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AÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÃO AGRAVADA
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
Sumário
I – Propondo a sinistrada uma ação de acidente de trabalho contra a seguradora, pedindo o pagamento das prestações normais e tendo a seguradora apresentado contestação na qual invoca a culpa da empregadora segurada na produção do acidente, a falta de citação desta para contestar traduz omissão de ato que a lei prescreve no Art.º 127, n.º 1 do CPT. II – Tal omissão constitui nulidade pois impede que a sinistrada possa receber prestações agravadas, na hipótese de se vir a provar que o acidente resultou de culpa da empregadora. III – Essa nulidade implica a anulação de todos os atos praticados depois do oferecimento da contestação da seguradora, devendo ser citada a empregadora nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 127.º, n.º 1 do CPT, seguindo-se depois a legal tramitação que ao caso couber. IV – A circunstância de a sinistrada ter pedido apenas as prestações normais não impede que o Tribunal, atento o disposto no Art.º 74.º do CPT e no Art.º 12.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, condene em prestações agravadas, desde que se provem os factos relativos à culpa da empregadora na produção do acidente.
Texto Integral
Reg. N.º 1013
Proc. N.º 404/11.3TTBGC.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Nestes autos emergentes de acidente de trabalho, com processo especial, cuja participação deu entrada em juízo em 2011-10-04 e em que figuram, como sinistrado B…, patrocinada pelo Ministério Públicoe como entidade responsável Companhia de Seguros C…, S.A., frustrou-se a tentativa de conciliação porquanto a sinistrada discordou do grau de incapacidade de zero por cento que lhe foi atribuído no exame médico singular e a seguradora entendeu que o acidente dos autos ocorreu por violação das regras de segurança por parte da empregadora, pelo que apenas aceitou reparar o acidente pelas prestações normais nos termos do teor do n.º 3 do Art.º 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Seguidamente, a sinistrada apresentou petição inicial, alegando os factos respeitantes ao acidente por si sofrido em 2011-06-20 e pedindo a final a condenação da R. a pagar-lhe:
a) A título de diferença de indemnização por incapacidade temporária, a quantia de € 12,00;
b) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1.048,96, devida desde o dia 20 de julho de 2011;
c) A quantia de € 54,00, relativa a despesas com transportes e
d) Juros de mora, à taxa legal.
Contestou a R. alegando que, tendo o acidente ocorrido por violação das regras de segurança no trabalho e existindo nexo da causalidade entre tal inobservância e o acidente, é o evento imputável à empregadora, a título de culpa, pelo que ela só aceita responsabilizar-se pelas prestações normais (Art.º 79.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009) na medida do salário transferido pela mesma empregadora.
A sinistrada foi submetida a exame médico colegial, tendo os Srs. Peritos entendido que ela se encontra curada com 0% de incapacidade.
Foi proferido saneador sentença, tendo o Tribunal a quo condenado a R. a pagar à A.:
a) A título de diferença de indemnização por incapacidade temporária, a quantia de € 12,60;
b) A quantia de € 54,00, relativa a despesas com transportes e
c) Juros de mora sobre todas as prestações em dívida, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento.
Inconformada com o assim decidido, veio a seguradora interpôr recurso de apelação, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1ª - A ora recorrente alegou factos tendentes a demonstrar a atuação culposa da entidade empregadora como causa do acidente.
2ª - A recorrente, dessa forma, não só obtém fundamento para um futuro direito de regresso, como cria condições para ser atribuída à sinistrada uma pensão agravada.
3ª - As circunstâncias do acidente podem e devem ser apuradas nos presentes autos, já que a sinistrada, não podendo renunciar aos direitos que lhe confere a lei dos acidentes de trabalho (art° 12° da Lei 98/2009, de 04/09), beneficiará da possibilidade de lhe vir a ser reconhecido o direito a pensão agravada, mesmo que a não tenha pedido.
4ª - A douta sentença não tomou em consideração os factos alegados na contestação quanto à atuação culposa da entidade empregadora.
5ª - Foi praticada uma nulidade, uma vez que o Meritíssimo Juiz não se pronunciou sobre uma questão que foi atempadamente suscitada - cfr. artº 668º, nº 1, alínea d), do C.P.C..
6ª - A nulidade em causa pode constituir fundamento de recurso (nº 4 do artº 668º do C.P.C.).
7ª - A douta sentença violou, nomeadamente, o artº 12º da Lei 98/2009, de 04/09, o artº 131º, nº 1, alínea d) do C.P.T. e o artº 668º, nº 1, alínea d) do C.P.C.
A sinistrada apresentou contra-alegação, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1ª- Dispõe o artº 79º nº 3 da cit Lei 98/2009 de 4 de setembro:
"Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.°, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
2ª- Nos presentes autos a sinistrada, quer na tentativa de conciliação, quer na petição inicial, não veio invocar qualquer atuação culposa da entidade empregadora, antes considera mesmo não ter o acidente ocorrido por qualquer violação das regras de segurança por parte empregadora/segurada da recorrente, razão por que não veio demandar a entidade empregadora para reclamar eventual prestação agravada.
3ª- Por isso veio, tão só, reclamar as prestações normais cuja satisfação é responsável a recorrente por força do contrato de seguro que celebrou com a entidade empregadora e pelo qual assumiu o risco da atividade da sua segurada, nos termos do nº 1 do art° 79 da Lei 98/2009 de 4/09.
4ª- Em conformidade com a posição da sinistrada e a posição da seguradora na tentativa de conciliação (em que acordaram as partes sobre as existência e caraterização do acidente como de trabalho, a relação de causalidade entre as lesões e o reconhecimento da seguradora da sua responsabilidade pelas prestações normais, nos termos do art° 79 nº 3 da Lei 98/2009, sem prejuízo do direito de regresso - e após decisão proferida no incidente de junta médica) entendeu o douto Tribunal "a quo" não levar os autos a julgamento para discutir a alegada atuação culposa da empregadora no acidente, considerando que o direito de regresso invocado deve ser apreciado por outra via, que não a presente ação de acidente de trabalho.
5ª- Contudo, discordando da douta sentença veio dela recorrer a seguradora alegando que o Tribunal ao não apreciar a alegada atuação culposa da empregadora, não permitiu a seguradora obter fundamento para um futuro direito de regresso e deixou de criar condições para ser atribuída à sinistrada uma pensão agravada.
6ª- Ora, aderindo à posição do douto Tribunal “a quo" somos de opinião que não cabe nestes autos ser discutida a questão da matéria alegada pela recorrente na sua contestação sobre atuação culposa da entidade empregadora como causa do acidente. E tudo isto para fundamentar um direito de regresso!
7ª- Aliás, como pode ser obtido tal "fundamento de direito de regresso contra a empregadora" se esta nem sequer foi demandada na ação ou chamada à demanda pela seguradora? (e neste último caso só o podia em intervenção acessória).
8ª- Por outro lado, não se diga que não foram acautelados os direitos conferidos pela lei de acidentes de trabalho à sinistrada, já que foram salvaguardados os seus direitos indisponíveis de reparação do acidente em prestações normais. Uma coisa é a reparação do acidente em termos normais e, por isso indisponíveis, e outra é a reparação de um dano resultante de uma responsabilidade aquiliana consubstanciada na prática de um ato ilícito e que cabe à vítima provar a culpa do agente.
9ª- Acresce que, nada obsta que na ação de regresso a interpor pela seguradora contra a empregadora por atuação culposa no acidente, a sinistrada não possa também vir a beneficiar do reconhecimento do direito de pensão agravada, comprovada, judicialmente a verificação do facto ilícito, ainda que na ação emergente de acidente de trabalho o sinistrado - por desconhecimento técnico ou por qualquer outra razão, não tenha reconhecido a violação a culpa da empregadora;
10ª- Por fim, que a tese peregrina da recorrente de apreciação da atuação culposa da empregadora para "obter fundamento para futuro direito de regresso" não passa de uma forma de contornar/desvirtuar a norma prevista no n° 3 do art° 73° da Lei 98/2009, norma nova com a qual o legislador quis evitar que os sinistrados ou seus beneficiários aguardassem longos anos pela reparação do acidente nas ações em que era discutida tão só a atuação culposa da empregadora invocada pelas seguradoras.
11ª- Termos em que, a douta sentença recorrida não só fez correta interpretação da matéria provada, como também interpretou e aplicou em conformidade as disposições legais aplicáveis ao caso.
12ª- Deve, por isso, ser mantida a douta sentença recorrida, improcedendo, consequentemente, o recurso da R. seguradora.
O Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, teve vista nos autos.
Recebido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e entregues as respetivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
Estão provados, para além dos constantes do antecedente relatório, os seguintes factos:
1- A Ré dedica-se à atividade seguradora.
2- Por contrato de seguro, na modalidade de folha de férias, titulado pela apólice n.º .........., a sua segurada D..., Lda - empregadora da ora A., transferiu a sua responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho ocorridos com o pessoal que emprega naquela sua atividade para a ora R. "C...", constando a A. da folha de vencimentos do mês de maio de 2011 com a retribuição mensal de base de € 485,00 acrescida de subsídio de refeição mensal de € 97,90.
3- A A. nasceu em 24 de abril de 1989.
4- A empregadora "D..., Lda. (ora segurada da Ré), admitiu a A. desde 8 de fevereiro de 2011, para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização dos seus órgãos e representantes, com a categoria auxiliar de produção.
5- Auferindo a retribuição mensal de € 485,00 x 14 meses, acrescido de subsídio de refeição mensal de € 97,90 x 11 meses.
6- Pelas 10.00 horas do dia 20 de junho de 2011, em Macedo de Cavaleiros, quando a A. estava a embalar verniz foi atingida pela máquina de selagem, tendo-lhe provocado ferida da mão complicada e queimadura nos dedos da mão direita.
7- Em consequência do que sofreu queimadura do 2° grau dos 2° e 3° dedos da mão direita e ferida da mão, complicada.
8- Como consequência direta e necessária dos ferimentos resultantes do acidente e de acordo com o exame médico ficou a A. afetada de Incapacidade Temporária Parcial de 20% desde 21/06/2011 a 9.07.2011 [certamente por lapso, referiu-se 9 quando é 19, como a seguradora declarou a fls. 7 e resulta inequivocamente do contexto] (29 dias).
9- A tal título a seguradora já pagou a indemnização de € 76,12.
10- Por não ter transportes coletivos para poder comparecer a horas designadas para as três diligências processuais para as quais foi convocada, teve a A. que utilizar viatura própria - mais económica que o táxi, tendo percorrido em cada viagem de Macedo à cidade de Bragança cerca de 45 km, o que perfaz, em seis viagens de ida e volta, o total de 270Km.
11- Despesas que não foram pagas.
12- Por despacho proferido no apenso para fixação da natureza e grau de incapacidade, decidiu-se que a sinistrada B... se encontra curada sem incapacidade permanente das lesões resultantes do acidente.
Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respetivo objeto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redação que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[3], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se o Tribunal a quo devia ter tomado conhecimento dos factos alegados na contestação da seguradora, ora R. e apelante.
Desde a tentativa de conciliação que a apelante defende que o acidente ocorreu por culpa da empregadora, o que renovou na contestação.
O Tribunal a quo entendeu que, tendo a apelada, ora A., reclamado apenas as prestações normais, não tendo invocado a culpa da empregadora na produção do acidente, aliás, entendendo até que ela não se verificou, não interessaria, assim, conhecer a matéria da violação das regras de segurança.
Vejamos.
Tendo o acidente dos autos ocorrido em 2011-06-20, ao caso é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que adrede dispõe:
Artigo 18.º
Atuação culposa do empregador
1 — Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
(…)
4 — No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70% e 100% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
Artigo 48.º
Prestações
(…)
3 — Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho — pensão anual e vitalícia igual a 80% da retribuição, acrescida de 10% desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição;
b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual — pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Por incapacidade permanente parcial — pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º;
d) Por incapacidade temporária absoluta — indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente;
e) Por incapacidade temporária parcial — indemnização diária igual a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
Artigo 79.º
Sistema e unidade de seguro
(…)
3 — Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
Tal como acontecia com a Lei anterior, n.º 100/97, de 13 de setembro, atento o disposto nos Art.ºs 17.º e 18.º, também na vigente o legislador distingue os montantes das pensões e das indemnizações conforme o acidente tenha ocorrido por culpa da empregadora ou por causas meramente objetivas; na verdade, na reparação pelas prestações normais apenas se atende a parte da retribuição auferida pela vítima, 80%, 75% ou 70% ou – na IPATH – a uma percentagem compreendida entre 50% e 70%, enquanto nas prestações agravadas se atende à totalidade da retribuição auferida e na IPATH atende-se a uma percentagem compreendida entre 70% e 100%; isto é, havendo culpa da empregadora na produção do acidente, o direito do sinistrado é majorado, tendendo para a reparação integral do dano, o que bem se entende pois é imputável a alguém que poderia ter agido de outra maneira, no sentido de o evitar e, apesar disso, não adotou o comportamento necessário.
Porém, é inovadora a norma do Art.º 79.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, porquanto na lei anterior, em caso de culpa do empregador, a seguradora respondia subsidiariamente pelas prestações normais [Art.º 37.º, n.º 2 da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro], enquanto no regime atual a seguradora responde também pelas prestações normais, mas em primeira linha, sem prejuízo do direito de regresso; isto é, anteriormente, a seguradora pagava as prestações normais se e quando o empregador não pagasse as prestações agravadas, enquanto atualmente a seguradora paga sempre e imediatamente as prestações normais, sem prejuízo de poder vir a exigir ao empregador segurado o que pagou ao sinistrado.
Desta regulamentação resulta que tanto o sinistrado como a seguradora têm interesse em demonstrar a culpa do empregador na produção do acidente, caso ela se tenha verificado, pois aquele terá direito a receber prestações mais elevadas e a seguradora tem direito de regresso contra o empregador relativamente às prestações normais que tenha pago ao sinistrado.
Ora, sendo de existência e exercício necessários os direitos emergentes de acidente de trabalho, não apenas os relativos a acidentes derivados de causas objetivas, mas também os que resultaram de culpa do empregador[4], a circunstância de a sinistrada, ora apelada, não reclamar as prestações agravadas é juridicamente irrelevante na medida em que o Tribunal deverá condenar ultra vel extra petitum, atento o disposto no Art.º 74.º do CPT e no Art.º 12.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, caso se provem os factos relativos à culpa do empregador na produção do acidente.[5]
Assim, tendo a seguradora alegado na contestação que o acidente ocorreu por culpa da empregadora, deveria o Tribunal a quo ter tomado em consideração os factos alegados em tal articulado; porém, como a ação não foi intentada também contra a empregadora, deveria o Tribunal a quo ter dado cumprimento ao disposto no Art.º 127.º, n.º 1 do CPT, ordenando a citação desta para contestar e atos processuais subsequentes.
Tal falta integra nulidade processual, cuja consequência consiste na anulação do processado depois do oferecimento da contestação da seguradora, ora apelante, atento o disposto nos Art.ºs 201.º, n.ºs 1 e 2, 205.º, n.º 1 e 206.º, n.º 3 do CPC.
Na verdade, a desconsideração dos factos alegados na contestação da apelante e a falta de cumprimento do disposto no Art.º 127.º, n.º 1 do CPT podem conduzir a que a apelada tenha uma indemnização calculada apenas com base em 70% da retribuição, como consta do saneador sentença, quando provada a culpa da empregadora, ela pode ter direito a uma indemnização calculada com base na totalidade da retribuição auferida, atento o disposto nos Art.ºs 18.º, n.º 4, alínea c) e 48.º, n.º 3, alínea e) da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Por outro lado, encontrando-se a sinistrada curada com 0% de incapacidade [diferente de sem incapacidade], nada impede que as lesões se venham a agravar e que haja necessidade de requerer o incidente de revisão com vista à fixação de uma pensão. Ora, a manutenção do saneador sentença só poderia conduzir a uma pensão normal, apesar de a sinistrada poder ter direito a uma pensão agravada, caso se prove a culpa da empregadora na produção do acidente. E, assim sendo, tal como na indemnização por incapacidade temporária, a pensão agravada é calculada com base na totalidade da retribuição ou, na IPATH, com base numa percentagem a graduar entre 70% e 100% da retribuição, quando a pensão normal apenas é calculada com base em 80%, 70% ou, na IPATH, com base numa percentagem a graduar entre 50% [menos 20%] e 70% [menos 30%] da retribuição auferida, como se vê do disposto nos Art.ºs 18.º, n.º 4, alíneas a) e b) e 48.º, n.º 3, alíneas a), b) e c) da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Assim, tendo sido praticada a nulidade por omissão de ato que pode influir no exame e decisão da causa, a qual foi invocada em tempo, importa anular todos os atos praticados depois do oferecimento da contestação da seguradora, devendo ser citada a empregadora nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 127.º, n.º 1 do CPT, seguindo-se depois a legal tramitação que ao caso couber.
É certo que a seguradora pode obter com o processado que ora se determina a definição da culpa da entidade empregadora e assim ver facilitado o eventual êxito da sua ação de regresso; trata-se no entanto de consequências do legalmente estipulado em matéria em que a vontade das partes é ineficaz, atento o disposto no citado Art.º 12.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Em síntese, assim não tendo decidido o Tribunal a quo, devem ser anulados os atos praticados depois do oferecimento da contestação da seguradora, ora apelante, devendo ser citada a empregadora nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 127.º, n.º 1 do CPT, seguindo-se depois a legal tramitação que ao caso couber.
Procede, destarte, o recurso.
Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento à apelação, assim anulando todos os atos praticados depois do oferecimento da contestação da seguradora, devendo ser citada a empregadora nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 127.º, n.º 1 do CPT e seguindo-se depois a legal tramitação que ao caso couber.
Custas pela parte vencida a final.
Porto, 2013-09-30
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
_________________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respetivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.
[4] Se não por maioria, pelo menos por identidade de razão, sendo certo que o intérprete não deve distinguir quando o legislador o não fez.
[5] Cfr. Alberto Leite Ferreira, in Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1972, pág. 250 e in Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 1989, pág. 293, Albino Mendes Baptista, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 2000, pág. 146, Paulo Sousa Pinheiro, in A Condenação Extra Vel Ultra Petitum no Código de Processo do Trabalho, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, N.º 12, 2007, Instituto Politécnico do Porto, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, pág. 211 e Joana Vasconcelos, in Condenação Extra Vel Ultra Petitum – Um Mecanismo Ultrapassado?, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Volume VI, IDT, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, 2012, pág. 191.
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S U M Á R I O
I – Propondo a sinistrada uma ação de acidente de trabalho contra a seguradora, pedindo o pagamento das prestações normais e tendo a seguradora apresentado contestação na qual invoca a culpa da empregadora segurada na produção do acidente, a falta de citação desta para contestar traduz omissão de ato que a lei prescreve no Art.º 127, n.º 1 do CPT.
II – Tal omissão constitui nulidade pois impede que a sinistrada possa receber prestações agravadas, na hipótese de se vir a provar que o acidente resultou de culpa da empregadora.
III – Tal nulidade implica a anulação de todos os atos praticados depois do oferecimento da contestação da seguradora, devendo ser citada a empregadora nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 127.º, n.º 1 do CPT, seguindo-se depois a legal tramitação que ao caso couber.
IV – A circunstância de a sinistrada ter pedido apenas as prestações normais não impede que o Tribunal, atento o disposto no Art.º 74.º do CPT e no Art.º 12.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, condene em prestações agravadas, desde que se provem os factos relativos à culpa da empregadora na produção do acidente.