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SUCESSÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO A TERMO
ACTIVIDADE SAZONAL
Sumário
I - Nova contratação a termo para o mesmo posto de trabalho ocorrida antes do decurso do prazo correspondente a um terço da duração do contrato a termo anteriormente celebrado entre as partes, importa na consideração do segundo contrato como contrato sem termo. II - Esta regra não é excepcionada pelo facto das funções para que a trabalhadora foi contratada serem as de cozinheira num estabelecimento escolar que encerra pelo período de férias escolares, não se podendo considerar esta actividade como sazonal.
Texto Integral
Processo nº 882/12.3TTPRT.P1
Apelação
Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 343)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, residente no Porto, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “C…, S.A”, com sede em …, pedindo a condenação da ré a:
a) Reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo entre as partes desde 10 de Setembro de 2010;
b) Reconhecer a ilicitude do despedimento;
c) Reintegrar a autora nos seus quadros de pessoal, sem prejuízo de qualquer direito ou regalia ou, se assim optar, pelo pagamento de uma indemnização por antiguidade, no valor de 2.563,85 €;
d) pagar à autora todas as retribuições que se vencerem até à data da sentença, ascendendo as vencidas a 569,73 €.
Alegou que celebrou com a ré um contrato a termo certo para o exercício de funções de cozinheira de 3ª, na cantina/refeitório da Escola …, que vigorou entre 10 de Setembro de 2009 e 18 de Junho de 2010. A ré voltou a contratá-la para exercer as mesmas funções na mesma escola, também por contrato a termo certo, o que aconteceu em 10 de Setembro de 2010 e até 31 de Maio de 2011, contrato que foi prolongado por mais 28 dias, altura em que cessou por caducidade, conforme invocado pela ré. A segunda contratação deu-se em violação do disposto no artigo 143º, n.º 1 do Código do Trabalho, devendo pois o segundo contrato celebrado ser considerado um contrato de trabalho sem termo e destarte ter a autor sido despedida ilicitamente.
Contestou a ré, pronunciando-se pela improcedência do pedido, e invocando em síntese que os contratos celebrados o foram para cumprimento de um contrato de prestação de serviços que celebrou com a Câmara Municipal …, com duração certa, não automaticamente renovável, e correspondente ao período escolar, com carácter sazonal, motivação que a autora não pôs em causa. Em função desse carácter sazonal do trabalho, não se aplica o disposto no nº 1 do artigo 143º do Código do Trabalho por força da excepção prevista no nº 2 alínea c) do mesmo preceito.
Juntou a Ré os contratos celebrados com a autora e com a Câmara Municipal ….
A autora respondeu invocando o carácter imperativo do nº 1 do artigo 143º do Código do Trabalho e que a motivação apresentada, a ser válida, permitiria à Ré manter no mesmo posto de trabalho, por anos a fio, o mesmo trabalhador, em contratações sucessivas a termo. Esta resposta não foi admitida nos autos, no despacho saneador.
Foi proferido despacho saneador e seleccionados, por remissão, os factos assentes e controvertidos.
Realizou-se audiência de julgamento na qual as partes chegaram a acordo sobre os factos provados, e seguidamente foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“Pelo exposto julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos.
Sem custas por delas estar isenta a autora – artigo 4º, n.º 1, h) do RCJ”.
Inconformada, interpôs a Autora o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
1 - A actividade empresarial da R. consiste na exploração de estabelecimentos de refeições por concessões a que concorre por concurso público (cf. facto 9) que são sempre limitadas no tempo e que, no caso das escolas, duram apenas o ano lectivo (de meados de Setembro de um ano a meados de Junho do ano seguinte), havendo pois um encerramento de 2 a 3 meses com desconhecimento sobre se a concessão irá ou não ser renovada para o ano seguinte.
2 - Simplesmente, se é assim, também cumpre concluir que a R. “vive” de concessões que são, por natureza, temporárias e que isso é, nada mais nada menos, que a sua actividade normal, não se estando aqui nem perante acréscimos excepcionais de serviço nem actividades sazonais.
3 - De outro modo e com base em pretensas actividades sazonais de serviço, a R. poderia estar durante anos sucessivos e sem limite de tempo a recorrer a trabalhadores contratados a prazo para o mesmo posto de trabalho, o que não terá sido certamente a intenção do legislador, que visou limitar a contratação a termo a circunstâncias excepcionais e limitadas no tempo – cf. o art. 140º do Cód. Trabalho e, quanto à sua interpretação, o art. 9º do Cód. Civil.
4 - E também não se diga que entre os dois espaços temporais não se mantém a mesma estrutura empresarial a que pertence o posto de trabalho, pois as normas dos n.º 1.º e 2.º da cláusula 127.ª do CCT aplicável ao sector salientam que «quando haja transmissão de exploração ou de estabelecimento, qualquer que seja o meio jurídico por que se opere, ainda que seja por concurso ou concurso público, os contratos de trabalho transmitem à entidade patronal adquirente ou com a entidade concedente da exploração relativamente aos trabalhadores que se encontrem ao serviço da exploração ou estabelecimento há mais de 90 dias…» e que «nos casos de transmissão da exploração em estabelecimentos de ensino, entende-se que os contratos de trabalho se transmitem aos novos adquirentes ou concessionantes, a partir do início da actividade do novo concessionário, mesmo que tenha acorrido uma suspensão da actividade por motivos escolares…» (o sublinhado é nosso).
5 - De facto, a interpretação da douta sentença permite a uma empresa como a R. contratar durante vinte anos um trabalhador a termo cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, sem respeitar o conteúdo do art.º 143.º do CT, o que vai, com todo o respeito, contra o espírito da lei.
6 - O legislador constitucional consagrou o princípio da segurança no emprego, no art. 53° da Constituição da República, admitindo-se a título excepcional a celebração de contratos a termo, para suprir unicamente necessidades temporárias das empresas.
7 - E, embora a R. viva de concessões que são, por natureza, temporárias, é essa a sua actividade normal, não se estando aqui perante actividades sazonais nem acréscimos excepcionais de serviço.
8 - No caso, não está em causa, a admissibilidade da contratação a termo, mas a não observância de um intervalo mínimo entre os contratos, o que constitui matéria imperativa (podendo apenas ser alterada por Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho) – cf. art. 139º do Cód. Trabalho.
9 - A favor da tese ora exposta, recorre-se não só à natureza de todo o contrato ser, em princípio, de duração indeterminada por força do princípio constitucional da estabilidade no emprego, em que a aposição do termo resolutivo contraria esse valor e, por isso, reveste-se de carácter excepcional, só sendo lícita nos casos justificados por razões objectivas nos casos previstos na lei, com a menção expressa dos factos que integram o seu motivo justificativo e verificando-se a relação entre a invocada justificação e o termo estipulado.
10 - Mas também, mesmo não estando em causa a justificação do contrato a termo, haverá sempre a obrigatoriedade de respeitar o prazo estipulado que a lei obriga a decorrer entre dois contratos a termo cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho (art.º 143.º do CT).
11 - E assim, a decisão judicial ora recorrida, violou o disposto no art.º 143.º, n.º 1, n.º 3, no art.º 147.º n.º 1 al. d) e no art.º 381.º, a. c), todos do Código do Trabalho e na cláusula 127.ª do CCT aplicável ao sector.
Deve, assim, ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão da 1.ª instância, substituindo-a por douto Acórdão que julgue procedente por provada a acção e declare e condene a recorrida a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo a vincular a A. desde 10-09-2010, a admitir a ilicitude dos despedimentos, bem como a reintegrar a A. nos seus quadros de pessoal, sem prejuízo de qualquer direito ou regalia com todas as consequências legais daí decorrentes.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi admitido o recurso e proferido despacho fixando à acção o valor de €3.133,51.
A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II. Direito:
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (ex vi dos artigos 87.º, n.º 1 e 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho) não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se, por força da não observância do prazo legalmente previsto no artigo 143º nº 1 do Código do Trabalho, o segundo contrato celebrado pelas partes se considera como sem termo e consequentemente a sua cessação representa um despedimento ilícito da Autora.
III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1. A autora (A., de ora em diante) B… celebrou com a ré (R., de ora em diante) C…, S.A., 10.SET.09, um contrato de trabalho a termo certo, por 282 dias e com término em 18.JUN.10, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de cozinheira de 3.ª, na cantina/refeitório da Escola ….
2. Em 18.JUN.10 a R. efectuou a cessação desse contrato de trabalho, por caducidade, mediante carta registada com aviso de recepção, datada de 29.JUN.10.
3. Em 10.SET.10, a A. foi novamente contratada pela R., para exercer as funções de COZINHEIRA DE 3ª, para serem exercidas no refeitório da referida Escola ….
4. Essa contratação da A. pela R. efectuou-se mediante contrato de trabalho a termo certo, com início em 10.SET.10 e término em 31.MAI.11.
5. Esse contrato sofreu uma renovação de 28 dias, tendo assim vigorado até 28.JUN.11.
6. A cessação desse contrato ocorreu por caducidade em 28.JUN.11.
7. A A. encontra-se filiada no D….
8. A R. dedica-se à indústria da hotelaria, nomeadamente explorando,
9. cantinas, bares e refeitórios de escolas, empresas, hospitais e outras instituições a que concorre por concurso público.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ambos aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, os factos plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Assim, por entendermos poderem relevar para a decisão e estarem plenamente provados por documentos, adita-se ainda à decisão de facto o seguinte número:
4A – No contrato a que alude o nº 4, foi convencionada a cláusula 8ª, com o seguinte teor:
“1. O presente contrato de trabalho vigorará pelo período necessário para satisfazer o seu motivo justificativo, tendo início em 10.9.2010 e termo em 31.5.2011.
2. (…)
3. O presente contrato de trabalho não se renova no seu termo de vigência, caducando na data indicada no nº 1 da presente cláusula caso as partes não acordem, por escrito, em renovar o mesmo.
4. A justificação da presente contratação a termo certo prende-se com a necessidade de execução de empreitada de prestação de serviços restauração colectiva recentemente adjudicada à Empregadora e que diz respeito ao ano lectivo que se inicia em Setembro de 2010 e finda em Junho de 2011. A empreitada em causa, adjudicada pelo período apenas de um ano lectivo, de cerca de 9 meses, inclui vários estabelecimentos de ensino (um dos quais o previsto no nº 1 da cláusula 2ª do presente contrato) e não abrange o período de férias de interrupção entre anos lectivos. Assim, o motivo justificativo esgotar-se-á com o período contratado, fundamentando-se a presente contratação a termo certo com o disposto nas alíneas e) g) e h) do nº 2 e nº 1 do artigo 140º do Código do Trabalho”.
Apreciando:
É pacífica a aplicabilidade do Código do Trabalho de 2009, atenta a data de celebração do segundo contrato. Não está em causa, entre as partes, que a celebração do segundo contrato, em 2010, ocorreu antes de ter decorrido, relativamente ao fim do primeiro contrato, um terço da duração deste primeiro contrato. Não está em causa a validade da motivação para a contratação a termo aposta em qualquer dos contratos. Não está por fim em causa que o posto de trabalho num e noutro contrato não sejam exactamente iguais, e por isso não se trate do mesmo posto de trabalho. Está apenas em causa saber se o disposto no nº 1 do artigo 143º não tem aplicação ao caso dos autos por se verificar qualquer uma das excepções previstas no seu nº 2, e muito em concreto, apenas, por se verificar a excepção prevista na alínea c).
Com efeito, atentos os factos provados, aliás por acordo das partes, não está em causa saber se a contratação se deu por motivo de um acréscimo excepcional de actividade, sendo também manifesto que não estão em causa os casos previstos nas alíneas a) e d) do nº 2 citado. De resto, a fundamentação da sentença recorrida considerou a inaplicabilidade do prazo previsto no nº 1 do artigo 143º justamente por entender que ocorria sazonalidade, nos termos da alínea c) do nº 2 do mesmo preceito. Por outro lado, e justificando a nossa possibilidade de intervenção, resulta da conclusão 3ª da alegação do recurso que a recorrente põe em causa a afirmação de sazonalidade.
É o seguinte o teor do artigo 143º do Código do Trabalho:
“1 - A cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável nos seguintes casos:
a) Nova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para a sua substituição;
b) Acréscimo excepcional da actividade da empresa, após a cessação do contrato;
c) Actividade sazonal;
d) Trabalhador anteriormente contratado ao abrigo do regime aplicável à contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1”.
Nesta mesma Relação foi recentemente proferido acórdão que se pode consultar em www.dgsi.pt, com o nº RP20140113254/12.0TTGDM.P1, no qual se apreciou questão idêntica, e se conclui, se bem interpretamos, que uma vez que não estava em causa a validade do motivo aposto aos contratos de trabalho, não era possível questionar a existência de sazonalidade, tanto mais que esta sazonalidade não tinha sido posta em causa nos articulados, assim se concluindo pela não aplicação do disposto no nº 1 do artigo 143º do Código do Trabalho. Com o maior respeito, a nossa solução e o nosso caso é diferente.
Em primeiro lugar a resposta da Autora à contestação não foi admitida, justamente por se considerar que não havia matéria excepcional a responder. Em segundo lugar, e em bom rigor, não está sequer nada provado nestes autos – e a matéria de facto foi estabelecida por acordo entre as partes – quanto ao teor dos contratos celebrados com o Município …, pelo que, na sua singeleza, os factos provados apenas admitem a conclusão de que o prazo foi ultrapassado.
Uma nota prévia: a conformação da Autora com a validade formal e substancial dos termos apostos aos contratos não tem qualquer ligação com a questão a discutir, da ultrapassagem do prazo previsto no artigo 143º nº 1 do Código do Trabalho, o qual não cuida da invalidade da aposição de termo, aplicando-se ao caso de sucessão de contratos formal e substancialmente válidos do ponto de vista da aposição de termo.
Mas vejamos: não estar em causa a validade formal e substancial do termo aposto ao contrato não significa que a autora se tenha conformado com a sazonalidade da sua actividade. O que consta da cláusula 8ª do contrato são os factos concretos e na sua parte final a subsunção jurídica que a empregadora fez de tais factos ao direito aplicável. Ora, quando se diz “necessidade de execução de empreitada de prestação de serviços restauração colectiva recentemente adjudicada à Empregadora e que diz respeito ao ano lectivo que se inicia em Setembro de 2010 e finda em Junho de 2011. A empreitada em causa, adjudicada pelo período apenas de um ano lectivo, de cerca de 9 meses, inclui vários estabelecimentos de ensino (um dos quais o previsto no nº 1 da cláusula 2ª do presente contrato) e não abrange o período de férias de interrupção entre anos lectivos” é sobre isto que se pode formar o acordo das partes, precisamente porque ele não se pode formar sobre realidades diferentes entre si: “fundamentando-se a presente contratação a termo certo com o disposto nas alíneas e) g) e h) do nº 2 e nº 1 do artigo 140º do Código do Trabalho”. A alínea e) estabelece “Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima”, a alínea g) refere “Execução de tarefa ocasional ou serviço precisamente definido e não duradouro” e a alínea h) “Execução de obra, projecto ou actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento”. Em que ficamos? Todas estas alíneas se reportam à mesma realidade, são sinónimas? É evidente que o legislador usa de precisão linguística e de precisão jurídica quando legisla, e por isso se descreveu vários casos ou situações, é porque elas são diferentes entre si, como evidentemente o são: a execução de uma tarefa ocasional ou de um serviço precisamente definido e não duradouro não se compadece com a repetição que o conceito de sazonalidade implica, e o mesmo se diga da execução de uma obra temporária. Portanto, o acordo da autora não se estabelece perante uma subsunção jurídica plúrima e errada, mas sobre os factos consignados na mesma cláusula 8ª.
Por outro lado, se temos defendido sistematicamente que não serve à validade da justificação do termo aposto a um contrato de trabalho a mera remissão para o texto legal, - neste caso ainda mais grave, porque seria validar a mera remissão para uma alínea do texto legal sem sequer se transcrever o texto – que é fundamental a materialização dos factos concretos a partir dos quais se pode estabelecer o juízo subsuntivo e mais do que isso o nexo causal entre o tempo contratado e o motivo, não podemos deixar de retirar daqui que o acordo quando à validade do termo se faz por referência aos factos, e não à subsunção jurídica deles.
Assim, podemos nós proceder à análise que consiste em saber se os factos concretos constantes do termo aposto ao segundo contrato celebrado permitem concluir que a actividade exercida era sazonal, para efeito de saber se se preenche a alínea c) do nº 2 do artigo 143º do Código do Trabalho.
O Mmº Juiz recorrido citou um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a sazonalidade, mas, com o devido respeito, não podemos concordar.
O que sucede no caso dos autos é que a recorrida se dedica à indústria de hotelaria, explorando cantinas, bares e refeitórios de escolas, mas também de empresas, hospitais e outras instituições a que concorre por concurso público. No caso das escolas não tem de confeccionar/fornecer refeições no período de férias escolares.
Este é o fundamento natural que se tem de considerar para o apuramento da sazonalidade. Podemos dizer que as férias escolares são fundamento de sazonalidade?
Aproveitemos a citação do mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (sítio da dgsi – nº SJ200807100003254): “Com efeito, actividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade (cfr. Ac. Rel. Lisboa de 12/6/85 in B.T.E., 2ª Série, n.ºs 7 a 87, pág. 1182).
Em contrapartida, o ciclo de produção legalmente atendível é o ciclo anual, tornando-se ainda mister que as suas irregularidades decorram da natureza estrutural – que não conjuntural – do respectivo mercado.
Apesar disso, compreende-se que o legislador tenha equiparado as duas situações, por evidente analogia entre ambas:
- mesmo sem ter por objecto o exercício de uma actividade conceitualmente sazonal, uma empresa pode conhecer picos de produção ao longo do ano “... em razão do ritmo das estações ou de modo de vida colectivo”, conforme adverte Júlio Vieira Gomes (in “Direito do Trabalho”, 1º vol., 2007, pág. 595, nota 1518).
Aliás, este autor justifica mesmo a aproximação histórica entre os dois conceitos:
“A noção de actividades sazonais parece ter começado por cingir-se às estações do ano, em termos climatéricos e às suas repercussões em certas actividades, mormente na agricultura (colheitas, sementeiras), estendendo-se depois a outras indústrias em que a actividade também depende da estação do ano (pense-se no turismo balnear ou em certas actividades de turismo de Inverno, como as estâncias de esqui ou na produção de queijos dependente da qualidade do leite, por sua vez condicionada pelo estado dos pastos). A noção foi progressivamente ampliada, abrangendo a pouco e pouco situações cíclicas de aumentos de procura ou relativas, como a letra da lei sugere, ao abastecimento de matérias-primas” (ob. cit., pág. 595).
Em qualquer dos casos, uma coisa é certa: as situações em análise pressupõem uma natureza cíclica, previsível e regular”.
O legislador foi equiparando à sazonalidade em sentido estrito, aquela que resulta da estação do ano, outras situações em que intervém também o fenómeno do ciclo, da previsibilidade e da regularidade, mas condicionado pela necessária limitação temporal, como se nota no acórdão.
Se estendermos esta limitação temporal até grande parte do ano – seja, no caso, 9 meses, dificilmente estamos a falar de sazonalidade, sobretudo quando a origem da sazonalidade se referia a estações do ano que tinham 3 meses. Admitir isto para uma actividade que se repete todos os anos, nos mesmos meses, 9 meses por ano, ainda mais quando a identificação concreta desses meses depende duma vontade humana que é arbitrária, qual seja a fixação do período de inactividade, é admitir que todos os anos, em sucessão tão longa quanto a da capacidade produtiva do trabalhador ao longo da sua vida, o trabalhador – que trabalha a maior parte do ano – esteja sob o domínio dum vínculo precário. Se estendêssemos ainda mais esta noção de sazonalidade, poderíamos afirmar que o Parlamento e os tribunais desenvolvem actividades sazonais, e no mais absurdo dos exemplos, que uma empresa que encerre a laboração para observar o período de férias dos seus trabalhadores, também só desenvolve uma actividade sazonal.
Portanto, fixemo-nos num conceito de sazonalidade que partindo do conceito natural de estação do ano se estendeu, mas não se estendeu para além do que pode ser considerada uma estação, natural ou produtiva, alargada. De resto, a argumentação sobre a injustiça ou desequilíbrio do pagamento a quem não trabalha não tem sentido, pois nada impede – salvo quando apenas se remuneram os trabalhadores com remunerações mínimas garantidas – que se projecte o pagamento do mês trabalhado para o ano e se divida o valor obtido por todos os meses do ano. De facto, o que está em causa no princípio constitucional da estabilidade no emprego, da segurança no emprego, não é o valor da retribuição, mas a certeza de persistência do posto de trabalho, que faz com que, com base nela, o trabalhador possa organizar a sua vida, assumir os seus compromissos, viver e desenvolver-se enquanto cidadão, ele mesmo e na sua vertente familiar. A admissão da sazonalidade enquanto condição que permite a celebração sucessiva de contratos a termo, sem qualquer limite temporal, impede este desiderato constitucional.
Por outro lado, solução diversa permitiria a afirmação desejada pela recorrida de resolver todo o seu negócio na dependência directa dos contratos de prestação de serviços que lograsse obter em concurso, sem ter qualquer necessidade de ter trabalhadores permanentes, colocando-a num estado de excepção – em função do tipo de negócio – em relação à lei. Como temos repetidamente afirmado, a empresa, para poder prosseguir o seu negócio, que é permanente (não se tendo a empresa constituído apenas para concorrer a um determinado concurso, mas a todos os que, neste domínio da hotelaria, surgirem) há-de ter um mínimo de trabalhadores – e estes têm que ser permanentes – e o máximo que a lei lhe pode conceder é a possibilidade de, consoante os concursos ganhos, se lhe atribuírem trabalhadores por tempo certo na medida em que tais concursos representem, face ao padrão de actividade desenvolvida normalmente, uma necessidade temporária, um acréscimo excepcional de serviço, ou se possam incluir nas outras possibilidades legalmente previstas para a contratação a termo. De resto, note-se, no caso concreto, nem sequer está provado que a empresa só prestasse serviços de hotelaria nas escolas, não estando pois provado que não explore a sua actividade noutros estabelecimentos cujos concursos sejam renováveis automaticamente, ao menos por um determinado período de anos.
Consideramos portanto que a actividade para que concretamente a recorrente foi contratada, quer ao abrigo do primeiro contrato quer ao abrigo do segundo contrato, não é uma actividade sazonal nem se inclui no domínio das demais excepções previstas no artigo 143º do Código do Trabalho, pelo que tinha de ter sido – e não foi – observado o período de “vacatio” entre os contratos previsto na parte final do nº 1 do artigo 143º do Código do Trabalho, com a consequência prevista no artigo 147º nº 1 al. d) do mesmo Código, ou seja, considerando-se o segundo contrato celebrado, em 2010, como um contrato sem termo, que por conseguinte – artigo 343º alínea a) do Código do Trabalho “a contrario” – o decurso do prazo que lhe foi aposto não determina a sua caducidade, ocorrendo pois despedimento, na medida da observância, pela recorrida, desse prazo, para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, e ilícito, por força do disposto no artigo 381º c) do Código do Trabalho, com as consequências previstas nos artigos 389º e 390º do mesmo Código.
Considerando que a trabalhadora pede a reintegração, considerando que o despedimento ocorre em 28.6.2011 e que a acção foi interposta em 8.6.2012, tem a autora direito à mesma reintegração, no mesmo posto de trabalho e com a mesma categoria, como peticionou, não tendo optado pela indemnização por antiguidade, e às retribuições que normalmente teria auferido desde 8.5.2012 até ao trânsito em julgado deste acórdão, com desconto das quantias que pelo mesmo período tiver auferido a título de subsídio de desemprego, a apurar em liquidação do presente acórdão.
Tendo decaído, é a recorrida responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC, na versão actualmente em vigor – tanto em primeira como em segunda instância.
IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, a qual substituem pelo presente acórdão que, julgando a acção procedente por provada, condena a Ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo entre ela e a Autora, desde 10.10.2010 e a reconhecer a ilicitude do despedimento, condenando-a ainda a reintegrar a Autora como sua trabalhadora efectiva no seu posto de trabalho e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e bem assim a pagar-lhe as retribuições que normalmente a Autora teria auferido desde 8.5.2012 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, com desconto das quantias que pelo mesmo período tiver auferido a título de subsídio de desemprego, a apurar em liquidação deste mesmo acórdão.
Custas, em primeira e segunda instância, pela Ré, recorrida.
Porto, 10.3.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares (vencida por considerar que a Autora deveria ter questionado/invocado a validade formal e ou substancial da aposição do termo para se poder partir para a verificação/ou não, da situação prevista no nº 2 do artº 143º do C.T.)
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Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
I. Nova contratação a termo para o mesmo posto de trabalho ocorrida antes do decurso do prazo correspondente a um terço da duração do contrato a termo anteriormente celebrado entre as partes, importa na consideração do segundo contrato como contrato sem termo.
II. Esta regra não é excepcionada pelo facto das funções para que a trabalhadora foi contratada serem as de cozinheira num estabelecimento escolar que encerra pelo período de férias escolares, não se podendo considerar esta actividade como sazonal.
Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).