai da menor, pelo que pretende fazer exames hematológicos.
D)
O Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação de Coimbra, designou o dia 11 de Setembro de 2006, pelas 9.30 horas, para a realização do exame.
E)
No entanto, por ofício de 11 de Setembro de 2006, o mesmo Instituto informou que a menor A.., a sua mãe e o pretenso pai faltaram ao exame marcado.
F)
A Ex.ma Magistrada do Ministério Público na Comarca da Figueira da Foz, por despacho datado de 20 de Outubro de 2006, determinou a notificação da data de realização de novo exame, promoveu, uma vez que o pretenso pai da menor, devida e regularmente notificado, faltou ao exame, a remessa dos autos ao 1º Juízo para a sua condenação em multa e a emissão de mandados de condução sob custódia pelo tempo indispensável à realização da diligência marcada (cfr. artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e no que concerne à menor Leonor Isabel e à sua mãe e, atenta a justificação por esta apresentada, considerou justificada a sua falta.
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Invocou o Meritíssimo Juiz, no douto despacho recorrido, que “o processo de averiguação oficiosa da paternidade constitui um procedimento preliminar destinado, tão-só, a aferir da viabilidade de instauração de uma futura acção de investigação da paternidade (…), dirigindo-se à recolha de elementos para uma eventual acção de investigação”.
“Por outro lado, a instrução reveste-se de natureza secreta e deve ser conduzida por forma a evitar ofensa ao pudor ou à dignidade das pessoas (art. 1812.º, do Código Civil).
Nessa medida, entendeu que, no que respeita à averiguação oficiosa, não é legítima a ordem no sentido da comparência sob custódia de molde a possibilitar a realização de exames de sangue.
A corroborar essa opinião, apoiou-se no entendimento de Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito de Família, volume II, Direito da Filiação, tomo I, Estabelecimento da Filiação, Adopção, págs. 196 e 197, que considera que “a lei determina ainda que a condução da instrução respeite a dignidade e o pudor das pessoas. Este regime parece garantir aos intervenientes uma protecção maior do que a que é conferida pela regra geral do art. 519º do Código de Processo Civil. Na verdade, este regime geral – que se pretende aplicar quando já está em curso uma acção judicial – permite a recusa de colaboração quando estiver em causa a integridade física ou moral das pessoas, ou a reserva da vida privada ou familiar; de um modo diferente, no âmbito da fase “administrativa” da averiguação oficiosa, qualquer interveniente parece estar autorizado a não cooperar se a instrução for conduzida de modo a ofender a sua dignidade ou, simplesmente, o seu pudor”.
Considerou ainda o Ex.mo Juiz que, no decurso da averiguação oficiosa, atenta a sua natureza secreta, não há lugar à intervenção de mandatários judiciais, salvo na fase de recurso (n.º 2 do art. 203º da Organização Tutelar de Menores). “Por isso mesmo se nos afigura haver lugar a uma maior protecção dos intervenientes, não sendo, assim, admissível, nesta sede, a aplicação de uma medida tão drástica quanto é a privação da liberdade, a qual não pode, ademais, ser sujeita ao escrutínio do contraditório”.
Em síntese, pelas razões expostas, considerou dever indeferir a douta promoção do Ministério Público.
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O desenvolvimento científico no campo da investigação biológica da filiação permite considerar que são de grande utilidade os exames hematológicos, como é do conhecimento geral e se evidencia na Nota Informativa emanada do Instituto de Antropologia «Dr. Mendes Correia», da Faculdade de Ciências do Porto, publicada no Bol. Min. da Justiça, n.º 333, págs. 5 e seguintes.
Nesse Nota afirmou-se que “Esse avanço científico, por conjugação do estudo de um conjunto considerável de características genéticas, principalmente de ordem serológica e electroforética, permite, todavia, uma elevada esperança de exclusão a priori, superior a 90%, de um falso progenitor e, no caso de a exclusão não ter sido demonstrada, a localização do progenitor pesquisado dentro de um grupo representado, percentualmente, na população, por um baixo número dígito” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 333, pág. 11).
Em reconhecimento dessa utilidade, preceitua o artigo 1801.º, do Código Civil, que “Nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados”.
No mesmo sentido se diz no artigo 5.º, da Convenção Europeia sobre o Estatuto Jurídico das Crianças Nascidas fora do Casamento, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 34/82, de 15 de Março, que nas acções relativas à filiação paterna devem ser admitidas as provas científicas susceptíveis de estabelecer ou afastar a paternidade.
E na Convenção sobre os Direitos das Crianças, feita em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, (D.R. n.º 211, suplemento I Série, de 12/9/1990), diz-se no seu artigo 7.º:
“1 – A criança é registada imediatamente após o nascimento e tem desde o nascimento o direito a um nome, o direito a adquirir uma nacionalidade e, sempre que possível, o direito de conhecer os seus pais e de ser educada por eles.
2 – Os Estados Partes garantem a realização destes direitos de harmonia com a legislação nacional e as obrigações decorrentes dos instrumentos jurídicos internacionais relevantes neste domínio, nomeadamente nos casos em que, de outro modo, a criança ficasse apátrida”.
É, pois, de considerar como de grande utilidade o valor probatório dos exames de sangue, porquanto permitem excluir certa paternidade ou afirmá-la com um grau de probabilidade muito elevado.
Por outro lado, o referido exame pode ser efectuado no âmbito do processo de averiguação oficiosa, e não apenas na acção de investigação, já que o artigo 519.º, do Código de Processo Civil, também se aplica àquele processo.
É que, o processo de averiguação oficiosa de paternidade é um processo que, nos termos do artigo 150.º, da Organização Tutelar de Menores, é considerado de jurisdição voluntária.
Todos os processos tutelares cíveis são de jurisdição voluntária.
Nos termos do artigo 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a esses processos aplicam-se as normas do processo ordinário, nas quais se insere o artigo 519.º, em tudo quanto não estiver prevenido nas disposições que lhes são próprias ou nas disposições gerais e comuns.
Acresce que o artigo 161.º, da Organização Tutelar de Menores, dispõe que “Nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores”.
O que implica a pertinência daquele artigo 519.º porque a matéria nele regulada não se inclui na Organização Tutelar de Menores, nem contraria os fins da jurisdição tutelar de menores – (cf. o Acórdão da Relação do Porto, de 16 de Fevereiro de 1989, in Col. Jur., Ano XIV, 1989, tomo I, págs. 193-194).
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Por outro lado, o artigo 202.º, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores, dispõe que “A instrução dos processos de averiguação oficiosa para investigação de maternidade ou paternidade ou para impugnação desta incumbe ao curador, que pode usar de qualquer meio de prova legalmente admitido e recorrer a inquérito”.
Neste preceito e nos seguintes regula-se a tramitação dos processos de averiguação oficiosa de maternidade ou paternidade ou para a impugnação de paternidade presumida.
Pretende-se a recolha de elementos de prova suficientes que viabilizem a futura acção de investigação de maternidade ou paternidade ou impugnação desta, desde que não seja reconhecida neste processo e lavrado o respectivo termo, e a acção de averiguação oficiosa constitui pressuposto da propositura dessa futura acção.
A instrução destes processos compete ao Ministério Público, que pode usar de qualquer meio de prova legalmente admissível e recorrer a inquérito.
E pode nomeadamente recorrer a exames de sangue e outros métodos cientificamente comprovados – art. 1801.º, do Código Civil, competindo aos serviços do Ministério Público cumprir os despachos por ele proferidos, no âmbito da instrução do processo – (cf. Dr. Tomé d`Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada, 4.ª edição, págs. 155-156).
Nos processos de jurisdição voluntária, nos termos do n.º 2 do artigo 1409.º, do Código de Processo Civil, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, predominando o princípio da actividade instrutória do tribunal ou do juiz sobre o princípio da actividade dispositiva das partes.
Acresce, em reforço da admissibilidade no caso concreto do exame de sangue do indigitado progenitor, que sob a epígrafe «Estabelecimento da paternidade» surgem precisamente na Secção III do Capítulo I, denominado «Estabelecimento da Filiação» (no qual se insere como disposição geral o mencionado artigo 1801.º), do Título III, designado «Da Filiação», do Livro IV do Código Civil, os arts. 1864.º a 1868.º que tratam especificamente da averiguação oficiosa da paternidade.
Tal mostra a íntima conexão existente entre os processos de averiguação oficiosa de paternidade e as acções de investigação de paternidade de que aqueles são preliminares, tornando, assim, legítima a equiparação, para os efeitos do artigo 1801.º, entre o processo de averiguação oficiosa de paternidade e a acção de investigação de paternidade – (cf. o Acórdão da Relação do Porto, de 12 de Fevereiro de 1987, in Col. Jur, Ano XII, 1987, tomo I, págs. 231-232).
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O artigo 519.º, do Código de Processo Civil, regula o dever de cooperação para a descoberta da verdade:
“1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2. Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3. A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4”. (…).
À parte ou ao terceiro que viole o dever de cooperação para a descoberta da verdade será aplicada multa, nos termos do artigo 102.º, do Código das Custas Judiciais, sem prejuízo da utilização de meios de coacção que visem obter a colaboração recusada (por exemplo, os artigos 532.º, 537.º e 629.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
A omissão grave do dever de cooperação pode, de resto, dar lugar à condenação da parte como litigante de má fé (cf. artigo 456.º, n.º 2, alínea c), do CPC).
Está, além disso, o comportamento do recusante que seja parte na causa sujeito à livre apreciação do julgador para efeitos probatórios, confrontando-se assim com o resultado da produção dos outros meios de prova livre no processo de formação da convicção judicial sobre a verificação da matéria de facto. Pode ver-se, por exemplo, o que se estabelece no artigo 357.º, n.º 2, do Código Civil.
O comportamento do recusante pode, mais drasticamente, determinar, quando verificado o condicionalismo do artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil, a inversão do ónus da prova. Tal acontece quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exemplos: artigos 313.º, n.º 1, e 364.º, do Código Civil), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos – (cf. Prof. Lebre de Freitas e Drs. A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, pág. 409).
Em rigor, o presumido progenitor da menor Leonor Isabel não é parte no processo de averiguação oficiosa de paternidade.
Como ensina o Prof. Anselmo de Castro, “Partes são as pessoas que requerem e as pessoas contra quem – cada uma delas agindo ou figurando em nome próprio (directamente ou através dum representante) – se requer a providência judiciária a que tende a acção.
Esta noção de partes é meramente formal: abstrai da existência do direito que se visa tutelar e de que os pleiteantes sejam os verdadeiros titulares da relação jurídica controvertida. Não é parte no processo apenas quem seja sujeito da relação material litigiosa: autor é quem afirma o direito; réu, aquele contra quem tal direito é feito valer, desde que um e outro se apresentem em juízo pleiteando em nome próprio” – (cf. Lições de Processo Civil, volume II, 1967, págs. 534-535).
Ao tratar da legitimidade das partes, o Código de Processo Civil define-as como sendo aquelas pessoas ou que têm utilidade na procedência da acção (autores) ou que podem ser prejudicadas com tal procedência (réus), como se colhe dos seus artigos 26.º e 27.º.
Como se afirmou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 7 de Abril de 1981, “A qualidade jurídico-processual de partes afere-se, por conseguinte, em face de uma acção e de conformidade com as posições que as pessoas nela assumem ou são chamadas a assumir, pois, sem acção, não se pode falar processualmente de partes (artigos 2.º e 3.º do mesmo diploma).
Assim sendo, o faltoso, na altura em que faltou, não era parte.
Na realidade, tendo a averiguação oficiosa da paternidade por escopo averiguar oficiosamente a identidade do pai para, obtidas provas seguras dela, o Ministério Público intentar a acção de investigação (artigos 1864.º e 1865.º do Cód. Civil), as partes, no sentido que acima se referiu, só surgem a partir do momento em que a acção é intentada, pois, antes dele, a audição de quaisquer pessoas tão-só se destina a averiguar da viabilidade da acção de investigação de paternidade, sendo condição prévia desta, tanto assim que, se os elementos obtidos não conduzirem à prova segura da paternidade, a acção não chega a ser intentada pelo Ministério Público.
Se assim é, se a acção só pode surgir se a prova for segura no sentido da paternidade, evidentemente que o indigitado pai, enquanto a petição inicial da acção não der entrada na secretaria, não é parte, mas terceiro, pois só numa destas qualidades pode ser chamado a juízo” – (cf. Col. Jur., Ano VI, 1981, tomo 2, págs. 31-32).
Por isso, decidiu-se segundo o sumário desse Acórdão:
“I – O pretenso pai não é parte mas sim terceiro, em processo de averiguação oficiosa de paternidade.
II – Incorre na multa cominada no art. 519.º, n.º 2, do C. P. Civil, a taxar dentro dos limites referidos no art. 208.º do C. C. Judiciais, o pretenso pai que devidamente notificado para comparecer em juízo, não comparece nem justifica a falta”.
Neste sentido, também se decidiu no citado Acórdão da Relação do Porto, de 12 de Fevereiro de 1987, que o pretenso progenitor não é parte no processo de averiguação oficiosa de paternidade, mas antes, e sim, terceiro.
E, tendo sido colocada a questão de saber se o pretenso progenitor estava obrigado a sujeitar-se à colheita de sangue em ordem à realização do respectivo exame, tal como fora ordenado no processo de averiguação oficiosa, afirmou-se nesse Acórdão de 12 de Fevereiro de 1987, o seguinte:
“Já vimos que o processo de averiguação oficiosa de paternidade é considerado um processo especial de jurisdição voluntária (cf. arts. 146.º, al. m), 149.º e 150.º da OTM). Ora, nos termos do art. 463.º-1 do CPC os processos especiais em tudo em que não estiver prevenido pelas disposições gerais e comuns regulam-se pelas disposições concernentes ao processo ordinário.
Por outro lado, preceitua o art. 161.º da OTM que nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores. Resulta dos apontados preceitos legais que sendo as disposições insertas na OTM respeitantes ao processo de averiguação oficiosa de paternidade completamente omissas quanto ao dever de cooperação do indigitado progenitor para a descoberta da verdade o disposto no art. 519.º do CPC é aplicável ao caso em apreço.
Sendo assim, é manifesto que o princípio de cooperação para a descoberta da verdade e na administração da justiça e que se traduz no dever genérico de um terceiro praticar os actos que forem determinados a que alude expressamente o n.º 1 do referido art. 519.º abrange o dever específico do recorrente, enquanto indigitado progenitor da menor Isabel, se submeter, em estabelecimento científico idóneo, à recolha de algumas gotas do seu sangue mediante punção venosa com vista à ulterior realização do respectivo exame, pois que, com esse exame, tem-se justamente como objectivo a descoberta da verdade biológica (se se quiser da filiação biológica); fim último da eventual acção de investigação de paternidade de que o dito processo de averiguação oficiosa é preliminar ou instrumento judicial prévio” – (cf. Col. Jur., Ano XII, 1987, tomo I, pág. 232).
Por isso, decidiu-se segundo o sumário desse Acórdão:
“Em processo de averiguação oficiosa de paternidade é ilegítima e punível com multa a recusa do pretenso progenitor de se sujeitar à colheita de sangue”.
Por seu turno, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Maio de 1989, também se ponderou o seguinte:
“Estamos no processo de averiguação oficiosa.
Nestes processos, quanto aos meios de prova, pode ser usado qualquer um, legalmente admitido (202-1 OTM); e a instrução do processo será conduzida por forma a evitar a ofensa ao pudor ou dignidade das pessoas (203-1 OTM). Ainda, como processo de jurisdição voluntária, o tribunal pode “coligir as provas”, o que porém, não quer dizer que as possa “coligir” livremente, isto é, no sentido de ordenar a produção de meios de prova legalmente inadmissíveis, à luz dos critérios legais para que a própria OTM remete.
O pretenso progenitor, quer deva considerar-se terceiro, quer parte no processo, pode invocar a recusa nos termos previstos no art. 519.º-3 CPC. Mas deve invocá-la expressamente, pois o tribunal, ordenando a produção do meio de prova em causa, deu-lhe a oportunidade de fazer tal invocação. E, não se pronunciando, não sabe o tribunal se a falta de comparência resultou de recusa ao exame, de dificuldades de deslocar-se, de comodismo, ou de pura indiferença perante o acatamento da notificação.
Ora, toda a pessoa de mediana formação cívica sabe que faltando a uma convocação ordenada judicialmente, lhe cumprirá acatá-la, ou justificar o não acatamento da ordem de comparência, o que o pretenso progenitor não fez.
Não será legítimo pensar que, pelo que atrás se disse, o juiz não pode, entre os meios de prova, incluir o exame em causa; só a atitude do pretenso progenitor poderá, depois de se ordenar a sua produção, ditar ou não a efectiva produção, conforme ele se preste a tal produção, ou, não se prestando, conforme o que resultar do que judicialmente for entendido e ordenado” – (cf. Col. Jur., Ano XIV, 1989, tomo III, págs. 64-65).
E decidiu-se nesse Acórdão, segundo o respectivo sumário:
“Notificado o pretenso progenitor em processo de averiguação oficiosa de paternidade para comparecer em estabelecimento próprio para fazer exame hematológico e não comparecendo nem justificando a sua falta, fica sujeito a multa”.
No Acórdão da Relação de Coimbra, de 15 de Dezembro de 1987, também se decidiu que, “em averiguação oficiosa de paternidade, o indigitado pai não pode, em sentido técnico-processual, ser considerado como parte. Todavia, a sua posição processual tem mais atinência com a de parte do que com a de qualquer outro interveniente chamado a colaborar em processo civil. O indigitado pai não pode ser compelido fisicamente a sujeitar-se à colheita de sangue para efeitos de exame hematológico. Todavia, a sua falta injustificada de comparência para realização de tal exame é de apreciar livremente pelo tribunal nas respectivas consequências” – (cf. Col. Jur., Ano XII, 1987, tomo V, págs. 51-53).
A multa cominada no artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplica-se tanto à parte como ao terceiro.
Afigura-se que a posição do indigitado progenitor, no processo de averiguação oficiosa de paternidade, tem mais a ver com a posição de um terceiro, visto que ainda não se trata de uma acção judicial para investigação de paternidade e só nesta é que tem cabimento a qualidade jurídico-processual de parte.
Aliás, resulta do artigo 206.º, n.º 2, da Organização Tutelar de Menores, que do despacho final proferido no processo de averiguação oficiosa de paternidade, tem legitimidade para recorrer o Ministério Público e, no processo de averiguação para impugnação de paternidade, também o impugnante.
Como refere o Prof. Antunes Varela, “A sanção (pecuniária) da multa não constitui uma pena ou sanção de carácter criminal. Trata-se de um meio (civil) de coacção, que ficará consequentemente sem efeito, se o recusante se decidir entretanto a prestar a colaboração ordenada pelo tribunal” – (cf. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, pág. 481).
Portanto, a multa desempenha uma dupla função:
- por um lado, é um meio de coacção legítimo para que a pessoa cumpra o seu dever de colaboração submetendo-se à recolha de sangue;
- por outro lado, será uma sanção de natureza cível se apesar dela, a recusa se mantiver – (cf. o citado Acórdão da Relação do Porto, de 16 de Fevereiro de 1989, in Col. Jur., Ano XIV, 1989, tomo I, pág. 194).
De harmonia com esta orientação jurisprudencial, se o indigitado progenitor foi devidamente notificado para comparecer, a fim de ser realizado o exame em causa, e não compareceu, nem justificou a sua não comparência, parece dever concluir-se no sentido de que, deverá ficar incurso na sanção prevista no artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Nessa parte, portanto, merece provimento o presente recurso, devendo o Ex.mo Juiz substituir o seu despacho por outro em que condene o faltoso na multa que tiver por adequada às circunstâncias do caso concreto, dentro dos limites previstos no artigo 102.º, alínea b), do Código das Custas Judiciais.
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Como se observou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Julho de 1981, “A averiguação oficiosa é um processo administrativo que tem como único objectivo habilitar a formação de um juízo de viabilidade da acção a propor. Por isso a lei substantiva é expressa em dispor que as declarações prestadas nesse processo não implicam presunção de paternidade, nem constituem sequer princípio de prova (Código Civil, artigos 1811.º e 1868.º). Ora, não constituindo, tal averiguação, um meio de prova, é fácil concluir pela inutilidade da sua apresentação em juízo”.
Esta última conclusão respeitava à questão de saber se era obrigatória a apensação, ou a junção, aos autos de acção de investigação de paternidade, dos autos de averiguação oficiosa, tendo as instâncias respondido negativamente a essa questão, e esse entendimento não foi alterado pelo referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 309, págs. 349-352).
Conforme o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/88, de 28 de Abril de 1988, “Sejam quais forem as circunstâncias do nascimento, existe um direito fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade: esta é uma «referência» essencial da pessoa” – (cf. Col. Jur., Ano XIII, 1988, tomo II, págs. 39 e seguintes).
No entanto, não parece razoável, até porque se está ainda na fase da averiguação sobre a viabilidade de uma acção de investigação de paternidade, no domínio de uma investigação secreta e onde não vale, sequer, a regra do contraditório, que fosse legítimo impor a execução forçada da realização do exame ao indigitado progenitor, até porque o exame hematológico é apenas um modo possível de investigação de paternidade.
Por isso, como se observou no Acórdão da Relação do Porto, de 6 de Junho de 1991, “a sujeição obrigatória a ele [ou seja, ao exame hematológico] é um atentado à integridade física do indigitado progenitor, que se revela desnecessário ou, quando menos, desproporcionado ao fim em vista.
Estaria de facto a impor-se a uma das partes (o investigado) um ónus excessivo, pois se estaria a obrigá-lo a uma colaboração essencial no cumprimento do ónus da prova do investigante.
A paternidade biológica depende de que se faça prova da exclusividade das relações sexuais entre a mãe do menor e o investigado, durante o período legal da concepção, ou seja, conforme dispõe o art. 1.798.º do C. C., dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o seu nascimento.
E essa realização do direito de alguém conhecer o «pai cujo é», legitima, de facto, que consentindo o pretenso pai, este se submeta a uma colheita de sangue com vista à realização de um exame hematológico.
Considere-se, por último, que – contrariamente ao que certo discurso poderia deixar supor – o indigitado progenitor, ao recusar-se à colheita de sangue, não viola qualquer bem jurídico; designadamente não viola o direito à identidade pessoal do menor, que pretende conhecer o pai.
Feita a prova da paternidade, o tribunal declara-o pai, mesmo contra sua vontade.
De violação do direito à identidade do menor só poderia, então, falar-se, se o indigitado progenitor destruísse provas, comprasse testemunhas, etc. Não é, porém, disso que se trata no caso” – (cf. Col. Jur., Ano XVI, 1991, tomo III, págs. 248-251, nomeadamente, pág. 251).
Nos Acórdãos da Relação de Coimbra, de 15 de Dezembro de 1987, e da Relação do Porto, de 16 de Fevereiro de 1989, também se defendeu o entendimento de que, são legítimos os meios de coacção que a lei determine, sem infracção do princípio constitucional, não podendo, porém, perante a recusa do indigitado progenitor, obrigar-se este, com o emprego da força, a submeter-se a recolha de sangue, quer no acto em que ela seja praticada, quer para o efeito de ele ser conduzido sob custódia ao respectivo estabelecimento – (cf., respectivamente, Col. Jur, Ano XII, 1987, tomo V, pág. 52, e Col. Jur, Ano XIV, 1989, tomo I, pág. 194).
Por outro lado, deve salientar-se que, em processo para a averiguação oficiosa da paternidade, o pretenso pai está numa posição muito desfavorável, em relação à que possa vir a assumir no processo, posterior, visando a investigação dessa paternidade.
No primeiro processo, está excluído o princípio do contraditório; é um processo de carácter secreto – artigo 203.º, n.º 1, da OTM – e só na fase de recurso é que podem intervir mandatários judiciais (artigo 203.º, n.º 2). Daí que o pretenso progenitor possa, ou não, estar esclarecido quanto às atitudes a assumir no processo, designadamente quanto ao aspecto dos meios de prova.
No segundo processo, se o pretenso pai quiser reagir, tem de fazê-lo através de mandatário judicial, e todo o processo se desenvolve em respeito pelo princípio do contraditório, podendo opor-se à produção de provas que considere legalmente inadmissíveis, e provocando, se o fizer, despacho judicial sobre tal aspecto, do qual pode, ainda, recorrer, se discordar e se o despacho judicial lhe for em sentido desfavorável – (cf. o Acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Maio de 1989, in Col. Jur., Ano XIV, 1989, tomo III, pág. 65).
Os Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira também consideram que “o processo de averiguação é secreto e deve ser conduzido por forma a evitar a ofensa ao pudor e à dignidade das pessoas (arts. 1812.º e 1868.º).
Este regime derroga a regra geral da publicidade do processo civil (art. 167.º CProcCiv) segundo a qual “o processo civil é público” e qualquer pessoa com “um interesse atendível” pode consultá-lo, pedir certidões, etc. O regime do art. 1812.º, afinal, estende à “fase administrativa” da averiguação oficiosa o regime especial das “limitações à publicidade” (art. 168.º CProcCiv) que se aplica sempre que o acesso aos autos e a sua divulgação possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar, ou à moral pública, como é o caso dos processos de “estabelecimento ou impugnação de paternidade”, em que apenas podem ter acesso aos autos as partes e os seus mandatários [art. 168.º, n.º 2, al. a), CProcCiv].
A aplicação do regime citado parece inteiramente justificada pois, nesta “fase administrativa”, de averiguação oficiosa, ainda se procura, apenas, fazer um juízo de probabilidade de um vínculo de filiação que, se for contestado pelo progenitor provável, fundamenta um despacho de viabilidade de uma acção de investigação subsequente. Assim, está-se relativamente longe de uma sentença que estabeleça a filiação, pelo que se tornaria muito melindroso divulgar factos e conclusões apressadas, que podem nunca chegar a confirmar-se.
A lei determina ainda que a própria condução da instrução respeite a dignidade e o pudor das pessoas. Este regime parece garantir aos intervenientes uma protecção maior do que a que é conferida pela regra geral do art. 519.º CProcCiv.
Na verdade, este regime geral – que se pretende aplicar quando já está em curso uma acção judicial – permite a recusa de colaboração quando estiver em causa a integridade física ou moral das pessoas, ou a reserva da vida privada ou familiar (art. 519.º, n.º 3, CProcCiv); de um modo diferente, no âmbito da “fase administrativa” da averiguação oficiosa, qualquer interveniente parece estar autorizado a não cooperar se a instrução for conduzida de modo a ofender a sua dignidade ou, simplesmente, o seu pudor” – (cf. Curso de Direito da Família, volume II, Direito da Filiação, Tomo I, Estabelecimento da Filiação, Adopção, 2006, págs. 196-197).
Segundo o Cons. Rodrigues Bastos, “Os «meios coercitivos que forem possíveis» são os meios admitidos por lei, que se mostrem idóneos a obter o resultado desejado (v.g., arts. 532.º, 533.º e 629.º, n.º 3). O tribunal atribuirá à recusa do litigante o valor probatório que entender, desde a irrelevância daquela, até à prova do acto que se pretendia averiguar; se com a recusa uma das partes tiver culposamente tornado impossível à outra parte fazer a prova de certo facto, que a ela incumbia provar, inverte-se o ónus da prova, isto é, o recusante fica obrigado a provar que o facto não ocorreu”.
E, em nota de rodapé, observa:
“Há quem veja uma excepção a esta regra no art. 1801.º do Código Civil, que admite os exames de sangue e outros meios científicos comprovados como meios de prova nas acções relativas à filiação. Admite, mas não impõe. Se os tribunais empregarem a força para obrigar as partes a submeterem-se aos exames, negar-se-ão a si próprios, totalmente. Sabe-se quando começa o uso da força, mas não se sabe quando ele acaba” – (cf. Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 3.ª edição, pág. 81 e nota 60).
O Dr. Carlos Lopes do Rego analisa a problemática dos exames hematológicos em acções de reconhecimento de paternidade (artigo 1801.º do Código Civil), considerando obviamente legítima a decisão que determina dever o interessado submeter-se a exame hematológico no IML, por a realização deste não contender com a “dignidade humana”, nem com o direito à integridade física e moral daquele; Cf. Ac. Rel. in CJ IV/99, pág. 203.
Porém, considera que não é viável a execução coercitiva do exame, no caso de recusa, já que a execução forçada deste já poderia pôr em causa tais direitos.
A recusa persistente, reiterada e sem qualquer fundamento plausível poderá acarretar a condenação do faltoso como litigante de má-fé.
Para além da condenação em multa, se o exame se configurava como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica – implicando, consequentemente, a recusa do pretenso pai a verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica (por exemplo, em consequência de, no caso concreto, inexistirem meios probatórios que a possam demonstrar indirectamente) deverá aplicar-se o preceituado no n.º 2 do artigo 344.º, do Código Civil, presumindo-se a paternidade e passando a incumbir ao recusante o ónus de criar “dúvidas sérias” sobre ela (artigo 1871.º, n.º 2, do Código Civil).
E salienta que a nova redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 1871.º, do Código Civil, ao considerar que se presume a paternidade quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe do menor durante o período legal da concepção, acabará por tornar o pretenso progenitor em principal interessado na efectivação do exame, com vista a afastar a presunção de paternidade que sobre ele recai – (cf. Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2.ª edição, 2004, pág. 454, em anotação IV ao artigo 519.º).
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 616/98, de 21 de Outubro de 1998, decidiu-se não concluir pela inconstitucionalidade material dos artigos 206.º, n.º 2, da Organização Tutelar de Menores, 1801.º, do Código Civil, e 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Afirmou o Tribunal Constitucional que o artigo 25.º da CRP consagra o direito à integridade pessoal, prescrevendo o n.º 1 a inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas e o n.º 2 a proibição da tortura, tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanas.
Que se trata, no ensinamento de Peces Barba (“Derechos fundamentales”, p. 98), de um “direito pessoalíssimo”, um direito da pessoa, em si mesma, isto é com independência, sempre relativa, dos grupos sociais a que ela pertença (cfr. Ruiz Gimenez, “El Concílio y los derechos del hombre”, p. 108) e que respeita a um bem inerente à dignidade humana individual.
Que na vertente da integridade física – a que agora está em causa – o direito à integridade pessoal traduz-se no direito de não sofrer ofensas corporais.
E considerou o Tribunal Constitucional que a situação em causa se traduz num mero exame de sangue (análise), ou seja, aquilo que, nos dias de hoje, pode configurar, na linguagem da Decisão de 4/12/78 da Comissão Europeia dos Direitos do Homem (in “Decisions et Rapports” nº 16, p. 185), uma “intervenção banal”.
Mas aceitou-se, na linha daquela “Decisão”, que o “exame de sangue”, contra a vontade do examinado, possa constituir, nos limites da protecção constitucional, uma ofensa à integridade física da pessoa.
O que o preceito constitucional veda é que, sem o consentimento do “ofendido”, se imponha coactivamente, à força, a intervenção no corpo da pessoa.
Na verdade, o artigo 1801.º, do Código Civil, limita-se a prever, como meio probatório, nas acções de investigação, o exame de sangue, não prescrevendo nem legitimando o uso da força para a sua execução, em caso de recusa.
Só com o consentimento do R. o exame de sangue se efectua – [cf. documento impresso do Tribunal Constitucional, no endereço URL: http://www.tribunal constitucional.pt/tc/acórdãos/19980616.html, Rel: Consº Artur Maurício, Proc. nº 363/97].
Em conclusão:
Na parte do presente recurso de agravo, em que se defende a pretensão de que o Tribunal “a quo” ordene a emissão de mandados de condução sob custódia, a fim de que o indigitado progenitor compareça, no Instituto de Medicina Legal, com vista à realização de exame hematológico, julgamos que se decidiu correctamente, devendo manter-se a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz que indeferiu, quanto a essa parte, o promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público.
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Nos termos expostos, acordam nesta Relação em conceder apenas em parte provimento ao recurso de agravo interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público, e, em consequência, confirmam a douta decisão recorrida, na parte em que se indeferiu o pedido para que o Tribunal “a quo” ordenasse a emissão de mandados de condução sob custódia, a fim de que o indigitado progenitor comparecesse no Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação de Coimbra, para o efeito de ser submetido à realização de exame hematológico, no âmbito dos autos para averiguação oficiosa de paternidade.
No entanto, tendo o indigitado progenitor sido notificado para comparecer, a fim de ser realizado o exame hematológico em questão, e não tendo comparecido, nem tendo justificado a sua não comparência, decidem que, nessa parte, a douta decisão recorrida deverá ser alterada, na medida em que julgam que o indigitado progenitor ficou incurso na sanção prevista no artigo 519.º, n.º 2, primeira parte, do Código de Processo Civil, devendo, consequentemente, o Meritíssimo Juiz proceder à sua substituição por outra decisão em que condene o faltoso numa multa (sanção de carácter civil e pecuniário), dentro do quantitativo que entender como adequado e ajustado às circunstâncias do caso concreto, e de harmonia com os limites previstos no artigo 102.º, alínea b), do Código das Custas Judiciais.
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As custas do recurso de agravo são devidas pelo Recorrido na proporção de metade (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea g), do Código das Custas Judiciais).
Na restante proporção, não são devidas custas, em virtude de o Ministério Público, na qualidade de Recorrente, estar isento de custas, dada a natureza dos processos de averiguação oficiosa de maternidade ou de paternidade, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.