I) Para a prática do crime de coação sob a forma tentada, basta que a conduta do arguido, quer por meio de violência, quer através de ameaça com um mal importante, seja objetivamente capaz de obrigar outrem a praticar um ato, a omiti-lo, ou, ou a suportar uma determinada atividade (artº 22, nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal).
II) É o que sucede, no caso dos autos, pois se provou que o arguido, por várias vezes, disse à ofendida "se me acusa às finanças passo-lhe com um carro por cima"; "fica avisada ou você está quieta ou se me acusar passo-lhe com um carro por cima", querendo o arguido provocar medo à sua destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes.
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada/erro de julgamento; vício decisório (artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal); violação do princípio in dubio pro reo;
- Subsunção dos factos ao direito;
- Dosimetria da pena de multa (medida concreta da pena de multa e e respetivo quantitativo diário).
Passemos a analisar as questões suscitadas.
O arguido impugna a matéria de facto dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do Código de Processo Penal, aludindo também ao vício decisório do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, de conhecimento oficioso, cuja indagação, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum (Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal.
Nestes casos (de impugnação ampla), o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E sem esquecer que uma das grandes limitações do tribunal de recurso, quando é chamado a pronunciar-se sobre uma impugnação de decisão relativa a matéria de facto, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração, efetuada na primeira instância, da prova testemunhal, decorre da falta do contacto direto com essa prova, da ausência de oralidade e, particularmente, de imediação.
No nosso sistema processual vigora o princípio da livre apreciação da prova, em conformidade com o qual o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos (cfr. artigo 127º do Código de Processo Penal).
Também não se pode esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cf. art. 125º do Código de Processo Penal).
Assim, regra geral (e ressalvadas as exceções previstas na lei), na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o tribunal é livre de formar a sua convicção. Normalmente, o que sucede é que face à globalidade da prova produzida, o tribunal se apoie num certo conjunto de provas, em detrimento de outras, nada obstando a que esse convencimento parta de um registo mínimo, mas credível, de prova, em detrimento de vastas referências probatórias, que, contudo, não têm qualquer suporte de credibilidade.
O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância.
É certo que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Atente-se, aliás, que o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que “impõem” e não as que “permitiriam” decisão diversa (cfr. artigo 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal) – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 17.02.2005, relatado por Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt.
O nosso poder de cognição está confinado aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados, com as especificações estatuídas no artigo 412º n.º 3 e 4 do Código Processo Penal.
E diga-se que o arguido/recorrente cumpriu o ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Atentemos no que se fez constar na Motivação da Matéria de Facto da sentença recorrida. E atentemos também nos argumentos invocados pelo recorrente que defende que foram incorretamente julgados como provados os pontos nºs 2), 3), 4), 5) e 6), do ponto A), do capítulo II. – Os Factos Provados, os quais, defende, devem ser considerados como não provados.
Alega o arguido que “não obstante a prova produzida em Julgamento e o alcance e a validade da mesma: apenas se pode concluir que o Tribunal a “quo”, não procedeu a uma apreciação criteriosa da prova, mas antes deu como assente a factualidade que aqui se impugna mediante um rebuscado raciocínio, inequivocamente sustentado numa presunção de culpa”.
Alega ainda que o depoimento da ofendida sobre os factos atinentes ao comportamento do arguido não foi escorreito e objetivo conforme se convenceu o Mtº Juiz “a quo”. E defende que há divergência e discrepância entre os vários depoimentos (declarações da ofendida e das testemunhas M. A. e C. M.) sobre o local onde houve discussão (dentro ou fora do recinto da fábrica?) e há divergência sobre quando começa a discussão ou quando são proferidas as ditas e alegadas expressões (o arguido está à porta da fábrica dentro do recinto ou está na rua?).
Vejamos.
O Tribunal da Relação procedeu à análise da prova produzida, nomeadamente da prova por declarações e testemunhal, sendo que os segmentos das declarações e dos depoimentos transcritos na motivação do recurso traduzem apenas parte do que foi dito na audiência de julgamento, correspondendo a parte da prova produzida em audiência de julgamento, e não são suscetíveis de abalar a convicção do tribunal, conforme pretende o recorrente.
Por outro lado, não existe qualquer obstáculo processual a que, no confronto entre as declarações do arguido J. C. e os depoimentos da ofendida J. C. e testemunha M. A., o tribunal atribua maior credibilidade aos últimos em detrimento das primeiras, na medida em que todos se encontram sujeitos à livre apreciação do julgador.
Sabemos que as provas (todas) se encontram sujeitas à livre apreciação do julgador e não podem ser apreciadas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada, devendo ser analisadas e valoradas concatenadamente, conjugando-as e estabelecendo correlações internas entre elas, confrontando-as de forma a que, ainda que de sinal contrário, daí resulte uma decisão linear, fazendo inferências ou deduções de factos conhecidos desde que tal se justifique, e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência.
Efetivamente impõe-se que o tribunal proceda a uma análise conjugada dos meios de prova, tendo presentes as regras da experiência comum e da normalidade. Além disso, conforme já referimos, ao tribunal é permitido socorrer-se de presunções naturais para a formação da convicção sobre a factualidade provada, devendo a sua convicção apoiar-se em raciocínio lógico, objetivo e motivado, sem atropelo daquelas normas da vivência comum e resulte perfeitamente explicado na decisão.
No caso sub judice a motivação de facto revela uma avaliação objetiva, racional e ajuizada do conjunto da prova produzida. Mostra-se estruturada a partir da análise das declarações do arguido J. C. e dos depoimentos da ofendida J. C. e da testemunha M. A., conjugados entre si, com recurso a presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência.
Por conseguinte, o tribunal ponderou as provas, segundo critérios de objetividade e à luz das regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal, em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis, revelando-se que tal convicção expressa na sentença, adquirida na base da imediação e da oralidade, não é irracional, escapando, por isso, a qualquer censura.
E o tribunal a quo considerou os depoimentos da ofendida e da testemunha M. F. “credíveis”, convencendo-se “da ocorrência dos factos nos precisos termos dados como provados, sendo de salientar que a discussão que, inegavelmente ocorreu, confere maior credibilidade e verosimilhança aos referidos depoimentos”.
Por outro lado, o tribunal a quo considerou que os depoimentos das testemunhas M. F. e S. B., esposa e nora do arguido, da testemunha M. M., colega do arguido não soaram minimamente credíveis, sendo que “o depoimento de F. P. foi completamente inútil para o esclarecimento dos factos”.
E nesse relatado contexto o tribunal entendeu que a testemunha “J. C., confirmando as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, descreveu, de modo que se nos afigurou escorreito e objectivo, toda a conduta do arguido, designadamente as expressões que lhe foram dirigidas, bem como os sentimentos de receio que, quer no momento, quer posteriormente passou a vivenciar, tudo nos precisos termos dados como provados”.
De facto, já o dissemos, lendo as transcrições da prova gravada, nomeadamente os concretos segmentos que são convocados pelo recorrente, não se vislumbra que, de essencial, algo resulte que permita infirmar aquela que foi a convicção formada pelo julgador em 1ª instância. A conjugação de todos os elementos probatórios permitem inferências suficientemente seguras no sentido da matéria de facto dada como provada, sendo que não vislumbramos qualquer contra-argumento suficientemente seguro que justificasse solução diferente daquela a que chegou o Tribunal.
Conforme já referimos, os factos indiciários não assumem relevo quando considerados por si sós, mas apenas se conjugados entre si e com as regras da normalidade do acontecer e, no caso em apreço, depois de proceder à análise do conjunto da prova produzida, entendemos, tal como o tribunal a quo, que existem elementos manifestos e credíveis que permitam associar o arguido recorrente à prática do crime de coação, na forma tentada, pelo qual vem condenado.
Se não vejamos.
O arguido J. C. negou ter proferido as expressões em causa.
Ao invés, a ofendida J. C., confirmando as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, relatando toda a conduta do arguido, designadamente as expressões que lhe foram dirigidas, bem como os sentimentos de receio que, quer no momento, quer posteriormente passou a vivenciar, tudo nos precisos termos dados como provados. Com efeito, a mesma confirmou as expressões em causa, reiterando-as e esclarecendo que ficou muito perturbada da cabeça, muito esquecida, andou um tempo muito mal, adiantando que evidentemente teve medo e receio de passar pelo arguido. É certo que, no meio da inquirição, referiu que naquele momento não teve medo, pois não sabia o que se estava a passar e estava a tentar resolver a situação, mas depois apercebeu-se e ficou transtornadíssima, levando a sério as ameaças.
Por sua vez, a testemunha M. A., sobrinha da ofendida, que se encontrava a trabalhar no local dos factos referiu que nas circunstâncias em causa era perfeitamente audível no exterior a discussão entre o arguido e a ofendida J. C., confirmando que aquele fazia repetidamente alusão a um assunto relacionado com queixas às finanças e que passaria com o carro por cima desta. Descreveu ainda os sentimentos de receio e medo que a tia vivenciou no momento e posteriormente.
A testemunha C. M., construtor civil, referiu que se encontrava no local nas referidas circunstâncias, a pedido da ofendida, para ver umas obras que ia efetuar, confirmando a existência de uma discussão entre a ofendida e outro individuo.
Não escamoteamos a existência de algumas discrepâncias entre os depoimentos das referidas testemunhas de acusação, as quais são fruto do decurso do tempo, da normal seleção da memória e compreensível tensão a que se sentem sujeitas as pessoas ouvidas em audiência de julgamento, e respeitam apenas a pormenores das relatadas situações, que em nada bolem com a essencialidade dos factos em causa, constantes da acusação, os quais foram descritos e relatados de forma consistente e verosímil, conforme o acima exposto.
Acresce que os depoimentos das demais testemunhas ouvidas não lograram descredibilizar os depoimentos da ofendida e das referidas testemunhas M. A. e C. M..
Importa ainda atentar que não assiste razão ao recorrente quando alega que concorreu para a formação da convicção do Tribunal a quo um depoimento indireto, aludindo aos depoimentos das testemunhas de acusação.
Com efeito, depoimento indireto conforme dispõe o art.° 129°, n° 1 do Código de Processo Penal é o que consiste na descrição do que “se ouviu dizer a pessoas determinadas”, naturalmente diferentes dos protagonistas dos factos. Ora, terem as testemunhas, mormente a testemunha M. A. narrado o que ouviu dizer ao arguido, ora recorrente, no local dos factos e por ocasião dos mesmos, não é, obviamente, um depoimento indireto.
Neste contexto, face a todo o exposto, não se vislumbrando nenhum motivo para que a ofendida J. C. inventado o relatado, o seu depoimento conjugado com o depoimento da testemunha M. A., permitem-nos concluir no sentido acolhido pelo tribunal a quo e vertido na matéria de facto dada como provada.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo, não é necessário, para o seu apuramento, a existência de confissão do arguido, pois como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insuscetível de apreensão direta, tendo de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.
Ora, no caso em apreço, considerando o descrito comportamento do arguido, partindo da constatação dos factos objetivos, apreciado com a livre convicção do julgador e conjugada com as regras da experiência comum, face a todo o exposto, não podemos deixar de considerar que o recorrente “agiu deliberada, livre e conscientemente, querendo provocar medo à sua destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes”, sendo que “As expressões dirigidas pelo arguido, vindas de descrever, são idóneas a provocar medo e inquietação em qualquer pessoa e a determiná-la na sua liberdade de ação”, tendo o arguido atuado “de forma livre, voluntaria e consciente, bem sabendo proibida e punida por lei a sua conduta”.
Assim, podemos, pois, dizer que no caso dos autos, a convicção do tribunal se mostra apoiada no conjunto da prova produzida e apreciada em audiência de julgamento, e a leitura que dela foi feita pelo tribunal a quo é plausível e ajustada às regras da experiência, face ao disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, ao contrário do que defende o recorrente, sendo que tal convicção se mostra alicerçada num procedimento lógico e coerente de valoração e onde não se alcança qualquer manifestação de arbítrio na apreciação da prova.
Decorre, pois, de todo o exposto, que não demonstra o recorrente que a decisão recorrida tenha incorrido em ilógico ou arbitrário juízo na valoração da prova, ou se tenha afastado das regras da normalidade do acontecer, ou da experiência comum, não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo, tampouco o recorrente indicou prova que imponha decisão diversa da tomada na decisão em crise, não podendo senão concluir-se que a argumentação e prova indicada pelo recorrente não impõem decisão diversa, nos termos da al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova, não havendo, pois, qualquer razão para alterar a matéria de facto provada decidida pelo Tribunal a quo.
Alega, ainda, o recorrente, que o Tribunal a “quo”, “não procedeu a uma apreciação criteriosa da prova”, pelo que a decisão recorrida “padece, pois de um erro notório na apreciação da prova, pelo que estamos na presença de um vício da decisão recorrida nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do C.P.P.”.
Vejamos.
Estabelece o artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Comecemos por dizer que não se pode confundir, como faz o recorrente, o erro de julgamento com o vício do erro notório na apreciação da prova, que ocorrem, respetivamente, quando:
a)- o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado;
b)- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida - Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740; e ainda quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.
Em matéria de vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, muitas vezes se confunde, como acontece no caso em apreço, o vício do erro notório da apreciação da prova com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.
Ora, como já se disse, apenas se pode conhecer, nesta instância, os vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal se os mesmos decorrerem do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Sucede que a argumentação avançada pelo recorrente mais não traduz do que a sua discordância relativamente à avaliação que o tribunal a quo fez da prova produzida, valoração esta, porém, devidamente fundamentada, e olvidando que a convicção do tribunal é a do julgador e não a dos intervenientes processuais.
Ademais, o tribunal a quo analisou toda a prova produzida, criticamente e de forma concertada, com recurso às regras da experiência comum, explicando detalhada e racionalmente os elementos de prova de que partiu e as razões pelas quais chegou àquela conclusão, de tal modo que é possível percecionar a linha de raciocínio conducente à convicção que formou e que, por forma alguma, cabe questionar.
Da mera leitura da sentença recorrida não resulta efetivamente por demais evidente a “conclusão contrária” àquela a que chegou o Tribunal; ao invés, é assertiva a fundamentação que dela resulta, permitindo compreender o raciocínio lógico que presidiu à sua prolação, não resultando do seu texto que tivesse que ser outra a decisão do Tribunal a quo, mesmo quando os factos ali assentes são conjugados com as regras da experiência.
Quer dizer, do texto da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência, constam os factos suficientes para a decisão de direito, a mesma dá como provados os factos necessários e suficientes ao raciocínio lógico-subsuntivo que integra a decisão (de condenação), sendo que o tribunal apurou e pronunciou-se sobre os factos relevantes alegados pela acusação, pela defesa ou resultantes da discussão da causa, e investigou os factos relevantes para a decisão, não evidenciando erro notório na apreciação da prova.
Por outro lado, não se verifica qualquer incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Ora, o recorrente discorda da forma como foi apreciada pelo tribunal a prova produzida em audiência, pretendendo contrapor a convicção que ele próprio alcançou sobre os factos (que é irrelevante) à convicção que o tribunal de 1.ª instância teve sobre os mesmos factos, livremente apreciada segundo as regras da experiência, e invocam o referido vício. No entendimento do recorrente, a sua versão dos factos é que é merecedora de credibilidade, e não a versão que veio a ser acolhida na sentença recorrida.
Contudo, o modo de valoração das provas, e o juízo resultante dessa mesma valoração, efetuado pelo tribunal a quo, ao não coincidir com a perspetiva do recorrente nos termos em que este a analisa, e consequências que daí derivam, não traduz qualquer vício da decisão.
Pelo que, ao contrário do defendido pelo recorrente, não padece a sentença recorrida do invocado vício aludido na alínea c) (nem em qualquer outra das alíneas) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
Aqui chegados e, face a todo o exposto, parece-nos evidente a falta de razão do recorrente, no que se refere à invocada violação do princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, com consagração no artigo 32° n°2 da Constituição da República Portuguesa.
Se não vejamos.
O princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental num Estado de Direito democrático, cuja função é, sobretudo (mas não só), a de reger a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção com base nos meios de prova. Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, 519), “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
Ensina o Prof. Figueiredo Dias, sobre o princípio in dubio pro reo: «À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova — não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) — tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo» (in Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213).
Com efeito, a violação do princípio in dubio pro reo ocorre quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, decide contra o arguido.
Não estão em causa as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, sendo que tal princípio não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória, e resultando esse juízo do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, subordinadas ao princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República), fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência (acórdão do STJ de 27.05.2010, in www.dgsi.pt/jstj).
Por último, tal como acontece com os vícios da sentença a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, a eventual violação do princípio em causa deve resultar, claramente, do texto da decisão recorrida, ou seja, quando se puder constatar que o tribunal decidiu contra o arguido, apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante, o que há de decorrer, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto (Neste sentido, o acórdão do STJ de 29.05.2008, relator Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível em www.dgsi.pt/jstj).
Ora, no caso em apreço, a prova foi apreciada segundo as regras do artigo 127º do Código de Processo Penal, com respeito pelos limites ali impostos à livre convicção, não só de motivação objetiva segundo as regras da vida e da experiência, e sem que se vislumbre que na apreciação da prova o tribunal tenha incorrido em qualquer erro lógico, grosseiro ou ostensivo.
E, em face do que o tribunal deixou extravasado na sentença, que logrou convencer-se e convencer-nos da verdade dos factos, que deu como provados “sem resultarem dúvidas”.
A decisão em apreço baseia-se num juízo de certeza (independentemente do sentido da mesma), não em qualquer juízo dubitativo. É o que dela resulta com clareza.
Ou seja, em momento algum a decisão impugnada revela que o tribunal recorrido tenha experimentado uma hesitação ou indecisão em relação a qualquer facto e acerca da sua autoria. Ao invés, o tribunal recorrido afirma convictamente a matéria dada como provada. E do conhecimento que sobre tal decisão tomámos, igualmente concluímos que a mesma é linear e objetiva, cumpre os pressupostos decorrentes do princípio da livre apreciação da prova [artigo 127.º, do Código de Processo Penal] e não acolhe espaço para dúvidas ou incertezas relevantes.
Pelo que, face a todo o exposto, nada há, pois, a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação da convicção do tribunal, sendo patente a inexistência de quaisquer motivos para se invocar, como faz o recorrente, a violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo, ínsitos no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
Aqui chegados e, considerando-se definitivamente assente a matéria de facto dada como provada e como não provada pelo tribunal a quo, cumpre, agora, enquadrar juridicamente a conduta do recorrente.
O arguido vem condenado, como autor material, pela prática de um de crime de coação agravada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 154º, nº 1 e 2, 155º, nº 1, alínea a), 72º, 73º, 22º e 23º, todos do Código Penal.
O crime de coação é um crime de resultado, em que o bem jurídico tutelado é a livre determinação do indivíduo.
Os meios de coação são a violência, física ou psíquica, ou a ameaça de um mal importante.
Tem por objeto imediato a própria pessoa do coagido, ou de terceiros, ou sobre coisas, quer do coagido quer de terceiros, desde que o mal causado nas coisas seja idóneo a afetar sensivelmente a liberdade de ação do coagido, de forma a constranger este a adotar o comportamento visado pelo agente.
A tentativa é punível, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 154º do Código Penal.
Quanto ao que deve ser entendido por ameaça (isto é, mal futuro dependente da vontade do agente) com mal importante “há uma larga margem de indefinição a ser preenchida pelo prudente arbítrio do julgador. Não se quis, evidentemente, tornar punível toda a actividade social susceptível de causar um mal, mas só a actividade susceptível de causar um mal importante, ou seja, um mal que tenha um acentuado relevo, um mal que a comunidade repele e censura pelo dano relevante que causa ou pode causar” (cfr. Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, comentário ao artigo 154º).
Para a verificação do crime de coação é necessário que alguém, através de ameaças ou violências injustas, force, obrigue, constranja outrem a praticar atos ou a incorrer em omissões ou situações que não é obrigado a suportar e que não quer, diminuindo-o na sua liberdade de ação, bastando que “o mal ameaçado (coacção) influencie a vontade da pessoa a quem se dirige, sendo também suficiente que pareça injusto relativamente ao fim a que se destina (não é preciso que seja)” (cfr. Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal, anotação ao art. 156º, pág. 165).
Este crime é agravado, passando o crime a designar-se por coação grave, sempre que, designadamente, a coacção seja realizada, por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, caso em que o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos – artigo 155º nº 1 alínea a), do Código Penal.
Atento o disposto no artigo 22º, nº 1 do Código Penal “há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
O nº 2 define o que são atos de execução.
Para que haja tentativa basta que o agente pratique um qualquer ato de execução. Não é necessário que os atos de execução sejam em número determinado, ou atinjam um resultado mínimo, abaixo do qual seriam criminalmente irrelevantes.
Como refere Taipa de Carvalho (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 358) “para haver consumação, não basta a adequação da acção (isto é, a adequação do meio utilizado: violência ou ameaça com mal importante) e a adopção, por parte do destinatário da coacção, do comportamento conforme à imposição do coactor, mas é ainda necessário que entre este comportamento e aquela acção de coacção haja uma relação de efectiva causalidade. Se a conduta (acção, omissão ou tolerância de uma determinada acção) do sujeito passivo, isto é, do destinatário da coacção - apesar de coincidente com a que o coactor impunha - foi livremente decidida ou devida a apelo de terceiros (p. ex., forças policiais, familiares ou amigos) e, não consequência ou resultado directo da acção de coacção, isto é, do medo da concretização da ameaça (o que se verifica, quando o sujeito passivo estava decidido a não ceder às exigências comportamentais do coactor), não há consumação, mas apenas tentativa”.
E defende o mesmo autor que “Haverá tentativa punível quando o destinatário da adequada acção de coacção adota um comportamento que objetivamente está conforme a imposição do coactor, mas não por medo da coacção, mas exclusivamente porque tal corresponde à sua vontade, quer esta vontade já se tenha decidido antes da ação de constrangimento (antes de receber a ameaça coactiva) ou só se tenha formado posteriormente. O comportamento do sujeito passivo ou destinatário da coacção não é, neste caso, efeito direto da acção de constrangimento e, portanto, apesar da adequação desta, não há consumação, mas apenas tentativa” (cfr. Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 365).
Quanto ao elemento subjetivo do tipo, exige o artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal o dolo (direto, necessário ou eventual), não sendo, todavia, necessário que o agente vise, especificamente, humilhar ou constranger o coagido (dolo específico), bastando que o agente, sejam quais forem as suas motivações, tenha consciência que a violência que exerce ou a ameaça que faz é suscetível de constranger e com tal se conforme (cfr., neste sentido, Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 359).
Revertendo para o caso em apreço, tendo-se provado que o arguido, por várias vezes, disse à ofendida J. C. - “se me acusa às finanças passo-lhe com um carro por cima”; “fica avisada ou você está quieta ou se me acusar passo-lhe com um carro por cima”, querendo o arguido provocar medo à sua destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes, – estamos perante um “ato de execução”, porque idóneo a produzir o resultado típico (art. 22º, nº 2, al. b) do Código Penal), isto é, a causar receio no visado e a condicionar o seu modo de atuação.
Como bem se refere na sentença “as expressões proferidas pelo arguido e dirigidas à ofendida J. C. - “se me acusa às finanças passo-lhe com um carro por cima”; “fica avisada ou você está quieta ou se me acusar passo-lhe com um carro por cima” - integram uma ameaça com mal importante, consistente numa anunciada e futura ofensa à integridade física e mesmo à vida, o que constitui ameaça com a prática de um crime de homicídio, punível com pena de 8 a 16 anos de prisão (artigo 131º, do Código Penal)”.
Na verdade considera-se que a expressão ““se me acusa às finanças passo-lhe com um carro por cima”; “fica avisada ou você está quieta ou se me acusar passo-lhe com um carro por cima” é objetivamente apta a obrigar outrem, a ofendida, a praticar um ato e/ou a omiti-lo, sendo suscetível de ser levada a sério pela ofendida, pois para além da agressividade da mesma, continha ainda a ameaça de ofensa à integridade física e à vida, caso esta não agisse nos termos em que o arguido pretendia. A expressão em causa tinha potencialidade para alcançar aquele desiderato.
Assim, considerando que para a prática do crime de coação sob a forma tentada, basta que a conduta do arguido, quer por meio de violência, quer através de ameaça com um mal importante, seja objetivamente capaz de obrigar outrem a praticar um ato, a omiti-lo, ou a suportar uma determinada atividade (artigo 22.º n.º 1 e nº 2, al. b) do Código Pena), tendo em conta a factualidade assente, concretamente que o recorrente ameaçando a ofendida com a prática de um crime contra a vida e a integridade física, tendo como intenção condicionar o seu modo de atuação, ou seja, que se abstivesse de “alertar as autoridades competentes”, não restam dúvidas de que o arguido cometeu o crime de coação agravada, sob a forma tentada, pelo qual foi condenado.
E tal raciocínio não é afastado pelo facto de se ter provado que nunca foi intenção de J. C. alertar as autoridades competentes para quaisquer irregularidades fiscais perpetradas pelo arguido, quer em momento anterior à conduta do arguido em apreço, quer em momento posterior.
Na verdade, apelando ao que dispõe o artigo 23º, nº 3 do Código Penal “A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”, não restam dúvidas de que a atuação do arguido configura uma tentativa punível, pois, como se refere na sentença recorrida, “atendendo ao contexto em que ocorre a conduta do arguido, não se poderá sustentar que a inexistência do objecto essencial é manifesta, incluindo para o próprio arguido que, atendendo à forma como se expressou, estava convencido que era intenção da ofendida denunciar as alegadas irregularidades fiscais”.
No caso, o facto de terem existido relações comerciais entre a empresa do recorrente e a sociedade gerida pelo filho da ofendida — cfr. ponto 1 dos factos provados – objetivamente, é suficiente para levar o recorrente a convencer-se no sentido de que, embora hipoteticamente, a ofendida, porque conhecedora dessas relações, sempre estaria em condições de formular uma denúncia perante as finanças (Administração Tributária).
Acresce que, em geral, como bem refere o Sr. Procurador Geral-Adjunto no seu parecer, “a adoção de condutas como a punida nos autos não pode situar-se, com linearidade, fora do âmbito da razoabilidade punitiva, tanto mais que o agente do ilícito, através dele, sempre se abrigará de qualquer instinto denunciador do ofendido, se e quando houver razões para ocorrer qualquer denúncia”.
(…)
“Mesmo na perspetiva da vítima, não basta para excluir a punibilidade da tentativa, tida por impossível, o ter-se provado que não teria tido a mesma, nunca, intenção de denunciar o recorrente perante a Administração Tributária, já que a inserção das atividades comerciais do recorrente, por alguma forma, na vida comercial da sociedade gerida pelo filho, traria sempre, objetivamente, oportunidade, maior o menor, nunca inexistente, de eclodir a necessidade/utilidade ou ingência da referida denúncia, prognose aliás comum ao recorrente.
Ou seja, a carência de objeto não se pode ter como manifesta e, por isso, deve improceder a argumentação recursória a tal nível”.
Assim, face a todo o exposto e atenta a factualidade assente, encontrando-se preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo, na ausência de qualquer causa da exclusão da culpa ou da ilicitude, a conduta do arguido integra a prática de uma crime de coação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1 e 2, 155º, nº 1, alínea) e 22º, nº 1, alínea a), todos do Código Penal.
Passemos, agora, ao conhecimento das questões que se prendem com a dosimetria da pena de multa e respetivo quantitativo diário.
Sustenta o recorrente que “a medida da pena, no montante de dias de multa, é claramente exagerada tendo em conta o condicionalismo dado como provado. Com efeito, deve ter-se em linha de conta que o arguido não tem antecedentes criminais; que se encontra perfeitamente integrado familiar e socialmente; que aufere um rendimento mensal de 500,00€ e por isso beneficie de proteção jurídica junta a fls. dos Autos”.
E defende que a decisão recorrida não aplicou assim corretamente os critérios legais adequados, previstos nos artigos 70º, 71º, 40º, nº 1, 47º, nº 2 do Código Penal”.
Vejamos.
Os fins das penas encontram-se estabelecidos no artigo 40.º do Código Penal que dispõe que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº1).
A medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, assumindo a proteção de bens jurídicos um significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade, na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade das normas infringidas (prevenção geral positiva ou de integração que decorre do princípio político criminal básico da necessidade da pena – art. 18.°, n.° 2 da Constituição da Republica Portuguesa).
É a prevenção geral positiva ou de integração que fornece um “espaço de liberdade ou de indeterminação”, mais precisamente “uma moldura de prevenção”, (Prof. Figueiredo Dias, in ‘’Consequências Jurídicas do crime”, Direito Penal 2, Parte Geral, pág. 283).
Na referida “moldura de prevenção” a função da culpa é a de estabelecer o limite máximo da pena concreto e como tal a pena nunca a pode ultrapassar, uma vez que a culpa constitui o pressuposto e limite da pena. O limite mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, no caso concreto, e ainda comunitariamente suportável de medida da tutela de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias da validade das normas violadas.
Na determinação da pena deve ter-se em conta, nos termos do art. 71º do Código Penal, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, fixando-se o limite máximo daquela de acordo com a culpa do mesmo; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham.
O requisito da culpa traduz a vertente pessoal do crime entendido como um juízo de censura pela personalidade manifestada no facto, fixando-se através dela o limite máximo da pena, sendo pressuposto da mesma, limitando de forma inultrapassável as exigências da prevenção (Neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal, Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 255 e ss).
Como já se disse, complementarmente à medida da culpa - dentro da margem de variação por esta consentida - intervêm as necessidades de prevenção.
Assim mesmo se têm pronunciado a doutrina, maxime: Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português", pag. 227/228; Robalo Cordeiro in "Jornadas de Direito Criminal", CEJ, vol. I, pag. 265/270; Maia Gonçalves in "Código Penal Português" em anotação ao art.º. 71º e Leal Henriques e Simas Santos in "Código Penal", vol. I, pag. 550/558) e a jurisprudência do STJ (maxime Ac. de 21/9/94, proc. 46290/3ªsec e de 20/5/95, proc. 47386/3ªsec).
A individualização da pena concreta aplicada pelo tribunal em cada caso não depende de uma qualquer opção discricionária por um qualquer número. Tem, pois, o tribunal de fixar o quantum da pena dentro das regras postuladas pelo legislador, impondo-se-lhe que objective os critérios que utilizou e que fundamente a quantificação que decidiu -vd. artigo 71º n.º 3 do Código Penal.
Certamente que não se pode pensar em critérios de quantificação matemática. O direito não é uma ciência exata. No entanto, os critérios legais, funcionando comparativamente, podem permitir estabelecer relações quantitativas de grandeza (maior/menor).
Assim, na graduação da pena atender-se-á aos critérios fornecidos pelos arts. 40° e 71° do Código Penal.
Analisemos o caso concreto.
O crime de coação agravada, na forma tentada, é punível com pena de prisão de 1 mês a 3 anos e 4 meses – artigos 154º, nº 1, 155º, n º 1, alínea a), 73º e 23º, nº 2, todos do Código Penal.
Nenhuma objeção é feita pelo recorrente quanto à escolha da pena de prisão e sua substituição pela pena de multa, circunscrevendo-se a sua discordância ao quantum concreto da pena de multa substitutiva, assim como ao quantitativo diário fixado.
Ora, ponderadas todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o recorrente elencadas na sentença em crise, tendo igualmente em conta as já referidas prevenção geral e especial, entende-se que a pena de multa substitutiva aplicada pelo tribunal a quo se mostra adequada e proporcional.
Se não vejamos.
Importa considerar que o arguido/recorrente atuou com a modalidade mais intensa de dolo, que se mostra direto, o grau de ilicitude é mediano, a culpa é mediana, sendo de considerar que o arguido procurou propositadamente a ofendida, o que revela maturação na decisão, sem escamotear o modo de execução do crime, designadamente os males anunciados, o teor da expressão proferida e as circunstâncias em que foi pronunciada.
No presente caso, as exigências de prevenção geral são significativas uma vez que o crime de coação é frequente, criando grande sentimento de insegurança e intranquilidade nas vítimas.
As exigências de prevenção especial não são prementes, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, mostra-se profissional e familiarmente inserido (o arguido é trabalhador por conta de outrem, numa oficina de mecânica, vive separado de facto da sua mulher, embora vivendo na mesma casa, e paga a quantia mensal de € 300,00, correspondente a metade da prestação bancária, na sequência de empréstimo contraído para aquisição da habitação comum; o arguido concluiu o 5º ano de escolaridade), tudo indicando que os factos em causa constituem um episódio isolado na sua vida.
Pelo que, considerando a factualidade apurada na sentença recorrida e, atendendo a todas as circunstâncias a que alude o artigo 71º do Código Penal, tudo ponderado, entende-se que a pena de 180 dias de multa, que se situa aquém do meio da moldura penal, encontrada pelo tribunal recorrido, se mostra ajustada e perfeitamente adequada às necessidades de prevenção geral e especial, não excedendo a culpa.
E que dizer quanto ao “quantitativo diário da multa”?
Determinado que está o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas (cfr. artigos 40º e 71º, ambos do Código penal), cumpre fixar o quantitativo de cada dia de multa.
De harmonia com o disposto no art. 47º nº 2 do Código Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, e é fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Quanto à taxa diária da multa, ainda como refere Figueiredo Dias (in ob. cit., pág. 127), todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção geral, quer à especial, devem exercer influência sobre a determinação da pena e, portanto sobre os dias de multa, e não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económico-financeira do condenado deve ser considerado nesta fase de fixação do quantitativo diário de multa.
Como é entendimento corrente, a taxa diária da multa deve ser fixada de forma a que mesma represente um sacrifício real para o condenado, para que mantenha a sua característica de verdadeira pena, pois de outro modo não será possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição.
Na ponderação do quantitativo ajustado ao caso concreto não entram unicamente em linha de conta os rendimentos mensais, apurados ou declarados, mas também todos os outros rendimentos, bens e encargos que definem uma situação económica e que permitem avaliar a repercussão que nela vai ter a pena encontrada, de forma a poder concluir-se se a mesma é, efetivamente, e como deve ser, adequada para sancionar a concreta gravidade do facto.
Logo, “o juiz graduará o quantitativo diário da multa em atenção às determinações legais, atendendo a que a finalidade da lei é eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver” – cfr. Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., pág. 226.
Como se pode ler no Acórdão do STJ, proferido em 03.06.2004, no processo 04P1266, disponível em www.dgsi.pt “A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável”.
Ou conforme se salientou no douto Ac. do STJ de 02.10.1997 (Col. de Jur., Ano V, tomo 3, págs. 183-184) “como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade”.
Também o Prof. Taipa de Carvalho entende que “a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a ‘sentir na pele’ (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol II, pág. 24) e já antes o Prof. Figueiredo Dias, salientara que “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir” (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, §123).
Revertendo para o caso em apreço, resulta da factualidade apurada que o arguido é trabalhador por conta de outrem, numa oficina de mecânica, auferindo o vencimento mensal de € 500,00. Vive separado de facto da sua mulher, embora vivendo na mesma casa, e paga a quantia mensal de € 300,00, correspondente a metade da prestação bancária, na sequência de empréstimo contraído para aquisição da habitação comum.
Assim, considerando todo o exposto e atenta tal factualidade, tendo em conta que o mínimo por cada dia de multa corresponde a 5€, quantia que deve ser aplicada em situações limite, designadamente àqueles que nem sequer ganham o suficiente para fazer face às necessidades mais elementares, sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas entre os condenados, considerando que foi fixada a quantia de 6,00€ (seis euros) por cada dia de multa, quantia que se aproxima do mínimo legal (e deveras distante do máximo), tudo ponderado, afigura-se-nos que tal quantia se mostra perfeitamente adequada, atenta a referida situação económica do arguido/recorrente.
Não merece, pois, censura a sentença recorrida, proferida sem violar qualquer norma legal ou princípio constitucional, mormente os invocados pelo recorrente.
Improcede, assim, na totalidade, o recurso.
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J. C., mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.
***
Guimarães, 20 de fevereiro de 2017