ACIDENTE DE TRABALHO
DOENÇA
PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA
Sumário

I - Os nºs 1 e 2 do art. 11º da Lei 98/2009, de 04.09 (tal como os anteriores art. 9º, nºs 1 e 2, da Lei 100/97, de 13.04 e Base VIII, nºs 1 e 2, da Lei 2127, de 3.08.65) contemplam situações distintas: o primeiro, uma situação de predisposição patológica (que não doença) anterior ao acidente de trabalho que, com este, se desencadeia; o segundo, uma situação de doença consecutiva ao acidente agravada por doença ou lesão anterior ou uma situação de doença anterior agravada pelo acidente.
II - Da comparação entre o disposto na Base VIII, nº 1, da Lei 2127, de 3.08.65 com o disposto no art. 9º, nº 1, da Lei 100/97, redação esta que se manteve no art. 11º, nº 1, da Lei 98/2009, resulta que a predisposição patológica, mesmo que tenha sido a causa única da lesão ou doença, não afasta o direito à reparação integral do acidente de trabalho, salvo quando essa predisposição tenha sido ocultada.
III - Na situação prevista no nº 2 do art. 11º, se a lesão ou doença consecutiva ao acidente é agravada por doença ou lesão anterior ou se esta for agravada pelo acidente, a incapacidade deverá ser avaliada como se tudo tivesse resultado do acidente, exceto se o sinistrado já estiver a receber pensão (ou tiver recebido capital de remição).
IV - Se o sinistrado padece de lesão ou doença anterior ao acidente, se deste resulta incapacidade (IPP) para o trabalho e agravamento daquela e se, em resultado dessa doença, o sinistrado fica, após o acidente, afetado de IPATH, tudo, incluindo esta incapacidade, deverá ser avaliado como se tivesse resultado do acidente.

Texto Integral

Procº nº 118/10.1TTLMG.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 613)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. António José Ramos

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Na presente ação declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, B…, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, apresentou petição inicial demandando C…, Lda. e Companhia de Seguros D…, SA., formulando (extenso) pedido que, em síntese, tem por objeto a reparação que considera ser-lhe devida por virtude do acidente de trabalho de que alega ter sido vítima, designadamente, e no que importa ao recurso, o pagamento de pensão anual e vitalícia e o pagamento de prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa.
Para tanto, também em síntese e no que importa ao recurso, alega que por virtude do acidente de trabalho referido, ocorrido aos 04.02.2010, sofreu lesões que lhe determinaram “incapacidade permanente absoluta de 62%, incapacitante para todo e qualquer tipo de trabalho” que, conforme pedido formulado, pretende que lhe seja reconhecida. Diz, ainda, pelas razões que invoca, que carece da assistência de terceira pessoa.
Mais requereu abertura de apenso para fixação da incapacidade para o trabalho.

Ambas as rés contestaram impugnando, no que importa ao recurso, o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e as lesões que o sinistrado apresenta, as quais consideram decorrer de doença degenerativa, pré-existente ao acidente, de que o sinistrado sofre, não sendo consequência do acidente de trabalho.
A Ré Seguradora requereu ainda exame por junta médica.

O Instituto de Segurança Social veio apresentar pedido de reembolso das despesas por si suportadas e pagas ao sinistrado como consequência das lesões que o mesmo apresenta.

A Ré Seguradora contestou o pedido do ISS pugnando pela sua improcedência.

Por despacho de 07.12.11 (fls. 336 e segs), retificado por despacho de 21.12.2011, foi fixada ao A. pensão provisória, a qual, por despacho de 30.03.2012 foi declarada cessada (fls. 349).

Foi determinada a abertura de apenso para fixação da incapacidade (fls. 343).

Posteriormente, foi proferido despacho saneador com dispensa da seleção da matéria de facto.

Após exame por junta médica foi, no respetivo, apenso proferida a decisão que consta de fls. 19/20 do mesmo na qual se “declarou” que o sinistrado “sofre de uma incapacidade permanente parcial de 15%, em consequência do acidente descrito nos autos.”

Realizada a audiência de julgamento, sem gravação da prova pessoal nela prestada, e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
- Condeno as rés, Companhia de Seguros D…, S.A., e C…, Lda., no pagamento ao autor:
- De uma pensão anual e vitalícia, relativa a uma IPP de 15% com efeitos desde 17.09.2010, no valor de € 867,93, ficando a quantia de € 825,41 (95,09%) a cargo da seguradora e a quantia de € 42,62 (4,91%) a cargo da entidade patronal.
- Da indemnização a título de ITA de 120 dias no valor global de € 1928,73, cabendo à entidade empregadora pagar a percentagem de 4,91%, correspondente à quantia de € 94,73 e à seguradora a quantia de € 1834,00, correspondente à percentagem de 95,09%.
- À quantia paga pela companhia de seguros terá que ser subtraída a quantia de € 268,72, já paga pela mesma (quantia final de € 1565,28).
- Condeno ainda as rés no pagamento da quantia de € 630,63 a ser paga pela companhia de seguros e pela entidade empregadora na proporção das respectivas responsabilidades, a título de despesas obrigatórias.
- Condeno as rés no pagamento das custas da acção, com procuradoria que fixo no mínimo.
- Condeno as rés no pagamento à Segurança Social do montante € 1928,40 na proporção das respectivas responsabilidades.
- Condeno as rés a pagarem ao FAT a quantia de € 3477,05 a título de pensões provisórias que este entregou ao sinistrado, fazendo-se depois o respectivo acerto no capital de remição, também na proporção das respectivas responsabilidades.
- Absolvo as rés dos restantes pedidos formulados.

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Registe e Notifique.
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Valor da acção: € 14.999,21.
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Nos termos dos artigos 148º, nº 3 e 4, ex vi artigo 149º, do Código de Processo de Trabalho, uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, proceda ao cálculo do capital e após remeta os autos ao Ministério Público para entrega ao sinistrado.”

A Ré Seguradora, por requerimento de 13.07.12, veio solicitar a retificação de lapso material da sentença por forma a dela ficar a constar o seguinte: “condeno as rés no pagamento à Segurança Social de € 1928,40 a titulo de incapacidades temporárias que entregou ao sinistrado, fazendo-se depois o respectivo acerto no capital de remição, na proporção das respectivas responsabilidades”.

Inconformado com a sentença, veio o A. dela recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Da douta sentença em crise consta o seguinte:
1.1. Do primeiro facto assente resulta que o Recorrente se encontrava a trabalhar no dia em que sofreu o acidente de trabalho em apreciação neste autos.
1.2. E que o Recorrente se encontrava, nesse dia, e no momento do acidente, a puxar uma viga de cimento, com cerca de seis metros.
1.3. O Recorrente era Pedreiro (facto assente número 5).
1.4. Da matéria dada como provada nos termos do apenso de fixação de incapacidade para o trabalho, consta a seguinte:
1. O sinistrado à data do evento supra referido era portador de patologia a nível da coluna lombar que se traduzia por alterações degenerativas e canal estreito lombar.
2. Decorrente do evento em causa nos autos houve agravamento da sua situação clínica.
1.5. Na sexta página da douta sentença, no sexto parágrafo, determina assim o Tribunal a quo:
Ficámos também convencidos, tendo por base o auto de junta médica a que o tribunal presidiu, bem como os restantes elementos clínicos juntos aos autos, de que a situação clínica do sinistrado agravou-se em função do acidente de trabalho que sofreu, agravamento esse que justifica uma atribuição de IPP. No entanto, a IPATH de que o sinistrado actualmente padece não tem a sua origem nas lesões provocadas pelo acidente em causa nos autos mas antes na doença pré-existente. Nessa medida, o tribunal ficou convencido de que o nexo causal entre as lesões e o acidente em discussão existe apenas no que concerne à fixação de 15% de IPP sem IPATH.
1.6. Mais tendo determinado, no oitavo parágrafo da décima quinta página da douta sentença:
No que concerne a este último ponto, diga-se que o tribunal considerou que não existe qualquer nexo de causalidade entre a situação clínica do sinistrado actualmente e o acidente em causa nos autos. Tal acidente serviu apenas para agravar as referidas lesões mas não está na sua origem.
2. Não foi alegado pelas Rés que o Recorrente havia ocultado o facto de padecer de alguma doença.
3. Não foi alegado que o Recorrente recebesse alguma pensão ou tivesse recebido capital de remição por força de doença anterior.
4. A acrescer ao vertido na douta sentença em crise, e acima referido, há ainda que atentar no douto Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, elaborado pelo Gabinete Médico-legal de Vila Real (constante de fls.), no qual vai dito o seguinte:
C – Antecedentes:
1. Pessoais:
Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a apreciação e apreço, refere: Diabético. Trombose venosa profunda à esquerda.
(…)
As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual.
5. Dado o acima exposto, verifica-se que o Recorrente padecia, antes do sinistro, de uma doença, patologia a nível da coluna lombar que se traduzia por alterações degenerativas e canal estreito lombar.
6. Decorre igualmente que, apesar de padecer dessa doença, o Recorrente exercia a sua profissão de pedreiro.
7. Tal resulta, inequivocamente do facto de o Recorrente estar a trabalhar no dia do sinistro (passe o pleonasmo);
8. Como também do facto de o Recorrente ter sido contratado para trabalhar, pela Segunda Ré, a 14 de Julho de 2009, ou seja, sete meses antes do acidente de trabalho ter ocorrido.
9. Ou seja, o Recorrente não se encontrava incapaz para exercer a sua profissão de pedreiro quando foi vítima do acidente de trabalho em referência nestes autos.
10. Também resulta dos autos que não houve, por parte do Recorrente, a ocultação de que padecia de tal doença.
11. Por outro lado, também se vê que, quando questionado sobre os seus antecedentes, no Instituto Médico-Legal de Vila Real, o Recorrente declarou que padecia de patologias antes de sofrer o sinistro (o que demonstra a sua postura perante o caso em que se viu colocado).
12. Por último, e pedra basilar do presente recurso, decorre inequivocamente dos autos que, por força do acidente de trabalho que o Recorrente sofreu, o mesmo passou a sofrer de uma IPP de 15%, e viu agravar-se a sua situação clínica, decorrendo desse agravamento uma incapacidade permanente para o exercício da sua profissão habitual.
13. Ora, dispõe do seguinte modo o artigo 11.º, números 1 e 2 da NLAT:
1 - A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
2 - Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.
14. Face a esta norma, constata-se que a incapacidade de que o Recorrente padece deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho,
15. Não podendo haver lugar a uma separação entre uma IPP, decorrente do acidente de trabalho,
16. E uma IPATH decorrente de doença preexistente.
17. É que, como é evidente, o Recorrente não sofria de qualquer IPATH antes do acidente – a mesma surgiu exclusivamente por força do agravamento da sua situação clínica pré-existente, decorrente do acidente.
18. Não se alcança, de facto, como é possível a distinção entre as duas situações, face ao disposto na norma acima citada e aos factos dados por provados.
19. Veja-se, aliás, que os seguintes arestos que se identificam decidiram exactamente deste modo:
a) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/12/2008, in Colectânea de Jurisprudência do STJ, 3.º.294;
b) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19/04/2010, disponível em www.dgsi.pt, e do qual se transcreve o seguinte excerto, dada a similitude e relevância para o caso concreto:
Em conclusão podemos dizer que, não se evidenciando a causa de exclusão prevista no nº 1, se o acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador agravar doença degenerativa existente, nos termos do nº 2 do art. 9º da LAT, a incapacidade (IPP de 16,86% ao sinistrado fixada) avaliar-se-á como se tudo dele (acidente) resultasse.
c) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01/06/2006, disponível em www.dgsi.pt.
20. Por último, refira-se ainda que era sob as Rés que impendia o ónus de alegar e provar factos que conduzissem à inaplicabilidade do artigo 11.º (conforme decorre, aliás, dos Acórdãos acima citados).
21. Pelo que, não tendo as mesmas alegado factos passíveis de integrar o disposto na parte final do número 1 do artigo 11.º, ou da parte final do número 2 desse mesmo artigo, não restam dúvidas que qualquer invocação que agora venha a ser feita nesse sentido é absolutamente extemporânea.
22. Por tudo o exposto, entende o Recorrente que a douta sentença deverá ser revogada e substituída por outra que determine que o mesmo padece de uma IPP de 15% com IPATH, por força do acidente de trabalho de que foi vítima.
23. Como consequência desta alteração, deverá também ser alterada da douta sentença em recurso, no que respeita à determinação da reparação do acidente de trabalho.
24. De facto, verificando-se que o Recorrente padece de IPATH, a pensão anual e vitalícia a que o mesmo tem direito não deverá ser calculada nos termos do disposto no artigo 48.º, número 3, alínea c) da NLAT, mas antes nos termos do disposto na alínea b) dessa mesma norma, o que desde já se requer.
25. Acresce que, face à não determinação de IPATH do Recorrente, não foi determinado pelo Tribunal a quo o montante de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.
26. Todavia, conforme resulta da douta sentença (cfr. página cinco da douta sentença) o Recorrente carece de ajuda de terceiros (no caso concreto, da sua mulher), para se vestir, para se despir, para tomar banho.
27. Pelo que se verifica que tal prestação suplementar deve ser determinada e atribuída ao Recorrente, nos termos alegados nos artigos 237.º a 250.º da Petição Inicial, e peticionado a final sob o número 5.
28. A Douta sentença de que ora se recorre violou o disposto no artigo 11.º, números 1 e 2 da NLAT.
Nestes termos e nos mais de direito que Va. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, mui doutamente suprirão, deverá a douta sentença em recurso ser revogada e substituída por outra que, respeitando o disposto no artigo 11.º, números 1 e 2 da NLAT, determinem que por força do acidente de trabalho sofrido pelo Recorrente ficou o mesmo com uma IPP de 15% com IPATH, com todas as consequências daí emergentes, nomeadamente quanto à atribuição e cálculo da pensão anual a que o Recorrente tem direito e bem assim quanto à atribuição e cálculo da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, assim fazendo, (…)”.

A Ré Seguradora veio, em requerimento conjunto, interpor recurso da sentença e contra-alegar.
Quanto ao recurso, pretende a retificação da sentença recorrida em termos similares aos que havia solicitado no requerimento de 13.07.2012[1].
No que toca às contra-alegações pugna pelo não provimento do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1ª- A recorrida entende, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida está profícua e profusamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, não merecendo o reparo que o recorrente lhe imputa.
2ª-O recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida por entender que a IPATH decorreu do acidente a que os autos se reportam, o que salvo o devido respeito, não tem qualquer sustentação na matéria de facto provada, e que não foi questionada, sob os nºs 1, 3 e 5 da douta sentença.
3ª-Estes factos provados resultaram do exame por junta médica efectuada no apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, exame este realizado por um colégio de três especialistas e que formularam um juízo unanime;
-O resultado de tal exame não foi posto em crise por nenhuma das partes, e o autor foi notificado e conformou-se com o resultado do mesmo, nada tendo reclamado ou pedido qualquer esclarecimento nos termos do disposto no art. 587º, nº 1 do CPC.
5ª-Invoca o sinistrado o relatório elaborado pelo gabinete Médico- Legal de Vila Real , e a tal respeito não podemos deixar de dizer que “ A prova pericial pré-constituida , a solicitação do respectivo interessado, que a utiliza para a propositura da acção, não pode ser confundida , como elemento de prova atendível, com a prova pericial prevista regulada no art. 568º do CPC, produzida no processo com a audiência contraditória da parte”
6ª- E se nos termos do art. 591º do CPC “ a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal” , contudo:
“Embora o valor probatório da prova pericial seja de livre apreciação do tribunal, impõem-se que uma qualquer discordância com os resultados periciais seja devidamente fundamentada” – Vide ac.R.C. de 10.02.2005, Proc. 3944/04 in www.dgsi.net
7ª- E o Mª Juiz do Tribunal a quo fundamentou profusa e proficuamente a razão da inexistência de nexo de causalidade entre o acidente e a IPATH, tal como os Srs Peritos referem a propósito do quesito 3º do auto de exame por junta médica:
“IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência de da doença pre-existente”.
8ª- Por isso, e in casu, teria de haver uma causa próxima, exterior ao organismo que desencadeasse a IPATH, o que não se verificou, como se refere na douta sentença, não havendo nexo causal entre o acidente e a IPATH, pois esta resultou de doença degenerativa pré-existente, não foi desencadeada pelo acidente.
9ª- O sinistrado tem a IPATH independentemente do acidente de trabalho, face à “patologia a nível de coluna lombar que se traduzia por alterações degenerativas e canal estreito lombar”, “alterações neurológicas”, sendo portador de doença hematológica congénita, factor genético de risco trombótico e história de trombose venosa profunda dos membros superiores e inferior esquerdos em relação com doença genética trombótica”. – vidé exame por junta médica e elementos clínicos juntos aos autos .
10ª- Os Srs Peritos por unanimidade, necessariamente em função dos seus conhecimentos científicos, técnicos e da observação do sinistrado e com todos os elementos dos autos consignaram que:
a incapacidade para a profissão habitual é consequência da doença pre-existente”.
Finalmente,
11ª- Insurge-se o recorrente contra o facto de não ter sido determinado na douta sentença o montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.
12ª- Porém, o recorrente parte de dois pressupostos errados não há incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual resultante do acidente e não resultou provado que o autor carece de ajuda de terceira pessoa.
14ª-Na verdade, o que consta da página 5 da douta sentença é a fundamentação da resposta à matéria de facto, e não se refere a factos provados, pois estes encontram-se elencados nas pgs 2, 3 e 4 da douta sentença.
15ª- E os factos vertidos nos artigos 112º, 113º, 115º e 238º da douta petição inicial foram considerados não provados, pelo não se provou a carência de ajuda de terceira pessoa, nem IPATH, pelo que não há lugar ao pagamento da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.
16ª - A sentença recorrida não merece a censura que o recorrente lhe imputa, não resulta qualquer erro, q no atinente à matéria de direito, que imponha decisão diversa da encontrada.
Termos em que, e nos mais e melhores de direito que V. EXªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo autor, mantendo-se a douta decisão recorrida (…)

Não foram apresentadas outras contra-alegações.

Por despacho de fls. 438/439, o Mmº Juiz retificou a sentença nos termos requeridos pela Ré seguradora, dela passando a constar: “- Condeno as rés no pagamento à Segurança Social do montante € 1928,40, a título de incapacidades temporárias que entregou ao sinistrado, fazendo-se depois o respectivo acero no capital de remição, na proporção das respectivas responsabilidades.”.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de Facto Provada

Na 1ª instância foi dada como provado a seguinte factualidade:
“1.
O Sinistrado B… sofreu um evento infortunístico no dia 04.02.2010, pelas 10h00mn, em …, Lamego, quando prestava o seu serviço de pedreiro à entidade empregadora, C…, Lda.
2.
O evento referido supra referido ocorreu quando o sinistrado puxava uma viga de cimento com cerca de 6 metros e sentiu uma forte dor nas costas.
3.
A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros D…, SA., por € 475,00 x 14 + € 5,00 x 242.
4.
A companhia de seguros pagou ao sinistrado, a título de indemnização por incapacidade temporária, a quantia de € 268,72.
5.
O A. foi admitido ao serviço da segunda Ré no dia 14/07/2009, para exercer as funções de “Pedreiro de 1ª”, tendo, para tal, celebrado contrato de trabalho a termo certo, por um período de seis meses, tendo-se o mesmo renovado por igual período em 13/01/2010.
6.
A remuneração base auferida pelo A. era de € 531,50 – quinhentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos –, à qual acrescia o subsídio de refeição diário de € 5,00 – cinco euros.
7.
No dia seguinte ao evento o autor deslocou-se ao Hospital de Lamego onde foi atendido e consultado, e de imediato foram prescritos medicamentos para a dor e indicado que nada poderia ser feito sem que o Autor fosse operado.
8.
No dia 05 de Fevereiro de 2010, a Segunda Ré preencheu os documentos necessários à participação do acidente de trabalho à Seguradora.
9.
A partir desse dia, o Autor foi acompanhado medicamente por via da Primeira Ré.
10.
No dia 08 de Fevereiro de 2010, o Autor foi consultado pelo Exmo. Senhor Dr. E…, especialista em Clínica Geral, da F…, em Lamego.
11.
Em tal consulta, o referido médico ordenou a sujeição do Autor a um TAC.
12.
O que veio a ocorrer no dia 12/02/2010.
13.
No dia 22 de Fevereiro de 2010, o Autor foi novamente a consulta médica na referida F…, com o Senhor Dr. E….
14.
O mesmo, após análise do relatório da TAC, informou o Autor que este deveria ser seguido por médico especialista de ortopedia.
15.
No dia 24 de Fevereiro de 2010, o Autor recebeu um telefonema de alguém que se identificou com sendo representante da Primeira Ré.
16.
Por via do aludido telefonema o Autor foi informado de que lhe era dada alta, ou seja, que os especialistas da Primeira Ré o achavam apto para o trabalho.
17.
A 1ª ré entregou ao Autor um documento onde constava tal informação: curado sem qualquer desvalorização
18.
Após uma série de telefonemas efectuados pelo Autor, nesse mesmo dia 24 de Fevereiro de 2010, para a Primeira Ré, o mesmo viu ser-lhe marcada consulta com o Senhor Dr. G…, médico perito, na cidade do Porto, para o dia 12 de Março de 2010.
19.
Em 24/03/2010, o A. foi submetido a uma Ressonância Magnética Nuclear (RMN) que revelou que “Em L5-S1 observa-se desidratação do disco intervertebral, com redução da distância intersomática em menos de 50%. O disco apresenta hérnia extrusa paramediana direita com migração caudal. A raiz S1 direita encontra-se empurrada contra o maciço articular posterior, podendo aqui estar comprometida.”
20.
Em 30/03/2010, a primeira Ré foi notificada para remeter, documentação clínica e nosológica disponível; apólice e seus adicionais em vigor; folha de salários do mês anterior ao do acidente ou informação sobre o montante relativo à responsabilidade infortunística transferida e nota discriminatória das incapacidades, internamentos e indemnizações pagas desde o acidente de trabalho,
21.
A 1ª ré informou o autor de que declinava qualquer responsabilidade, uma vez que os serviços clínicos que acompanharam o A. até então consideraram que “a patologia apresentada não tem nexo causal com o ocorrido”.
22.
O A., a pedido dos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Trabalho de Lamego, foi submetido a um exame de ortopedia, em 16/09/2010, do qual consta que “a hérnia discal compressiva terá que ser aceite como pós-traumática. Não há outra explicação.”
23.
O A., igualmente a pedido dos Serviços do Ministério Público deste Tribunal, foi submetido a três exames médicos efectuados pelo GML (Gabinete Médico-Legal) de Vila Real, nas seguintes datas: (i) 28/05/2010 (Relatório nº 1), (ii) 9/11/2010 (Relatório nº 2) e (iii) 25/03/2011 (Relatório nº 3).
24.
Do Relatório nº 3, que se baseou na documentação clínica anterior, consta que “os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática e o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões.”
25.
Ainda no Relatório de 25/03/2011, pode ler-se que existem “sinais de trombose superficial envolvendo a veia pequena safena de aspecto recente”,
26.
Em 27/07/2010, houve um pedido de informação dirigido ao serviço de Hematologia do Hospital Universitário de Coimbra sobre o estado do sinistrado, tendo sido, para o efeito, remetido um relatório, do qual consta que este é um “doente com factor genético de risco trombótico”.
27.
O A. não foi submetido a qualquer intervenção cirúrgica.
28.
Na habitação onde o A. habita com a sua esposa e as suas duas filhas, o quarto onde dorme é no terceiro andar e as instalações sanitárias no piso térreo.
29.
O A. tem também a seu cargo duas filhas menores, H…, de 13 anos, e I…, de 7 anos.
30.
No dia 26/05/2011 realizou-se a tentativa de conciliação, cujo teor ora se dá por reproduzido.
31.
O autor deslocou-se, para realização de exames médicos, duas vezes a Vila Real e duas vezes a Coimbra.
32.
O autor gastou € 299,00 com medicamentos.
33.
O autor pagou € 60,00 por uma consulta de ortopedia, datada de 14/12/2010, e € 90,00 por uma consulta de neurocirurgia, datada de 21/12/2010.
34.
O autor pagou € 10,00 por uma refeição numa das deslocações obrigatórias.
35.
O autor é um doente diabético e com risco trombótico,
36.
O Autor sente dores fortíssimas e toma diariamente um medicamento para as poder suportar.
37.
O Centro Distrital de Viseu do Instituto da Segurança Social, IP, pagou as prestações correspondentes a subsídio de doença do autor, no montante de € 5.282,54, referentes ao período de 09.02.2010 a 21.09.2011.
38.
O sinistrado à data do evento supra referido era portador de patologia a nível da coluna lombar que se traduzia por alterações degenerativas e canal estreito lombar.
39.
Decorrente do evento em causa nos autos houve agravamento da sua situação clínica.
40.
O sinistrado apresenta actualmente como sequelas alterações neurológicas nos dois membros inferiores com especial incidência no membro inferior direito.
41.
Como consequência do evento descrito anteriormente o sinistrado sofreu 120 dias de ITA sem período de ITP.
42.
Como consequência do evento descrito anteriormente o sinistrado sofre de uma IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência de doença pré existente.
43.
Atendendo a que se trata de uma doença pré existente e de carácter degenerativo há tendência para o agravamento.”.
*
No auto de exame médico singular, levado a cabo na fase conciliatória do processo, foi considerada como data da alta definitiva a de 16.09.2010, a qual decorre também da tentativa de conciliação que teve lugar e, ainda que não expressamente referida na sentença, está todavia nela implícita, uma vez que aí se considerou ser a pensão anual devida desde 17.09.2010 (ou seja, o dia imediato àquela data).
Deste modo, adita-se à matéria de facto provada o nº 44 com o seguinte teor:
44. O A. teve alta definitiva aos 16.09.2010.
*
Porque documentalmente provado, através de certidão do assento de nascimento que consta de fls. 90, adita-se à matéria de facto provada o nº 45 com o seguinte teor:
45. O A. nasceu aos 08.07.1977.

III. Questão Prévia

A Ré Seguradora recorreu da sentença pretendendo a sua retificação, nos termos em que, também, o havia previamente solicitado através do requerimento de 13.07.2012.
Tal retificação veio a ser deferida por despacho do Mmº Juiz de fls. 438/439.
Ora, assim sendo, prejudicado fica o conhecimento do objeto do recurso interposto pela mencionada Ré.
*
IV. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na redação aprovada pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
São as seguintes as questões suscitadas no recurso:
a. Se a IPATH de que o A. padece decorreu exclusivamente do agravamento, resultante do acidente de trabalho, da sua doença pré-existente;
b. Se a IPATH de que o A. padece deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho e, em caso afirmativo, das respetiva consequências.
c. Da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa.

2. Da 1ª questão

Tem esta questão por objeto saber se, como defende o A., a IPATH de que padece decorreu exclusivamente do agravamento, determinado pelo acidente de trabalho, da sua doença pré-existente.
Para tanto, sustenta, em síntese e com relevância para esta questão, que o acidente determinou um agravamento da sua situação clínica pré-existente e que não sofria de qualquer IPATH antes do acidente pois que, apesar da doença, se encontrava a trabalhar e exercia a sua profissão de pedreiro.
O Recorrente não impugna, ao menos expressamente, a decisão da matéria de facto. Não obstante, tal alegação, ainda que para suportar a posterior conclusão jurídica de que essa IPATH deveria ser, nos termos do art. 11º, nºs 1 e 2 da LAT, avaliada como se resultasse do acidente, não deixa de constituir uma, ainda que implícita, discordância da decisão da matéria de facto.

2.1. Na fundamentação da decisão da matéria de facto referiu o Mmº Juiz o seguinte: “Quanto à relação entre o estado clínico do sinistrado e o acidente de trabalho em causa nos autos nenhuma prova se produziu em audiência (prova testemunhal, leia-se).
No que concerne à prova documental junta aos autos, o tribunal analisou todos os relatórios médicos juntos aos autos, nomeadamente, os elaborados pelo IML assim como a
junta médica realizada na pessoa do sinistrado.
O tribunal analisou ainda o relatório médico junto aos autos em audiência.
Sopesando todos estes elementos clínicos o tribunal não viu qualquer motivo para alterar a decisão já proferida no apenso de fixação de incapacidade.
Diga-se ainda que o tribunal ficou perfeitamente convencido de que o actual estado clínico do sinistrado não teve origem no acidente de trabalho que o mesmo sofreu mas antes numa série de outras doenças de que o mesmo padece e que se encontram devidamente descritas nos diversos relatórios médicos juntos aos autos.
Ficámos também convencidos, tendo por base o auto de junta médica a que o tribunal presidiu, bem como os restantes elementos clínicos juntos aos autos, de que a situação clínica do sinistrado agravou-se em função do acidente de trabalho que sofreu, agravamento esse que justifica a atribuição de uma IPP. No entanto, a IPATH de que o sinistrado actualmente padece não tem a sua origem nas lesões provocadas pelo acidente em causa nos autos mas antes na doença pré-existente. Nessa medida, o tribunal ficou convencido de que o nexo causal entre as lesões e o acidente em discussão nos autos existe apenas no que concerne à fixação de 15% de IPP sem IPATH.”.
Pese embora a audiência de discussão e julgamento não haja sido gravada, da respetiva ata decorre que apenas uma testemunha (J…, esposa do A.) prestou depoimento, depoimento este que não foi invocado nem pela 1ª instância, nem pelo Recorrente, para sustentar a pretendida, ainda que de forma tácita, alteração da matéria de facto, pelo que nada obsta a que, com base na fundamentação aduzida pelo Recorrente (e na prova documental junta aos autos) se conheça dessa pretensão.
E, conhecendo, desde já se dirá que o alegado pelo A. – que o acidente agravou a doença de que padecia, que, anteriormente ao mesmo, não se encontrava afetado de IPATH e que exercia a sua profissão habitual – é insuficiente no sentido de se poder concluir e dar como provado que essa incapacidade resulta, exclusivamente, do agravamento, decorrente do acidente de trabalho, da doença. Com efeito, nada nos autos exclui a possibilidade de terem ocorrido ou concorrido outras causas para o agravamento da doença e da consequente IPATH, assim como nada resulta no sentido de que esse agravamento e a IPATH são consequência, exclusiva, do acidente de trabalho.
Por outro lado, nem tal pretensão decorre do exame pericial efetuado pela junta médica que, por unanimidade: em resposta ao quesito 3º formulado pela Ré Seguradora [“Qual a IPP?”], respondeu: “IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência da doença pré existente”; e que, em resposta ao quesito 3º formulado pelo A. [“As lesões de que o sinistrado padece são estáveis ou têm tendência para se agravar”], respondeu: “Atendendo a que se trata de uma doença pré existente e de carácter degenerativo há tendência para o agravamento”.
Ou seja, e em conclusão, não é possível concluir, muito menos com a necessária segurança, que, pese embora a doença haja sido agravada pelo acidente de trabalho (facto este provado conforme nºs 38 e 39º), haja sido este agravamento, e não, designadamente eventuais outros fatores decorrentes da própria patologia e da sua evolução degenerativa, a causa única da IPATH.
Resta acrescentar que o exame médico singular, que teve lugar na fase conciliatória do processo e que considerou ser o A. portador de IPATH em consequência das sequelas sofridas no acidente, não é corroborado pelo laudo da junta médica. De todo o modo, dele também não resulta que o acidente de trabalho haja sido a causa exclusiva da IPATH.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

3. Da 2ª questão

Tem esta questão por objeto saber se a IPATH de que o A. padece deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho.

3.1. Na sentença recorrida não foi levada em conta a IPTAH de que o A. é portador, mas tão-só a IPP de 15%, para tanto referindo-se o seguinte:
“Também não existem quaisquer dúvidas quanto às lesões que o mesmo apresenta.
No que concerne a este último ponto diga-se que o tribunal considerou que não existe qualquer nexo de causalidade entre a situação clínica do sinistrado actualmente e o acidente em causa nos autos. Tal acidente serviu apenas para agravar as referidas lesões mas não está na sua origem.”.
Do decidido discorda o Recorrente invocando, em síntese: o disposto no art. 11º, nºs 1 e 2, da NLAT; que a IPATH decorreu do agravamento, resultante do acidente de trabalho, da doença pré existente; e que não se pode proceder, no caso, à separação entre, por um lado, a IPP decorrente do acidente e, por outro, entre a IPATH decorrente da doença pré-existente.
Por sua vez, diz a Ré Seguradora que os Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica, na resposta ao quesito 3º por si formulado, responderam que o A. se encontra afetado de “IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência da doença pré-existente”; por isso, teria que haver uma causa próxima, exterior ao organismo, que desencadeasse a IPATH, o que não se verificou, já que resultou de doença degenerativa pré-existente, não tendo sido desencadeada pelo acidente.

3.2. Tendo o acidente de trabalho em apreço nos autos ocorrido aos 04.02.2010, ao caso é aplicável o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais aprovado pela Lei 98/2009, de 04.09 (NLAT), o qual entrou em vigor aos 01.01.2010 (arts. 187º, nº 1, e 188º da mesma) e ao qual nos estaremos a reportar na indicação de preceitos sem menção de origem.
Dispõe o art. 11º, nºs 1 e 2, do mencionado diploma, tal como já dispunha o anterior art. 9º da Lei 100/97, de 13.09, que:
1 – A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
2 – Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.
3 – No caso do sinistrado estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.
(…)
Os nºs 1 e 2 tratam de situações distintas.
Quanto ao nº 1, trata ele da predisposição patológica que, como diz Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico, Almedina, 2ª Edição, pág. 69, “não é, em si, uma doença ou patogenia: é, antes, uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, em prazo mais ou menos longo e segundo graus de várias intensidades, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.”.
Todavia, a responsabilidade pela reparação integral do acidente não é afastada mesmo que a predisposição patológica tenha sido a causa única da lesão.
Com efeito, essa é a única conclusão possível da alteração introduzida pela Lei 100/97 ao que, então, se consagrava na Base VIII, nº 1, da Lei 2127, de 03.08.65, a qual dispunha que: “1. A predisposição patológica da vítima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada.” [sublinhado nosso].
Ou seja, de harmonia com a Lei 2127, se a predisposição patológica fosse a causa única da lesão ou doença excluída ficaria a reparação integral. Ora, tendo a Lei 100/97,no art. 9º, nº 1, redação que foi mantida pela Lei 98/2009, revogado tal limitação, indiscutível é que, mesmo que a predisposição patológica haja sido a causa única da lesão ou doença, ainda assim se mantém o direito à reparação integral, essa a única interpretação passível de ser extraída de tal alteração.
Isso mesmo diz, também, Carlos Alegre, in ob. e pág. citada: “(…) A redação definitiva da Lei 2127/65, manteve, porém, a doutrina da causa única, não fazendo mais do que consagrar legalmente o que era uma orientação unânime da Jurisprudência; todavia, acentuou-se a ideia, ao longo da vigência da referida Lei 2127/65, de que dávamos nota em anterior trabalho sobre a matéria, de que em futura alteração legislativa deveria haver a garantia do direito à reparação integral, mesmo que a predisposição tivesse sido causa única da lesão. De facto, da redacção do actual nº 1 do artigo 9º [reporta-se à Lei 100/97] foi retirada a referência à causa única, como propugnávamos (Cfr. nosso Acidentes de Trabalho, Coimbra, 1995, pág. 57 e 58).”.
Assim, atualmente e desde a Lei 100/97, a exclusão do direito à reparação integral apenas ocorrerá quando, existindo a predisposição patológica, esta tenha sido ocultada. E “cabe à entidade responsável demonstrar que aquele [o trabalhador] não só conhecia [a predisposição patológica], de forma clara e inequívoca, como a ocultou da entidade empregadora, no momento em que celebrou o contrato de trabalho ou equivalente, ou no momento em que dela teve conhecimento” – Autor e ob. citadas, pág. 70.
No mesmo sentido, cfr. Acórdão da RC de 01.06.2006, in www.dgsi.pt, no qual se refere que: “Perante este preceito, e ao contrário do que acontecia com o estatuído no nº 1 da Base VIII da Lei nº 2127 de 03.08.65, mesmo que a predisposição patológica tenha sido causa única da lesão ou doença, não fica excluído o direito à reparação. Apenas ocorrerá tal exclusão quando, além de existir a predisposição patológica, ela tenha sido ocultada.
E “cabe à entidade responsável demonstrar que aquele [o trabalhador] não só conhecia [a predisposição patológica], de forma clara e inequívoca, como a ocultou da entidade empregadora, no momento em que celebrou o contrato de trabalho ou equivalente, ou no momento em que dela teve conhecimento” (Citámos Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, pág. 70. ).”.

Na situação configurada no nº 2 do art. 11º (e, de forma idêntica, no nº 2 do art. 9º da Lei 100/97 e essencialmente idêntica à que constava da Base VIII da Lei 2127/65) estão previstas duas situações diferentes, não já de predisposição patológica, mas de doença ou lesão: i) quando uma lesão ou doença consecutiva ao acidente é agravada por lesão ou doença anterior; ii) se a lesão ou doença anterior ao acidente for agravada pelo acidente.
Em ambas as situações, a doença anterior ao acidente nem exclui, nem restringe o direito à reparação, antes determinando a norma que a incapacidade será avaliada como se tudo resultasse do acidente, salvo se, por essa lesão ou doença anterior, já estiver o sinistrado a receber pensão ou tiver recebido capital de remição. Esta é a única exceção prevista na lei. Tal norma não estabelece qualquer presunção, ilidível, de nexo de causalidade, antes impondo ou ficcionando, de forma perentória e inilidível, que, em tais situações de agravamento (seja da lesão consecutiva ao acidente, seja da lesão anterior ao acidente), a incapacidade será avaliada globalmente como se, toda ela, fosse imputável ao acidente, o que, aliás, bem se compreende desde logo considerando a dificuldade em estabelecer a fronteira entre o que é, ou não, imputável, e respetiva medida, exclusivamente à doença anterior e ao acidente.
Acresce que é à entidade responsável pela reparação que incumbe o ónus de alegação e prova de que o sinistrado aufere, pela doença ou lesão anterior ao acidente, uma pensão ou capital de remição.

Ou seja, quer na situação prevista no nº 1, quer nas referidas no nº 2, do art. 11º, a menos que se verifiquem as exceções neles referidas, não há que estabelecer qualquer distinção na incapacidade.

3.3. No caso em apreço, está provado que o sinistrado: no dia 04.02.2010, foi vítima de um acidente de trabalho (nºs 1 dos factos provados); à data do acidente, era portador de patologia a nível da coluna lombar que se traduzia por alterações degenerativas e canal estreito lombar (nº 38 dos factos provados); essa sua situação clínica foi agravada pelo mencionado acidente (nº 39 dos factos provados); como consequência do acidente o sinistrado “sofre de uma IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência da doença pré-existente” (nº 42); “atendendo a que se trata de uma doença pré existente e de carácter degenerativo há tendência para o agravamento” (nº 43 dos factos provados).
Ora, considerando a referida factualidade e o que acima deixamos exposto, há que concluir que não existe fundamento para excluir a IPATH da reparação devida pelo acidente de trabalho, não procedendo o argumento, considerado na sentença e defendido pela Recorrida Seguradora, de que o “acidente serviu apenas para agravar as lesões que o sinistrado apresenta, não estando, todavia, na sua origem.”
Com efeito a IPATH decorre de patologia/doença pré existente que foi agravada pelo acidente de trabalho em causa nos autos, sendo que não procede o argumento de que essa IPATH é imputável exclusivamente à doença pré existente.
Na verdade, e como referido, sendo a situação enquadrável no nº 1 do art. 11º, a circunstância da predisposição patológica poder ser a causa única da lesão não exclui o direito à reparação integral, sendo que nem as RR. alegaram, nem se provou, que o A. haja ocultado a patologia de que padecia.
Sendo a situação enquadrável no nº 2 desse preceito, verifica-se que a doença anterior, determinante da IPATH, foi agravada pelo acidente, devendo a incapacidade (seja na parte decorrente apenas da doença anterior, seja na parte decorrente do seu agravamento, determinado pelo acidente) ser avaliada como se tudo decorresse do acidente, já que nem as RR alegaram, nem se provou, que o sinistrado, por virtude dessa doença, se encontre a receber pensão ou já tivesse recebido capital de remição.
Assim sendo, impõe-se concluir que o A. se encontra afetado de IPATH, com uma IPP de 15% para o exercício de outra profissão, assim procedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.

3.4. Em consequência, tem o A. direito à pensão anual e vitalícia prevista no art. 48º, nº 3, al. b), da Lei 98/2009.
Considerando que o A. auferia a retribuição anual €8.651,00 (531,50 x 14 + €5,00 x 22 dias x11 meses), tem o mesmo direito, com efeitos a partir de 17.09.2010 (dia imediato ao da alta definitiva), à pensão anual e vitalícia de €4.585,03, atualizável nos termos legais, sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da quota parte da pensão anual no montante de €4.165,80 e da responsabilidade da Ré patronal o pagamento da quota parte da pensão anual ano montante de €419,23, a qual deverá ser paga mensalmente, correspondendo cada duodécimo a 1/14 da pensão anual, e acrescida dos subsídios de férias e de natal, cada um correspondendo a 1/14 da mesma, a pagar em Junho e Novembro (art. 72º, nºs 1 e 2).
Não sendo tal pensão obrigatoriamente remível, revoga-se também a sentença recorrida na parte em que ordenou o cálculo do respetivo capital e em que ordenou a remessa dos autos ao MP para entrega do capital ao sinistrado.

4. Da 3ª questão

Tem esta questão por objeto o pagamento da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa prevista nos arts. 53º e 54º, que o A. havia peticionado na petição inicial.
Para tanto alega o A. que resulta da sentença (página cinco, segundo diz) que carece de ajuda de terreiros (no caso concreto, da sua mulher), para se vestir, para se despir, para tomar banho.
Certamente por lapso manifesto do A. é que o mesmo faz tal afirmação. É que dos factos provados nada resulta no sentido das alegadas carências, sendo que as mesmas são retiradas da fundamentação da decisão da matéria de facto, em que o Mmº Juiz consigna o que terá sido afirmado pela testemunha J….
Ora, e como se sabe, uma coisa é a fundamentação da decisão da matéria de facto, que precede a sentença, e outra, a sentença; e, diga-se, outra também bem diferente, é o mero relato, na fundamentação da decisão da matéria de facto, do que as testemunhas terão dito.
Tal factualidade não se encontra, pois, provada e nem o A. impugnou, nessa parte, a decisão da matéria de facto, o que aliás nem poderia fazer dado que o invocado assenta em prova testemunhal (depoimento da referida testemunha) que não foi gravada, não podendo ser sindicada por esta Relação (cfr. art. 712º, nº 1, al. a), do CPC).
Assim e nesta parte improcedem as conclusões do recurso.

4. Por fim resta referir o seguinte:
Pese embora o longo leque de pedidos formulados, o A. não peticionou o pagamento do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente previsto no art. 67º, nº 3, a que, automática e independentemente de qualquer outra factualidade, tem direito por virtude da IPATH de que padece.
Atenta a indisponibilidade dos direitos decorrentes da reparação devida por acidente de trabalho (cfr. art. 78º) e o disposto no art. 74º do CPT, há que condenar as RR, na proporção das respetivas responsabilidades, a pagarem ao A. tal subsídio, no montante de €4.120,45, assim calculado:
€419,22 (IAS em vigor à data do acidente – DL 323/2009, de 24.12) x 1,1 x 12 meses = 5.530,80
5.530,80 x 70% = 3.871,56
5.530,80 - 3.871,56 = 1.659,24
1.659,24 x 15% = 248,89
3.871,56 + 248,89
Atenta a quota parte da responsabilidade de cada uma das RR. (de 0,9085 da Ré Seguradora e 0,0915 da Ré patronal), é a Ré Seguradora responsável pelo pagamento da quantia de €3.743,43 e a Ré patronal pelo pagamento da quantia de €377,02.
Refira-se que quota parte da responsabilidade das RR referida na sentença recorrida (de 95,09% e de 4,91% para as RR Seguradora e empregadora, respetivamente), não se encontra corretamente calculada. Não obstante, nenhuma das RR. recorreu da sentença ou requereu a retificação, pelo que a sentença transitou em julgado na parte em que as condenou nos montantes de €94,73 (empregadora) e de €1.834,00 (Seguradora) a título de indemnização por ITA. Porém, no mais em que foram condenadas na sentença recorrida, mas apenas na “proporção das respetivas responsabilidades”, nada obsta a que possa ser tida em conta a repartição correta da responsabilidade das RR.
*
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide revogar a sentença recorrida na parte em que considerou o A. afetado, apenas, da IPP de 15% e condenou as RR. a pagarem a pensão anual e vitalícia de €867,93, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar as RR., Companhia de Seguros D…, SA. e C…, Lda. a pagarem ao A., B…, com efeitos a partir de 17.09.2010, a pensão anual e vitalícia de €4.585,03, atualizável nos termos legais, sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da quota parte da pensão anual no montante de €4.165,80 e da Ré empregadora a quota parte da pensão anual no montante de €419,23, devendo a pensão ser paga mensalmente, correspondendo cada duodécimo a 1/14 da pensão anual devida por cada uma das RR, e acrescida dos subsídios de férias e de natal, cada um correspondendo a 1/14 das mesmas, a pagar em Junho e Novembro de cada ano.
Mais se condena as RR a pagarem ao A. a quantia de €4.120,45 a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, sendo da responsabilidade da ré Seguradora o pagamento da quantia de €3.743,43 e a Ré empregadora o pagamento da quantia de €377,02.
No mais, nega-se provimento ao recurso.

Fixa-se à ação o valor de €111.482,52.

As custas, em 1ª instância, são a suportar pelas RR na proporção das respetivas responsabilidades [a sentença recorrida apenas condenou as RR nas custas, mas sem se reportar à responsabilidade de cada uma delas].
Custas no recurso por ambas as RR na proporção das respetivas responsabilidades.

Porto, 18-02-2013
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
António José da Ascensão Ramos
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[1] Como adiante se dirá, o conhecimento do objeto do recurso mostra-se prejudicado, pelo que é desnecessária a transcrição das conclusões.
___________
SUMÁRIO
I. Os nºs 1 e 2 do art. 11º da Lei 98/2009, de 04.09 (tal como os anteriores art. 9º, nºs 1 e 2, da Lei 100/97, de 13.04 e Base VIII, nºs 1 e 2, da Lei 2127, de 3.08.65) contemplam situações distintas: o primeiro, uma situação de predisposição patológica (que não doença) anterior ao acidente de trabalho que, com este, se desencadeia; o segundo, uma situação de doença consecutiva ao acidente agravada por doença ou lesão anterior ou uma situação de doença anterior agravada pelo acidente.
II. Da comparação entre o disposto na Base VIII, nº 1, da Lei 2127, de 3.08.65 com o disposto no art. 9º, nº 1, da Lei 100/97, redação esta que se manteve no art. 11º, nº 1, da Lei 98/2009, resulta que a predisposição patológica, mesmo que tenha sido a causa única da lesão ou doença, não afasta o direito à reparação integral do acidente de trabalho, salvo quando essa predisposição tenha sido ocultada.
III. Na situação prevista no nº 2 do art. 11º, se a lesão ou doença consecutiva ao acidente é agravada por doença ou lesão anterior ou se esta for agravada pelo acidente, a incapacidade deverá ser avaliada como se tudo tivesse resultado do acidente, exceto se o sinistrado já estiver a receber pensão (ou tiver recebido capital de remição).
IV. Se o sinistrado padece de lesão ou doença anterior ao acidente, se deste resulta incapacidade (IPP) para o trabalho e agravamento daquela e se, em resultado dessa doença, o sinistrado fica, após o acidente, afetado de IPATH, tudo, incluindo esta incapacidade, deverá ser avaliado como se tivesse resultado do acidente.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carval