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PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DECISÃO FINAL
PROCURAÇÃO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Sumário
I - Mostrando-se junta ao procedimento disciplinar uma procuração da trabalhadora a favor de mandatário, concedendo-lhe “os mais amplos poderes em Direito”, nestes não se inclui o poder específico para a prática de acto que a lei comete à estrita pessoa do trabalhador, qual seja o de lhe ser comunicada a decisão final do procedimento disciplinar. II - A fixação do factor relevante para o cálculo da indemnização por despedimento ilícito não deve levar em conta, como circunstância a justificar o mínimo legal, que a antiguidade ao serviço do empregador que profere o despedimento seja menor que a antiguidade efectiva do trabalhador, adquirida ao serviço de antecessores do empregador. III - O cômputo das retribuições intercalares termina no trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento e não no momento em que o trabalhador, optando por uma indemnização de antiguidade, aceita a cessação do contrato.
Texto Integral
Processo nº 706/11.9TTMAI.P1
Apelação
Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 296)
Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
Na presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, B…, limpadora de aeronaves, residente em Matosinhos, veio opor-se ao despedimento que lhe foi promovido por C…, S.A. – Sucursal em Portugal, com sede em Oeiras.
Frustrada a conciliação, a empregadora veio apresentar articulado motivador, no qual, em síntese, alega que proferiu decisão final no procedimento disciplinar em 31.8.2011, que enviou, neste dia, por fax, a mesma decisão à mandatária que a trabalhadora constitui com atribuição de poderes de representação, pelo que é essa a data relevante para contagem do prazo de caducidade, o qual foi ultrapassado, visto que a oposição da trabalhadora deu entrada em juízo em 4.11.2011, assim estando caducado o direito de acção da trabalhadora. Mesmo que assim não se entenda, a decisão final foi também enviada por carta registada com aviso de recepção, recebida em 2.9.2011, pelo que sempre estaria esgotado o prazo.
De resto, a trabalhadora intentou a acção em 4.11.2011, pagando multa nos termos do artigo 145º nº 5 do Código do Processo Civil, mas isso não impede a caducidade, nos termos do artigo 331º nº1 do Código Civil, sendo que o artigo 145º nº 5 do CPC se aplica aos prazos judiciais. O prazo de 60 dias para impugnação do despedimento é um prazo de caducidade e não um prazo judicial.
Por outro lado, houve justa causa para o despedimento da trabalhadora. Em síntese, enquanto a trabalhadora se dirigia para o avião, em veículo juntamente com os colegas de trabalho, discutiu com uma colega e, na sequência dessa discussão, a escassos minutos de começar a limpeza de um avião, abandonou a equipa de trabalho, saindo do veículo onde se encontrava e atravessando a zona da placa a pé, dirigindo-se da porta A para a porta B, atravessando, assim, toda a zona restrita a pé.
É essencial neste tipo de trabalho que a equipa esteja completa aquando da limpeza das aeronaves pois o prazo de que dispõem para o fazer é limitado e porque o próprio Cliente costuma exigir um número mínimo de pessoas afectas à limpeza das aeronaves.
Por outro lado, o comportamento é altamente censurável pois vai contra as elementares regras de segurança existentes no Aeroporto e coloca em risco a própria Licença de Actividade da Ré no Aeroporto …, sendo que é elemento essencial da relação laboral o cumprimento e respeito dos procedimentos e normas de segurança existentes no Aeroporto.
A autora, com o comportamento descrito, violou os deveres jus-laborais a que estava obrigada, especialmente, os deveres previsto na cláusula 12º nº 1, alíneas j), b), d) e) e h) do CCT FETESE (Contrato Coletivo de Trabalho entre a Associação Portuguesa de Facility Services e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 8, de 28 de fevereiro de 2010 – adiante CCT FETESE).
Requer, assim, que o despedimento seja considerado legítimo, lícito e com justa causa, não sendo considerada devida qualquer quantia à autora.
Notificada para efeitos do disposto no artigo 98.º-L/1 do Código de Processo do Trabalho, a trabalhadora apresentou a sua contestação, na qual, quanto à caducidade do direito de acção, alega que, na pendência do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Ré, constituiu mandatária através de procuração de cujo teor resulta que lhe atribuiu “… os mais amplos poderes em Direito permitidos.”, nos quais não está incluído o poder especial de, em sua representação, ser notificada da decisão final do procedimento disciplinar.
De resto, apesar do envio do fax, a mandatária encontrava-se de férias quer no dia 31 de Agosto de 2011 quer no dia 2 de Setembro de 2011, sendo que apenas no dia 5 de Setembro de 2011 regressou de férias e tomou conhecimento do teor da decisão final de despedimento proferida em sede de processo disciplinar, tendo sido nessa mesma data que transmitiu a decisão à trabalhadora.
Defendeu-se ainda a trabalhadora por excepção, invocando a caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, por decurso do prazo de 30 dias sobre a conclusão da última diligência instrutória, sem ter tomado conhecimento da decisão final.
Quanto aos factos que lhe são imputados, sustenta a trabalhadora que teve uma discussão com uma colega, a propósito de alteração de horário, e que no dia seguinte a esta foi pressionada pelo seu superior hierárquico, o que a deixou muito nervosa, sendo que após uma troca de palavras, acabou por sair da carrinha por não estar em condições de trabalhar, e deslocou-se pela placa do aeroporto, como lhe era possível fazer, pois possui um cartão emitido pela K… para tanto, sendo deste modo que não colocou em risco a licença da empregadora. De resto, se é desejável que a limpeza das aeronaves seja realizada pela equipa completa, o certo é que não é essencial que tal aconteça, sendo frequente que a limpeza dos aviões seja realizada por menos membros.
Conclui, assim, que não cometeu qualquer falta grave e culposa de observância de normas de segurança no trabalho, susceptível de gerar a perda da licença de actividade e acrescidos riscos de acidentes de trabalho e perigo para a circulação de terceiros e equipamentos, que a sua atitude não prejudica a empresa e a sua imagem junto do cliente ou de qualquer outra entidade, que não colocou em risco a Licença da Ré nem a imagem desta perante Colegas, funcionários da concorrência e do Cliente, nem prejudicou qualquer colega, pelo que foi despedida sem justa causa, devendo os motivos justificativos alegados pela Ré para o seu despedimento ser declarados improcedentes.
Peticiona, em consequência, e em reconvenção, a condenação da entidade empregadora no pagamento da quantia de € 8.734,46, a título de danos patrimoniais sofridos em razão do despedimento ilícito realizado pela ré, acrescida das retribuições a que tem direito receber até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do disposto nos artigos 381.º, al. b), 389.º/1, als. a) e b), 390.º/1 e 391.º/1, todos do Código do Trabalho, assim como no pagamento da quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais sofridos.
A empregadora respondeu à contestação, pronunciando-se quanto à invocada excepção e pugnando pela sua improcedência, por entender que a decisão de despedimento foi proferida e transmitida por telecópia/fax no último dia do prazo para o efeito, valendo esta data para todos os efeitos, nos termos do disposto no artigo 150.º/2, al. c) do Código de Processo Civil.
Mais impugnou a ré a restante matéria alegada pela autora.
Teve lugar a audiência preliminar e foi proferido despacho saneador e seleccionados os factos assentes e controvertidos, sem reclamação.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela produzida, e foi a final proferido despacho de resposta à base instrutória, com a respectiva fundamentação, o qual não mereceu também qualquer reclamação.
Seguidamente, foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta: “Por tudo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
I – Declara-se ilícito o despedimento de B… promovido pela entidade empregadora “C…, S.A.”.
II – Condena-se a entidade empregadora a pagar à trabalhadora:
1 – a indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 478,40) por cada ano completo ou fração de antiguidade, a título de indemnização em substituição da reintegração, que nesta data se computa em € 5.740,80, relegando-se a liquidação do restante para o respetivo incidente de liquidação, nos termos dos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil;
2 – as retribuições que a trabalhadora deixou de auferir desde 04 de outubro de 2011, à razão mensal de € 647,02, aqui se incluindo férias (no valor de € 612,02), subsídio de férias (no valor de € 612,02) e subsídio de Natal (no valor de € 478,40), até ao trânsito em julgado da sentença, devendo-se deduzir o subsídio de desemprego que a trabalhadora eventualmente haja auferido no mesmo período de tempo, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social, cuja liquidação se relega para o respetivo incidente de liquidação, nos termos dos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil;
3 – os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal referentes ao tempo de serviço que teria sido prestado no ano do trânsito em julgado da presente sentença, cuja liquidação se relega para o respetivo incidente de liquidação, nos termos dos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil.
III – Absolve-se a entidade empregadora do demais peticionado.
Nos termos do disposto no artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, fixa-se o valor da causa em € 5.740,80.
Custas por trabalhadora a entidade empregadora, na proporção respetiva de 2/10 e 8/10”.
Inconformada, interpôs a empregadora o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
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A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual a recorrente respondeu, reafirmando a sua argumentação recursiva.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1 - A R. dedica-se com caráter habitual e escopo lucrativo à prestação de serviços de limpeza de aeronaves (A).
2 - Em 17 de janeiro de 2011, a R. sucedeu à D… na execução de serviços de limpeza de aeronaves no Aeroporto do Porto (B).
3 - Por despacho de 23 de maio de 2011, a Ré instaurou processo disciplinar à Autora (C).
4 - Em 31 de agosto de 2011 foi proferida decisão final no âmbito do Procedimento Disciplinar instaurado à Autora (D).
5 - No Procedimento Disciplinar a Autora constituiu mandatária através de Procuração a quem conferiu amplos poderes forenses (E).
6 - No dia 31 de agosto de 2010 foi enviado fax à mandatária da Autora a comunicar a decisão final proferida no Procedimento Disciplinar (F).
7 - No dia 18 de agosto de 2011, no âmbito do Procedimento Disciplinar, foi subscrito pela Instrutora do processo e pela Mandatária da trabalhador um acordo, nos termos do qual “… foi acordado entre as partes prorrogar o prazo para emitir a Decisão Final até ao dia 31 de agosto de 2011, sem que o Processo perca a validade” (G).
8 - O formulário de fls. 3 deu entrada em juízo no dia 4 de novembro de 2011 (H).
9 - Por carta registada com aviso de receção, rececionada em 2 de setembro de 2011, a entidade empregadora comunicou à Mandatária da autora no Procedimento Disciplinar a decisão final (I).
10 - Com o requerimento/formulário inicial, a trabalhadora juntou o comprovativo do pagamento de multa no valor de 1 UC, mencionando tal pagamento ao abrigo do disposto no artigo 145º nº 5 do Código do Processo Civil (J).
11 - Nos termos da do artigo 11.º/3 da Licença atribuída à Ré pela K… (Licença de Assistência em Escala …) para o Aeroporto … (adiante Aeroporto do Porto) o “incumprimento, bem como o cumprimento deficiente ou insuficiente pelo Titular de licença, ou por terceiro de quem o Titular seja responsável, das respetivas obrigações ambientais, de qualidade, de responsabilidade social e de segurança e saúde no trabalho, constitui motivo bastante para a revogação, pela K…, SA, da licença.” (L).
12 - Igualmente prescreve a Licença atribuída à Ré pela K… que “qualquer situação de incumprimento, bem como de cumprimento deficiente ou insuficiente, pelo Titular ou por Terceiro por quem o Titular seja responsável, das obrigações ambientais, de qualidade, de responsabilidade social e de segurança e saúde no trabalho, confere à K…, SA o direito de aplicar sanções, nos termos e condições fixados na presente licença e respetivos anexos.” (M).
13 - A Autora sabe que os comportamentos e reações de cada um podem afetar a segurança e que há normas e procedimentos bastante rígidos em termos de segurança no Aeroporto (N).
14 - Para a empresa é importante ter Licença para atuar no Aeroporto …, sendo essencial que a Licença se mantenha válida e não seja retirada por causa de infrações, principalmente relacionadas com segurança, cometidas por qualquer dos seus Colaboradores (O).
15 - A R. vive de Clientes e não pode ter reclamações, principalmente por trabalhadores que não respeitam as regras de segurança e se envolvem em confrontos uns com os outros e que não executam bem os trabalhos de limpeza, com a qualidade que é exigida e esperada, e que colocam em causa o próprio funcionamento da empresa (P).
16 - O aviso de receção da carta referida em 9 não se encontra assinado pela Mandatária da autora constituída no Procedimento Disciplinar (Q).
17 - A última diligência de instrução no Procedimento Disciplinar ocorreu no dia 20 de julho de 2011, pelas 11.30 horas (inquirição da testemunha arrolada pela Autora, Sr. E…) (R).
18 - O horário de trabalho da Autora está compreendido entre as 15.00 e as 23.00 horas (S).
19 - A autora não aceitou qualquer mudança de horário de trabalho (T).
20 - Depois das 17.00 horas não há qualquer aeronave para limpar (U).
21 - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o documento de fls. 2 do PD apenso – comunicação interna, assinada por F… (V).
22 - A Autora auferia, ao serviço da Ré, um vencimento base de € 478,40 (U-1).
23 - Para além disso, recebia de forma regular e habitual o montante de € 49,21 a título de horas noturnas (V-2).
24 - O montante de € 84,41 a título de subsídio de turno (X).
25 - E, em média, cerca de € 35,00 a título de subsídio de alimentação (Z).
26 - A Autora foi funcionária da firma G…, S.A, no período compreendido entre 06 de agosto de 2001 e 31 de maio de 2010 (AA).
27 - Tendo ocorrido a transferência de concessão dos serviços prestados pela G… para a firma D…, S.A., a autora permaneceu nos quadros desta no período compreendido entre 01 de junho de 2010 e 16 de janeiro de 2011 (BB).
28 - No passado dia 17 de maio de 2011, da parte da tarde, depois das 15h, e antes de se iniciar a deslocação da equipa constituída pela autora e demais colegas de trabalho para o avião a assistir, aquela discutiu, pelo menos, com o chefe de equipa F… (3º).
29 - Na sequência dessa discussão, a Autora, abandonou a equipa de trabalho (4º).
30 - É importante neste tipo de trabalho que a equipa esteja completa aquando da limpeza das aeronaves, pois que o prazo de que dispõe para o fazer é limitado (5º).
31 - Por tal razão, as equipas estão planificadas de acordo com as necessidades, não existindo pessoal excedente nas equipas (6º).
32 - Ao fazê-lo (abandono da equipa), a autora atravessou a zona da placa do Aeroporto a pé: deslocou-se pela placa (8º).
33 - Dirigindo-se da porta A à porta B a pé (9º).
34 - Atravessar certas zonas da placa a pé vai contra elementares regras de segurança existentes no Aeroporto (11º).
35 - Os Trabalhadores, nos quais se inclui a Autora, que prestam serviço nas instalações do Aeroporto receberam formação sobre normas e procedimentos de segurança a observar naquele local (13º)
36 - É proibido atravessar certas zonas da placa a pé (14º).
37 - Nas zonas referidas em 36, atravessar a placa a pé é também perigoso, pois que se coloca em risco a segurança da própria pessoa, bem como a de outros (15º).
38 - Podendo colocar em risco, em última instância, a continuação da empresa no Aeroporto ou levar à aplicação de uma admoestação, com referência às zonas referidas em 36 (16º).
39 - Ao deixar a equipa a escassos minutos de iniciar a limpeza, a autora prejudicou os colegas, pois estes tiveram de efetuar o trabalho da autora por ela (17º e 18º).
40 - A imagem da empresa junto do cliente e de outras entidades que operam no aeroporto poderia ficar prejudicada se os mesmos assistissem à discussão e abandono por parte da autora da equipa (18º).
41 - A mandatária da Autora no Procedimento Disciplinar encontrava-se de férias, quer no dia 31 de agosto de 2011 quer no dia 02 de setembro de 2011 (20º).
42 - Tendo regressado de férias no 05 de setembro de 2011, a mandatária Autora tomou conhecimento do teor da decisão final de despedimento proferida em sede de processo disciplinar (21º).
43 - Tendo-a, então, transmitido à Autora (22º).
44 - O pagamento da multa a que se refere o nº 5 do artigo 145º do Código do Processo Civil, aquando da interposição da ação de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento por parte da Autora em 04 de novembro de 2011, ficou a dever-se a uma mera questão de cautela, face à receção da mensagem de fax e da carta registada por parte da sua mandatária (23º).
45 - Em dias anteriores aos factos em apreciação nos autos, o ambiente entre a autora, o chefe de equipa F… e a colega de trabalho H… não era o melhor, por força da circunstância de a autora se recusar a cumprir outro horário de trabalho que não aquele que lhe estava fixado (24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º e 38º).
46 - Os serviços de manhã correspondiam à limpeza de duas aeronaves, e o horário de trabalho era compreendido entre as 06.30h e as 17.00h (32º)
47 - A discussão referida em 28 teve a ver com a questão da alteração do horário de trabalho e que decorreu em tom de voz elevado e exaltado (40º, 41º, 42º, 43º, 44º e 45º).
48 - Tal troca de palavras, em tom de voz elevado, foi presenciado pela colega de equipa I… (46º).
49 - A troca de palavras chegou a um ponto em que a Senhora I… disse para a Autora e para o Senhor F… que se eles não se calassem ela se ia embora (47º).
50 - A Autora respondeu, então, à Senhora I…, dizendo que estava muito nervosa com o que lhe estavam a fazer e que era ela quem se ia embora, porque não estava em condições de trabalhar (48º).
51 - No dia seguinte ao referido em 28 e 29, o Sr. F… comunicou à autora que estava suspensa (53º).
52 - Após o telefonema do seu chefe, o estado nervoso da Autora alterou-se bastante o que motivou a ida desta ao médico, tendo este emitido a declaração junta a fls.192, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (55º).
53 - Apesar da declaração médica, a Autora, receosa, foi, apesar do seu estado nervoso, trabalhar (56º).
54 - Quando chegou à guarita B a Autora foi informada pela sua Colega I… que não tinha autorização para trabalhar ou entrar na carrinha (57º).
55 - A Autora permaneceu na guarita B até a sua equipa ter voltado da limpeza da aeronave (58º).
56 - Nesse dia a limpeza foi efetuada por três pessoas, sejam a Senhora I…, a Senhora H… (que foi quem, nesse dia, conduziu a carrinha) e a Senhora J…, pertencente ao turno da manhã (59º).
57 - Neste dia a Autora não trocou qualquer palavra com a Colega H… (60º).
58 - Nesse dia, o chefe de equipa não estava presente (61º).
59 - Por vezes, a limpeza dos aviões não é realizada por quatro elementos, mas por três ou mesmo por dois (63º).
60 - Tal decorre de situações em que algum membro da equipa está de folga ou, inclusivamente, doente (64º).
61 - A autora é possuidora de um cartão emitido pela K… – doc. de fls. 205-206, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (65º).
62 - A autora, os seus colegas e outros trabalhadores do Aeroporto …, circulam, muitas vezes, por caminhos de circulação que existem na placa (66º).
63 - Para tal devem envergar um colete adequado e possuir um cartão que lhe permita ali circular – com a letra P (67º).
64 - Compete ao L… a fiscalização e supervisão de todas as normas de circulação nas áreas restritas e reservadas do aeroporto, podendo, sempre que entender necessário, fiscalizar pessoas, viaturas e equipamentos que se encontram nas áreas referidas (68º).
65 - Sempre que, durante uma ação de fiscalização, algum elemento se recusar a mostrar a documentação solicitada, poderá ser requerida a presença de um elemento das forças de segurança (PSP), de modo a proceder à identificação do referido funcionário (69º).
66 - No percurso que fez a pé a Autora não foi interpelada por qualquer elemento do L… (70º).
67 - A ré dá, quando considera que tal é necessário, instruções verbais aos seus trabalhadores sobre as normas e procedimentos de segurança a observar (71º).
68 - Tal formação foi-lhe ministrada pela K…, SA. (72º).
69 - A autora sempre trabalhou com zelo e diligência, cumprindo as ordens e instruções da Ré em tudo o que respeitasse à execução e disciplina do trabalho, e promoveu ou executou todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da Ré (74º).
70 - O comportamento da Autora não motivou a apresentação de qualquer reclamação perante a Ré (75º).
71 - A autora sente-se revoltada com o seu despedimento (76º)
72 - A Autora sente-se angustiada uma vez que o despedimento acarretou uma situação de desemprego e incerteza face ao seu futuro pessoal (77º).
73 - A autora sente-se injustiçada (78º).
74 - A Autora sente-se envergonhada pelo facto de se encontrar desempregada e pelo modo como pensa que as pessoas a olham (79º).
75 - Em consequência do despedimento a Autora passou a ser uma pessoa mais reservada, que quase não sai de casa, para não ser confrontada pelos seus conhecidos e vizinhos (80º).
76 - Com o despedimento, a autora ficou afastada da sua equipa de trabalho (81º).
77 - A autora sente-se nervosa, o que se reflete na sua vida familiar (82º).
78 - A autorização para circular a pé na placa limita-se a certas zonas (83º).
III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
a) a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) a caducidade do direito da A. a impugnar o despedimento;
c) justa causa de despedimento;
d) fixação da indemnização por despedimento ilícito, se assim for considerado, no limite mínimo;
e) abuso de direito a receber retribuições intercalares se a A. se não tiver inscrito no desemprego;
f) não condenação no pagamento das retribuições até ao trânsito da decisão final, visto que a A. aceitou a cessação do contrato ao optar pela indemnização por antiguidade.
a) Querendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve dar cumprimento aos ónus constantes do artigo 685º-B do CPC[1], o que se julga minimamente cumprido, pela indicação dos factos a aditar e pela indicação, no corpo das alegações, dos meios de prova e argumentos em que assenta tal pretensão.
A recorrente não põe em causa nenhum dos factos que o tribunal deu como provados, nem nenhum dos factos que o tribunal deu como não provados, na resposta que fez à base instrutória, mas pretende aditar à matéria de facto, segundo as conclusões da alegação do recurso que como já se disse balizam o seu objecto, o seguinte:
1. A Autora sabia que a decisão ia ser tomada e comunicada até ao dia 31 de Agosto de 2011.
2. A relação laboral terminou no dia 31 de Agosto de 2011.
3. A empresa necessita de uma Licença do M… e de uma licença da K… para poder operar no Aeroporto … (Aeroporto do Porto), licenças essas que são difíceis de obter[2].
4. A recorrente é responsável pelos seus colaboradores que operam no Aeroporto … (Aeroporto do Porto).
5. O encarregado disse à Autora/Recorrida para não abandonar o trabalho e para não andar a pé na placa.
6. As funções de um trabalhador de limpeza de aeronaves desenvolvem-se e efectuam-se dentro das aeronaves.
Ora, além do cumprimento dos ónus referidos, essencial é que a alteração da decisão sobre a matéria de facto se venha a traduzir, na sua procedência, num corpo fáctico relevante, razão pela qual é de rejeitar a impugnação quando o que se pretende aditar não é de todo relevante ou não é susceptível de contrariar o efeito de factos provados e não impugnados.
Vejamos os factos pretendidos aditar:
1. Com base no acordo constante do procedimento disciplinar e com base no artigo 58 da Contestação, pretende a recorrente que se dê como provado que a A. sabia que a decisão final do procedimento disciplinar ia ser tomada e comunicada até ao dia 31 de Agosto. O acordo é aquele pelo qual as partes acordaram prorrogar o prazo para emitir a decisão final até ao dia 31 de Agosto, sem que o processo perca a validade. Não basta, da existência duma procuração, que a Autora soubesse concretamente que a sua mandatária havia acordado tal prorrogação, e depois, qual fosse o sentido da decisão final é também coisa que não foi acordada e cujo conhecimento não tem de afirmar-se. Por outro lado, saber que o prazo vai ser prorrogado até determinado dia, não é o mesmo que saber que a decisão vai ser proferida nesse dia, ou em dia até ele, porque nada obstava a que fosse proferida depois, estando livre a Ré e a própria pessoa da instrutora, de proferirem decisão posteriormente, e estando até livre a Ré de não proferir decisão de todo, se assim, no seu inteiramente livre arbítrio nesta matéria disciplinar, bem o entendesse. Por outro lado, o facto pretendido aditar é irrelevante, porque o que releva, para o conhecimento da questão da caducidade, é a data concreta em que o trabalhador tem conhecimento, e não a data em que poderia ou deveria ter tido, se fosse diligente (a lei laboral não prevê a obrigação do trabalhador se informar da decisão final do procedimento disciplinar). E no caso concreto, a recorrente não impugnou o facto dado como provado de que a recorrida teve conhecimento no dia 5 de Setembro.
2. A cessação da relação laboral, quando não é de facto, é de direito, e importa por isso um juízo de direito, cujo lugar processual não é na matéria de facto, mas na subsunção dos factos às regras convocadas na fase seguinte da fundamentação da sentença (segundo o artigo 659º, na versão em vigor ao tempo da prolação da sentença). Portanto, a menos que se discutisse – por de todo se ignorar a forma jurídica pela qual a cessação da relação laboral operara – se a relação laboral havia cessado de facto, pretender aditar que a relação cessou em 31 de Agosto, obviamente em função da tese de que a decisão final foi comunicada por fax à mandatária da A. nesse dia e que esta tinha poderes para receber tal decisão, é matéria de direito, que não pode ser apurada em sede factual – artigo 646º nº 4 do CPC.
3. A exigência duma licença da K… já resulta do facto provado 14. A licença do M… não consta do articulado motivador nem da resposta e portanto só poderia vir aos autos por força da aplicação do artigo 72º do CPT, o que apenas, como dele decorre, só pode ser feito em primeira instância. Quanto à dificuldade de obter a licença, é exactamente o mesmo: - o facto não consta da contestação, e só poderia ser acrescentado em sede de discussão e julgamento, se o juiz de primeira instância o considerasse relevante para a decisão da causa, nesse caso ordenando o seu aditamento à base instrutória e abrindo a possibilidade de contraditório. Não pode esta Relação aditar pois esse facto, sendo certo de resto que o mesmo não deixa de ser conclusivo – artigo 646º nº 4 do CPC.
4. Em resposta ao parecer do MP, a recorrente veio afirmar que a sua responsabilidade pelos seus trabalhadores decorre do ordenamento jurídico português. De facto, não decorre dos depoimentos invocados o facto pretendido aditar, que em boa verdade não é facto, mas matéria de direito, como a recorrente acaba por revelar, pelo que não pode ser aditado – artigo 646º nº 4 do CPC.
5. O facto pretendido aditar não consta da nota de culpa, nem da decisão final do procedimento disciplinar, nem mesmo da contestação. Este facto que se pretende aditar podia fazer a trabalhadora incorrer numa violação laboral mesmo com os factos dados como provados pelo tribunal: - não tendo sido feita prova de que as zonas proibidas da placa tivessem sido aquelas pelas quais a A. tinha circulado a pé, convenientemente não poderia circular em lugar algum, proibido ou não proibido, visto que o encarregado lho mandara. Não pode aceitar-se, em virtude dum princípio basilar de defesa do acusado, que já vem, já é marcado pelo legislador, logo para o início do processo disciplinar – nota de culpa – no artigo 357º nº 4 e para a fase da decisão, no artigo 387º nº 3 do Código do Trabalho. Note-se que sair do veículo à revelia do encarregado, como consta do ponto 23 da nota de culpa, não é mesma coisa que o encarregado dizer à autora para não abandonar o trabalho e para não andar a pé na placa.
6. Do mesmo modo, se as funções do limpador de aeronaves só se desempenham dentro dela, então andar na placa não é desempenho de funções e por isso o cartão que a A. possui, com a letra P, e em cujo verso consta precisamente que só é válido no exercício de funções, já não lhe valeria para legitimar o seu andamento na placa, nem que fosse por zonas permitidas. Porém, se assim era, então também esta matéria tinha de constar da nota de culpa, onde apenas se diz que as funções de limpadora implicam a execução de várias tarefas, como limpar e aspirar e outras inerentes – ponto 6 da nota de culpa. A recorrente há-de convir que a recorrida tem de se deslocar para a aeronave a limpar e tem de regressar depois a ter limpo, e que este percurso é ainda execução da função de limpador de aeronaves. Por outro lado, as funções do limpador de aeronaves desenvolverem-se num determinado local, é uma conclusão a partir da descrição das mesmas funções. Ora, a matéria de facto não é o lugar processual das conclusões – artigo 646º nº 4 do CPC. Deste modo, quer por agravar a responsabilidade da recorrida e não constar da nota de culpa – artigo 357º nº 4 e 387º nº 3 do Código de Trabalho – quer por ser completamente impossível, quer por ser conclusivo, a pretensão de aditamento não pode proceder.
Termos em que nada se adita à matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, e improcede esta questão do recurso.
b) A A., no âmbito do procedimento disciplinar, constitui mandatária, fazendo juntar a tal procedimento uma procuração, com a sua resposta, na qual conferiu “os mais amplos poderes em Direito permitidos”.
Toda a questão da caducidade do direito da A. a impugnar o despedimento, posto que é inquestionável que ela só teve conhecimento efectivo da decisão em 5.9, se resolve na resposta a uma única questão: - a mandatária tinha poderes para receber, em nome da A., a decisão final?
Como resulta do artigo 355º do Código do Trabalho, o trabalhador não tem de constituir mandatário para se defender num procedimento disciplinar, procedimento que não é também um processo judicial nem se lhe assemelha. Todavia, pode fazê-lo. Nos termos do artigo 357º nº 6 do mesmo diploma, a decisão final do procedimento disciplinar é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador e, nº 7, determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou dele é conhecida.
Nos termos do artigo 262º do Código Civil, diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, simplesmente, estes poderes representativos são os que são atribuídos, e no caso, a A. atribuiu os mais amplos poderes em Direito permitidos. Permitidos para - obviamente e em concatenação com o momento da apresentação da procuração que foi a junção da resposta à nota de culpa - a sua defesa no procedimento disciplinar – com relação ao disposto no mencionado artigo 355º do Código do Trabalho e mais tarde em juízo, se necessário. Os mais amplos poderes não são todos, como resulta claramente da conjugação do disposto no artigo 36º nº 1 e 37 nº 2 do CPC, dos quais ressalta que a prática dos actos mais gravosos, ou melhor, dos actos que, pelas suas consequências, exigem uma vontade verdadeiramente esclarecida e consciente, carece da atribuição de poderes que especificamente ou expressamente são mencionados no instrumento representativo.
Se o acto a praticar é pessoal, isto é, se a lei expressamente estipula a pessoa que deve praticar o acto ou em quem o acto deve ser praticado – como é o caso previsto no artigo 357º nº 6 e 7 do Código do Trabalho, que exige para a eficácia da declaração resolutiva do vínculo pelo empregador, o seu conhecimento pelo trabalhador – a atribuição do poder de representação tem de constar expressamente da procuração. Trata-se com efeito de um acto jurídico com as maiores consequências na esfera do trabalhador, e de que este tem absolutamente que ficar ciente, quer do acto, quer das consequências, para poder em liberdade e consciência decidir reagir ou não.
Por outro lado, note-se a atribuição de poderes representativos é excepcional, e de resto existe distinção legal entre poderes gerais e poderes especiais, e por isso não pode argumentar-se que o poder de receber a decisão final não foi excluído do universo amplo que consta da procuração.
A recorrente refere ainda que a A. considerava que a notificação da sua mandatária produzia efeitos na sua esfera jurídica, senão não teria usado o disposto no artigo 145º do CPC. Ficou apurado que este uso foi por mera cautela, e o que a A. considera ou não em termos jurídicos é irrelevante.
A recorrente cita um acórdão do STJ que admitiu que o procurador pudesse emitir a decisão final de despedimento, mas sem paralelismo com o caso dos autos, pois nesse a procuração continha uma fórmula que permitia abranger o próprio acto decisório.
Termos em que, não havendo a decisão chegado ao conhecimento da trabalhadora senão no dia 5 de Setembro e tendo a impugnação do despedimento dado entrada em juízo em 4 de Novembro, se não mostra esgotado o prazo de 60 dias a que se refere o artigo 387º nº 2 do Código do Trabalho, e portanto improcede esta questão.
c) Nos termos do artº 351º do Código do Trabalho de 2009, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. No nº 2 do mesmo preceito enumera-se um elenco exemplificativo de comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa, desde que recondutíveis ao conceito consagrado no nº 1.
Entende-se generalizadamente[3] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjectivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objectivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[4].
Não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador para fundamentar a justa causa, antes se exigindo que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, impossibilidade esta que deverá ser avaliada segundo critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal, impondo o artº 351º, nº 3 que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Verificar-se-á impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando, em resultado do comportamento, deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Citando Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, verifica-se a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º nº 1 do CT2009 e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento.
Importa ainda ter em conta de entre as sanções disciplinares disponíveis, o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo usar-se apenas nos casos em que se mostre adequada e proporcional à gravidade da infracção, princípio de proporcionalidade de resto aplicável a qualquer sanção.
E por fim, por um princípio de responsabilização social a que todos somos chamados, importa ainda valorar a sanção de despedimento contra o pano de fundo em que ela actuará, o que significa que a sanção em causa tem o exacto efeito que a aplicação da mesma, em concreto, na presente situação, vai ter – ou seja, é muito mais grave do que abstractamente se considera, é muito penalizante para o trabalhador do que o era antes da presente crise económica e da percentagem de desemprego actual, sem nenhuma perspectiva realista, sequer a médio prazo, de inversão. E esta implicação do empregador na responsabilização social não actua contra ele, antes resolve-se num impedimento da absoluta queda de consumo que o penalizará, isso sim, muito mais fortemente, e também num impedimento de queda em corrosão do tecido social com grave alteração da ordem pública.
Vindo ao caso dos autos, a recorrente apenas provou que a trabalhadora, no dia 17 de Maio de 2011, antes de se iniciar a deslocação da equipa constituída pela autora e demais colegas de trabalho para o avião a assistir, na sequência duma discussão com, pelo menos, o chefe de equipa, abandonou a equipa de trabalho.
É importante neste tipo de trabalho que a equipa esteja completa aquando da limpeza das aeronaves, pois que o prazo de que dispõe para o fazer é limitado; Por tal razão, as equipas estão planificadas de acordo com as necessidades, não existindo pessoal excedente nas equipas; Ao deixar a equipa a escassos minutos de iniciar a limpeza, a autora prejudicou os colegas, pois estes tiveram de efetuar o trabalho da autora por ela.
Ora, a recorrente quer que o tribunal conclua que deste prejuízo já resulta justa causa de despedimento. Não tem razão. Provou-se também que nesse dia a limpeza foi efetuada por três pessoas, e que por vezes, a limpeza dos aviões não é realizada por quatro elementos, mas por três ou mesmo por dois, o que decorre de situações em que algum membro da equipa está de folga ou, inclusivamente, doente.
A recorrente não abandonou a equipa sem motivo: - Em dias anteriores aos factos em apreciação nos autos, o ambiente entre a autora, o chefe de equipa F… e a colega de trabalho H… não era o melhor, por força da circunstância de a autora se recusar a cumprir outro horário de trabalho que não aquele que lhe estava fixado; A discussão referida em 28 teve a ver com a questão da alteração do horário de trabalho e que decorreu em tom de voz elevado e exaltado; tão exaltado que a colega de equipa I…, também presente, “disse para a Autora e para o Senhor F… que se eles não se calassem ela se ia embora”, ao que “A Autora respondeu, então, à Senhora I…, dizendo que estava muito nervosa com o que lhe estavam a fazer e que era ela quem se ia embora, porque não estava em condições de trabalhar”.
Portanto, o prejuízo que temos é o de terem sido os colegas a trabalhar aquilo que a A. não trabalhou, não temos prejuízo para a empresa, à qual não foi feita nenhuma reclamação (facto 70), e este prejuízo não é mais do que o que normalmente ocorre – e provou-se que por vezes ocorre – quando um trabalhador falta por qualquer razão. Não temos elementos para afirmar que a A. estivesse verdadeiramente incapacitada para o trabalho por via do nervosismo, mas os termos da discussão – a justificarem que outra trabalhadora dissesse que se ia ela embora se a discussão não parasse – indicam uma alteração de espírito que não pode deixar de ser considerada. E de resto, e isto é muito importante, a discussão gerou-se a partir da questão da Autora não querer aceitar uma alteração de horário em relação aquele que lhe pertencia legitimamente: - quer dizer, não é uma discussão por motivo fútil nem é uma discussão cuja responsabilidade originária seja da Autora. Mas, mesmo que se tratasse duma falta injustificada, duma meia falta injustificada, nunca ela determinaria justa causa (artigo 351º nº 2 al. g) do Código do Trabalho) visto justamente que não determinou prejuízo grave, segundo os factos apurados. De resto, o facto “se a discussão fosse vista podia gerar má imagem da recorrida” resolve-se em “não se provou que a discussão tivesse sido vista senão pela A., pelo F… e pela I…”, trata-se pois duma conjectura irrelevante para os autos. E mesmo que o não fosse, então a discussão também não era da culpa originária da recorrida.
Quanto ao outro comportamento que foi imputado à Autora, o desse abandono se ter concretizado por andar a pé na placa do Aeroporto, a Ré não conseguiu provar que houvesse no percurso feito pela A., entre portas A e B, zonas de circulação proibida pelas quais a A. tivesse circulado. Também não provou que a A. estivesse proibida de circular a pé pela placa - salvo certos locais não concretamente apurados (cujo não apuramento faz justamente com que não se consiga afirmar que a A. circulou por eles) - antes se provou que a A. tinha um cartão que lhe permitia fazê-lo.
Nestes termos, todas as considerações produzidas ao longo dos autos sobre a gravidade do comportamento da A., não podem proceder por falta de facto provado a que se apliquem.
Deste modo, ficando apenas como facto a considerar o abandono da equipa, pelo que já acima dissemos, ele não é de modo algum suficientemente grave, nem em si, nem na única consequência apurada, para fazer a recorrente perder definitivamente a confiança na recorrida.
Improcede esta questão.
d) A fixação do facto de cálculo da indemnização por antiguidade, em função da conclusão da ilicitude do despedimento, a realizar segundo o prudente arbítrio do tribunal, deve considerar, para aportar ao limite mínimo e não aos 30 dias fixados, que a conduta da A. é censurável e que a sua antiguidade, embora se reporte a 2001, na verdade se limita a oito meses na recorrente.
Dispõe o artigo 391º nº 1 do Código de Trabalho que o valor é atribuído por ano ou fracção de antiguidade, sem que ali se faça qualquer distinção sobre a pessoa do empregador ao tempo da decisão de despedimento. E nenhum sentido faria tal distinção, visto que com tal indemnização se compensa a perda indevida de emprego, e com esta compensação se pretende que o trabalhador refaça a sua vida – e isto só se consegue se se fizer a contagem inteira do emprego. Por outro lado, está provado nos autos que a A. foi admitida em 2001, e de resto a recorrente assim o refere também, e se manteve ao serviço de duas empresas de limpeza antecessoras da recorrente, tendo esta sucedido na posição contratual que aquelas ocuparam. Ora, só se constituindo o direito à indemnização após o despedimento promovido pelo último empregador, seria insustentável este pretender só responder pela sua quota-parte de antiguidade, pois contrariaria inclusivamente, a disciplina do artigo 285º do Código do Trabalho.
Quanto à relevância da conduta censurável da trabalhadora, com o devido respeito pela sentença recorrida, entendemos até que essa censurabilidade é muito mitigada pela responsabilidade original da discussão que gerou o abandono da equipa. E por isso, não vemos qualquer comparticipação relevante da beneficiária da indemnização, no facto que gera esta mesma indemnização, a justificar baixar o factor fixado na sentença.
Termos em que improcede esta questão.
e) Invoca a recorrente que haverá abuso de direito a receber retribuições intercalares se a A. se não tiver inscrito no desemprego. É uma falsa questão para os efeitos deste processo, nesta fase processual, ou melhor dizendo, não é uma questão, justamente porque é apenas uma hipótese, e o tribunal não decide sobre hipóteses, decide sobre factos, e a propósito desta inscrição ou não, nada se apurou.
Termos que improcede esta questão.
f) Invoca a recorrente que não deve ser condenada no pagamento das retribuições até ao trânsito da decisão final, visto que a A. aceitou a cessação do contrato ao optar pela indemnização por antiguidade. Tenha a Autora aceitado ou não, o disposto no artigo 390º nº 1 do Código do Trabalho, minuciosamente legislado em termos excepcionais no seu nº 2, é claro: as retribuições intercalares são devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarar a sua ilicitude. Aliás, a cumulação destas retribuições com a indemnização de antiguidade, também ela não coincidente com a data do despedimento ou sequer com a data em que trabalhador opta pela indemnização, está prevista no artigo 389º nº 1 do Código do Trabalho, na paridade das alíneas a) e b), sendo certo que as retribuições intercalares se inserem na alínea a) e a indemnização por antiguidade na alínea b). De resto, a solução propugnada pela recorrente importava numa manifesta desprotecção do trabalhador pelo tempo que demorasse o trânsito em julgado. Se o trabalhador tinha de fazer a opção até ao encerramento da discussão – artigo 391º do CT – então quanto tempo, mesmo anos, podia passar até à decisão final (que por exemplo podia só sobrevir na última instância de recurso)? E se afinal a decisão confirmasse a ilicitude do despedimento, então o trabalhador teria ficado desprotegido em termos salariais, por culpa do empregador, durante o tempo necessário ao trânsito, ou dito de outro modo, o empregador ficava beneficiado pelo seu comportamento ilícito.
Termos em que improcede esta questão, e o recurso na sua totalidade, devendo confirmar-se integralmente a sentença recorrida.
Decaindo no recurso, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 446º do CPC.
IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Porto, 30.9.2013
Eduardo Petersen Silva
João Diogo de Frias Rodrigues
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
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[1] Referimos à versão em vigor à data da apresentação das alegações.
[2] Ao contrário do que se refere no parecer do MP, a recorrente não pede o aditamento da essencialidade das licenças, condição do seu não encerramento no Porto.
[3] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346).
[4] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589).
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Sumário:
I. Mostrando-se junta ao procedimento disciplinar uma procuração da trabalhadora a favor de mandatário, concedendo-lhe “os mais amplos poderes em Direito”, nestes não se inclui o poder específico para a prática de acto que a lei comete à estrita pessoa do trabalhador, qual seja o de lhe ser comunicada a decisão final do procedimento disciplinar.
II. A fixação do factor relevante para o cálculo da indemnização por despedimento ilícito não deve levar em conta, como circunstância a justificar o mínimo legal, que a antiguidade ao serviço do empregador que profere o despedimento seja menor que a antiguidade efectiva do trabalhador, adquirida ao serviço de antecessores do empregador.
III. O cômputo das retribuições intercalares termina no trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento e não no momento em que o trabalhador, optando por uma indemnização de antiguidade, aceita a cessação do contrato.
Eduardo Petersen Silva.
Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).