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RGIT
RESPONSABILIDADE CIVIL PELAS MULTAS E COIMAS
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CONDENAÇÃO NA SENTENÇA
Sumário
I – O n.º 1 do art.º 8º do RGIT estabelece a responsabilidade subsidiária a efectivar contra os gerentes, se verificadas determinadas circunstâncias (reconduzíveis á falta de pagamento da multa por sua culpa). II - Já no n.º 7 se estabelece a responsabilidade solidária de qualquer pessoa que tenha colaborado na prática da infracção, que pode ser ou não gerente da sociedade (ente colectivo). Trata-se de uma responsabilidade civil emergente da condenação da sociedade infractora por culpa do agente que activa e dolosamente participou na prática da infracção em causa. III - Este devedor solidário pode responder como autor ou cúmplice pela infracção. IV - Cumulativamente, responde solidariamente com a sociedade pela prática das consequências da infracção que advieram para aquela (multa). V - Como responsável civil, o colaborador doloso na infracção tem de ser demandado no próprio processo penal, onde se efectivará ou não essa responsabilidade (sendo ou não condenado como tal). VI – É inadmissível a prolação dessa condenação em despacho posterior à sentença.
Texto Integral
Rec nº2455.12.1TBMTS.P1
TRP 1ª Secção Criminal
Acordam em conferencia os juízes no Tribunal da Relação do Porto
No Proc.C.S. nº2455.12.1TBMTS do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Matosinhos foi julgada a arguida
B…, Lda.”
E interveio como assistente o Instituto da Segurança Social IP
a final por sentença foi a arguida condenada como autora de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo art. 107º, nº1, com referência ao art. 105º, nº1, ambos do RGIT, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 15,00.
A arguida não pagou a multa nem foi possível a sua execução patrimonial;
O MºPº promoveu que se declarasse C… solidariamente responsável pelo seu pagamento, nos termos do artº 8º7 RGIT;
Por despacho do Mº Juiz foi decidido
“Pelo exposto, face à falta de capacidade patrimonial para a pessoa colectiva pagar a pena de multa em que foi condenada e tendo havido condenação dolosa pelos mesmo factos, cabe ao responsável pela empresa, o arguido C…, responder solidariamente pelo pagamento da multa em divida, independentemente da sua própria responsabilidade, o que se determina.”
Recorre o arguido C…, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1.º O artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias encerra uma contradição insanável ao referir-se à responsabilidade civil por multas e coimas.
2.º Impõe-se uma interpretação ab-rogante e a conclusão de que aquela fonte não contém qualquer norma jurídica.
3.º Pelo que não há sustentação legal para a responsabilidade do gerente, aqui Recorrente, pela multa aplicada à sociedade Arguida, “B…, Lda.”.
4.º Caso assim não se entenda, sempre se terá de concluir pela inconstitucionalidade da norma que prevê a responsabilidade solidária dos gerentes pelo pagamento da multa em que foi condenada a sociedade, independentemente de eles serem terem sido condenados pelos mesmos factos, constante do número 5 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, por violação dos princípios da intransmissibilidade das penas, do ne bis in idem e da proporcionalidade, previstos, respectivamente, no número 3 do artigo 30.º, no número 5 do artigo 29.º e no número 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
5.º A distinção entre a responsabilidade criminal pelo cumprimento da pena de multa e a responsabilidade civil pelo suposto dano resultante para a Administração Fiscal da não obtenção da receita em que se traduziria o pagamento da multa é puramente artificial, uma construção teórica, não isenta de reparos, sem sustentação na letra da lei e absolutamente desgarrada da realidade dos factos, pois que, atentas as finalidades das penas e o destino das multas, a impossibilidade de cobrança coerciva de uma multa não causa à Administração Fiscal qualquer dano.
6.º A multa tem natureza pecuniária, pelo que a imposição da obrigação de pagamento do valor correspondente coincide exactamente com a única forma de cumprimento da pena.
7.º Além do mais, o gerente responde por uma multa cujo montante é fixado com total independência da culpa que eventualmente tenha tido na situação de impossibilidade de cumprimento da obrigação tributária em que a sociedade se encontra, violando-se os princípios da culpa (decorrente do reconhecimento da dignidade da pessoa humana do direito à integridade moral e física e do direito à liberdade - arts.1.º, 25º/1 e 27.º/1), da igualdade (art.13.º) e da proporcionalidade (art.18.º todos da CRP).
8.º O despacho recorrido patenteia uma visão economicista da responsabilidade do Recorrente, garantia da obtenção de receita, que é de rejeitar.
9.º Caso assim não se entenda, sufragando-se a orientação segundo a qual o artigo 8.º do RGIT prevê a responsabilidade civil pelo não pagamento culposo da multa dos responsáveis pela impossibilidade da sua cobrança, com a particularidade de fixar como quantitativo indemnizatório devido uma quantia monetária equivalente ao valor da multa cuja cobrança se gorou, o que não se consente e por mera cautela de patrocínio se supõe, terá de reconhecer-se que os juízos criminais são incompetentes para conhecer desta matéria.
10.º Ainda que se considere que os juízos criminais tinham competência para conhecer desta matéria, não se fez prova dos pressupostos de que depende a responsabilidade do ora recorrente, nos termos do disposto no art.483.º do Código Civil, nomeadamente da culpa, violando-se os princípios da culpa (decorrente do reconhecimento da dignidade da pessoa humana do direito à integridade moral e física e do direito à liberdade - arts.1.º, 25º/1 e 27.º/1), da igualdade (art.13.º) e da proporcionalidade (art.18.º todos da Constituição da República Portuguesa). Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado procedente e o despacho recorrido ser revogado, sendo substituído por outro que determine a não notificação do recorrente para efectuar o pagamento da multa à qual a sociedade “B…, Lda.” foi condenada.”
Respondeu o MºPº pugnando pela manutenção do despacho;
Não houve outras respostas ao recurso;
Nesta Relação a ilustre PGA é de parecer que o recurso deve improceder, chamando todavia a atenção para o decidido no Ac. TC. nº 1/2013 de 9/1/2013 in DR 2ª Serie de 23/2/2013;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência
Cumpre apreciar.
O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
“Por sentença proferida no processo comum singular nº184/10.0TAMTS deste juízo criminal, foi o arguido C… condenado na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo art. 107º, nº1, com referência ao art. 105º, nº1, ambos do RGIT, enquanto sócio e gerente da sociedade “B…, Lda.”.
Por sua vez, por sentença proferida nos presentes autos, transitada em julgado, com reporte aos mesmos factos, foi a sobredita sociedade condenada como autora de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo art. 107º, nº1, com referência ao art. 105º, nº1, ambos do RGIT, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 15,00.
A pena de multa em que foi condenada a sociedade, não foi paga voluntariamente, sendo ainda certo que, as diligências levadas a efeito no sentido da respectiva cobrança coerciva, resultaram infrutíferas.
Cumpre apreciar e decidir.
Impõe-se nos presentes autos, aferir da existência de uma situação de solidariedade e/ou subsidiariedade entre os arguidos, relativamente às condenações sofridas, questão que se coloca apenas e só nos casos em que estamos na presença de responsabilidades penais de pessoas colectivas e singulares e quando falamos se trata de crimes tributários.
A este respeito, seguiremos de muito perto o Ac. RP de 06/06/2012, in www.dgsi.pt., relatado pelo Sr. Desembargador Mouraz Lopes.
“Nos termos do preceituado no art. 7º, nº1 do RGIT, as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesses colectivo.
Nos termos do nº3 do mesmo dispositivo legal, a responsabilidade criminal das entidades referidas no nº1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes.
A especificidade da responsabilização de duas entidades distintas, tanto do ponto de vista criminal, como civil, em relação à matéria tributária, por via dos interesses que com tal opção, se quer garantir levou o legislador a estabelecer uma norma especifica relativa às multas e coimas - o art. 8º do RGIT – envolvendo a responsabilidade subsidiária e a responsabilidade solidária de uns e de outros, em função das circunstância.
Com efeito, estatui o art. 8º, nº1 do RGIT, sob a epígrafe “Responsabilidade civil pelas multas e coimas”, que os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;(...).
A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.(...).
Por seu lado, o nº7 do mesmo dispositivo legal preceitua que quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso. Mais refere que, sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade.
A razão de ser deste regime cumulativo ou conjunto (ainda que diverso entre a subsidiariedade e solidariedade) decorre da necessidade de acautelar o pagamento das multas aplicadas às pessoas colectivas, porque, como se sabe, estas são muito mais voláteis do que as pessoas físicas e, além disso, passíveis de verem o seu património (e mesmo a sua existência) “deslocalizar-se”, ou mesmo desaparecer com maior rapidez. Daí que aos seus responsáveis se exija uma vinculação mais forte às responsabilidades assumidas pelo ente colectivo e ao modo como é gerido.
É isso que decorre tanto do nº2 do artigo 8º, para a responsabilidade subsidiária nos casos em que há actos ou omissões culposas de que resulte a insuficiência do património da entidade para satisfazer as suas responsabilidades, como no caso do nº7 quando está provado que ambos (pessoa colectiva e singular) colaboraram dolosamente na prática da infracção.
Conforme refere Germano Marques da Silva, (in Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2009, p. 328) “se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do nº6, ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, independentemente da que lhe for directamente aplicada a si.
Não se trata, neste caso, de qualquer extensão da responsabilidade penal da pessoa colectiva, mas apenas de um caso de responsabilidade civil por facto próprio, porque a sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária (ibidem p. 329).
Neste sentido também se tem pronunciado o Tribunal Constitucional a propósito de questão idêntica relacionada com as alíneas a) e b) do artigo 8º.
Refere o TC que não há, «transmissão da responsabilidade penal», porque está em causa «a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas», cf. Ac. TC n.º 129/2009 de 16.4.2009). Posição também subscrita no Acórdão desta Relação de 23.6.2010 (relatora, Élia São Pedro)”.
Nos presentes autos, conforme se referiu, ambos os arguidos (pessoa singular e sociedade) foram condenados pelos mesmos factos.
Pelo exposto, face à falta de capacidade patrimonial para a pessoa colectiva pagar a pena de multa em que foi condenada e tendo havido condenação dolosa pelos mesmo factos, cabe ao responsável pela empresa, o arguido C…, responder solidariamente pelo pagamento da multa em divida, independentemente da sua própria responsabilidade, o que se determina. (…)”
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São as seguintes as questões suscitadas:
- da contradição insanável ( interpretação ab-rogante);
- inconstitucionalidade por violação do principio da intransmissibilidade das penas, e do principio ne bis in idem e da proporcionalidade;
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O âmbito dos recursos é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), e são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª ed., pág. 335), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, que no caso não se suscitam nem ocorrem.
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Apreciando as questões recursivas:
No que respeita á contradição o que é invocado não é uma contradição emergente de factos (única contradição relevante), mas uma interpretação jurídica de uma norma, e exactamente a norma aplicada, pretendendo que ela inexiste, o que não é possível, qua tale.
Se a mesma é valida ou vigente é uma outra questão que nada tem a ver com contradição, e que se prende com a questão seguinte;
Improcede por isso esta questão
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Para a apreciação desta questão, importa antes de mais, proceder á delimitação da norma que por via do despacho recorrido foi aplicada.
O artº8º RGIT tem como epígrafe: Responsabilidade civil pelas multas e coimas, e dispõe que:
“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
3- - As pessoas referidas no n.º 1, bem como os técnicos oficiais de contas, são ainda subsidiariamente responsáveis, e solidariamente entre si, pelas coimas devidas pela falta ou atraso de quaisquer declarações que devam ser apresentadas no período de exercício de funções, quando não comuniquem, até 30 dias após o termo do prazo de entrega da declaração, à Direcção-Geral dos Impostos as razões que impediram o cumprimento atempado da obrigação e o atraso ou a falta de entrega não lhes seja imputável a qualquer título.
4 - As pessoas a quem se achem subordinados aqueles que, por conta delas, cometerem infracções fiscais são solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas àqueles aplicadas, salvo se tiverem tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei.
5- O disposto no número anterior aplica-se aos pais e representantes legais dos menores incapazes, quanto às infracções por estes cometidas.
6 - O disposto no n.º 4 aplica-se às pessoas singulares, às pessoas colectivas, às sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e a outras entidades fiscalmente equiparadas.
7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
8 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade.
Este preceito conforme epigrafe e estatuição tem a ver com situações de responsabilidade civil(dos administradores gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas) pelo pagamento de multas ou coimas aplicadas ao ente colectivo, sendo que a alínea a) do nº 1 refere-se á responsabilidade subsidiária desde que se prove que foi por culpa (deles: pessoas singulares) que o património da sociedade ou da pessoa colectiva se tornou insuficiente para pagamento; e na alínea b) essa responsabilidade existirá quando se provar que a falta de pagamento da multa ou da coima por parte da sociedade lhes é imputável.
No nº 7 estabelece-se que quem colaborar dolosamente na prática de uma infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela sua prática, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
Assim enquanto no nº1 se estabelece a responsabilidade subsidiária a efectivar contra os gerentes (“…os seus administradores, gerentes ou outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, sociedades” … etc) se verificadas determinadas circunstancias (reconduzíveis á falta de pagamento da multa por sua culpa), o que pressupõe (ou permite que tal aconteça face á não distinção das situações no artº 49º RGIT a que faremos referencia) que seja após a condenação da sociedade / ente colectivo pela infracção em pena de multa, e por falta de pagamento desta (ou sua cobrança coerciva), e como tal pode ser traduzida na emissão de uma decisão posterior á sentença condenatória e subsequente á falta de pagamento da multa e da verificação dos requisitos de que depende a efectivação dessa responsabilidade,
já no nº7 se estabelece a responsabilidade solidária de qualquer pessoa que tenha colaborado na prática da infracção, que pode ser ou não gerente (… etc.) da sociedade (ente colectivo), e como tal pressupõe a nosso ver e salvo melhor opinião, e em face do disposto no artº 49º RGIT que estabelece que “Os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8.º desta lei, intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses.”, que essa condenação em responsabilidade solidária tenha de ser efectivada no mesmo processo penal em que responde a sociedade e onde tem de intervir o responsabilizado como se arguido fosse e portanto tem de lhe ser imputada na acusação essa responsabilidade e serem-lhe garantidos todos os meios de defesa;
Trata-se de uma responsabilidade civil emergente da condenação da sociedade infractora (de um crime) por culpa do agente que activamente e dolosamente participou na prática da infracção em causa;
Só entendida assim a respectiva regulamentação são asseguradas processualmente a existência de um processo regular “due process law” e todas as garantias de defesa do condenado solidário que participa na sua defesa e na da sociedade condenada, com vista a evitar uma e outra e a sua responsabilização civil;
Foi este normativo nº 7 que dispõe “ Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.” que foi aplicado pelo despacho recorrido, ficando de fora o nº1 do artº 8º RGIT (responsabilidade subsidiária) cuja conformidade constitucional aliás o Trib. Constitucional tem aceite (a nível contraordenacional. Cfr o recente Acórdão n.º389/2013 (P) (CFC):- em que o TC decide, em Plenário, “não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 8º do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contraordenação”, e a nível criminal o recente Acórdão n.º 405/2013 em que o TC. pelos fundamentos do ac. n.º 561/2001 e 389/2013, tirados em Plenário, “decide não julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do art. 8.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se determina a responsabilidade subsidiária dos gerentes por multas aplicadas por infrações criminais previstas no RGIT (cf. ac. n.º 249/2012).”
e que se efectiva pela reversão de execução fiscal (a reversão está prevista no artº 23º da LGT, e tem subjacente o princípio da economia processual pois evita-se a instauração de um novo processo executivo contra o responsável, permitindo-se que o já instaurado contra o primitivo devedor originário passe a correr este).
E que são a reafirmação da doutrina:
do ac. nº 129/2009, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional as normas das alíneas a) e b) do artigo 87º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela lei nº 15/2001 de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação, e no mesmo sentido os Ac.150/2009 e no Ac. 234/2009, considerando que não se trata de transmissão de responsabilidade penal, mas de uma responsabilidade própria provada que seja a sua culpa na colocação da sociedade em situação de não poder pagar o que estava obrigada, ou seja para a verificação do dano sofrido, e que se traduz numa “forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
Trata-se no dizer do TC na “imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente que constitui causa adequada dano que resulta, para a Administração fiscal da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram decidas.”
Doutrina que foi retomada no Ac.nº35/2011, (após as dissensões dos Ac.s nºs 24/2011 e 26/2011) e que veio a culminar com Ac. nº 437/2011 o qual concluiu não julgar inconstitucional o artº8º nº 1, alíneas a) e b), do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora.” e no qual se entendeu que “… a responsabilidade dos gerentes ou administradores consagrada no artigo 8.º, n.º 1 do RGIT é titulada pelo instituto da responsabilidade civil delitual ou aquiliana: aqueles sujeitos são chamados, a título subsidiário, na exacta medida do dano que produziram à Administração Fiscal ao terem impossibilitado, pela sua administração, a realização do pagamento das coimas devidas.A imputação não prescinde, como realçou então o Tribunal, da verificação dos pressupostos gerais, atinentes ao cometimento de um facto ilícito e culposo, bem como ao nexo de causalidade adequada entre a acção e o dano produzido. Esta configuração da responsabilidade prevista nas alíneas a) e b) do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT torna inadequada a convocação de qualquer dos parâmetros contidos nos artigos 30.º e 32.º da Constituição. De facto, e independentemente da questão de se determinar, previamente, o âmbito de aplicação das garantias de defesa em processo criminal quando estejam em causa ilícitos contra-ordenacionais, pode-se concluir liminarmente pela inadequação das mesmas enquanto parâmetros de apreciação da questão em apreço, uma vez que a mesma se localiza num outro lugar do sistema, atinente à responsabilidade extracontratual.
Esta é também a posição de Germano Marques da Silva, que defende que “[a] responsabilidade civil pelo pagamento da multa penal nada tem a ver com os fins das penas criminais, porque a sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária. É evidente que para a responsabilização do administrador é necessário que a sentença dê por verificados os pressupostos da responsabilidade e a respectiva condenação” (in Responsabilidade penal das sociedades e dos seus administradores e representantes, Verbo, 2009 p. 443). De acordo com este autor, “[t]rata-se de um caso de responsabilidade civil por facto próprio, facto culposo causador do não pagamento pelo ente colectivo da dívida que onerava o seu património, quer porque por culpa sua o património da pessoa colectiva se tornou insuficiente para o pagamento, quer porque também por culpa sua o pagamento não foi efectuado quando devia, tornando-se depois impossível.” – apud. Ac. RP de 13/2/2013 www.dgsi.pt/jtrp que temos vindo a seguir de perto
O nosso caso tem assim a ver com a responsabilidade solidária do nº 7 e não com a responsabilidade subsidiária do nº1 do artº 8º RGIT.
Afigura-se-nos que tal normativo tem aplicação, salvo melhor opinião (cfr. Ac.R.G de 12/04/2010 http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf,, e Ac. RP.13/2/2023 cit.) independentemente de quem for o seu agente (gerente ou administrador da sociedade ou outra entidade ou pessoa singular), e é independente da responsabilidade penal que caiba a esse agente ( como expressamente prevê).
Assim este devedor solidário, pode responder como autor ou cúmplice pela infracção, e cumulativamente responde solidariamente com a sociedade pela prática das consequências da infracção que advieram para a sociedade ( multa), seja ou não gerente social, e abrange todas esses colaboradores do crime, porque seria inconcebível que um agente não gerente social (que não condiciona a vontade da pessoa colectiva nem exprime essa vontade) respondesse solidariamente e um gerente (que condiciona a vontade e a exprime) apenas respondesse subsidiariamente; acresce que são diferentes os campos de actuação do nº1 e os do nº7 do artº 8º e os seus pressupostos, e na letra da lei cabem todos os agentes;
Em sentido divergente, todavia Germano Marques da Silva, (in Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2009, p. 328) “se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do nº6, ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, independentemente da que lhe for directamente aplicada a si.”
Como responsável civil o colaborador doloso na infracção, pela multa em que vier a sociedade a ser condenada, tem de ser demandado no próprio processo penal, onde se efectivará ou não essa responsabilidade (sendo ou não condenado como tal).
É que o direito penal fiscal constitui direito penal e direito processual penal, sendo-lhe aplicáveis como expressamente se prevê no artº 3º RGIT do seguinte teor:
“São aplicáveis subsidiariamente:
a) Quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar;
b) Quanto às contra-ordenações e respectivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social;
c) Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar;
d) Quanto à execução das coimas, as disposições do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tais normas e, salvo se especialmente previsto em sentido divergente, os princípios gerais de direito penal, formando um todo, numa tentativa coerente do sistema penal.
Assim se compreende que os responsáveis civis, tal como acontece no direito penal de justiça e dto processual penal, tenham de ser demandados no respectivo processo – artºs 71º e ss CPP – situação que o artº 49º RGIT equipara ao estabelecer que “Os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8.º desta lei, intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses.”
Daqui decorre que os responsáveis solidários, que colaboraram na pratica da infracção, constituem como que demandados cíveis que podem ser condenados a pagar a multa em que a sociedade ou entidade infractora o venha a ser, em virtude dessa colaboração dolosa, e independentemente de serem também responsáveis criminalmente pela mesma infracção.
Será nesse processo penal, onde se efectivará, aquando da sentença e do julgamento em que o demandado civil deve estar presente e ser ouvido, a condenação nesse pagamento solidário, que para tanto deve constar da acusação esse pedido de responsabilidade solidária, á semelhança do que ocorre no processo penal geral (artº 77º1CPP) quanto á dedução do pedido civil, e para tanto deve ser notificado ( e á semelhança do que veio a ser estabelecido pela Jurisprudência obrigatória no acórdão n.º 7/2008 sobre a pena acessória de proibição de conduzir do artº 69º CP, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.ºCPP de não for cumprido o artº 358º CPP), por daquele modo se fixar o objecto do processo.
É inadmissível a prolação dessa condenação (responsabilidade solidária do nº7 do artº 8º RGIT) por despacho posterior á sentença, por violação do caso julgado e de falta de jurisdição por esgotamento do poder jurisdicional do juiz após a prolação da sentença; O caso julgado é a garantia de certeza e segurança, que nenhum sistema jurídico pode dispensar e tal como sucede com o do esgotamento do poder jurisdicional, anda associada a ideia de imutabilidade; a decisão transitada é, por imperativo legal, insusceptível de modificação (salvo recurso extraordinário de revisão).
Formal e materialmente nada impede, cremos que a lei imponha essa responsabilidade civil, neste como em outros casos em que o faz e limita inclusive o montante indemnizatório;
Visto nesta perspectiva o nº7 do artº 8º RGIT como responsabilidade civil, concretamente e quantitativamente fixada pela lei (“de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional” – apud ac nº 437/2011), quer no seu montante quer nos seus pressupostos não padece de qualquer inconstitucionalidade, garantidos que sejam como expressámos o exercício efectivo do direito de defesa no processo penal, tal como o RGIT e o CPP prevêem;
Daqui resulta a meu ver que o artº 8º RGIT tem em si duas proposições distintas e autónomas:
Uma a das alíneas do nº1 – em que está em causa a responsabilidade subsidiária, no caso de a sociedade condenada não pagar a multa por culpa do agente, em que importa averiguar dessa responsabilidade e ela se pode efectivar através da reversão, em despacho autónomo, como o tribunal constitucional já apreciou (supra);
Outra a do nº7 do artº 8º RGIT em que está em causa a responsabilidade solidária com a sociedade arguida pela multa em que esta foi condenada, que apenas se pode efectivar através do próprio processo penal em que a sociedade foi condenada e onde interveio necessariamente (sendo-lhe dada essa possibilidade como arguido e como tal demandado, e condenado) o agente que colaborou na prática da infracção (seja ou não também arguido: acusado da mesma infracção) e devendo ser objectivo de acusação e pedido para que ocorra essa condenação nessa responsabilidade solidária (verificada o requisito material da colaboração na prática da infracção, seja condenado ou não como seu participante).
Nesta perspectiva e nestes moldes, e quanto ao nº7 do artº 8º RGIT (sendo que o nº1 é situação distinta não cabendo aqui o mesmo género de juízos e considerações), não estamos perante o cumprimento de uma pena de multa (a da sociedade) por outrem (o responsável solidário; gerente ou não) mas apenas pela efectivação da responsabilidade civil deste por ter colaborado no crime pois como devedor solidário responde independentemente da cobrança ou não á sociedade da multa aplicada (tendo o devedor solidário que pagou direito de regresso contra o devedor), e não existe por isso transmissão de pena proibida pela CRP : artº 30º3 “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.” nem violação dos princípios da culpa (artºs 1º e 27º nº 1), da igualdade (artº 13º) e da proporcionalidade (artº18º) CRP (cfr. Ac. R Ev. 20/03/2012, http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf; - que está na base do Ac.TC 1/2013;
Germano Marques da Silva, parece ir de encontro a esta ideia, defendendo que a “responsabilidade civil pelo pagamento da multa penal nada tem a ver com os fins das penas criminais, porque a sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária. É evidente que para a responsabilização do administrador é necessário que a sentença dê por verificados os pressupostos da responsabilidade e a respectiva condenação” (in Responsabilidade penal das sociedades e dos seus administradores e representantes, Verbo, 2009 pág. 443) – sublinhado nosso), e supra citado.
Acontece que como é o caso em apreciação essa responsabilidade solidária não foi efectivada na sentença proferida no processo penal em que a sociedade foi condenada e aquando do julgamento desta nem deduzida e pedida essa condenação solidária, na acusação (nem no outro processo - em separado - em que foi condenado o arguido pela prática da mesma infracção), nem foram observadas desse modo e forma as possibilidades de intervenção e de defesa de gerente e ora recorrente em conformidade com o artº 49º RGIT.
É certo que o Tribunal Constitucional, proferiu o acórdão 1/2013 de 9/01/2013 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130001.html,) no qual decidiu julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29º, n.º 5, da Constituição, a norma do artigo 8º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, fê-lo perante um caso em que o gerente fora efectivamente condenado na sentença em coautoria com a sociedade de que era gerente e ainda solidariamemente responsável pela multa em que aquela sociedade fora condenado, e o tribunal constitucional entendeu que
“Não é curial, contrariamente ao que se afirma, por vezes, na jurisprudência cível, reconduzir o regime constante do n.º 7 do artigo 8º, a uma forma de responsabilidade civil por facto próprio. O pressuposto da obrigação solidária é a colaboração dolosa na prática do crime tributário, e é essa conduta que torna o gerente responsável solidariamente pelas consequências jurídicas da condenação penal em que tenha incorrido a pessoa coletiva. Não estão aqui em causa quaisquer factos, anteriores ou posteriores à aplicação da multa penal, que tenham colocado a pessoa coletiva na impossibilidade de pagamento. Nem é invocável um qualquer argumento de identidade ou de maioria de razão para tornar equiparável a disciplina desse preceito à responsabilidade subsidiária a que se refere o n.º 1 do artigo 8º (cfr., entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de março de 2012, Processo n.º 1407/09, e do Tribunal da Relação do Porto de 2 de maio de 2012, Processo n.º 1113/06, e de 6 de junho de 202, Processo n.º 11/06).
Ainda que a obrigação solidária surja qualificada formalmente como uma obrigação de natureza civil, com subordinação aos princípios gerais da solidariedade passiva, ela não deixa de representar, na prática, uma consequência jurídica do mesmo ilícito penal pelo qual o gerente foi já punido, a título individual, através da aplicação direta de pena de multa. Isso porque a responsabilidade solidária assenta no próprio facto típico que é caracterizado como infração, que é imputado ao agente a título de culpa, e que arrasta não só a sua condenação individual como a condenação da pessoa coletiva no interesse de quem agiu.
A norma prevê, por conseguinte, não já uma mera responsabilidade ressarcitória de natureza civil, mas uma responsabilidade sancionatória por efeito da extensão ao agente da responsabilidade penal da pessoa coletiva.
Faz aqui sentido chamar à colação o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29º, n.º 5, da Constituição e que na sua dimensão de direito subjetivo fundamental proíbe que as normas penais possam sancionar substancialmente, de modo duplo, a mesma infração (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 244/99, 303/05, 356/06 e 319/12).”
“…a situação versada no artigo 8º, n.º 7, do RGIT, em que, por força da comparticipação na prática da infração tributária, se faz atuar em relação à pessoa singular, que age como representante da pessoa coletiva, a cumulação da responsabilidade penal própria com a responsabilidade solidária pelo cumprimento da sanção penal pecuniária imposta à pessoa coletiva.
O que traduz objetivamente uma dupla valoração jurídico-criminal de um mesmo facto, com uma consequência negativa para o agente, que é assim tido como um condevedor da prestação, independentemente de a Administração Fiscal optar por exigir ou não o pagamento e de o agente poder vir a exercer ulteriormente o direito de regresso contra o coobrigado.” E desse modo deixa a violação do artº 30º3 CRP para os casos em um terceiro que não gerente, da sociedade colabora na prática da infracção: “A imposição de uma responsabilidade solidária a terceiro para pagamento de multas aplicadas à pessoa coletiva, quando ele não possa ser corresponsabilizado como coautor ou cúmplice na prática da infração – tal como admite o n.º 7 do artigo 8º - configura uma situação de transmissão da responsabilidade penal, na medida em que é o obrigado solidário que passa a responder pelo cumprimento integral da sanção que respeita a uma outra pessoa jurídica.”. (sublinhado nosso)
Só que in casu não estamos perante um terceiro não gerente não responsabilizado pela infracção, mas o contrário, estamos perante um gerente que foi condenado pelo mesmo acto em que o foi a sociedade, e ele nele colaborou dolosamente, pelo que não ocorre transmissão da pena, pois pressupõe a sua própria responsabilidade que a lei por via disso considera penal e civil
Mais recentemente ainda, o TC no ac. 297/2013 de 28/5/2013, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130297.html, veio a decidir: “…- julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração tributária pelas multas aplicadas à sociedade. “, argumentando: “Ora, não há dúvida que o dispositivo vertente – o n.º 7 do artigo 8.º, do RGIT – consiste em mais um caso de extensão da responsabilidade sancionatória em que venha a incorrer a pessoa coletiva a outros sujeitos jurídicos, não estando em causa a mera extensão da responsabilidade ressarcitória pelo pagamento de multas ou coimas. Porém, desta feita não é possível atacar o preceito pelo facto de este corresponsabilizar outras pessoas (humanas ou jurídicas) independentemente da sua participação na comissão da infração em causa, visto que aquele exige uma “colaboração dolosa” do agente nessa comissão, ou, por outras palavras, a ativação da responsabilidade penal/contraordenacional do “devedor solidário” está dependente da colaboração deste na prática da infração (cfr. o Acórdão n.º 481/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Tal não obsta a que se ergam ao artigo 8.º, n.º 7, do RGIT outros obstáculos, maxime, outras garantias do processo penal, tais como o princípio da pessoalidade das penas, dedutível a partir do artigo 30.º, n.º 3, da CRP. Doutrina e jurisprudência confluem no sentido de extrair deste normativo a proibição de que “a pena recaia sobre uma pessoa diferente da que praticou o facto que lhe serve de fundamento” (cfr. o Acórdão n.º 337/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. revista, Coimbra, 2007, p. 504).
Aliás, como é consabido, «…[a] verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efetivamente numa incondicional proibição do excesso; a culpa não é o fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou neutralização. …» (cfr. J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I, 2.ª edição, páginas 82 e 83).
As sanções penais têm uma natureza pessoalíssima, daí defluindo que a medida de tais sanções, assim como a própria moldura sancionatória que as baliza, há de permitir, sob pena de subversão completa daquela natureza, a valoração de fatores pessoais do agente e da sua conduta culposa (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 481/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Pois bem, o artigo 8.º, n.º 7, do RGIT determina a responsabilidade sancionatória de quem tenha colaborado dolosamente na prática da infração, resultando quer a moldura sancionatória, quer a medida de tal responsabilidade, de critérios estranhos à conduta dos sujeitos aí responsabilizados, ou, pelo menos, de critérios que não permitem de todo respeitar a natureza pessoal e específica já assacada às sanções penais.
Daí que se haja de concluir pela inconstitucionalidade do preceito em causa, por violação do princípio da pessoalidade das penas.”
Quer-nos parecer contudo que a norma em causa não viola a Constituição nos normativos citados ou noutros
Desde logo não vemos, e a letra da lei diz o contrário, que estejamos perante uma norma sancionatória de natureza penal, mas perante uma norma ressarcitória de natureza civil e dependente de uma acção própria do condenado - colaboração dolosa na prática da infracção - porque foi condenada a sociedade / ente colectivo, sendo independente da condenação ou não pela mesmo infracção do devedor solidário;
Depois como efectivamente se refere no voto de vencido do ac. 273/2013 (Cons Mª Fátima Mata Mouros) a condenação solidária não é na pena de multa mas no fundo no “ pagamento do quantitativo monetário da multa”, - que se pretende garantir, e que por essa via limita a responsabilidade de pagamento - nem ao devedor solidário que não paga lhe são aplicáveis as regras relativas ao não pagamento da pena de multa (como acontece com as pessoas singulares: prisão subsidiária e penas alternativas) pelo que não estamos perante uma transmissão pessoal e penal de uma pena ou responsabilidade penal;
Não retrata mais do que a realidade sociológica e que por esta via o direito regula, a de que dependendo o pagamento da multa em que a sociedade foi condenada da vontade expressa pelo seu representante - o gerente - único que pode agir no mundo fisicamente - ele apenas se sentirá pressionado para fazer com que a sociedade cumpra (rectius que seja imputado á sociedade o cumprimento da multa: entrega de uma quantia monetária) a pena se pessoalmente também sentir que por falta de acção sua pode ser responsabilizado, e por isso como se expressa no voto de vencido “ela surge como instrumento adequado aos fins a que se destina: garantir o pagamento da quantia monetária em que a pessoa coletiva foi condenada, respeitando ainda o princípio da culpa quanto aos pressupostos da responsabilidade civil respetiva, uma vez que a colaboração dolosa do obrigado solidário é condição da atribuição da responsabilidade.
(...)
….a regra das obrigações solidárias segundo a qual o obrigado solvente mantém direito de regresso contra o obrigado principal afasta o risco de desproporcionalidade na comunicabilidade desta obrigação. “
Vista como responsabilidade civil, nada impede, nem se vê obstáculo constitucional a que a lei a atribua e fixe o montante indemnizatório ainda que por via indirecta dessa responsabilidade, como faz em relação a tantas outras matérias;
Por outro lado a Constituição não impede que do mesmo facto essencial resultem diversas responsabilidades, e em resultado do mesmo facto ilícito seja responsabilizado o seu agente de várias formas (mormente penal e civilmente)
Mesmo que se veja na responsabilidade solidária em causa uma sanção de natureza penal (porque tem por base um crime) que acresce (mas não necessariamente - porque pode não ser condenado como autor da infracção) á sua condenação individual pelo mesmo facto, nem por isso viola a CRP, pois nada impede o legislador de punir determinados comportamentos com mais de uma sanção de natureza penal, vg. com o acontece com as penas acessórias que acrescem ás penas principais, com as penas mistas de prisão e multa ou com a condenação em indemnização civil que acresce á condenação penal, ou com a perda de benefícios de natureza económica, publicidade da condenação … etc, previstos no dto penal secundário (dto económico e fiscal) em face da especificidade que é reconhecida ao direito penal fiscal que visa proteger as receitas tributárias enquanto componente activa do património tributário do Estado ( Ac. STJ 18/12/2008 www.dgsi.pt/jtrp);
Especificidade essa que permite também a especificidade de soluções, visando a eficácia do direito penal, única maneira de tutelar o bem jurídico carecido de tutela.
E assim “O direito penal económico faz uma importação do instituto da responsabilidade solidária e aplica-o também à pena de multa. (. . .) Tomando como pano de fundo a responsabilidade civil no seu todo e a responsabilidade solidária em particular, a primeira ideia a reter é a de que a lesão dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal económico provoca danos na economia e no próprio valor económico da moeda” - Inês Fernandes Godinho - A responsabilidade Solidária das Pessoas Colectivas em Direito Penal Económico, Coimbra Editora, 2007, págs. 73 e sgs, acrescentando: “…que, face ao fundamento primeiro da responsabilidade solidária, a importação deste instituto é adequada. E adequada porque, …, a multa, em direito penal económico, assume, para além de um carácter punitivo, também uma função reparadora através do seu conteúdo. Assim, a justificação da importação prende-se essencialmente com esta função: uma vez que a reparação é cumprida pelo conteúdo da multa, o direito penal económico visa assegurar que esse mesmo conteúdo não corre o risco de faltar, por isso recorre a um instituto do direito civil - a responsabilidade solidária - como modo de garantia da obtenção do conteúdo da multa”.
A condenação solidária apenas implica que o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores condenados independentemente da solvabilidade de qualquer um deles, e feito o pagamento por um o outro mantém integralmente o dever de cumprir, embora não perante o credor mas perante o que pagou, mantendo-se esse dever ele não se transmitiu a outrem, pois esse pagamento não tem a virtualidade de impedir ou excluir, o exercício do direito de regresso por parte de quem pagou relativamente à responsabilidade do outro (arts 524º e 997º CC)
Assim a responsabilidade de cada um dos arguidos/ responsável civil (sociedade e pessoa individual) mantêm a sua autonomia e não se verifica qualquer reversão da responsabilidade sancionatória nem condenação duas vezes pelo mesmo facto (há apenas dois responsáveis pelo mesmo quantitativo).
E sendo assim a responsabilidade solidária do condenado no pagamento da quantia correspondente à multa imposta à sociedade comercial de que era gerente, por força do nº 7 do artigo 8° do RGlT, não contende com qualquer dos princípios constitucionais invocados, designadamente, o que consagra o ne bis in idem (artº 29°5 CRP) e o da intransmissibilidade das penas (artº30°3 CRP). Cfr Ac. RP 19/12/2012 www.dgsi.pt/jtrp
Regressando ao caso concreto em apreciação nestes autos, verificamos que o arguido recorrente gerente da sociedade foi condenado no proc. 184/10.0TAMTS (fls 831) por separação de processo pelo crime em apreço, e a sociedade foi julgada no proc 2455.12.1TBMTS (o presente) pelo mesmo crime e factos e neste não interveio o arguido C…, nem em qualquer das sentenças penais o arguido recorrente C… foi condenado solidariamente no pagamento da multa da sociedade;
Assim em conformidade com o supra expendido, e porque se trata da situação do nº7 do artº 8º RGIT (e não do nº1 - reversão em execução) e é imposta a necessidade de intervenção do arguido recorrente como responsável civil nos termos do artº 49º RGIT no processo penal e ela não ocorreu, nem tal responsabilidade lhe foi assacada na sentença condenatória (e cuja responsabilidade não é pedida na acusação), e não foi condenado solidariamente com a sociedade arguida na multa aplicada, e não pode ser efectivada posteriormente (sendo condenado fora da sentença condenatória) impõe-se concluir que o despacho em causa é violador não apenas do caso julgado, dos princípios do acesso ao direito (artº 20º CRP) da proibição de ser julgado duas vezes pelo mesmo facto (artº 29º5 CRP), como do due processo of law e do asseguramento de todas as garantias de defesa (artºs 20º4 e 32º1 e 5 CRP), pelo que não pode subsistir, por ser nula nos termos do artº 379º1 b) e artº 97º1 b) CPP;
Procede assim por esta via o recurso.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide:
Julgar procedente o recurso interposto por C…, e em consequência revoga o despacho de fls 849;
Sem custas
Notifique.
Dn
+
Porto, 18/9/2013
José Alberto Vaz Carreto
Joaquim Arménio Correia Gomes