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COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL DO TRABALHO
RECONHECIMENTO DE PERÍODOS DE ATIVIDADE PROFISSIONAL
INSCRIÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
Sumário
I - O Tribunal do Trabalho é materialmente competente para conhecer de ação que visa o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, designadamente, para os efeitos a que se reportam os arts. 254º e 255º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16.09, da “ação do foro laboral” a que se refere o art. 256º, nº 1, al. c), do citado Código. II - Todavia, carece o referido Tribunal de competência material para conhecer do pedido de “autorização” para a inscrição do trabalhador na Segurança Social e do pagamento das contribuições devidas quer pelo trabalhador, quer pelo empregador.
Texto Integral
Procº nº 577/12.8TTLMG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 646)
Adjuntos: Des. Maria José costa Pinto
Des. António José Ramos
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B…, aos 29.11.2012, intentou contra o Instituto de Segurança Social, IP e C…, viúva, a presente ação declarativa, com processo comum, pedindo que os RR sejam “condenados” a reconhecer que o A. teve um contrato de trabalho com os seus pais, aqui representados pela Ré, sua mãe, que perdurou ininterruptamente entre 01/10/1972 e 31 de Março de 1976, auferindo os ordenados referidos supra e a Ré Segurança Social ainda condenada a permitir o respectivo registo pagando o autor todos os descontos devidos quer pela entidade patronal quer por si como trabalhador.”
Para tanto, alega em síntese que: no período supra referido, trabalhou por conta e sob a autoridade dos seus pais na atividade agrícola em exploração agrícola destes, “recebendo no final do mês o seu salário”, mas não tendo sido efetuados os devidos descontos para a Segurança Social, sendo que pretende ver reconhecida tal situação laboral por forma a que o respetivo tempo de serviço lhe seja contado para efeitos de aposentação. Não tendo o A. documentação referente aos salários auferidos, carece de decisão judicial que condene os RR a reconhecerem tal realidade por forma a poder, ele próprio, efetuar os descontos devidos por si e pela entidade patronal.
O Mmº juiz proferiu decisão liminar na qual declarou a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal do Trabalho e “absolveu os RR. da instância”.
Inconformado, o A. recorreu, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I. Aferindo-se a competência jurisdicional dos tribunais em função da relação material controvertida, tal como formulada pelo Autor, andou mal o despacho/sentença recorrido quando, declarando-se incompetente, absolveu os Réus da instância. II. De facto, enformando o princípio do dispositivo o conhecimento requerido ao Tribunal “a quo” pelo Autor, importa realçar que os factos avançados (causa de pedir) e os efeitos jurídicos por si pretendidos (pedidos) são aptos a serem conhecidos pelos tribunais judiciais, em geral, e pelos tribunais de trabalho, em concreto, como tribunais de competência especializada. III. Nos presentes autos, e na petição apresentada, é o Autor explícito ao indicar que pretende obter a condenação dos Réus no sentido de lhe “reconhecer que o autor teve um contrato de trabalho com os seus pais (…) que perdurou ininterruptamente entre 01/07/1972 e 31 de Março de 1976”, por um lado, e a condenação da Ré “Segurança Social (…) a permitir o respectivo registo” do mesmo no seu processo individual de beneficiário. IV. Ora, tais pretensões reportam-se, claramente, ao objecto da relação laboral havida entre o Autor e a Segunda Ré, no que ao primeiro pedido se reporta, e à relação daquele com a entidade responsável pelo sistema previdencial em que, fruto do reconhecimento daquele, o Autor teria de estar inscrito e do qual beneficia. V. Tais pretensões são, portanto, enquadráveis nas alíneas b), j) e o), todas elas do artigo 85.º da L.O.F.T.J., e, consequentemente, enquadram-se no leque de competências em matéria cível acometidas aos Tribunais de Trabalho. VI. Não constitui objecto nos presentes autos, como erradamente pressupõe o M. Juiz “a quo”, a “competência dos Tribunais de Trabalho para conhecer de regularização de descontos juntos da Segurança Social” (questões a que se reportam, de facto, os doutos Arestos por si invocados no despacho recorrido), pois que o Autor, em momento algum, peticiona a condenação da sua então entidade patronal no pagamento de quaisquer contribuições em dívida. VII. Movemo-nos, ao invés, no âmbito da acção declarativa prévia, de foro laboral, referida pelo legislador na alínea d) do n.º 1 do artigo 256.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, como meio de prova adequado e condição necessária ao pagamento voluntário de contribuições prescritas, lei que é posterior aos doutos arestos e define com clareza a competência do Tribunal do Trabalho. VIII. Consequentemente, são competentes os tribunais judiciais, nos termos dos artigos 66.º e 67.º do C.P.C. e 18.º e 85.º da L.O.F.T.J. Nestes termos e nos melhores de Direito (…), deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, julgando-se competente o Tribunal recorrido, em razão da matéria, deverá ser revogado o despacho impugnado, ordenando-se o prosseguimento da normal tramitação de tais autos, de modo a que os Réus sejam citados para, querendo, contestarem a acção em causa.
Os RR., citados nos termos do art. 234º-A, nº 3, do CPC, não contra-alegaram.
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da revogação, pelo menos parcial (quanto ao primeiro dos pedidos formulados), da decisão recorrida, parecer sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciara.
Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de Facto Assente
Tem-se como assente o que consta do precedente relatório.
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III. Do Direito
1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na versão introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. E, daí, que a única questão em apreço consista na apreciação da competência material (ou não) do Tribunal do Trabalho para a presente ação.
2. Na decisão recorrida referiu-se que “(…). Percorrendo as várias alíneas do art.85º da LOFTJ, que fixa a competência em matéria cível do tribunal do trabalho, conclui-se que em nenhuma delas expressamente se consagrada a competência dos Tribunais de Trabalho para conhecer de regularização de descontos junto da Segurança Social. (…). Assim, concluímos que a omissão de contribuições para o sistema de segurança social, pese embora se relacione com a existência de um contrato de trabalho, tem um conteúdo próprio e independente, que se circunscreve no âmbito de uma relação de natureza parafiscal, alheia à relação laboral.”. E, em abono, invoca o Acórdão desta Relação do Porto de 28.09.2009 e os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 19.10.2006 e de 04.10.2007, ambos in www.dgsi.pt.
3. Dispõe o art. 118º da Lei 52/2008, de 28.08, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), bem como, de forma similar, o art. 85º da Lei 3/99, de 13.01, sua antecessora, que:
“(…)
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(…)
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
(…)
o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;”
Por sua vez dispõe o art. 49º, al. c) do ETAF[1], aprovado pela Lei 13/2002, de 19.02, e suas alterações posteriores[2], relativo à competência material dos tribunais tributários, que é da competência destes conhecer “c) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;”.
A competência material afere-se em função dos termos objetivos em que é proposta a ação, incluindo os seus fundamentos. Como diz MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág.91, a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”). A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da ação.
Os termos objetivos são delimitados pelo A. em função do pedido e da causa de pedir, esta consubstanciada nos factos, por ele alegados, que constituem o seu fundamento.
3.1. No caso, o A. formula dois pedidos, a saber:
- que sejam os RR. “condenados” a reconhecer que entre o A. e seus pais existiu um contrato de trabalho no período ininterrupto de 01.10.1072 a 31.03.1976, no âmbito do qual recebia a respetiva retribuição;
- que o R. ISS seja condenado a permitir o respetivo registo pagando o autor todos os descontos devidos quer pela entidade patronal quer por si como trabalhador.
Tais pedidos são substancialmente diferentes, pelo que deverão ser analisados separadamente, sendo que a decisão recorrida reconduziu ambos, aparentemente, a um único que teria como objeto o conhecimento da “regularização de descontos junto da Segurança Social”.
4. Quanto ao primeiro dos mencionados pedidos
Como referido tem este pedido por objeto o reconhecimento de que entre o A. e seus pais existiu um contrato de trabalho no período ininterrupto de 01.10.1072 a 31.03.1976, no âmbito do qual recebia a respetiva retribuição. E, para tanto, invocou o A. a factualidade que teve por pertinente no sentido de sustentar a existência de tal vínculo contratual e o pedido formulado.
Tal pedido, que visa o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, cabe indiscutivelmente na competência do Tribunal do Trabalho prevista na al. b) do citado art. 118º da LOFTJ (bem como na correspondente al. b) do art. 85º, seu antecessor).
Por outro lado, a Lei 110/2009, de 16.09, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, na sua PARTE V (“Disposições complementares, transitórias e finais”), TITULO I (“Disposições complementares”), CAPÍTULO I (“Disposições aplicáveis ao pagamento voluntário de contribuições”), SECÇÃO II (“Pagamento voluntário de contribuições prescritas”, dispõe nos seus arts. 254º a 256º que:
Artigo 254.º Pagamento de contribuições prescritas
1 - Excecionalmente, nas condições previstas na presente secção, pode ser autorizado o pagamento de contribuições com efeitos retroativos quando a obrigação contributiva se encontre prescrita ou não existiu por, à data da prestação de trabalho, a atividade não se encontrar obrigatoriamente abrangida pelo sistema de segurança social.
2 - Do pagamento referido no número anterior resulta o reconhecimento do período de atividade profissional ao qual a obrigação contributiva diga respeito.
Artigo 255.º Inscrição retroativa
1 - O reconhecimento de períodos de atividade profissional pode determinar a inscrição com efeitos retroativos nas situações em que ainda não fosse aplicável a obrigação de entrega de declaração de início de exercício da atividade.
2 - O disposto no número anterior só é aplicável aos casos em que as atividades exercidas estivessem, à data, abrangidas pela segurança social.
3 - A inscrição com efeitos retroativos prevista no n.º 1 não se aplica aos trabalhadores abrangidos pelos regimes especiais dos trabalhadores rurais.
Artigo 256.º Meios de prova.
1 - O reconhecimento de períodos de atividade profissional é requerido pelas entidades empregadoras faltosas ou pelos trabalhadores interessados e só é autorizado desde que o exercício de atividade profissional seja comprovado por algum dos seguintes meios de prova:
a) Duplicados das declarações para efeitos fiscais, mesmo que de impostos já abolidos, devidamente autenticadas pelos serviços fiscais, ou das respetivas certidões;
b) Cópia autenticada dos mapas de pessoal, desde que tempestivamente apresentados aos serviços oficiais competentes;
c) Certidão de sentença resultante de ação do foro laboral intentada nos prazos legalmente fixados para a impugnação de despedimento, impugnação de justa causa de resolução do contrato de trabalho ou reclamação de créditos laborais;
d) Certidão de sentença resultante de ação do foro laboral intentada contra a entidade empregadora e a instituição gestora da segurança social para reconhecimento da relação de trabalho, respetivo período e remuneração auferida.
2 – A autorização para pagamento de contribuições já prescritas só pode ser concedida desde que seja referida à totalidade do período de atividade efetivamente comprovado. [sublinhado nosso].
Ora, no caso, o que o A. pretende por via da presente ação é, precisamente e para os efeitos dos arts. 254º e 255º, a obtenção do meio de prova a que se reporta o citado art. 256º, nº 1, al. d), preceito este do qual resulta, expressamente, que a ação a que ele se refere é a sentença que seja proferida no foro laboral.
Assim, e ainda que, com tal sentença, o A. vise, posteriormente, “regularizar” junto da Segurança Social a situação contributiva relativa ao período em que manteve o alegado contrato de trabalho, o Tribunal do Trabalho é o materialmente competente para conhecer da existência, ou não, do mesmo e do demais a que se reporta o citado art. 256º, nº 1, al. d) [período da relação laboral e remuneração auferida].
4.1. Acrescente-se que os acórdãos invocados pela decisão recorrida tinham por objeto pedido diferente do ora em apreço, pois que o que neles se peticionava era a condenação da empregadora a pagar à Segurança Social as contribuições devidas.
Acrescente-se que, em situação similar ao caso ora em apreço e acima entendido, já se pronunciou esta Relação, no seu Acórdão de 03.11.2008[3], in www.dgsi.pt, Proc. 0842465, no qual se referiu o seguinte: “A Autora refere expressamente na petição inicial que a presente acção tem em vista o disposto no art.9º nº1 al. c) do DL 124/84 de 18.4. Assim, importa analisar o teor do referido diploma legal. 1. A pretensão da Autora e o DL 124/84.
Determina o art.1º nº1 do referido DL que “o presente diploma destina-se a regular as condições em que devem ser feitas perante a segurança social as declarações do exercício de actividade, bem como as condições e consequências da declaração extemporânea do período de actividade profissional perante as instituições de segurança social”.
Por sua vez dispõe o art. 9º nº1 do mesmo diploma – sob a epígrafe “provas a apresentar para pagamento de contribuições prescritas”- o seguinte:
“O pagamento de contribuições prescritas, requerido pelas entidades patronais faltosas ou pelos trabalhadores interessados, só poderá ser autorizado pelas instituições de segurança social desde que o exercício de actividade profissional seja comprovados mediante a apresentação de qualquer dos documentos seguintes: (…) c) certidão de sentença ou de auto de conciliação judiciais”.
Da conjugação dos referidos artigos decorre que o trabalhador tem de provar perante a Segurança Social que durante determinado período exerceu uma actividade profissional. E tal prova faz-se por um dos meios referidos nas três alíneas do art.9º, entre elas através de certidão de sentença judicial.
E que sentença será esta? Atento o teor do art.9º nº1 do DL 124/84, a sentença só pode ser aquela em que se declare ou se reconheça que durante determinado período de tempo o trabalhador esteve vinculado a determinada entidade através de um contrato de trabalho. Por outras palavras: o trabalhador tem que munir-se de sentença onde conste o reconhecimento da existência de uma relação laboral se quiser usufruir do disposto no citado art.9º.
E qual será o Tribunal competente para proferir sentença de reconhecimento da existência do vínculo laboral? Será o Tribunal do Trabalho? 2. Da competência do Tribunal do Trabalho.
Nos termos do art.85º al.b) da LOFTJ os Tribunais do Trabalho são competentes para conhecer, em matéria cível, “das questões emergentes de relações de trabalho subordinado”.
Ora, saber se em determinado período a Autora trabalhou subordinadamente para outrem é questão que se prende com a existência de trabalho subordinado, de contrato de trabalho.
Por isso, há que reconhecer que para conhecer de tal questão são competentes os Tribunais do Trabalho.
E salvo o devido respeito por opinião divergente, entendemos que no caso dos autos a Autora não veio pedir o pagamento de quaisquer contribuições à Segurança Social mas antes, em acção de declaração, o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho com vista a comprovar o exercício da sua actividade profissional junto da Segurança Social.
Estamos, pois, no domínio de matéria da competência exclusiva dos Tribunais do Trabalho.”.
As considerações tecidas no douto acórdão transcrito são aplicáveis ao pedido ora em apreço, mantendo atualidade apesar da revogação do DL 124/84 de 18.4, sendo que o art. 9º, nº 1, deste diploma era semelhante ao atual art. 256º, nº 1, al. d), do Código dos Sistemas Contributivos (Lei 110/2009).
4.2. Assim e nesta parte procedem as conclusões do recurso.
5. Quanto ao segundo dos pedidos formulados
Como se disse, tem este pedido por objeto a condenação do R. ISS a permitir “o respetivo registo pagando o autor todos os descontos devidos quer pela entidade patronal quer por si como trabalhador”.
Ora, relativamente a este pedido, já não procedem as considerações acima tecidas, sendo o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para o seu conhecimento, competência essa que, nos termos do art. 118º, al. i), in fine, da Lei 52/2008 [e 85º, al. i), da antecessora Lei 3/99], conjugado com o art. 49º, al. c), do ETAF, é dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente dos tribunais tributários.
Ainda que a relação laboral gere uma relação tributária (decorrente da obrigação contributiva para a Segurança Social) tratam-se, ambas, de relações autónomas, sendo aqui, sim, convocáveis os acórdãos citados na decisão recorrida, designadamente o desta Relação de 28.09.2009[4], Proc 300/06.6TTVRL.P1, in www.dgsi.pt, com o qual estamos de acordo e que passaremos a transcrever: “Percorrendo as várias alíneas do art.85º da LOTJ conclui-se que em nenhuma delas está expressamente consagrada a competência dos Tribunais de Trabalho para conhecer de regularização de descontos junto da Segurança Social.
Resta, pois, analisar se no caso se verifica a situação prevista na al. o) do citado art.85º.
Diz o art.85º al. o) da LOTJ que os Tribunais do Trabalho são competentes para conhecer, em matéria cível, “das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”.
Leite Ferreira, em análise à citada disposição legal, diz o seguinte: (…) “Para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido restrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos” (…) “Em qualquer dos seus aspectos, a conexão objectiva pressupõe uma causa dependente de outra. Mas, na acessoriedade, a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal ainda que tenha por finalidade garantir as obrigações derivadas da relação fundamental.
Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objectivo, mas uma delas é controvertida, por vontade das partes, em complemento da outra. Em consequência disso, a competência do órgão jurisdicional projecta-se sobre a questão complementar na medida em que esta sofre a influência daquela. Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade. Simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal” – Código de Processo do Trabalho anotado, 4ªedição, páginas 80/81.
E será que no caso dos autos se verifica a conexão a que alude o citado artigo? A resposta é não pelas razões que se vão expor.
Nos termos do art. 59º nº1 da Lei de Bases da Segurança Social – Lei 4/2007 de 16.1 – “as entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço devendo para o efeito proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes”. Também o art.60ºnº1 da mesma Lei prescreve que “as quotizações e as contribuições não pagas, bem como outros montantes devidos, são objecto de cobrança coerciva nos termos legais”. Do mesmo modo prescreviam os arts.32ºe 45º da Lei 32/2002 de 20.12, os arts. 60º e 63º da Lei 17/2000 de 8.8 e os arts.24ºe 46º da Lei 28/84 de 14.8.
Do acabado de referir podemos concluir que a Segurança Social tem competência exclusiva para providenciar pelo cumprimento das obrigações a que está obrigada a entidade empregadora quanto ao procedimento de liquidação e cobrança das contribuições.
Ora, e se assim é, a obrigação de liquidar e pagar as contribuições não decorre directamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário. Com efeito, ambas as violações contratuais (o não pagamento das diferenças salariais que a Autora peticiona e a omissão de contribuições para o sistema de segurança social) estão relacionadas com a existência de um contrato de trabalho, mas cada uma delas tem um conteúdo próprio e independente, já que qualquer um pode ocorrer sem o concurso da outra.
Por isso não se verifica no caso uma conexão directa por o pedido formulado pela Autora em segundo lugar – o pagamento das contribuições devidas à Segurança Social - não estar numa situação de acessoriedade relativamente ao formulado em primeiro lugar (o pedido de condenação dos Réus no pagamento de diferenças salariais), ou mesmo de complementaridade e/ou dependência.
Neste sentido é a posição do Tribunal de Conflitos no acórdão proferido em 27.10.2004 e também a posição desta Secção Social (seguimos de perto o teor do acórdão proferido em 6.11.2006 no processo 3854/2006, onde se tratou de tal questão, e em que foi relatora a aqui relatora e 1ºadjunto o aqui 1ºadjunto).
Assim, não pode o despacho recorrido manter-se nesta parte.
Só para finalizar se dirá o seguinte: o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação referiu no seu parecer um acórdão desta Relação, datado de 3.11.2008 (em que foi relatora a aqui relatora e 1ºadjunto o aqui 1ºadjunto), para sustentar a tese vertida no despacho recorrido. No entanto, a questão tratada neste último acórdão é diferente da ora tratada. Na verdade, no acórdão proferido em 3.11.2008, estava em causa a aplicação do art.9ºnº1al.c) do DL 124/84 de 18.4: pagamento de contribuições prescritas e prova do exercício da actividade profissional mediante certidão de sentença ou de acto de conciliação judiciais. Na presente acção a questão é outra: pedido de pagamento de contribuições à Segurança Social.”.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 19.10.2006, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que: a “ação em que a A. pede a condenação do R. A satisfazer contribuições para a Segurança Social para melhorar a base de cálculo de uma pensão de aposentação tem como objecto uma imposição parafiscal, pelo que são competentes para dela conhecer os tribunais tributários.”,
Bem como o Acórdão do mesmo Tribunal (de Conflitos), também in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que:
“I. É competente a jurisdição administrativa e fiscal – mais exactamente os tribunais tributários – para a acção intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo o reconhecimento de que certas parcelas remuneratórias constituem matéria colectável pela Segurança Social e a consequente condenação a proceder aos respectivos pagamentos contributivos.
II. As contribuições obrigatórias para a Segurança Social constituem uma obrigação parafiscal.”.
E, ainda, no mesmo sentido veja-se ainda o Acórdão do STJ de 09.03.2004, in www.dgsi.pt, Proc. 04S3037, transcrito pelo Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer, que afastou igualmente a competência do Tribunal do Trabalho para o conhecimento da condenação do empregador no pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, considerando, para além do mais e também, não se enquadrar o caso na al. o) do art. 85º da LOTJ ainda que esse pedido se cumule com outro para o qual o Tribunal do Trabalho seja materialmente competente, entendendo não existir, entre a relação contributiva subjacente à obrigação de pagamento das contribuições à Segurança Social e a relação laboral, as relações de conexão previstas na norma.
A doutrina constante de tais arestos mantém-se intocável no âmbito da legislação em vigor, sendo que o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social em nada alterou, no que importa à questão em apreço, o regime previdencial anterior e sua natureza parafiscal, salientando-se apenas que, também nos termos dos seu arts. 20º, nº 1, “A gestão do processo de arrecadação e cobrança das contribuições, quotizações e juros de mora compete às instituições de Segurança Social nos termos das respetivas competências” e 282º “A inscrição e o enquadramento dos trabalhadores por conta de outrém compete aos serviços do ISS, IP (…)”, cabendo a competência para as “acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal” aos tribunais tributários nos termos do art. 49º, al. c) do ETAF.
Aliás, isso mesmo também decorre do art. 256º, nº 1, al. d), do citado Código, na medida em que o que nele se prevê é a obtenção de sentença (do foro laboral) reconhecendo a existência de contrato de trabalho (período e remuneração) como meio de prova com vista aos efeitos a que se reportam os arts. 254º e 255º, estes da competência da Segurança Social, e não já a própria atribuição desses efeitos (se assim não fosse, a sentença deixaria de ser um meio de prova). E, obtido tal meio de prova, eventuais conflitos entre o trabalhador e a Segurança Social relativamente a essa inscrição e pagamento das contribuições pretendidas inserem-se no âmbito da relação previdencial (e não no âmbito da relação laboral), para a qual são competentes os tribunais administrativos e fiscais (concretamente, tributários), nos termos do citado art. 49º, al. c), do ETAF.
Por outro lado, o facto de o A. não pedir a condenação do empregador a pagar as contribuições alegadamente devidas pelo invocado contrato de trabalho, mas sim de pedir que a “Ré Segurança Social seja condenada a permitir o respectivo registo pagando o autor todos os descontos devidos quer pela entidade patronal quer por si como trabalhador” em nada altera a natureza dos pedidos, que é similar. A pretensão em causa é idêntica, visando ambas a inscrição do A. (relativamente ao período em causa) e o pagamento das contribuições correspondentes, tendo ambas como objeto, apenas, a relação contributiva trabalhador/empregador e a Segurança Social e, aqui sim, a “regularização” contributiva a que se reporta a decisão recorrida.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
*
IV. Decisão
Em face do exposto acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida quanto ao primeiro dos pedidos formulados pelo A. que é substituída pelo presente acórdão em que se decide ser o Tribunal do Trabalho materialmente competente para conhecer do pedido que tem por objeto a “condenação” das RR. no reconhecimento de que o autor teve um contrato de trabalho com os seus pais, “que perdurou ininterruptamente entre 01.10.1972 a 31.03.1976, auferindo os ordenados supra referidos”.
No mais, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, pelo A., na proporção de metade, na medida em que decaiu parcialmente, sendo a outra metade (na medida em que o recurso obteve provimento) fixada a final de acordo com o vencimento.
Porto, 09-09-2013
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
António José da Ascensão Ramos
______________
[1] Abreviatura de Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
[2] Cfr. designadamente Decreto-Lei no 166/2009, de 31 de Julho, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2010, e Lei no 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
[3] Relatado pela Exmª Srª Desembargadora Fernanda Soares.
[4] Também relatado pela Exmª Srª Desembargadora Fernanda Soares.
_______________ SUMÁRIO
I. O Tribunal do Trabalho é materialmente competente para conhecer de ação que visa o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, designadamente, para os efeitos a que se reportam os arts. 254º e 255º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16.09, da “ação do foro laboral” a que se refere o art. 256º, nº 1, al. c), do citado Código.
II. Todavia, carece o referido Tribunal de competência material para conhecer do pedido de “autorização” para a inscrição do trabalhador na Segurança Social e do pagamento das contribuições devidas quer pelo trabalhador, quer pelo empregador.
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho