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NULIDADE DE SENTENÇA
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
JUROS DE MORA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário
I - Para que a condenação respeite o limite do pedido global de parcelas deste não podem emergir de diferentes causas de pedir. II - Há condenação ultra petita não só quando o juiz não respeita o limite quantitativo do pedido como quando condena por causa diversa da causa de pedir. III - A nulidade de sentença por omissão de pronúncia apenas se reporta a questões e não a argumentos. IV - A dívida de juros é uma dívida que periódicamente renasce. V - Se em execução de sentença, é pedido o capital e juros de mora devidos a partir do trânsito daquela, e o executado embarga, com êxito, quanto à dívida de juros por o título executivo a não abranger, a citação do executado interrompe o prazo prescricional nesta dívida, o que deve ser considerado na acção posterior em que esta é pedido, excepcionando o réu a prescrição.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
(A) intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção com processo sumário contra (B) e mulher (C) e (D), alegando, em síntese, o seguinte:
Os réus foram, por sentença transitada em julgado em 19/04/84, condenados a pagar solidariamente ao autor a quantia de 1105000 escudos.
Porque não efectuaram o pagamento de tal quantia, o autor requereu, em 02/04/85, a execução de sentença, pedindo o pagamento da quantia aludida e dos juros de mora desde a data do trânsito em julgado da dita sentença.
Os réus pagaram a quantia exequenda em 09/03/87, por termo no processo de execução, e deduziram embargos de executado na parte respeitante ao pedido de juros, com o fundamento de não constar do título executivo (a sentença) a obrigação do seu pagamento.
Os embargos vieram a ser julgados procedentes por acórdão do STJ de 22/11/90, aí se tendo decidido que se verificava o fundamento de oposição previsto na al. a) do art. 813 do CPC, ocorrendo real disparidade entre o título e o pedido.
Mas também se consignou no aresto do STJ que o trânsito em julgado da sentença serve para determinar o momento da constituição do devedor em mora.
Assim, os réus estão constituídos em mora entre 19/04/84 e 09/03/87, data em que efectuaram o pagamento da aludida quantia de 1105000 escudos, e, consequentemente, obrigados a pagar os respectivos juros, à taxa de 23% ao ano, no montante de 731116 escudos.
Mantendo em sua posse, indevida e ilegalmente, este montante, os réus auferem-lhe os respectivos proveitos e prejudicam o autor com a respectiva desvalorização, pelo que pelas regras do não locupletamento à custa alheia e (ou) do enriquecimento sem causa, devem pagar-lhe a correspondente quantia actualizada de acordo com a desvalorização monetária, acrescida do correspondente à privação do respectivo rendimento para o autor e de que os réus usufruem mantendo-a em sua posse - quantia que, atento o tempo decorrido desde 09/03/87, é justo fixar em montante igual ao dos juros devidos.
Pede, assim, o autor que os réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de 1462232 escudos, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo pagamento.
Os réus contestaram, sustentando dever a acção ser julgada improcedente e eles, réus, absolvidos do pedido.
E para assim concluírem alegaram, com interesse, o que passa a referir-se:
O trânsito em julgado da sentença aludida pelo autor ocorreu, não em 19/04/84 mas sim em 05/07/84.
Logo após essa data, os réus tentaram, por várias vezes, pagar a quantia de 1105000 escudos em que foram condenados, mas o autor recusou-se a recebê-la, exigindo o pagamento de juros desde 19/04/84 a uma taxa absolutamente ilegal (34,5%) e recusando-se a emitir os competentes recibos.
É assim manifesto que os réus não se constituiram em mora, não lhes sendo exigíveis os juros peticionados.
Acresce que, respeitando tais juros ao período compreendido entre 19/04/84 e 19/03/87 e só tendo a presente acção sido intentada em 1991, a quase totalidade dos referidos juros prescreveu há muito,
"ex vi" do art. 310 - d) do CC.
O enriquecimento sem causa invocado pelo autor não tem fundamento nem base factual, não só porque nas obrigações pecuniárias o criador só tem direito a uma indemnização correspondente aos juros, como ainda porque o não pagamento dos juros é, imputável ao autor.
Não houve resposta do autor.
Findos os articulados, o Mmo. Juiz designou data para uma audiência preparatória, na qual tentou conciliar as partes.
Não o tendo conseguido, passou o mesmo Magistrado a proferir saneador-sentença, no qual, além do mais, a) julgou improcedente a excepção de prescrição alegada pelos réus; e b) condenou os réus, solidariamente, a pagar ao autor os juros moratórios, vencidos e vincendos, sobre a quantia de 1105000 escudos, calculados à taxa de 23% desde 05/07/84 até 29/04/87 e à taxa de 15% desde esta data até pagamento, absolvendo-os, no mais, do pedido.
Inconformados com o assim decidido, os réus reagiram, interpondo da decisão o competente recurso de apelação; e como remate das suas alegações formularam as seguintes conclusões:
1 - A sentença recorrida violou frontalmente o art.
661 n. 1 do CPC, incorrendo, assim, na nulidade prevista no art. 668 - n. 1 e), pois o autor peticionou a condenação dos réus no pagamento de juros moratórios no valor de 731116 escudos, e a sentença recorrida condenou-os no pagamento de juros no valor de 1448942 escudos;
2 - A sentença recorrida alterou qualitativamente o pedido formulado pelo autor, pois este peticionou a condenação dos réus com base no enriquecimento sem causa, e a sentença condenou os réus no pagamento de juros moratórios, sendo, por isso, nula, "ex vi" dos arts. 661 - n. 1 e 668 - n. 1 e) do CPC;
3 - A sentença recorrida não se pronunciou sobre questões fundamentais para a justa decisão do litígio, nomeadamente sobre as razões invocadas pelos réus com o intuito de obter pronúncia negativa sobre a alegada mora, pelo que é nula, "ex vi" do art. 668 n. 1 d) do CPC, ou, se assim não se entender, a presente acção não podia ser decidida no saneador, pois a questão de mérito não era unicamente de direito e o processo não continha todos os elementos para uma decisão conscienciosa (v. art.
510 do CPC);
4 - O não cumprimento tempestivo da obrigação não pode ser imputado aos réus, que logo após o trânsito em julgado do douto Acórdão do STJ, em 05/07/84, tentaram pagar a quantia em que haviam sido condenados;
5 - O autor sempre se recusou a receber a importância regularmente oferecida pelos réus, por entender que tinha direito ao pagamento de juros sobre a referida quantia, desde 19/04/84, à taxa de 34,5%, pelo que o não cumprimento tempestivo da obrigação deve ser imputado ao autor que, sem motivo justificado, se recusou a receber a prestação legalmente oferecida;
6 - A condenação dos réus no pagamento de "juros moratórios sobre a quantia de 1105000 escudos, calculados à taxa de 23% desde 05/07/84 até 29/04/87 e à taxa de 15% desde esta data até pagamento" não faz qualquer sentido, pois, como ficou provado nos autos, a referida quantia foi paga em 09/02/87 e a nossa lei proíbe o anatocismo;
7 - O douto Acórdão do STJ de 22/11/90 negou ao autor o direito de exigir os juros peticionados, pelo que é manifestamente improcedente a afirmação de que só nessa altura o direito do autor se tornou firme e seguro;
8 - Os juros a que o autor se arroga podiam ter sido exigidos no momento do seu vencimento, e não apenas a partir de 22/11/90;
9 - Os juros em causa reportam-se ao período compreendido entre 1984 e 1987, e a acção em que se peticionaram só foi intentada em 1991, pelo que parte desses juros já prescreveram, "ex vi" do art. 310 d) do CC.
O autor contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2. No saneador-sentença apelado foram dados como assentes os factos seguintes:
- Por decisão do 14 Juízo Cível da comarca de Lisboa, de 02/06/82, os réus foram condenados a pagar ao autor a quantia de 1105000 escudos;
- Esta decisão foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e, posteriormente, para o STJ, tendo sido sucessivamente confirmada, nomeadamente por acórdão do Supremo de 27/03/84;
- Deste acórdão do STJ foi pedido, pelos réus, o esclarecimento de ambiguidades ou obscuridades, em 09/04/84, pedido que, contudo, foi indeferido por acórdão de 19/06/84;
- Em 09/04/85 foi instaurada execução daquela sentença, através da qual se pretendia obter o pagamento da quantia de 1105000 escudos, acrescida de juros liquidados à taxa de 34,5%;
- Em 09/02/87 os réus efectuaram o depósito da quantia de 1105000 escudos, através de consignação em depósito, tendo-a pago ao autor através de termo dessa mesma data;
- E em 02/02/87 os executados deduziram embargos quanto àquele pedido de juros, os quais, por acórdão do STJ de 22/11/90, foram julgados inteiramente procedentes.
3. Constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência o de que o âmbito dos recursos é determinado pelas conclusões das respectivas alegações, só abrangendo as questões naquelas contidas, como, aliás, decorre dos arts. 684 n. 3 e 690 n. 1 do CPC (cfr., por todos, o Ac. STJ de 25/07/86, in BMJ 359/522).
Vejamos, pois, de perto, as questões suscitadas nas conclusões dos apelantes.
3.1. Sustentam estes, nas duas primeiras conclusões, que a decisão recorrida violou o disposto no art. 661 n. 1 do CPC, pois condenou os réus em quantidade superior ao pedido e alterou qualitativamente o pedido formulado pelo autor, sendo, pois, nula, nos termos do art. 668 n. 1 - e) do mesmo Código.
Será assim?
Efectivamente, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (art. 661 n. 1 do CPC); se tal se verificar, ela é nula (art. 668 n. 1 e) do mesmo Código).
No caso "sub judicio" o autor pediu a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe "a quantia de 1462232 escudos acrescida da que de juros sobre ela se vence à taxa legal entre a data da citação e a do efectivo pagamento".
O peticionado montante de 1462232 escudos resultava
- como se alcança da p. i. - da soma das quantias de a) 731116 escudos, correspondentes aos juros de mora contados à taxa de 23% ao ano, sobre a quantia de 1105000 escudos, vencidos entre 19/04/84 e 09/03/87; e b) 731116 escudos, que corresponderiam à actualização daquela referida quantia, de acordo com a desvalorização da moeda e à privação do respectivo rendimento entre 1987 e 1991, de acordo com as regras do não locupletamento à custa alheia e (ou) do enriquecimento sem causa.
O Mmo. Juiz refere, na decisão sob censura, que "não existe fundamento legal para o pedido de indemnização, por via da desvalorização monetária, daquela quantia, ainda que pelo alegado enriquecimento sem causa".
E acrescentou, logo de seguida:
"É certo que, em certa medida, a falta de culpa do credor não afasta, por si só, a possibilidade do devedor também cumular pedido de indemnização através do instituto do enriquecimento sem causa.
Porém, neste pormenor, nenhuns factos foram alegados que permitam verificar os requisitos do art. 473 e 474 do CC".
Quer dizer: o Mmo. Juiz apreciou a pretensão do autor, aludida na antecedente alínea b) e julgou-a infundamentada, de direito e de facto; e, de seguida, condenou os réus a pagar ao mesmo autor juros moratórios vencidos e vincendos, sobre a quantia de 1105000 escudos, à taxa de 23% ao ano, desde 05/07/84 (data que considerou ser a do trânsito em julgado da sentença, e não a de 19/04/84, referida pelo autor) até 29/04/87 e à taxa de 15% desde esta última data até pagamento - indo aqui, manifestamente, além do que o autor peticionava (cfr. a antecedente alínea a)).
Condenou, pois, em quantidade superior à peticionada pelo autor, excedendo o limite imposto por lei (art. 661 n. 1 CPC) ao seu poder de condenar, com infracção do princípio dispositivo que assegura à parte circunscrever o "thema decidendum" (cfr. J. Rodrigues - Bastos, "Notas ao CPC" vol. III, 1972, pág. 247).
Contra esta conclusão poderá, porém, ser-se tentado a esgrimir o argumento de que os limites da condenação contidos no art. 661 do CPC se entendem referidos ao pedido global apresentado, nada obstando a que, se esse pedido representar a soma de várias parcelas que não correspondam a pedidos autónomos, se possam valorar essas parcelas em quantia superior
à referida pelo autor, desde que o cômputo global fixado na sentença não exceda o valor do pedido total (cfr. autor, ob. e loc. cits., pág. 231).
Tal argumento, porém, não logra aplicação ao caso vertente, pois as duas parcelas em que o pedido do autor se desdobra emergem de diferentes causas de pedir.
A primeira - respeitante aos juros moratórios - tem como "causa petendi" a mora dos réus no cumprimento da obrigação pecuniária (pagamento de 1105000 escudos) a que se achavam vinculados; a segunda vem fundada no enriquecimento sem causa.
Tais conceitos - mora e enriquecimento sem causa - têm um tratamento legal distinto, e os respectivos montantes indemnizatórios determinam-se por critérios e operações diferentes.
Mas não poderá a questão perspectivar-se de um outro ângulo? Não poderá considerar-se que o Mmo. Juiz apenas qualificou os factos alegados de modo diverso daquele por que os havia qualificado o autor - tal como lho permite, afinal, o art. 664 do CPC?
O raciocínio do Mmo. Juiz "a quo" parece ter sido este:
O STJ, por acórdão transitado em 05/07/84, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de 1105000 escudos.
A partir dessa data, o crédito do autor tornou-se certo, líquido e exigível.
A correspondente obrigação dos réus deveria ter sido cumprida, pelo menos, na data aludida.
Estes, porém, não o fizeram, inexistindo razões para o não terem feito.
Com efeito, os réus não demonstram que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.
Estão, pois, em mora desde 05/07/84 e, consequentemente, constituídos na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sendo que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contas do dia da constituição em mora.
Assim, há que condenar os réus ao pagamento dos juros de mora desde a data em que esta se iniciou até àquela em que o autor seja totalmente ressarcido.
A indemnização ao autor opera-se tão só e apenas pela via dos juros de mora e não também pela via do enriquecimento sem causa.
Este raciocínio esquece, porém, um dado fundamental: o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos desde que não altere a causa de pedir (cfr.
Prof. A. Reis, "Anotado", V, pág. 94).
Atende-se no que, a propósito, refere este insigne processualista:
"Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso,
(...) que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi).
Já Mattirolo advertia: Deve anular-se, por vicío de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via de acção ou de excepção, puseram na base das suas conclusões" (ob. e loc. cits., pág. 56).
E mais adiante, a pág. 58:
"(...) quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, atento o disposto no art. 660; a sentença incorre, portanto, na nulidade prevista na segunda parte do n. 4 do art.
668" (hoje, segunda parte da al. d) do n. 1 do art. 668).
Em sentido idêntico se pronunciaram o Ac. Rel. Évora de 11/04/91 (Col. Jur. ano XVI, tomo 2, pág. 335) e o Ac. do STJ de 14/02/72, in BMJ 213/214).
Assim - e revertendo ao caso "sub judicio" - não podia o Mmo. Juiz, a quem foi pedida a condenação dos réus ao pagamento de uma certa quantia, de juros moratórios vencidos entre 19/04/84 e 09/03/87, e de outra, igual àquela, pela privação do respectivo rendimento no período decorrente a partir de 09/03/87, com base nas regras do enriquecimento sem causa, condenar os mesmos réus no pagamento de juros moratórios referentes também ao período temporal posterior a 09/03/87, do mesmo passo em que denegava a pretenção fundada no enriquecimento sem causa.
Ao fazê-lo, o Mmo. Juiz "a quo" alterou qualitivamente o pedido, como referem os apelantes, em violação do art. 661 n. 1 do CPC.
Ocorre, pois, a causa de nulidade da sentença referida nas conclusões 1 e 2 das alegações dos apelantes.
Aliás, e como bem se refere na conclusão 6 das mesmas alegações, nunca os réus poderiam ser condenados ao pagamento de juros moratórios sobre a quantia de Esc. 1105000 escudos para além da data em que efectuaram ao autor o pagamento da mencionada quantia
- o que ocorreu, como vem provado, em 09/03/87.
A partir dessa data (09/03/87) não pode validamente sustentar-se que continuou em dívida o capital de 1105000 escudos e, por isso, também não podiam continuar a cair juros de mora sobre aquele montante.
O que não significa também que, a partir de então, deixassem, de todo, de ser devidos juros de mora, por liquidação do capital.
Na tese do Mmo. Juiz "a quo" - que arranca da ideia- -base de que há, "in casu", mora dos réus a partir de 05/07/84 - parece que, face à entrega, por estes, de uma determinada quantia, insuficiente para cobrir o capital em dívida e os juros de mora caídos até ao momento da entrega, não poderia deixar de se imputar tal quantia primeiro ao pagamento dos juros e só depois à amortização do capital (cfr. art. 785 do CC).
3.2. A segunda questão que os réus recorrentes colocam nas conclusões das suas alegações reporta-se à existência ou inexistência, no caso em apreço, de "mora debitoris".
Na conclusão 3 os recorrentes sustentam, em primeira linha, que o Mmo. Juiz "a quo" teria omitido pronúncia sobre as razões por eles invocadas para demonstrar a inexistência da alegada "mora debitoris", sendo, por isso, nula a sentença, "ex vi" do art. 668 n. 1 d) do CPC.
Efectivamente, o n. 2 do art. 660 do CPC impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, salvo aquelas cuja solução esteja prejudicada pela solução dada a outras; se o juiz tal não fizer, a sentença é nula (art. 668 n. 1 d) citado).
Mas, como refere o Prof. Antunes Varela (Rev. Leg. e Jur., ano 122, pág. 112) não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da al. d) do n. 1 do art. 668, as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão.
São coisas diferentes - ensina, por seu turno, o Prof. Alberto dos Reis - deixar de conhecer da questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. "Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretenção" ("Anotado, vol. V, pág. 143).
E no mesmo sentido opina o Cons. J. Rodrigues Bastos ("Notas ao Cód. Proc. Civil", vol. III, pág.
228, 247 e 285).
Ora, no caso "sub judicio", não se pode dizer que o autor apresentou ao tribunal, para resolução, a questão da existência de "mora debitoris" e os réus outra e diversa questão - a da inexistência de "mora debitoris".
A questão colocada é só uma - a de saber se existe ou não mora dos réus; e para a sua dilucidação, o autor aduziu argumentação tendente a demonstrar a sua existência, enquanto os réus veicularam argumentos visando a comprovação da inexistência de tal mora.
E o Mmo. juiz apreciou a questão, resolvendo-a no sentido afirmativo.
É certo que não analisou "ex professo" a argumentação avançada pelos réus como suporte da tese negativa, da inexistência de mora. Mas isso não é, por si, bastante para configurar a nulidade da sentença traduzida na omissão de pronúncia, como resulta da lição dos Mestres anteriormente citados.
O que poderá (e deverá) dizer-se - e aqui entramos na apreciação da 2 parte da 3 conclusão dos apelantes - é que o Mmo. Juiz não dispunha ainda de todos os elementos de facto que lhe permitissem decidir.
Com efeito, tendo os réus alegado, na contestação, que logo após o trânsito em julgado do acórdão do STJ - em 05/07/84 - tentaram por diversas vezes pagar a importância em que haviam sido condenados (art.
6); que o autor se recusou a receber a quantia de 1105000 escudos, exigindo o pagamento de juros desde 19/04/84 à taxa de 34,5% (arts. 7 e 8); e que o autor sempre se recusou a emitir os competentes recibos (art. 11), é irrecusável que tal matéria - controvertida, porque em manifesta oposição com o sentido da p. i. - é de capital importância para a decisão de mérito, do ponto em que releva para a pronúncia sobre a questão fulcral da mora.
Há, pois, que reconhecer razão aos apelantes quando sustentam que a presente acção não podia ser decidida no saneador, por não ser a questão de mérito unicamente de direito e não conter o processo todos os elementos para uma decisão conscienciosa.
Quanto às conclusões 4 e 5, intimamente conexionadas com aquilo que acaba de referir-se, há apenas que referir que elas não podem aceitar-se por agora, uma vez que a verificação da factualidade em que se estribam está dependente da prova a produzir.
3.3. E eis-nos chegados à última questão suscitada pelos apelantes nas suas alegações - resta, nas 7, 8 e 9: a questão da prescrição de parte dos juros de mora peticionados pelo autor.
Esta questão não está prejudicada pela decisão, já anunciada, de ordenar o prosseguimento do processo: se tiver de reconhecer-se razão aos apelantes, o processo prosseguirá apenas no tocante aos juros não abrangidos pela prescrição.
Sustentam os recorrente que, respeitando os juros peticionados ao período que decorreu entre 19/04/84 e 09/03/87, e tendo a acção sido intentada em 1991, a quase totalidade deles havia já prescrito, atento o disposto no art. 310 d) do CC.
Ao invés, o Mmo. Juiz "a quo" julgou improcedente a referida execepção, considerando que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido (art. 306 n. 1 do CC) e que o direito do autor apenas se tornou firme e seguro em 22/11/90, altura em que, pelo acórdão do STJ se decidiu a questão dos juros à taxa reclamada; por isso, só a partir dessa data (22/11/90) é que o direito do autor podia ser exercido, sendo certo que, quando a presente acção foi proposta (em 1991), se estava ainda muito longe do decurso do prazo de cinco anos estabelecido na lei para a prescrição dos juros.
Não perfilhamos o entendimento daquele Magistrado.
Desde logo porque não se vê como é que o acórdão do STJ de 22/11/90, que julgou procedentes os embargos de executado deduzidos pelos ora recorrentes, tornou "firme e seguro" o direito do autor. O que tal acórdão fez, foi, apenas, declarar que, na execução, o ora autor - ali exequente - não podia reclamar juros de mora, por tal pretensão extravasar dos limites do título executivo.
Por outro lado, também não pode aceitar-se a ideia de que só a partir de 22/11/90 é que o direito do autor podia ser exercido.
Os juros de mora nascem a partir da data do início da mora do devedor, isto é, da data em que ocorre, com culpa deste, o não cumprimento da dívida em causa.
E contam-se dia a dia, já que o crédito de juros
é continuado, não nasce num só momento - vai nascendo
à medida que o tempo decorre.
"A dívida de juros é uma dívida que periodicamente
(ou dia a dia) renasce: no termo de cada período
(ou dia) vence-se uma nova dívida ou obrigação "(F. Correia das Neves, "Manual dos Juros", 3 ed., pág. 194).
Ora, como refere o Prof. Vaz Serra ("Obrigação de juros" in BMJ 55/162), "os juros legais para que a lei não estabeleça data especial de vencimento vencem-se quando nascem e, portanto, o credor pode exigi-los ao passo que vão nascendo".
Pois bem: se o Mmo. Juiz considerou a data de 05/07/84 como o momento constitutivo da mora dos réus - como expressamente refere na sentença recorrida - não pode, coerentemente, sustentar que o direito do autor aos reclamados juros de mora só podia ser exercido a partir de 22/11/90.
Isto afigura-se-nos de meridiana evidência!
Mas significará isto que a razão está com os apelantes quando sustentam que a parte dos juros reclamados já estão prescritos?
De harmonia com a al. d) do art. 310 do CC prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos.
A prescrição tem como efeitos próprios para quem dela beneficia "a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opôr, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito" (art. 304 n. 1 do CC).
A extinção da obrigação jurídica de juros pelo decurso do tempo vem, pois, tratada na lei como um caso de prescrição, o que vale dizer que o prazo para a exigência dos juros é um prazo de prescrição (não de caducidade).
Está, pois, tal prazo, sujeito a suspensão e a interrupção, de acordo com as regras dos arts. 318 e seguintes do CC).
Ora a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art. 323 n. 1).
E (n. 2 do mesmo art. 323) se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo; mas se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (arts. 326 n. 1 e 327 n. 1).
Como se alcança da matéria de facto dada como assente na primeira instância, os juros de mora que o autor peticiona na presente acção já haviam sido reclamados na execução de sentença por ele movida contra os aqui réus em 09/04/85.
A consulta do processo respectivo, que se acha apenso, revela:
- que o autor, aí exequente, requereu, em 09/04/85, a citação dos ora réus (ali executados) para, no prazo de 10 dias, pagarem a quantia de 1105000 escudos acrescida dos juros vencidos desde o trânsito em julgado da sentença condenatória dos réus e dos vincendos até integral pagamento;
- que os executados foram citados em 19/01/87 (o (B)), em 06/11/86 (a (C) e em 27/11/86 o (D)).
Assim, a prescrição interrompeu-se, ou no 5 dia posterior à instauração da execução (art. 323 n. 2) ou, pelo menos, relativamente a cada um dos executados, na data da respectiva citação, ficando, assim, inutilizado para efeitos de prescrição todo o tempo decorrido anteriormente; e o novo prazo só começou a correr em 13/12/90, data em que transitou em julgado a decisão do STJ (de 22/11/90) que pôs termo ao processo de embargos de executado e também à própria acção executiva, de que os embargos constituiam oposição.
É, assim, evidente que não se verifica a invocada prescrição pois que, desde a data do início do prazo respectivo (13/12/90) até à data da citação dos réus na presente acção ainda não decorreram cinco anos.
4. Pode, pois concluir-se, de tudo quanto se deixou consignado: a) A serem devidos os juros de mora peticionados - o que está dependente da decisão sobre a existência de "mora debitoris" - não ocorre prescrição de qualquer parcela desses juros; b) A sentença da 1 instância é nula, "ex vi" dos arts. 661 n. 1 e 668 n. 1 e) do CPC. c) A questão de mérito a decidir nos presentes autos é de direito e de facto e o processo não contém ainda todos os elementos de facto para uma decisão conscienciosa.
Assim, os Juizes desta Relação acordam em julgar procedente a apelação e em revogar o douto saneador-sentença apelado, devendo a acção prosseguir termos com a elaboração da especificação e questionário, nos moldes sobreditos.
Custas pela parte vencida a final, adiantando-as, por ora, o recorrente.
Lisboa, 9 de Dezembro de 1993