LOTEAMENTO URBANO
DOMÍNIO PÚBLICO
DOMÍNIO PRIVADO
Sumário

I – No domínio de aplicação do regime jurídico das operações de loteamento urbano consagrado no Dec.-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, a transferência para o domínio público (e também para o domínio privado) municipal, da propriedade das parcelas de cedência obrigatória, teria de ser feita por escritura pública, nos termos do então disposto na alínea a) do art.º 89.º do Código do Notariado.
II – Tendo sido aprovado o loteamento e emitido o alvará de licenciamento respectivo, que foi publicitado e registado sem que tenha sido celebrada a escritura pública, as áreas de terreno aí indicadas como afectas ao uso directo e imediato do público não podem ter-se por excluídas do comércio jurídico, podendo ser objecto de direitos privados.

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO
I. C intentou contra o Município de Vila Verde a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário, pedindo que:
a) Seja declarado que ele, Autor, é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio urbano composto por uma casa de habitação de rés-do-chão e um prédio rústico denominado “Terreno Inculto da Ribeira” sito no lugar da Ribeira, da freguesia de Moure, em Vila Verde, com a área de 312 m2, a confrontar do Norte com Agostinho Barros de Sousa, do Nascente com Caminho público à Gandra, do Sul com zona verde e do Poente com o lote …, descrito na CRP de Vila Verde sob o número … e inscrito na matriz rústica sob o artigo …;
b) Seja o Réu condenado a reconhecer o direito de propriedade dele, Autor, sobre o prédio acima identificado;
c) Seja o Réu condenado a repor a vedação colocada pelo anterior proprietário desse imóvel naquela parcela de terreno, nas condições em que se encontrava;
d) Seja o Réu condenado a abster-se de praticar quaisquer actos lesivos do direito de propriedade dele, Autor, sobre o referido prédio;
e) Seja o Réu condenado a pagar-lhe a quantia de € 1.645,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si causados, acrescida de juros, à taxa legal, que se vencerem desde a citação e até integral pagamento.
O Réu Município impugnou parcialmente a matéria de facto alegada na Petição Inicial, e deduziu reconvenção pedindo que:
a) Seja declarado que a parcela identificada no artigo 1.° da Petição Inicial é bem do domínio público do Réu afecto à sua administração ou, subsidiariamente, que é sua propriedade;
b) Seja o Autor condenado a abster-se de praticar qualquer acto que impeça, perturbe ou diminua qualquer um dos direitos reclamados;
c) Se proceda ao cancelamento da inscrição matricial do artigo n.º … da freguesia Moure e concelho de Vila Verde e da descrição n.º … efectuada na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde a favor do Autor.
Respondeu o Autor e os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção:
a) Declarou que o Autor, C, é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio descrito e identificado nos pontos 1 e 2 dos Factos Provados;
b) Condenou o Réu, Município de Vila Verde, a repor a vedação identificada nos pontos 14 a 16 dos Factos Provados, nas condições em que se encontrava antes de ter sido retirada;
c) Condenou o Réu a abster-se de praticar quaisquer actos lesivos do direito de propriedade do Autor sobre o referido prédio;
d) Absolveu o Réu do restante peticionado pelo Autor;
e) Absolveu o Autor dos pedidos formulados pelo Réu.
Inconformado, traz este o presente recurso pretendendo fazer inverter o sentido da decisão.
Contra-alegou o Autor propugnando para que se mantenha o decidido. Subsidiariamente, para a hipótese da procedência, no todo ou em parte, do recurso, entende dever ser ordenada a baixa do processo à 1.ª Instância para que profira decisão sobre as questões que ficaram prejudicadas pela solução jurídica adoptada.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
**
II.- O Réu/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões:
A - Através do presente recurso pretende-se colocar - apenas - em crise o doutamente sentenciado no que respeita à matéria de direito, ou seja, o saber-se se o prédio a que os autos se reportam foi, efectiva e validamente, cedido ao domínio público no contexto do processo de licenciamento que culminou com a emissão do alvará de loteamento n° 3/93 e, bem assim, se esse prédio era, ou não, individualmente apropriável por parte do aqui Recorrido.
B - A douta sentença recorrida, da qual se discorda (e por isso se recorre da mesma) consignou que estando em vigor, à época do processo de licenciamento aqui em causa, o D.L. n° 400/84, de 31/12, e não prevendo este diploma uma norma igual ou semelhante à consagrada no n° 2 do art. 16° do D.L. n°448/91, de 29/11, ou seja que: "2. As parcelas de terreno cedidas à Câmara Municipal integram-se automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará [...]",
C - Tal integração no domínio público apenas poderia operar-se através da celebração de escritura pública. - o que não se verificou -, pelo que a parcela de terreno em questão não estaria fora do comércio jurídico, sendo, por isso, susceptível de aquisição por parte do recorrido (quer em virtude da celebração da respectiva escritura de aquisição e inscrição no registo, quer por se ter completado o prazo suficiente de posse para se verificar a aquisição da propriedade por usucapião).
D - Assim, a pretensão do aqui Recorrente é a de obter uma Decisão, da qual decorra que as ditas parcelas de terreno passaram a integrar o domínio público municipal, apenas por força da operação de loteamento em apreço.
E - Na verdade, a falta de explicitação legal ao nível do referido DL 400/84, não poderia significar que tais parcelas não passassem a integrar, efectivamente, esse domínio público municipal, por mero efeito da aprovação de uma operação de loteamento.
F - Deverá ser essa a solução a retirar de uma leitura - digamos - teleológica, do disposto no artigo 42°, do D.L. 400/84, de 31/12, que então regulava a matéria das operações de loteamento, e do n° 2 do artigo 19° do D.L. n° 289/73, de 6 de Junho,
G - Bem como do conteúdo do Acórdão do STA, de 29/10/2003 (proferido no âmbito do processo n° …), do qual resulta que as parcelas de terreno cedidas no âmbito de uma operação de loteamento devem-se considerar como integradas no domínio público municipal como consequência directa da aprovação do loteamento.
H - Assim, para o recorrente, apesar de o D.L. n° 400/84, então em vigor, não indicar a forma pela qual tais cedências ao domínio público se concretizavam, essa terá sido uma opção deliberada do legislador, uma vez que, tal como a lei actual prevê (agora expressamente), essa integração dar-se-ia, sem mais, com a emissão do respectivo alvará.
I - Nesse sentido concorrerá - também - a circunstância de tais cedências para o domínio público constituírem, desde sempre, imposições administrativas, determinadas pelas exigências de satisfação de relevantes interesses de ordem pública, subtraídas, por isso, ao princípio da - normal - liberdade contratual.
J - Por isso, a validade e concretização dessas imposições administrativas não poderia estar dependente, como resulta da douta Decisão recorrida, de um negócio celebrado no âmbito da denominada liberdade negocial (que está sempre dependente, nos negócios "mais" solenes, da sua formalização através da realização de uma escritura pública),
K - Devendo antes entender-se que essa transmissão para o domínio público decorria tão só da aprovação da operação de loteamento, sem necessidade de celebração da dita escritura, e que a única novidade adveniente do D.L. n° 448/91, foi a de ter vindo, de forma expressa, disciplinar essa matéria, firmando que as cedências para o domínio municipal, previstas num alvará de loteamento, se concretizam com a emissão do respectivo alvará, e consagrando, inequivocamente, a desnecessidade de quaisquer declarações negociais posteriores a serem formalizadas através de escritura pública.
L - Consequentemente, pretende-se que se reconheça que o artigo 16° daquele diploma terá natureza meramente interpretativa relativamente às dúvidas que pudessem existir anteriormente sobre essa matéria (nos termos do disposto no artigo 13°, n° 1 do Código Civil), quer por se poder considerar como imediatamente aplicável aos loteamentos constituídos ao abrigo da legislação anterior (DL 400/84), quer, ainda, por entender-se que a integração da - aparente - lacuna da legislação precedente teria, em virtude do disposto no n° 3 do artigo 10º, do Código Civil, de acolher uma solução idêntica àquela que veio a ser firmada pela legislação posterior.
M - Assim, há-de aquele artigo 16°, n° 2 do D.L. 448/91, ser havido como interpretativo do normativo que o precedeu (art. 42° do DL 400/84), integrando-o, pelo que, ao contrário do que possa aparentar, aquele não possuiu qualquer carácter inovatório, sendo que a leitura que se pretende obter neste recurso não constitui, como resulta do aqui explanado, numa qualquer violação do disposto no artigo 9º do Código Civil, por corresponder ao ideário que subjaz às cedências ao domínio público e acima demonstradas em contexto doutrinal.
N - Ou dito de outra forma, estarão preenchidos os requisitos para que se considere a nova lei como interpretativa da sua precedente, em virtude da controvérsia e incerteza derivadas da redação da lei anterior, o que ressalta, nomeadamente, do conteúdo do douto acórdão supra mencionado (Acórdão do STA de 29 de Outubro de 2003 - Processo n° 042038), quando confrontado, p. ex., com o conteúdo do douto aresto mencionado na douta sentença recorrida (Ac. do STJ de 1.12.2015 - processo n° 7815/05.1TBSTB.S1),
M - E, por outro, deve ter-se por verificado esse preenchimento face ao ideário que subjaz ao acto de cedência ao domínio público, não ocorrendo, por isso, qualquer violação das regras que orbitam em torno da interpretação das leis (art. 9° do Código Civil), mormente quando nos socorremos de uma interpretação teleológica das normas.
P - A ser como o recorrente perspectiva estas questões de direito, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter declarado que a parcela de terreno em apreço estava fora de um potencial comércio, não podendo ser objecto de direitos privados, mormente de direito de propriedade e de posse, estando excluída de qualquer prescritibilidade/usucapião (art. 202° do Código Civil), tudo em coerência com as doutas considerações vertidas na douta Decisão (fls. 44 e 45).
Q - Consequentemente, deveria ter sido julgada improcedente a ação, declarando, ao invés, a dominialidade daquela parcela em favor do ora recorrente, julgando-se procedente o respectivo pedido reconvencional, mais se condenando o Autor/Reconvindo a reconhecer e a respeitar a mesma parcela como coisa pública e pertencente ao domínio municipal de Vila Verde.
R - Entende, assim, o recorrente, que ao haver decido em sentido diverso a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 42° do Dec. Lei 400/84, de 31/12 (e no art° 16° do Dec. Lei n°448/91, de 29/11,) em atenção ao disposto nos artigos 10° n° 3, 12° n° 2 e 13° n° 1 do Código Civil, colocando, igualmente, em crise, o disposto no artigo 202.°, n° 2, do mesmo Código, e, ainda, o Decreto-Lei n° 280/2007 de 7 de Agosto (regime do património imobiliário público), máxime o seu Capítulo II, onde se salientam as características essenciais dos bens afectos ao domínio público (das quais se salientam a inalienabilidade (artigo 18°), e a imprescritibilidade (artigo19°), pelo que deverá ser revogada.
**
III.- Por sua vez, o Autor conclui alegando que(2):
1 - Como ponto prévio deve desde já referir-se que, mesmo que se entendesse que o alvará de loteamento 3/93 constituiu título válido e suficiente para assegurar a transmissão da propriedade de determinado prédio ou porção dele a favor do Município Réu, sempre caberia ao Réu demonstrar que o concreto imóvel em discussão era um dos prédios, ou parte deles, a ceder.
2 - Não contendo a norma do artigo 42º do DL 400/84 qualquer referência à forma como se deve operar a transmissão para o domínio público das parcelas a ceder, não pode ser interpretada no sentido de que prevê a sua transmissão automática por via da emissão do alvará, uma vez que uma tal interpretação violaria o disposto no artigo 9º n.º 2, que impede que se retire da norma um sentido "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso”.
3 - A norma do artigo 16º nº 1 e 2 do DL 488/91 não é uma norma interpretativa, mas sim inovadora, como se entendeu no douto acórdão do STJ de 1.12.2015, proc. n.º 7815/05.1TBSTB.S1, disponível em www.dgsi.pt.
4 - De resto, entre essa regra e a do artigo 42º do DL 400/84 há diferenças de texto importantes;
5 - De facto, não faria sentido estabelecer a obrigação de futura cedência ("cederão”) de determinadas parcelas de terreno se essa transmissão ocorresse no próprio processo de licenciamento e por via da emissão do alvará.
6 - Ora, a nosso ver, foi a inovação constante do nº. 2 do artigo 16 do DL 448/91, que passou a dispensar o negócio jurídico translativo da propriedade a favor do domínio público, instituindo o regime da transmissão automática por via da emissão do alvará, que levou à alteração do tempo do verbo ceder, passando a constar no presente.
7 - A regra do artigo 42° do DL 400/84 não contém qualquer lacuna;
8 - No artigo 89°, alínea a) do Código do Notariado em vigor à data da emissão do alvará 3/93, já se previa a forma dos actos tendentes a assegurar a transmissão da propriedade sobre bens imóveis, mais precisamente a escritura pública.
9 - Na falta de regulamentação especial no tocante à forma como se deveria operar a cedência da propriedade sobre bens imóveis, ou parte deles, para o domínio público no âmbito de operações de loteamento, era aplicável o regime geral decorrente do Código do Notariado em vigor à data da sua aprovação, que impunha o emprego de escritura pública para sua concretização.
10 - Assim, existindo na Lei solução para a concreta questão suscitada pela recorrente, não há lacuna a integrar, nem pode ser aplicada ao caso a solução inovadora decorrente dos números 1 e 2 do artigo 16° do DL 448/91.
11 - Ainda que se viesse a reconhecer que se operou a transmissão automática da propriedade de parcelas de terreno a favor do domínio público por via da emissão do alvará de loteamento 3/93, sempre se imporia que o processo regressasse à primeira instância para que fosse proferida decisão sobre as questões que não foram conhecidas na douta sentença.
12 - Com efeito, a solução jurídica adoptada na douta sentença - no sentido de que o alvará de loteamento não é título suficiente para a transmissão da propriedade sobre prédio ou parte dele - tornou desnecessário o conhecimento de uma das questões suscitadas pelas partes nos seus articulados, nomeadamente a de saber se deve prevalecer para efeitos de cedência do domínio público a área constante do quadro sinóptico (peças escritas) ou nas peças desenhadas.
13 - De facto, a entender-se que o alvará constituía título suficiente de transmissão da propriedade sobre um imóvel, restaria agora decidir se o imóvel descrito no ponto 1 dos factos dados como provados foi ou não cedido ao domínio público, o que pode passar pela apreciação das posições assumidas pelas partes nos seus articulados quanto à extensão da eventual cedência (a que consta do quadro sinóptico ou nas peças desenhadas).
14 - E tal decisão, salvo melhor opinião, deve ser cometida ao Tribunal de lª Instância, nos termos do disposto no artigo 665º n.º 2 do CPC.
**
IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas, a única questão a decidir é a de saber se o prédio reivindicado pelo Autor foi ou não validamente cedido ao domínio público, no contexto do processo de licenciamento que culminou com a emissão do alvará de loteamento.
**
B) FUNDAMENTAÇÃO
V.- O Tribunal a quo julgou provado que:
1- O Autor tem inscrita em seu nome no registo predial, desde 29 de Agosto de 2012, a aquisição da propriedade do prédio rústico denominado “Terreno Inculto da Ribeira” sito no lugar da Ribeira, da freguesia de Moure, desta comarca, com a área de 312 m2, a confrontar do Norte com Agostinho Barros de Sousa, do Nascente com Caminho público à Gandra, do Sul com zona verde e do Poente com o lote …, descrito na CRP de Vila Verde sob o número … e inscrito na matriz rústica sob o artigo … em nome do Autor.
2- Trata-se de um terreno com cerca de 16 metros de largura na sua confrontação com caminho público e cerca de 39,025 metros de comprimento na sua confrontação Norte, diminuindo, progressivamente, a sua largura em direcção a Poente, onde termina com uma largura de 20 centímetros; a confrontação a Sul com zona verde tem um comprimento de 41,80m.
3- Por instrumento público outorgado no dia 29 de Agosto de 2012, na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde, o Autor declarou comprar à sociedade “Imobiliária Eucalipto, Lda.”, que declarou vender, pelo preço de € 25.000,00, o prédio referido em 1.
4- Por escritura pública outorgada no dia 8 de Março de 1991 no Cartório Notarial de Amares, na qual foi primeira outorgante M e foram segundos outorgantes J e A, na qualidade de sócios gerentes e em representação da sociedade “I”, a primeira outorgante declarou que “pelo preço de setenta e dois mil contos, que já recebeu, vende à representada dos segundos outorgantes, “I”, livre de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte prédio rústico: Bouça da Ribeira, de mato e lenha, sita no lugar da Ribeira, da freguesia de Moure, do concelho de Vila Verde, com a área de quarenta e seis mil seiscentos e cinquenta metros quadrados, a confrontar do norte com caminho da Estrada à Gândara, do nascente com Dr. Fernando Faria Salazar, de sul com Estrada Nacional e do poente com José de Brito, inscrita na respectiva matriz sob o artigo quatrocentos e noventa e dois, com o valor patrimonial de oitenta e seis mil quatrocentos e onze escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Vila Verde sob o número cinquenta e três mil oitocentos e trinta e dois”.
5- Nessa mesma escritura, pelos segundos outorgantes foi declarado que “na qualidade em que outorgam […] aceitam esta venda”.
6- O prédio referido em 1 fazia parte do prédio referido em 4, na data aí referida.
7- No prédio referido em 4, a sociedade “I”, promoveu operações de loteamento que redundaram na emissão, pela Câmara Municipal de Vila Verde, dos Alvarás de Loteamento n.º … e n.º ….
8- O imóvel prédio referido em 1 resultou de desanexação que dele foi feito do prédio referido em 4, após a operação de loteamento a que se refere o alvará de loteamento ….
9- A aquisição da propriedade do imóvel então descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o número …, mais tarde com a descrição …, esteve e está registada a favor da sociedade “I”, desde 1992 até hoje.
10- Em 30.11.1998, a sociedade “I”, inscreveu em seu nome a aquisição da propriedade do prédio referido em 1.
11- O Autor, por si e antecessores, há mais de 10, 15 e 20 anos, procede à limpeza do terreno referido em 1, em toda a sua extensão, à vista de todos, na convicção de que exerce um direito próprio, coincidente com o de propriedade.
12- O Autor, por si e antecessores, procedeu à limpeza do mato rasteiro, ervas e silvas que cresciam no imóvel, cortando-as.
13- Antes desse terreno ter sido desanexado do referido em 4, a totalidade do imóvel era utilizada pelos antecessores do Autor para roçar mato.
14- Em Agosto de 2012, a sociedade “I” procedeu à vedação do imóvel referido em 1.
15- Nessa época, foram colocados, pelo sócio-gerente dessa sociedade, pilares de cimento espetados em toda a confrontação do terreno com o caminho público e, em parte, na sua confrontação com a Zona Verde.
16- Essas operações de vedação foram concluídas, com a colocação dos restantes pilares e sua ligação com arames, ficando desde então o prédio inteiramente vedado.
17- No dia 23 de Agosto de 2012, estando em curso os referidos trabalhos de vedação, o sócio-gerente da sociedade “I”, foi abordado por dois funcionários da fiscalização camarária do Município de Vila Verde, os quais referiram que as obras estavam a ser executadas em terreno camarário.
18- Esses funcionários ausentaram-se do local, sem qualquer menção a embargo ou ordem de paragem da obra.
19- No dia 13 de Setembro de 2012, por ordem do Réu, funcionários deste procederam à demolição dos pilares e arames que compunham a vedação, os quais colocaram num outro imóvel.
20- Chegado ao local, o sócio-gerente da sociedade “Imobiliária Eucalipto, Lda.” verificou que estavam a ser executados os trabalhos de demolição, os quais, sem sucesso, ainda tentou que parassem.
21- Pouco depois da sua chegada ao local, chegaram também os agentes da GNR, os quais aí tinham sido chamados pelo Réu, para impor a conclusão dos trabalhos de demolição.
22- Nesse dia deslocou-se ainda ao imóvel uma funcionária do Réu, a qual declarou que procediam à remoção da vedação por esta estar a ocupar terreno pertencente ao Município de Vila Verde.
23- O Réu vem afirmando que o prédio referido em 1 faz parte do seu património imobiliário, agindo como se tal fosse verdade e arrogando-se dono e senhor do mesmo.
24- Na planta topográfica junta ao Processo de Loteamento n.º …, a área de terreno referida em 1 encontra-se delimitada de qualquer lote particular, constituindo um dos limites a partir do qual define o início da chamada “zona verde” do projecto de arquitectura.
25- A sociedade “I” solicitou ao Réu, em 9 de Dezembro de 1998, a rectificação das áreas de cedência ao domínio público, alegando o seguinte:
Ao requerente foi concedido o alvará de loteamento n.º … referente ao prédio denominado “Bouça da Ribeira”, sita no lugar do mesmo nome, freguesia de Moure, deste concelho.
Conforme se alcança do aludido alvará o requerente cedeu para integração no domínio público, a área de 3150 m2.
Destes correspondiam a zonas verdes a área de 768 m2.
Acontece porém que a planta que instrui aquele alvará e que consta do referido processo de loteamento encontra-se deficientemente elaborada quer quanto às áreas, quer no que respeita às respectivas confrontações.
Assim sendo e porque de um erro ou lapso se trata, importa proceder à respectiva rectificação, por tal o permitir o art.º 148 do Código do Procedimento Administrativo.
Na verdade, a área que, efectivamente foi cedido ao domínio público é superior à citada, pois que se computa em 784,70 conforme se poderá verificar no levantamento que ora se junta.
Do requerimento ora em apreço, não resulta qualquer prejuízo para o domínio público, antes o mesmo é enriquecido pelo aumento de área cedida de 16,70 m2.
Apura-se, pois, que a planta confirmativa dos elementos referidos na al. f) do n.º 1, do art.º 29, do Dec-Lei n.º 448/91 não se encontra em conformidade com a situação real.
Impõe-se, consequentemente, a alteração ao citado loteamento, mas tão-somente no que respeita à planta que instrui aquele alvará, de molde a aí figurar como cedência ao domínio público, a área de 784,70 m2, e não a de 768 m2”.
26- Foi prestada informação pelo Departamento Municipal Técnico do Réu, datada de 18 de Janeiro de 1999, da qual consta o seguinte:
O executivo camarário aprovou o loteamento em causa, conforme planta nº 9.
O requerente cedeu uma área para zonas verdes. Na planta de arquitectura temos implantada a área que o requerente cedeu, e no quadro sinóptico temos o valor dessa mesma cedência (768m2).
O requerente vem apresentar alteração ao alvará de loteamento, nomeadamente à área que na planta de arquitectura vinha designada como área de cedência.
Alega o requerente que quando da elaboração da planta de arquitectura do loteamento, o técnico se enganou no levantamento, e que a área que cedeu é superior aos 768m2.
Daqui se levantam sérias dúvidas, nomeadamente:
1 – A Câmara aprovou o projecto de loteamento, onde, como se pode verificar pela planta de arquitectura o requerente cedeu uma área para zonas verdes, e que no quadro sinóptico essa área é de 768m2 (planta nº 9)
2 – O requerente diz que o técnico se enganou e que a área que cedeu é superior aos 768m2.
3 – Na planta de arquitectura aprovada a área cedida é de 1.151,24m2, enquanto no quadro sinóptico vem o valor de 768m2.
3 – O requerente propõe alteração ao loteamento, cedendo a área de 688+96,70= 784,70m2 para zonas verdes.
4 – A Câmara aprovou a planta de arquitectura do loteamento. Nessa planta a área cedida é de 1.151,24m2. No quadro sinóptico a área cedida é de 768m2. A questão a saber é se a área cedida para zonas verdes é a equivalente à planta de arquitectura, por conseguinte 1.151,24m2 ou se a área cedida é a designada no quadro sinóptico, 768m2.
Face ao exposto deve ser colhido o parecer da Divisão Jurídica”.
27- Foi solicitado o respectivo Parecer à Divisão Municipal Jurídica do Ré, no qual se concluiu o seguinte:
a) No regime jurídico ao abrigo do qual foi emitido o alvará de loteamento nº 03/93 – Dec.-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro – não foi previsto regime análogo ao previsto nos artºs. 16º e 17º, do Dec.-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, na redacção actual, nomeadamente quanto à integração automática no domínio público e realização do respectivo registo predial, por força do alvará, bem como quanto às consequências resultantes do desvio de finalidade;
b) Sem embargo, a parcela afecta, por força do alvará, ao uso público, ainda que integrada no domínio público por força da sua afectação tácita – nos termos referidos na presente informação – não sendo titular através de escritura pública, e portanto sem inscrição predial a favor do Município, é indisponível para terceiros por falta de adequado título de propriedade;
c) A disponibilização pelo próprio loteador da parcela em questão, após a aprovação da alteração das especificações ou prescrições do alvará pela Câmara, não poderá ser feita à custa do pagamento de quaisquer imposições por não haver fundamento legal para o efeito;
d) Por isso, essa disponibilização somente deverá ser permitida se o loteador ceder, para integração automática no domínio público uma parcela de terreno, correspondente, no mínimo às áreas disponibilizadas, o que parece suceder no caso em análise, uma vez que a área que o loteador se propõe ceder ao domínio público municipal – de 312 m2 – é superior à área disponibilizada – 151,24 m2”.
28- O processo em questão foi sujeito a reunião camarária, tendo a mesma deliberado “Ao Director do DMT para informar quanto à zona de protecção do Eucalipto e áreas de permuta das zonas verdes”(3).
29- Por sua vez, o Director de Departamento Municipal Técnico (DMT), elaborou informação, datada de 5.08.1999, da qual consta o seguinte:
1º) A questão que no fundo se coloca parece ser a seguinte: segundo as plantas do loteamento o requerente terá cedido uma determinada área para zonas verdes e segundo as peças escritas do mesmo loteamento (quadros sinópticos) essa área é menor, ou seja, há uma discrepância entre as peças escritas e as desenhadas. O requerente pretende alterar as peças desenhadas para as pôr em consonância com as peças escritas.
2º) Analisando o parecer da Divisão Jurídica, julgo que o mesmo não incidirá sobre o verdadeiro cerne da questão, presumivelmente porque o problema não lhe foi apresentado com clareza.
3º) O que realmente importa saber é o que prevalece no caso de existirem discrepâncias: se as peças escritas ou se as peças desenhadas. Se forem as peças escritas a pretensão do requerente é legítima; se forem as desenhadas haverá lugar a uma desafectação do domínio público o que se afigura complexo.
4º) A legislação sobre loteamentos não prevê soluções para situações deste tipo, que legalmente não deverão aparecer, pois por princípio as peças escritas não deverão ser dissonantes dos desenhos. Do exposto e porque a questão ultrapassa a competência técnica do signatário, entendo de colher o parecer da CCRN ao abrigo do art. 69 do D.L. 448/91”.
30- A Comissão de Coordenação da Região do Norte emitiu parecer do qual consta o seguinte:
As peças escritas e as peças desenhadas que constam de um processo de loteamento, entre as quais as plantas de síntese, são complementares e indissociáveis.
Havendo discrepâncias, como é o caso, considera-se que tendo as peças desenhadas por base uma planta rigorosa, (que é a planta a que se refere o D.R. 63/91 de 29 de Novembro, alínea c) do artigo 3.º e alínea e) do artigo 5.º), a discrepância verificada dever-se-á a erro nas peças escritas.
Com efeito, é sobre a planta de síntese que se define a concepção do espaço urbano e dos espaços livres, o parcelamento, a ocupação, etc., nos termos do mesmo diploma legal. Ora, estas áreas é que devem ser transcritas com rigor para as peças escritas e para o alvará, o que não terá acontecido no caso em apreço”.
31- O Director do Departamento Municipal Técnico emitiu uma informação, da qual consta o seguinte:
Em relação ao despacho de 22.02.2000 exarado no parecer da Comissão de Coordenação da Região Norte, tenho por conveniente informar:
- Segundo o referido parecer, em caso de discrepâncias, as peças desenhadas prevalecem sobre as peças escritas, já que é sobre a planta de síntese que se define a concepção dos espaços, o que aliás parece-me lógico.
- Desta forma fica prejudicada a pretensão do requerente em alterar a linha de limitação de espaços, devendo manter-se a solução constante da planta de síntese, no aspecto físico, que serviu de base à emissão do alvará de loteamento.
- Eventualmente poderiam ser alteradas as áreas constantes das peças escritas, mas sempre em obediência às peças desenhadas aprovadas, ou seja, de forma a eliminar as discrepâncias existentes”.
32- Em seguida, O Réu procedeu à notificação da sociedade “I”, para efeitos de audiência prévia com vista ao indeferimento da sua pretensão.
33- Em sede de audiência prévia, veio a sociedade “Imobiliária Eucalipto, Lda.” apresentar a respectiva defesa, tendo a mesma sido totalmente indeferida por meio do despacho do Réu, emitido em 20 de Fevereiro de 2004, baseado na Informação prestada, na mesma data, pelo dito Director Municipal Técnico.
34- O Presidente da Junta de Freguesia de Moure remeteu, no dia 29 de Agosto de 2012, um ofício dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Vila Verde, com o seguinte teor:
1. Tendo o munícipe, Júlio Gomes Nogueira, procedido à vedação de uma parcela de terreno, existente junto ao eucalipto desta freguesia, vem solicitar a V/exa., se digne informar este corpo administrativo, sobre a legalidade desta tomada de posse, quando:
a) Desde sempre este terreno foi limpo pelos funcionários deste Junta de Freguesia;
b) Nos foi informado, em tempo, que existe um parecer da CCDR Norte, no que informava que o dito terreno era do domínio público;
c) Foi, com o vosso consentimento, colocado no nosso manifesto eleitoral a promessa de requalificação do espaço envolvente ao eucalipto, inclusivamente já com um esboço feito pelos vossos serviços.
Neste sentido, porque estamos a ser pressionados pela população em geral, manifestando revolta e desagrado por esta inesperada tomada de posse, vimos solicitar a V/exa., se digne informar na realidade o terreno em causa, legalmente pertence ou não ao domínio público.
2. Mais, pretende esta Junta alertar para a referência e tradição que este espaço representa (eucalipto de Moure) para a população desta freguesia, no sentido de manifestar em nome desta, o interesse público que este espaço representa, bem como solicitar a intervenção do Município para a prometida requalificação”.
35- Nessa sequência, o Réu diligenciou no sentido de tentar averiguar o sucedido, verificando toda a componente documental do processo de loteamento que envolvia o terreno em apreço, tendo a Chefe da Divisão de Fiscalização, Mobilidade e Trânsito prestado, em 12 de Setembro de 2012, informação que concluiu no sentido de ser “ordenada a retirada da vedação efectuada em terreno de natureza pública”.
36- O Presidente da Câmara Municipal de Vila Verde, em 13.09.2012, proferiu despacho, no qual determinou que “o assunto seja encaminhado para os competentes Serviços da Divisão de Obras por Administração Directa para, no prazo de 24 horas, proceder à retirada da vedação executada, ao abrigo do disposto na alínea h) do nº 2, do artigo 68, da Lei 169/99, de 18 de Setembro, na redacção actual”.
37- A sociedade “I” apresentou, em 7.01.1991, pedido de licenciamento de obras de urbanização, correspondente ao loteamento a levar a efeito em parte do terreno identificado em 4.
38- Nos termos da memória descritiva apresentada pelo técnico responsável à Câmara Municipal, no âmbito desse processo de licenciamento, a área de terreno proposta para loteamento foi a de 14.208m2, sendo a área dos lotes a edificar a de 9.232m2.
39- E foi proposta à Câmara Municipal, nessa memória descritiva, a cedência ao domínio público de 3.105m2 de terreno, dos quais 768m2 seriam afectos a zona verde.
40- As plantas apresentadas juntamente com esse pedido de licenciamento incluíam parcelas de terreno que não seriam objecto de obras de urbanização.
41- O prédio referido em 4 já havia sido objecto de sucessivos destaques por parte dos anteriores proprietários.
42- Em 9 de Janeiro de 1993, foi emitido o correspondente alvará de licenciamento das operações de loteamento, onde foram descritos 17 lotes, a implementar nesse terreno, cuja área total ascendia a 8.832,50m2.
43- Deste alvará ficaram a constar ainda as áreas de cedência ao domínio público aceites e impostas pelo Réu, num total de 3.105m2, sendo 1.485m2 para ruas, 620m2 para passeios, 232m2 para baías de estacionamento e 768m2 para zonas verdes.
44- O Réu deu publicidade à concessão do alvará de loteamento n.º …, com as áreas referidas em 37 e 38, em edital afixado nos Paços do Concelho, em aviso publicado num dos Jornais mais lidos no concelho e, ainda, no Diário da República.
45- A área total do terreno identificado em 4 mencionada na descrição predial da Conservatória do Registo Predial de Vila Verde era de 46.650m2.
46- Foram registados a favor da sociedade “I” os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob os números …, …, …, … e …, inscritos na matriz rústica, respectivamente, sob os artigos …, …, …, … e ….
47- Tais prédios foram desanexados do prédio identificado em 4 e a área total resultante das respectivas descrições prediais é de 2.581,50m2.
*
Posto que a decisão da matéria de facto não foi impugnada, crê-se inútil proceder à transcrição do “Factos não provados”, cuja indicação é feita por remissão para os artigos dos Articulados.
**
V.- A questão a dirimir é, pois, a de saber se, aquando da operação urbanística, que deu origem ao alvará de loteamento n.º …, o prédio que o Autor reivindica foi cedido ao domínio público municipal para espaços verdes.
Se a resposta à questão for positiva o sentido da decisão terá de ser invertido já que as coisas que pertençam ao domínio público estão fora do comércio jurídico, sendo insusceptíveis de apropriação individual, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 202.º do Código Civil (C.C.), o que determinaria a nulidade, por contrário à lei - cfr. art.º 294.º do C.C. - do contrato de compra e venda celebrado entre o Autor, como adquirente, e a “I” como vendedora, referido no n.º 3 da facticidade provada
É pacífico nos autos que, à data em que a anterior possuidora do prédio – a “I” – requereu o licenciamento da operação urbanística subjacente ao alvará de loteamento acima referido, estava em vigor o Dec.-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro – ainda que o alvará de loteamento tenha sido emitido em 29/01/1993(4) (cfr. fls. 111) e o regime jurídico que se lhe seguiu tenha sido consagrado no Dec.-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, este diploma legal, entrado em vigor em 28/03/1992, estabeleceu uma norma transitória para os pedidos que tenham dado entrada antes desta data).
O Tribunal a quo, fundamentando na inexistência, naquele Diploma Legal, de uma norma de teor idêntico ao do n.º 3 do art.º 16.º do Dec.-Lei n.º 448/91, de 29/12, (reproduzido no n.º 3 do art.º 44.º do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, actual RJUE), o qual declara que as parcelas de terreno cedidas à câmara municipal se integram automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará, arrimando-se no Ac. do S.T.J. de 1/12/2015 (Proc.º 7815/05.1TBSTB.S1, Cons.º Nuno Cameira, in www.dgsi.pt), decidiu que, não tendo sido celebrada escritura pública “pela qual o terreno reivindicado tenha sido integrado no domínio público” o mesmo “não constituía coisa fora do comércio quando foi outorgada a escritura de compra e venda” do prédio ao Autor, e quando se completou, em benefício deste, “o prazo para a aquisição por usucapião”.
O Apelante, invoca, por sua vez, o Ac. do S.T.A. de 29/10/2003, que, debruçando-se sobre uma situação de desafectação do domínio público municipal, afirma, porém, referindo posição concordante do Ministério Público, que “com a aprovação de um loteamento … foi integrada no domínio público municipal uma parcela de terreno”, defendendo o Apelante que o art.º 16.º do Dec.-Lei n.º 448/91 tem natureza interpretativa relativamente ao normativo que o precedeu – o art.º 42.º do Dec.-Lei n.º 400/84 -, integrando-o, ou, pelo menos, veio integrar uma lacuna que se verificava no anterior regime, que nada dispunha sobre esta matéria, tendo, por isso, aplicação aos loteamentos constituídos ao abrigo deste último Diploma Legal.
O Acórdão do S.T.J. acima mencionado decidiu em sentido contrário ao propugnado pelo Apelante: “o art. 16.º, n.º 2, do DL n.º 448/91, de 29-11, ao consagrar que a transmissão para o domínio municipal de parcelas cedidas no âmbito de loteamentos opera automaticamente: não constitui norma interpretativa, antes norma inovadora, não sendo susceptível de se ter por integrada no DL 400/84 (art. 13.º, nº 1, do CC); e, também não disciplina o conteúdo de qualquer relação jurídica já constituída e subsistente, abstraindo dos factos que a originaram, não sendo aplicável retroactivamente (art. 12.º, n.º 2, do CC)”. “Embora o DL n.º 400/84 não regulasse expressamente a forma da transmissão das parcelas cedidas, não se pode dizer que existisse qualquer lacuna, por o então CN impor a escritura pública e ser essa a forma uniformemente acolhida pela doutrina e pela jurisprudência.”.
Na fundamentação afirma-se não haver “notícia de qualquer discussão na doutrina ou de controvérsia jurisprudencial relevante, no domínio da vigência do DL 440/84, sobre a questão de saber se a transmissão para o domínio municipal de parcelas cedidas no âmbito de loteamentos aprovados opera automaticamente, por força do alvará emitido, ou depende de formalização subsequente através de escritura pública”, referindo, depois, diversos Autores e outros Arestos que defendem ser o art.º 16.º, n.º 2 do Dec.-Lei 448/91 uma norma inovadora.
Sem embargo, o Ac. da Relação de Lisboa de 17/11/1994, citando José Miguel Sardinha e Alves Correia, fundamentando que o alvará deve indicar as “Cedências e a especificação das parcelas a integrar respectivamente no domínio público ou privado municipal”, nos termos da alínea f) do art.º 48.º (do Dec.-Lei n.º 400/84), pronunciou-se no sentido de as cedências obrigatórias das parcelas a integrar o domínio público municipal decorrer “como efeito automático” da aprovação do alvará do loteamento (ut Proc.º 0072136, Desemb. Duarte Soares, in www.dgsi.pt), indo no mesmo sentido o Ac. da Rel. do Porto de 28/11/1990, em cujo sumário se diz que a afectação ao domínio público “não depende de qualquer celebração de escritura pública que formule qualquer acordo translativo de propriedade” (ut Proc.º 9050668, Desemb. Vaz dos Santos, com sumário publicado in www.dgsi.pt).
O Ac. do S.T.J. de 20/03/2014, dá conta que “o DL nº 400/84 de 31/12, bem como os dois diplomas legais que antecederam na regulação dos loteamentos urbanos são omissos em relação à formalização da transferência de propriedade e ao estatuto jurídico das parcelas de terreno cedidas em operações de loteamento urbano e, daí ter-se concluído que era obrigatório a escritura pública para formalizar a transferência da respectiva propriedade (cfr. Ac. STA de 12.11.2009 acessível via www.dgsi.pt)”, concluindo “Significa, então, que a cedência dos terrenos através da escritura constituía um procedimento necessário para se operar a transferência de propriedade para o Município. A escritura integra-se, assim, precisamente na operação de loteamento e no quadro do contrato de urbanização e visava sobretudo no âmbito do DL 289/73 de 6 de Junho em vigor à data, operar a transferência do direito de propriedade do loteador para o domínio público municipal dos lotes destinados a equipamentos gerais” (ut Proc.º 5528/05.3TCLRS.L1.S1, Cons.º Tavares de Paiva, in www.dgsi.pt).
Desta breve resenha jurisprudencial conclui-se que houve, de facto, decisões em sentido contrário, que se fundaram em entendimentos doutrinários também eles de sentido oposto.
No entanto, cumpre registar que, mesmo em face do Dec.-Lei n.º 448/91, e do actual 555/99, de 16 de Dezembro (art.º 44.º) há Autores que defendem a necessidade de celebração da escritura pública quando esteja em causa a cedência de terrenos ao domínio privado do município – cfr., v.g. Fernanda Paula Oliveira, (in “Direito do Urbanismo _ Perguntas de Bolso. Respostas de Algibeira”, Almedina 2013, pág. 26), e Maria José Castanheira Neves, et Al.,(in “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado”, Almedina, pág. 272/273).
Temos para nós que o art.º 16.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 448/91, que consagra a automaticidade da integração no domínio público municipal das parcelas de terreno cedidas à câmara municipal, é, de facto, uma norma inovadora, que pode, com propriedade, inscrever-se numa intenção deliberada do legislador de evitar que, qualquer que seja o motivo, e mesmo nos casos de deferimento tácito, as parcelas de terreno que tenham sido destinadas ao uso público não deixem de sair do domínio privado, capaz de impor restrições ao uso, e integrem o domínio público.
Com efeito, é muito mais evidente a preocupação com o conforto e o bem-estar dos “futuros utentes”, assim como a defesa do interesse público, como ressalta do preâmbulo, onde se diz expressamente que “uma das grandes preocupações” foi a de “proporcionar um conjunto de instrumentos que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações residentes nas urbanizações”, exemplificando, “em matéria de espaços verdes e de utilização colectiva integrados no domínio público” com a possibilidade de “os moradores terem acesso à gestão de tais espaços”.
E por isso é que, enquanto o Dec.-Lei 400/84 refere apenas “os espaços livres públicos”, como um dos elementos que deve constar da planta de síntese (cfr. alínea f) do n.º 1 do art.º 22.º), ainda que inclua na obrigação de cedência “superfícies verdes para convívio, recreio e lazer” (alínea c) do art.º 42.º), o Dec.-Lei 448/91 é mais concludente ao definir as áreas dos terrenos destinados a espaços verdes e de utilização colectiva” (cfr. art.º 15.º).
O art.º 31.º, n.º 1 do Dec.-Lei 448/91 expressamente atribui ao alvará o valor de documento comprovativo da “autorização do loteamento para construção” para efeitos de registo – cfr. alínea d) do n.º 1 do art.º 2.º do Cód. Reg. Predial –, não existindo no Dec.-Lei 400/84 norma idêntica – o art.º 83.º limita-se a fazer a correspondência terminológica daquela expressão (do C.R.P.) à de «aprovação das operações de loteamento».
No que se refere ao conteúdo do alvará, dispunha o art.º 48.º do Dec.-Lei 400/84 que dele deviam constar “as cedências obrigatórias e especificação das parcelas a integrar respectivamente no domínio público ou privado municipal” (alínea f) do n.º 1 do art.º 48.º), devendo conter “em anexo as plantas confirmativas” (também) deste elemento, nos termos impostos pelo n.º 2.
Já o art.º 29.º do Dec.-Lei 448/91, manda especificar (além do mais), “as cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio público da câmara municipal” (cfr. alínea f) do n.º 1), e acrescenta que “As condições estabelecidas no alvará vinculam a câmara municipal e o proprietário do prédio e ainda, desde que constantes do registo predial, os adquirentes dos lotes.” – cfr. n.º 2.
Na situação sub judicio, o alvará … foi emitido, como dele consta, seguindo as normas daquele Dec.-Lei 400/84, e crê-se que seja por isso que, no ponto 5, no que respeita à “localização, identificação e demais referências” constantes das plantas que lhe foram anexadas (e dele fazem parte integrante), faz apenas menção aos lotes de terreno (“3”) e ao valor da apólice de seguros (“3.2”), deixando de fora a área de terreno afecta “ao uso directo e imediato do público”, descrita em 3.1.
E, assim, a única conclusão que podemos extrair é a de que, nos termos da planta original, constante de fls. 245 dos autos, a área em questão está excluída dos lotes de terreno(5).
Impõe-se, pois, secundar o entendimento do Tribunal a quo.
Com efeito, porque não foi celebrada a escritura pública, não pode ter-se por validamente transferida a propriedade para o domínio público da parcela de terreno que constitui o prédio descrito em 1 da matéria de facto e, acrescentamos nós, também não vem, tampouco, alegada a prática de qualquer acto que inequivocamente demonstre que tal terreno foi tacitamente integrado no domínio público.
Improcedem, pois os fundamentos do recurso devendo, por isso, ser-lhe negado provimento.
**
C) DECISÃO
Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 09/03/2017
(escrito em computador e revisto)




___________________________________
(Fernando Fernandes Freitas)


___________________________________
(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)


___________________________________
(Maria de Fátima Almeida Andrade)
1 - Relator – Desembargador Fernando Fernandes Freitas
Adjuntos: - Desembargadora Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista
- Desembargadora Maria de Fátima Almeida Andrade
2 - Omissis quanto às que se consideraram sem interesse para o enquadramento da discussão.
3 - Procedeu-se à correcção de singelos lapsos de transcrição de acordo com o doc. de fls. 74.
4 - Há um lapso de escrita no facto n.º 42, que omitiu o algarismo das unidades
5 - O n.º 24, dando como provado que “Na planta topográfica junta ao Processo de Loteamento n.º 3/93 a área de terreno referida em 1 encontra-se delimitada de qualquer lote particular, constituindo um dos limites a partir do qual define o início da chamada “zona verde” do projecto de arquitectura” enferma de um lapso que se manifesta pela data daquela planta topográfica “Fevereiro de 1999” (cfr. fls. 244 dos autos), o que faz presumir que tal documento antes instruiu o requerimento da “Imobiliária Eucalipto, Ld.ª”, datado de 9/12/1998, a solicitar o que chamou de correcção da planta, e que vem referido sob o n.º 25 da facticidade provada.