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CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
CONTRAORDENAÇÃO GRAVE
ADMOESTAÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Sumário
I - O legislador ordinário goza de ampla liberdade na fixação dos montantes das coimas aplicáveis desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contraordenacional e que as sanções aplicadas sejam efectivas, proporcionadas e dissuasoras de modo a garantir o seu efeito preventivo II - A admoestação é uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo. III – São requisitos cumulativos da aplicação da admoestação a reduzida gravidade da contraordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente; IV - A gravidade da contraordenação depende do bem jurídico tutelado, do benefício do agente ou do prejuízo causado mas também diretamente da lei; V - A lei qualifica as contraordenações ambientais em leves, graves e muito graves; VI - Estando perante uma contraordenação grave é excluída a aplicação da admoestação. VII - Sendo possível a atenuação especial da coima exige-se que exista uma imagem global especialmente atenuada o que só pode ocorrer em casos extraordinários ou excepcionais, fora do complexo padrão que o legislador teve em mente.
Texto Integral
Proc. nº 656/13.4TBPNF.P2
1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes
Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
No processo de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa nº 656/13.4TBPNF, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, foi submetida a julgamento a arguida B…, S.A., com sede na …, …, Penafiel, e proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Em conformidade e, em consequência, mantenho a condenação da arguida pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 12º e 18º, nº2, al. h) e nº4 do D.L. nº46/2008, de 12 de Março e da Portaria nº417/2008 de 11 de Junho, na coima de €15.000,00 (quinze mil euros).
Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique.
Comunique à autoridade administrativa.
***
Inconformada com tal condenação, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação que, por acórdão de 05.02.2014, decidiu “julgar procedente o recurso interposto pela arguida B…, S.A., declarar nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, e determinar ao Tribunal a quo que em nova sentença supra tal nulidade.”
***
Foi proferida nova sentença com o seguinte dispositivo:
Em conformidade e, em consequência, mantenho a condenação da arguida pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 12º e 18º, nº2, al. h) e nº4 do D.L. nº46/2008, de 12 de Março e da Portaria nº417/2008 de 11 de Junho, na coima de €15.000, 00 (quinze mil euros).
Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique.
Comunique à autoridade administrativa.
***
Inconformada com tal condenação, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação terminando a motivação com as seguintes conclusões:
A- O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o cúmulo jurídico, imposição legal, que a recorrente invocou em sede de impugnação, e que requereu em sede de defesa.
B - O Tribunal a quo ao não ordenar a agregação do presente processo de contra-ordenação aos outros dois que a Recorrente tinha a decorrer contra si, admitiu uma manifesta e inadmissível limitação das garantias de defesa da Arguida.
c - Termos em que, salvo melhor entendimento deve ser julgada nula a douta sentença recorrida, ou, caso assim não se entenda ser declarada irregular, por omissão de pronúncia.
D - No exercício da sua actividade profissional, no passado dia 13 de Novembro de 2008, pelas 16H40, o motorista da Recorrente foi incumbido de levar uma carga da obra de empreitada de "Construção da Via de Ligação VL 2-4 e beneficiação da Rua … e Concepção/Construção da reformulação da passagem superior ao caminho de ferro em …", em Vila Nova de Gaia, para a obra empreitada de "Execução de Infraestruturas de fibra óptica e passeios na Rua … - …", em Paredes, ambas a ser executadas pela Recorrente.
E - A carga de resíduos inertes transportada era constituída por terra e restos de tapete da estrada, não tóxicos, nem nocivos para o meio ambiente.
F - Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, resultou da prova testemunhal produzida pela Recorrente, em sede de Defesa e de Impugnação Judicial, que a carga transportada pelo seu motorista era predominantemente constituída por terra, e residualmente por bocados de tapete betuminoso e bocados de cimento, o que tornava aquela carga ideal para ser reutilizada em enchimento de passeios e ruas.
G - A já falecida testemunha C…, Director Técnico da obra da Recorrente em …, depôs que essa obra necessitava de aterros nos passeios, e visto que na obra da Recorrente em …, Vila Nova de Gaia, se estava a escavar e era necessário dar vazadouro ao material escavado, nomeadamente terra e inertes.
H - A testemunha C… depôs nos autos que solicitou essa terra e inertes da obra de Coimbrões, para o enchimento de passeios na obra de … e em momento algum, encontrou entre a carga recebida RCD.
I - A testemunha D… depôs exercer as funções de encarregado na obra da Recorrente em …, Paredes, na qual recebia material proveniente de outras obras da Recorrente, nomeadamente da de Vila Nova de Gaia, e que entre esse material se contava saibro, misturado com pequenas quantidades de "tout venant" e pequenas pedras, ou seja material em condições de ser reaproveitado em obra, nomeadamente no enchimento de passeios.
J - A testemunha E…, motorista da Recorrente aquando do levantamento do auto-de-notícia, depôs, com precisão que a carga transportada era constituída por 20 toneladas de terra, misturada com pedaços de tapete betuminoso e de pedaços de cimento, proveniente de uma obra da Recorrente de demolição e renovação de estrada em …, Vila Nova de Gaia e se destinava ao enchimento de passeios e ruas na obra da Recorrente em …, Paredes.
K - A testemunha E… informou ter conhecimento da necessidade de se fazer acompanhar da guia de transporte de RCD quando transportava resíduos de construção para o F…, porém, visto tratar-se de transporte de terra e outros pequenos resíduos, entre duas obras da Recorrente, desconhecia ser necessário fazer-se acompanhar daquele género de guias.
L - Os depoimentos, isentos e esclarecidos, das mencionadas testemunhas, foram prestados em sede de Defesa e de Impugnação Judicial, e estão de acordo com a descrição da Guia de Transporte n.º ….. onde se refere a quantidade de terra transportada, e atestam que a Recorrente pretendia reciclar e valorizar a carga transportada, através da sua reutilização em obra, prevenindo a proliferação de resíduos e de danos para o meio ambiente, evitando a aquisição de novos materiais, em consonância com os princípios do Decreto-Lei n.º 46/2008, e que o Tribunal a quo menciona na douta sentença recorrida.
M - Quanto às fotografias juntas aos autos, as mesmas apenas reforçam o que a Recorrente entende e defende: que a carga transportada era constituída na sua quase totalidade por terra.
N - Porém, o Tribunal a quo limitou-se a considerar o depoimento do agente da autoridade que levantou o auto-de-notícia, ignorando o detalhe dos conhecimentos técnicos demonstrados pelas demais testemunhas nos seus depoimentos.
O - Resultou de forma inequívoca da prova produzida que a carga transportada foi reutilizada na obra licenciada da Recorrente em …, após uma triagem rigorosa, porquanto não se apurou nem se provou a insusceptibilidade de os materiais transportados serem reutilizados, bem pelo contrário, o que afasta a sua classificação como RCD's.
P - A Recorrente agiu em conformidade com o disposto no artigo 6º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 46/2008, de 12 de Março, que estipula no n.º 1 a obrigatoriedade de se reutilizar no trabalho de origem de construção, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza e restauro, etc, ou noutra obra sujeita a licenciamento os solos e rochas que não contenham substâncias perigosas provenientes de actividades de construção.
Q - Errou o Tribunal a quo, ao considerar que uma carga predominantemente de terra, e uma quantidade residual de tapete betuminoso e cimento não podiam ser reutilizáveis em obra, porquanto a reutilização daqueles materiais em obra, nomeadamente, no enchimento de passeios, não é prática nociva para o meio ambiente.
R - Errou o Tribunal a quo ao dar como não provado o mencionado facto, estribando-se no argumento, manifestamente insuficiente, de que o percurso percorrido pelo motorista da Arguida era pouco utilizado, ainda que sobejamente explicado e objecto de prova.
5 - A Recorrente não preencheu nem deu instruções ao seu motorista para se fazer acompanhar de outra guia, porque a carga transportada não se tratava de ReD e destinavas a ser reutilizada em obra, pelo que não era necessário o preenchimento da guia a que se refere o auto de notícia, encontrando-se acautelados os bens jurídicos protegidos pela norma punitiva o meio ambiente, e o controlo de resíduos de construção.
T - Pela simples leitura dessa guia desde logo se constata, a mesma tem de ser assinada pelo destinatário dos resíduos, ou seja pelo responsável pelo depósito autorizado, pelo que sempre se encontraria incompleta.
U - A Recorrente, e nomeadamente o seu motorista, agiram sem consciência da ilicitude da sua conduta, pelo que nos termos do artigo 12º da Lei n.º 50/2006, agiu sem culpa, afastando a aplicação de qualquer sanção.
v - Caso assim se não entenda, o que só por mera questão de patrocínio se admite, deve ser aplicada à Recorrente uma mera admoestação, em substituição da coima em que foi condenada.
W - A simples troca de guia, não constitui falta tão grave que justifique a aplicação de uma sanção tão pesada, porquanto a Recorrente não retirou qualquer benefício económico da mesma, atenta a reduzida e desculpável gravidade da infracção e a inexistência de culpa, pode e deve ser proferida uma mera admoestação, nos termos do artigo 51º do Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
x - Errou o Tribunal a quo ao não aplicar à Recorrente uma mera admoestação, em substituição da aplicação da coima, que sempre se consideraria violar o princípio da proporcionalidade e da adequação, consagrados constitucionalmente.
Y - A coima que concretamente foi aplicada à Recorrente é manifestamente desproporcional à infracção concretamente cometida, em violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18º, n.º 2 da CRP.
Z - Deve existir um nexo de proporcionalidade entre a coima a aplicar e o dano causado e o benefício retirado do mesmo.
AA - Como resulta do exposto, e de toda a prova levada aos autos, não se apurou nem o dano para o bem protegido, meio ambiente, nem qual o benefício que a Recorrente retirou, ou visava retirar com a prática da infracção.
BB - "Qualquer sanção só cumpre eficazmente as suas finalidades de orientação de condutas de eliminação de infracções, quando há proporcionalidade entre a gravidade do facto e a sanção" - neste sentido, O. Mendes e S. Cabral, in RGCO, anotação ao artigo 182. CC - Não se pode olvidar que na carga transportada pelo veículo da Recorrente, constava sobretudo terra, e apenas, residualmente, bocados de betuminosa e cimento, possuindo características que a permitiam ser reutilizadas na obra da Recorrente em … e evitar a proliferação de resíduos.
DD - A Recorrente encontrava-se igualmente munida de guias descritivas do material que era transportado, pelo que o fim visado pela norma foi salvaguardado e o bem jurídico protegido.
EE - Pela troca de um simples formulário, e sem pôr em causa os bens jurídicos protegidos, a aplicação da coima pune a Recorrente severamente como se tivesse atentado contra o meio ambiente e o controlo de resíduos, o que não corresponde, decerto, à intenção do legislador ordinário e do constitucional.
FF - "Admitido que um meio seja ajustado e necessário para alcançar determinado fim, mesmo neste caso dever perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à "carga coactiva" da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de "medida" ou "desmedida" para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim." Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4ª. Edição pag. 316).
GG - Discorda-se do Tribunal a quo quando considera a coima aplicada, condizente com o comportamento da Recorrente que se propõem punir.
HH - Mesmo classificada pelo legislador como grave, o limite mínimo de € 15.000,00, continua a ser uma sanção muito violenta para a utilização de uma guia, em detrimento de outra, sobretudo quando não eram transportados RCD's.
II - A aplicação da presente coima, ainda que pelo limite mínimo afigura-se manifestamente excessiva face à infracção de que vem acusada a Recorrente, desnecessária, porquanto a Recorrente fez-se acompanhar de uma guia suficiente e capaz de dar cumprimentos às demais disposições legais, e desadequada porquanto se está a punir severamente uma conduta que não contende com os fins de prevenção da norma na mesma medida da punição.
JJ - Pelo que, sem prejuízo de se considerar que deve o processo ser arquivado, sem aplicação de qualquer sanção, deve considerar-se que os artigos 12º, nº 2, 18º, n.º 2, h) e n.º 4 do Decreto-Lei n.!! 46/2008, de 12/10, Portaria n.º 417/2008, de 11/01 e artigo 22º, nº 3, b) da Lei 50/2006, de 20 de Agosto, ao consubstanciar a aplicação da coima em que foi condenada a Recorrente, violam o princípio da proporcionalidade constante do artigo 18º, n.º 2 e 3 da CRP
KK - A Recorrente invocou na sua defesa que se encontravam a correr contra si os processos de contra-ordenação n.º CO/000621/09 e n.º CO/000858/09, onde vinha acusada de ter violado as mesmas disposições legais que nos presentes autos.
LL - Salvo melhor entendimento, mal andou a decisão administrativa, que se pronunciou de forma vaga e imprecisa, e mal andou o Tribunal a quo, ao não aplicarem o disposto no artigo 27º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto e no artigo 77º do Código Penal, ex vi artigo 32º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
MM - Foi aberto o processo de contra-ordenação com o n.º CO/000621/09, pela prática de infracção em 06/01/2009, e foi aberto o processo de contra-ordenação n.º CO/000858/09, pela prática de infracção em 13/11/2008, enquanto o presente processo de contraordenação n.º C0003023/10 foi aberto pela alegada prática de uma infracção em 13/11/2008, às 17h15.
NN - A Recorrente recebeu a acusação o processo de contra-ordenação com o n.º CO/000621/09 em 03/04/2009, e a do processo de contra-ordenação n.º CO/000858/09 em 17/04/2009, enquanto a acusação da prática da infracção destes autos só lhe foi notificada em 27/12/2010.
00 - A Recorrente apresentou defesa em todos estes processos de contra-ordenação e em todos invocou o cúmulo jurídico das sanções, por se encontrarem todos os processos na mesma fase, não ter sido à data proferida decisão em nenhuma delas.
PP - A decisão proferida nos processos de contra-ordenação n.º CO/000621/09 e n.º CO/000858/09, condenou a Recorrente numa coima única de € 20.000,00, e foi-lhe notificada em 12/04/2011, enquanto a decisão administrativa que condenou a Recorrente nos presentes autos foi notificada à Recorrente apenas em 12/11/2012, pronunciando-se sobre o cúmulo jurídico nos termos conhecidos.
QQ - Só em 12/11/2012 a Recorrente tomou conhecimento de que fora condenada nos presentes autos, e como tal, demasiado tarde para invocar nos processos de contraordenação n.º CO/000621/09 e n.º CO/000858/09 a não cumulação das sanções, motivo pelo qual reagiu em sede de Impugnação Judicial nos autos.
RR - Estamos perante um flagrante caso de incúria ou desatenção da autoridade que condenou a Recorrente, e que se configura numa violação do princípio da defesa e nas garantias da Recorrente.
SS - Visto que nos mencionados processos de contra-ordenação, incluindo o destes autos, a Recorrente foi condenada em € 15.000,00, por cada infracção, a ter sido ordenado o cúmulo jurídico, a coima a aplicar nunca poderia ser superior a € 30.000,00.
TI - Porém, o montante das sanções dos três processos de contra-ordenação ascende a € 35.000,00, quando a ter sido ordenado o cúmulo jurídico, como deveria ter sido, a medida concreta da coima única nunca poderia ser superior a € 30.000,00
UU - Nestes termos, caso se considere que a Recorrente praticou a infracção de que vem acusada, deve a coima em que for condenada ser substituída por uma que não seja mais penalizadora para a Recorrente do que se tivesse sido condenado numa coima única, em cúmulo jurídico nos processos de contra-ordenação o n.º CO/000621/09, nº CO/000858/09 e nº C0003023/10.
W - Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, a Recorrente entende que estamos perante um caso excepcional em que a válvula de segurança de atenuação especial da pena concebida pelo legislador, pode e deve ser accionada.
WW - A culpa da Recorrente, conforme supra exposto, é inexistente, por desconhecimento da ilicitude da conduta, e caso assim não se entenda, sempre se reconhecerá que a culpa é diminuta.
XX - As normas do Decreto-lei 46/2008, de 12 de Março, visam fins preventivos gerais quanto à protecção do bem jurídico meio ambiente, isto é, visam sancionar e desmotivar quem dá origem, a acumulação de resíduos, e potencializar a sua reutilização; o que a Recorrente fez diligenciando pela reutilização de materiais não poluentes e aptos para serem novamente aplicados em obra, e dispondo de uma guia de transporte que atestasse isso mesmo.
YY - No que se refere à situação económica, a Recorrente atravessa um momento delicado, a exemplo da quase totalidade das empresas do seu ramo de actividade, a Recorrente, mercê da crise instalada no país e no mundo, tem vindo a passar por grandes dificuldades.
ZZ - A aplicação da coima irá causar grandes dificuldades à arguida, que a poderá levar a repensar a política de esforço que tem vindo a fazer para manter a totalidade dos 180 postos de trabalho, por a infracção ter sido praticada de forma involuntária e por não ter como pagar.
AAA - Não corresponde à verdade a consideração de que a Recorrente nunca admitiu a respectiva actuação, porque desde o início do processo pauta a sua conduta pela total colaboração com a Justiça, e apresentou sobejamente prova de não ter transportado RCD, apesar de o Tribunal a quo se ter convencido do contrário.
BBB - A Recorrente não retirou qualquer benefício da conduta concretamente sancionada, na medida em que, caso o motorista da Recorrente 'tivesse conhecimento das guias correctas de que se deveria fazer acompanhar, a Recorrente não teria qualquer contrapartida financeira.
CCC - Na primeira sentença proferida, o Tribunal a quo admitiu que são irrelevantes os gastos inerentes à adopção de uma conduta que, eventualmente, não configurasse a prática de contra-ordenação.
DDD - Existem circunstancialismos anteriores, contemporâneos e posteriores ao facto ilícito que devem ser levados em conta para atenuação especial da pena e diminuição da ilicitude do facto.
EEE - Assim, atentos os fins preventivos gerais da norma sancionatória, e as circunstâncias atenuantes expostas, devem ser os limites mínimos e máximos da coima a aplicar ser especialmente atenuados para metade, de acordo com os artigos 72º do Código Penal, por remissão do artigo 32º do Decreto-Lei N.2 433/82 e 18º, nº 3 do mesmo Decreto-Lei N.º 433/82.
FFF - Termos em que violou a douta sentença recorrida as disposições do artigo 18º, n.º 2 da CRP, dos artigos 72º e 77º do Código Penal, do artigo 118º, 120º, 123º, 374º, 379º do CPP, dos artigos 12º e 27º da Lei n2. 50/2006, de 29 de Agosto, DO artigo 6º, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, e dos artigos 18º, n.º 1, 41º, 43º, 51º e 58º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Pelo que revogando a douta sentença recorrida se fará a mais serena Justiça!
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho de fls. 407.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu conforme fls. 410 e 411, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A fundamentação da decisão recorrida – transcrição dos factos dados como provados e como não provados e sua fundamentação (de facto e de direito).
I. Relatório.
Por decisão da Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território proferida no âmbito do processo de contra-ordenação nºCO/003023/10 foi a arguida “B…, S.A., NIPC ……… com sede na …, …, Penafiel condenada pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 12º, nº2 e 18º, nº2, al. h) e nº4 do D.L. nº46/2008, de 12 de Março e da Portaria nº417/2008 de 11 de Junho e art. 22º, nº3, al. b) da Lei nº50/2006 de 20 de Agosto, na coima única de €15.000 (quinze mil euros).
Inconformada com a decisão proferida a arguida impugnou-a judicialmente nos termos do art. 59º e seguintes, do D.L. 433/82, de 27 de Outubro.
Alegou em síntese que a decisão administrativa é nula porquanto não realizou o cúmulo jurídico da coima objecto destes com as coimas dos autos que em sede de defesa indicou e carece de fundamentação de facto de direito; mais invoca desconhecer a necessidade de usar a guia de transporte em falta (posto que se fazia acompanhar de uma guia) por considerar não estar a transportar RCD´s, e estar a efectuar o transporte entre obras da mesma entidade, sendo que a carga pelas suas características podia e devia ser reutilizada, agindo assim sem consciência da ilicitude da sua conduta e sem culpa.
Conclui peticionando o arquivamento dos autos ou caso assim não se entenda a aplicação de admoestação.
Enviados os autos ao Ministério Público pela Autoridade administrativa que proferiu a decisão o mesmo tornou-os presentes ao juiz nos termos do art. 62º, nº1 do referido diploma legal.
Foi proferida sentença que julgou a impugnação improcedente da qual foi interposto recurso, que determinou padecer esta de nulidade porquanto não se debruçou sobre a violação do princípio da proporcionalidade, e sobre a requerida atenuação especial da pena, alegados pela recorrente. Impõe-se proferir assim nova sentença que pronunciando-se sobre as identificadas questões sane os correspondentes vícios.
Da nulidade da decisão administrativa.
A arguida em sede de impugnação defende a nulidade da decisão administrativa porquanto realizou como informada o cúmulo jurídica da coima objecto destes com as coimas dos autos que em sede de defesa indicou, é omissa relativamente ao factos que considera provados e não provados e consequente motivação e não se pronunciou sobre o conhecimento ou desconhecimento pela arguida da ilicitude dos factos.
A decisão proferida pela autoridade administrativa na fase naturalmente administrativa, encontra-se sujeita aos princípios de direito e processo administrativo.
De acordo com o preceituado no art. 268º, nº3 da Constituição da Republica Portuguesa os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. E dispõe por seu turno o art. 125º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição de fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
Em conformidade preceitua o art. 58º do RGCOC que são elementos da decisão condenatória, a descrição dos factos imputados, a indicação das provas obtidas, a indicação das normas puníveis, fundamentação da decisão, coima e sanções acessórias aplicadas.
O Regime Geral da Contra-Ordenações e Coimas não estabelece qualquer regime para a infracção ou inexecução dos actos processuais contra-ordenacionais, impondo-se em consequência fazer apelo ao principio da legalidade e da tipicidade dos seus vícios consagrado no Código de Processo Penal – Cfr. arts. 41º e 43ª do RGCOC.
A violação ou inobservância das leis do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que tal não ocorrer o acto ilegal é irregular – art. 118º, nº1 e 2 do C. P. Penal. Em consequência, a falta ou deficiente motivação de uma sentença ou acórdão dão lugar à respectiva nulidade (art. 379º e 420º, nº4 do C. P. Penal), o mesmo já não ocorrendo no que respeita a qualquer outra decisão judicial afectada por idêntico vício e, por maioria de razão o vício da falta de fundamentação de decisão proferida por autoridade administrativa, a que corresponde a respectiva irregularidade e não nulidade.
Assim sendo, o eventual vício de falta de fundamentação da decisão da autoridade administrativa, a verificar-se corresponderia a uma mera irregularidade que como tal deveria ter sido previamente suscitada perante a autoridade administrativa que a praticou, pelo que não o tendo sido, a existir sempre se teria de considerar sanada – arts. 120, 121º e 123º do C. P. Penal, não constituindo fundamento de recurso – Cfr: neste sentido acórdão da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2011, Proc. 266/10.8TPPRT.P1, nº convencional JTRP000, relatado pelo Juiz Desembargador Joaquim Gomes que se segue de perto.
Termos em que se conclui pela improcedência das pretendidas inexistência e ou declaração de nulidade da decisão administrativa e processo de contraordenação.
Não existem outras nulidades, questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa.
II. Fundamentação.
2.1 -Factos Provados com interesse para a decisão.
1. No dia 13 de Novembro de 2008, pelas 17h15 na …, concelho de Paredes, o veículo pesado de mercadorias, com matricula ..-..-KB, com a galera nº L-……, pertencente à arguida, conduzido por E…, transportava terra, pedaços de betuminoso e cimento.
2. O referido transporte não era acompanhado com a guia de acompanhamento de resíduos modelo A.
3. Os resíduos eram provenientes de obras;
5. A sociedade arguida tem como objecto a fabricação de artigos de granito e rochas; exploração de granitos e de rochas afins; construção e engenharia civil.
6. Em sede de IRC a arguida declarou relativamente ao exercício de 2007 um lucro tributável de €1.987.510,59.
7. Ao transportar os identificados resíduos de construção e demolição nas enunciadas circunstâncias de tempo e lugar a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz e com a diligencia necessária ao cumprimento das obrigações legais.
2.2. Factos não provados com interesse para a decisão:
1. A carga transportada nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da factualidade provada, provinha de obra da arguida que decorria em Gaia e tinha como destino uma obra também da arguida de execução de infraestruturas de fibra óptica e de passeios na Rua … em …;
2. Não continha resíduos tóxicos e/ou nocivos ao ambiente e saúde pública,
3. A terra, restos de tapete betuminoso e o cimento podiam e deviam ser reutilizados em obra que a arguida tivesse em curso.
4. O motorista da arguida preencheu e fez-se acompanhar da guia de transporte nº….., porque os resíduos se destinavam a ser reutilizados e assim entendeu que não era necessário o preenchimento das guias em falta.
2.3 – Motivação de facto.
A convicção do Tribunal alicerçou-se quanto à factualidade provada no depoimento da testemunha G…, à altura a prestar funções no EPNA, destacamento territorial de Penafiel o qual de modo seguro e objectivo confirmou o auto de notícia, e revelou perentoriamente que caso a carga constituísse apenas terá não teria naturalmente levantado qualquer auto.
As características da carga transportada revelam-se reproduzidas nas fotografias de fls. 11 e 12, características essas aliás confirmadas pela impugnação deduzida pela arguida.
O objecto da sociedade arguida consta da certidão comercial junta a fls. 92 e ss. E o lucro tributável e respeitante ao ano de 2007 da declaração de IRC, de fls. 102 e ss., o que aliás aquela não questiona.
No que concerne à actuação da arguida sem o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, no âmbito da circulação sem a necessária guia de resíduos (negligentemente e não dolosamente como certamente por lapso refere a impugnação deduzida), apresenta-se esta manifesta quando é certo que a arguida é uma sociedade anónima, necessariamente organizada e dotada, à mesma se impunha e impõe reunir-se de todas as informações pertinentes ao exercício da sua actividade de forma a actuar de acordo com a exigências legais, o que por maioria de razão se aplica ao transporte dos resíduos em causa.
No que respeita à factualidade não provada, a mesma não redundou provada dado que a prova produzida nos termos supra enunciados manifestamente a contrariou.
Quanto ao alegado transporte de materiais para reutilização, esta apresenta-se pouco ou nada consentânea com as respectivas características, quando é certo que nenhuma triagem tinha sido levada a efeito como legalmente se impunha no local em que foram recolhidos, não se apresentando despicienda a menção a este nível vaga e pouco assertiva em sede do requerimento de recurso, o qual é omisso quanto à concreta forma como iria ser efectuada.
Os depoimentos a este nível prestados pelas testemunhas H… (funcionário da arguida) e E… (motorista então e à data da arguida), face à evidência da prova produzida e que sustenta a factualidade provada, revelaram-se em rigor inócuos, para além de parciais e comprometidos.
Por outro lado, ponderado o local em que a viatura que transportava os indicados resíduos foi fiscalizada e a freguesia de …, para onde alegadamente estes iriam para ser novamente utilizados, de onde se extrai ser o percurso pouco utilizado, pouco ou nada conveniente para o efeito, mais inverosímil se apresenta a versão aventada.
Acresce que o documento de fls. 28 junto em sede de defesa na fase administrativa é insuficiente sequer para sustentar a prova da sua proveniência, ainda que tal se apresente irrelevante atentas as características da carga transportada.
2.4 – Motivação de direito.
Vem a arguida acusada da prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts 12º, nº2 e 18º, nº2, al. h) e nº4 do D.L. nº46/2008 de 12 de Março e Portaria nº417/2008 de 11 de Junho, a que corresponde coima de 15.000€ a 30.000,00€ (cfr. art. 23º, nº2, al. b) da Lei nº50/2006 de 29 de Agosto).
Como se salienta no preâmbulo do D.L. nº46/2008 o sector da construção civil é responsável por uma parte muito significativa dos resíduos produzidos em Portugal. Para além das quantidades muito significativas que lhe estão associadas, os resíduos de construção e demolição (RCD) apresentam particularidades que dificultam a sua gestão, das quais se destacam a sua constituição heterogénea com fracções de dimensões variadas e os diferentes níveis de perigosidade de que são constituídos.
A actividade da construção civil apresenta algumas especificidades, tal como o carácter geograficamente disperso e temporário das obras, que dificultam o controlo e a fiscalização do desempenho ambiental das empresas do sector. A difícil quantificação, a deposição não controlada e o recurso a sistemas apoiados em tratamentos de fim de linha, constituem constrangimentos inerentes às características dos resíduos e do sector em causa. Estas práticas, conducentes a situações ambientalmente indesejáveis e incompatíveis com os objectivos nacionais e comunitários em matéria de desempenho ambiental, exigiram a preparação de legislação específica para o fluxo dos RCD. Neste enquadramento, o Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, estabelece o regime das operações de gestão de RCD, compreendendo a sua prevenção e reutilização e as suas operações de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação. O principal objectivo do diploma assenta na criação de condições legais para a correcta gestão dos RCD que privilegiem a prevenção da produção e da perigosidade, o recurso à triagem na origem, à reciclagem e a outras formas de valorização, diminuindo-se desta forma a utilização de recursos naturais e minimizando o recurso à deposição em aterro, o que subsidiariamente conduz a um aumento do tempo de vida útil.
Por sua vez a Portaria nº417/2008, veio definir a criação de guias específicas para o transporte de RCD uma vez que o regime anterior e exclusivamente contido na Portaria nº335/97, se revelava relativamente àqueles desajustado.
Nos termos do art.12º, nº 2 do supra citado Decreto - Lei, o transporte de RCD é acompanhado de uma guia cujo modelo é definido por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
Dispõe por seu turno o art. 18º nº2, al. h) do mesmo diploma que constitui contra-ordenação ambiental grave o incumprimento das regras de transporte de RCD a que se refere o art. 12º.
A Portaria nº417/2008, de 11 de Junho de 2008 define a guia específica para o transporte de resíduos de construção e demolição (cfr. arts. 1º a 6º e anexo I).
Ora sendo certo que a arguida nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar levava a efeito o transporte de RCD sem estar munida da competente e específica guias para o efeito e que ao fazê-lo actuou sem a necessária diligência e cuidado que lhe eram exigidos e de que era capaz, (nº4 do citado art. 18º) não se mostrando verificada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, não restam dúvidas de que a arguida praticou a contra-ordenação pela qual foi condenada.
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Nos termos do artigo 20°, nº I da Lei n° 50/2006 de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais), a determinação da medida da coima faz-se (tal como preconiza também o art. 18º do D.L. 433/82, de 27 de Outubro - Regime Geral das Contraordenações - na redacção dada pelo D.L. 244/95, de 14 de Setembro), a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou pela prática da contra-ordenação.
No que respeita à gravidade das contra-ordenações em apreço, a falta de guia não assume um cariz meramente administrativo, tendo como função dotar a administração de informação que permita controlar as actividades susceptíveis de colocar o ambiente em perigo, pelo que não pode deixar de ter-se tal omissão por grave.
Acresce que a arguida actuou negligentemente.
Por outro lado, e no que respeita ao benefício económico retirado este foi pelo menos (tal como salienta a decisão impugnada) o correspondente ao proveito económico que não ocorreria no património da arguida se esta tivesse adoptado a conduta que o ordenamento lhe impunha e levasse a efeito os correspondentes e inerentes gastos, ainda que in casu estes sejam em rigor irrelevantes. Não se olvidando que a sociedade arguida é uma sociedade anónima.
Da invocada violação do principio da proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a coima concretamente aplicada.
Defende a arguida que a coima aplicada é excessiva. Na determinação da medida da coima, deve ser observado o preceituado no art. 18º do RGCOC.
Dispõe o nº1 da citada disposição legal (conforme já supra exposto) que, a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
No mesmo sentido o art. 20º da lei nº 50/2006 de 29-08 RCOA, específica para a determinação das sanções nas contra-ordenações ambientais. Aí se refere que, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto. Sendo, ainda, tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.
A coima foi no caso em apreço aplicada pelo mínimo legal. Suscita assim a arguida, a inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da proporcionalidade. Como já se referiu, o mínimo da coima é de 15.000,00€ para o cometimento a título negligente da infracção em apreço Sendo a arguida pessoa colectiva). Impõe-se efectivamente existir proporcionalidade entre a multa aplicada e o dano causado, ou o benefício daquele retirado. No caso, nem um nem outro se apuraram, em concreto (apenas se impondo concluir como fez a decisão impugnada que quanto ao beneficio este consistiu no proveito económico que não ocorreria no património da arguida se esta tivesse adoptado a conduta imposta pelo ordenamento jurídico). Na verdade, qualquer sanção só cumpre eficazmente as suas finalidades de orientação de condutas e de eliminação de infracções, quando há proporcionalidade entre a gravidade do facto e a sanção – cfr. neste sentido, Oliveira Mendes e Santos Cabral in RGCOC, anotação ao art. 18. E sobre esta matéria directamente se pronunciou recentemente o legislador. A Lei 50/2006, na versão original, previa, para a situação em análise a coima de 25.000,00€ a 34.000,00€. A redacção actual resultante da alteração operada pela lei 89/2009 de 31/08 prevê a coima de 20.000,00€ a 30.000,00€. O legislador apercebendo-se de que haveria algum exagero, baixou a coima ao limite que entendeu correcto para a gravidade da infracção, entendendo que assim haveria proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a sanção, no entanto nenhuma explicação é dada em preâmbulo para tal redução.
Há que ponderar que as contra-ordenações ambientais têm diferentes categorias e classificações variando entre infracção leve a muito grave, sendo que a cometida pela aqui arguida se enquadra nas classificadas de graves. O regime geral das contra-ordenações ambientais no art. 21º refere que para a determinação da coima aplicável é tido em conta a relevância dos direitos e interesses violados e por isso, as contra-ordenações classificam-se em leves, graves e muito graves. Uma infracção ambiental leve tem como mínimo uma coima de 3000,00€, a grave 15.000,00€ e a muito grave 38.500,00€, para as pessoas colectivas e quando cometidas a titulo de negligência – art. 22º nºs 2, 3 e 4 do RCOA. E, nos termos do art. 22º, a cada escalão classificativo de gravidade das contra-ordenações ambientais corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou colectiva e em função do grau de culpa.
O montante mínimo da sanção ao caso aplicável assenta no facto de se tratar de infracção grave e, sendo infracção grave tem a sanção de ser adequada. E esta tem sido a interpretação do Tribunal Constitucional, nomeadamente no acórdão n.º 132/2011, de 3 de Março, no qual se decidiu: “Não julgar inconstitucional, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, a norma extraída da conjugação dos artigos 2.º, n.° 1, 3.°, n.° 1, alínea b), n.° 4 e 9.°, n.º 1, alínea a) e n.° 3, todos do Decreto-Lei n.° 156/05, de 15 de Setembro, no sentido de sancionar, com a coima mínima de € 15.000,00, as pessoas colectivas fornecedoras de bens e prestações de serviços, que recusam facultar, imediata e gratuitamente, o livro de reclamações aos utentes, sempre que por estes tal lhe seja solicitado, quando tal recusa se mantém mesmo após intervenção da autoridade policial”. O TC tem assim entendido, que “a fixação da dosimetria sancionatória, designadamente, em sede contra-ordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 574/95,)”. Tal asserção é sobretudo significativa no domínio do ilícito de mera ordenação social, porquanto – pode ler-se no mesmo aresto – “as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais – para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social”. Não sendo de descurar a concorrência e regulação económica.
Na linha da jurisprudência consolidada no TC, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)” – Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Abril de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Jorge Dias que se segue de perto.
No caso em apreço a própria legislação aplicável classifica a contra-ordenação praticada pela arguida de grave e determina a aplicação de coima condizente. E não é para menos já que reitera-se, a falta de controle dos resíduos, designadamente de construção e demolição, inviabiliza o subsequente controle do seu destino e em última instância o seu depósito desregulado e ambientalmente nocivo (o que impõe coima adequada sob pena de a prevaricação ser compensadora).
Assim que entendo inexistir violação de quaisquer preceitos constitucionais, nomeadamente a violação da norma que consagra o princípio da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13.º e 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, na fixação do caso em apreço da coima aplicada pelo mínimo legal.
Da atenuação especial da coima
A lei 50/2006 de 29 de Agosto ponderou expressamente situações de atenuação especial como sendo a de erro sobre a ilicitude, tentativa, cumplicidade, não prevendo expressamente, com carácter de generalidade, uma cláusula geral de atenuação especial da punição ope judicis (de modo similar ao art. 72º do C.Penal). Todavia logo no n.º 2 o legislador remeteu a título subsidiário para o regime geral das contra-ordenações e este, por seu turno remete a título subsidiário para o C.Penal (art.º32).
Quanto à atenuação especial da pena dispõe o art. 72.º do C. Penal que o Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.º 1), enumerando o n.º 2 diversas dessas circunstâncias.
Conforme ensina a doutrina, o legislador sabe estatuir, à partida, as molduras penais atinentes a cada tipo de factos que existem na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos pode assumir. Porém, entende, ainda, a mesma doutrina, que o sistema só pode funcionar de forma justa e eficaz se contiver válvulas de segurança, vendo estas como circunstâncias modificativas. Por isso, quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. Resumindo a tendência dominante na nossa jurisprudência, que segue a par a mencionada doutrina, podemos afirmar que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. Conforme se acentua, na linha do que vem de ser exposto, no Acórdão de 17/10/02, do S.T.J., Processo n.º 3210/02, da 5.ª Secção (Relator: Sr. Juiz Conselheiro Pereira Madeira): «Como instituto, a atenuação especial da pena surgiu em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. Surgiu da necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais - quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva - a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa».
Posto isto, pode a consideração global da conduta da arguida, à luz do que vem de ser dito, preencher circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apresentando-se com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura abstracta da coima?
A resposta só pode ser negativa.
Desde logo como resulta da fundamentação de facto não resultaram provados a este nível quaisquer dos factos alegados, designadamente, que a carga transportada provinha de obra da arguida que decorria em Gaia e tinha como destino uma obra também da arguida de execução de infraestruturas de fibra óptica e de passeios na Rua … em …; não continha resíduos tóxicos e/ou nocivos ao ambiente e saúde pública, que a terra, restos de tapete betuminoso e o cimento podiam e deviam ser reutilizados em obra que a arguida tivesse em curso, que o motorista da arguida preencheu e fez-se acompanhar da guia de transporte nº….., porque os resíduos se destinavam a ser reutilizados e assim entendeu que não era necessário o preenchimento das guias em falta.
A arguida é uma sociedade anónima com largos anos de constituição, necessariamente mais preparada para se habilitar com toda a informação necessária ao exercício da sua actividade, não resultando da sua conduta provada qualquer factualidade susceptível de diminuir a sua culpa.
Por outro lado, pese embora a alegada, aliás de forma vaga, fragilidade económica, esta redunda contrariada pelo facto, provado, de que obteve no exercício de 2007 um lucro tributável de €1.987.510,59.
Acresce que a infracção em apreço não se traduziu na preterição de um mero formalismo. A guia apresentada em sede de defesa como resulta da motivação de facto constitui no fundo um “papel” e este como afirma UMBERTO ECO, Cemitério de Praga, Edição Gradiva, “aceita tudo o que se lhe escreve”. Já tal não ocorre com a guia de RCD em falta que implica a sua comunicação para efectivo controle.
Por fim importa salientar a própria conduta da arguida em sede de impugnação que nunca admitiu a respectiva actuação, pretendendo escamotear até a evidência da prova (designadamente as fotografias) no que respeita ao transporte de RCD´s.
Perante tal quadro a moldura abstracta prevista é manifestamente adequada e o efeito preventivo que o caso requer só pode ser alcançado com a coima aplicada. Da aplicabilidade de uma pena de admoestação.
Nos termos do disposto no art. 51º, nº1 do D.L. 433/82 de 27 de Outubro quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Trata-se de uma alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito criminal e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples, ou seja, quando quer a gravidade do ilícito quer a culpa sejam reduzidos – cfr: PAULO PINTO de ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, p. 222 e ss. e SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2011, p. 394.
In casu, apesar da actuação da arguida com mera culpa, basta ponderar o supra exposto, para afastar a reduzida gravidade da conduta ou concluir pela existência de culpa ou ilicitude diminutas a justificar a aplicação de simples admoestação, porquanto não estão de todo verificados os pressupostos a que alude a enunciada disposição legal.
Pelo que insistindo violação do principio da proporcionalidade, fundamento para a sua atenuação especial, ou substituição por mera admoestação e considerando que a coima aplicada o foi pelo mínimo legal, é por de mais manifesto que se apresenta justa e adequada impondo-se, em consequência, mantê-la.
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Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada]. [Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95].
Além disso, há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro - RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações), salvo verificação de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal (sabemos que só o processamento e julgamento conjunto de crimes e contra-ordenações, previsto no art. 78º do RGCO, permite o conhecimento pela 2.ª instância, em sede de recurso, da matéria de facto).
Assim, balizados pelos termos das conclusões, diga-se aqui que são só as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls. 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.
Pelo que, face às conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
- Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada e não provada;
- Violação do princípio da proporcionalidade;
- Substituição da sanção por uma mera admoestação ou, caso assim se não entenda, deve haver lugar à atenuação especial da coima.
Comecemos por analisar e decidir a primeira das questões suscitadas e que contende com a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia.
Argumenta a recorrente que “O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o cúmulo jurídico, imposição legal, que a recorrente invocou em sede de impugnação, e que requereu em sede de defesa”.
Vejamos.
Sobre os requisitos da sentença dispõe o artigo 374.º do Código de Processo Penal: «1 – A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou a pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.3 – A sentença termina pelo dispositivo que contém: a) As disposições legais aplicáveis; b) A decisão condenatória ou absolutória; c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime; d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal; e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal. 4 – A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.»
Quer dizer, o n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, que transcrevemos, trata da fundamentação da sentença, que aí aparece estruturada em três partes: enumeração dos factos provados e não provados, exposição completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão e indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
As nulidades da sentença, que devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, estão enunciadas no artigo 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que dispõe que «1 – É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º, ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.»
Tecidas estas considerações cumpre reverter para a sentença recorrida.
Comecemos por referir que a decisão administrativa se pronunciou acerca dos alegados processos n.º CO/000621/09 e n.º CO/000858/09 (e eventual e alegado cúmulo jurídico das coimas), referindo que tais “processos foram apensados tendo já sido efectuada a respectiva decisão administrativa”.
Por sua vez, a decisão recorrida também se pronunciou e tratou tal questão, concluindo que a eventual/invocada nulidade da decisão administrativa (porquanto não realizou o cúmulo jurídico da coima objecto destes com as coimas dos autos que em sede de defesa indicou) “a verificar-se corresponderia a uma mera irregularidade que como tal deveria ter sido previamente suscitada perante a autoridade administrativa que a praticou, pelo que não o tendo sido, a existir sempre se teria de considerar sanada – arts. 120, 121º e 123º do C. P. Penal, não constituindo fundamento de recurso” (cfr. fls. 2 e 3 da sentença recorrida).
Por outro lado, o que a recorrente invocou, em sede de impugnação, foi a nulidade da decisão (administrativa) recorrida, por não ter ordenado o cúmulo jurídico das coimas, em violação do artigo 77º do Código Penal, questão que, conforme já referimos, foi tratada na sentença proferida pelo tribunal a quo.
Assim, ao contrário do que defende a recorrente não se verifica qualquer omissão de pronúncia, mormente quanto à questão do cúmulo jurídico.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
Passemos à análise da segunda questão suscitada e que tem a ver com a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada e não provada.
A recorrente nos nºs 6 a 41 da motivação do recurso, e nas alíneas D) a U) das respectivas conclusões, invoca o erro de julgamento da matéria de facto (provada e não provada) constante da sentença recorrida, que em seu entender se provou e não se provou, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal a quo.
No caso concreto que ora se analisa, já aqui o deixámos escrito, o recurso é restrito à matéria de direito, nos termos do artigo 75º do RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações).
Nesta parte, não há dúvida que a arguida recorre unicamente da matéria de facto, o que não é permitido pelo artigo 75º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Decreto-Lei nº 433/82, de 27.10, alterado pelos Decretos-Lei nº 244/95, de 14.09 e nº 323/2001, de 17.12), que limita expressamente os poderes de cognição deste Tribunal de segunda instância a matéria de direito.
Quer dizer, no que tange aos recursos de decisões relativas a processos por contra-ordenações e, conforme resulta do estabelecido nos artigos 66º e 75º, nº 1, do RGCO), a 2ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o poder de cognição deste tribunal limitado à matéria de direito, funcionando o Tribunal da Relação como tribunal de revista ampliada, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410º, do Código de Processo Penal, por força do consignado nos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4, do RGCO, posto que as normas reguladoras do processo criminal constituem direito subsidiário do contra-ordenacional – neste sentido, Ac. R. de Coimbra de 16/01/08, Proc. nº 1281/06.1TBCNT.C1, www.dgsi.pt.
Efetivamente, de harmonia com o disposto no artigo 410º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 74.º, n.º 4 do mesmo RGCO, “sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, razão pela qual poderá este Tribunal conhecer oficiosamente os vícios enumerados nas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410º, mas tão só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
De facto, tem-se entendido que neste tipo de processo é admissível a revista alargada (da matéria de facto) decorrente da aplicação do regime do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Assim, e uma vez que do texto da decisão recorrida não se evidencia qualquer vícios dos enumerados nas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410º, está pois legalmente vedada à recorrente a sindicância da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, pelo que é manifesto que o recurso naufraga também nesta vertente.
Aqui chegados, passamos a analisar a questão relacionada com a invocada violação do princípio da proporcionalidade.
Defende a recorrente que “A coima que concretamente foi aplicada à Recorrente é manifestamente desproporcional à infracção concretamente cometida, em violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18º, n.º 2 da CRP”.
Vejamos.
De acordo com o princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa), a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
A título preliminar, deve notar-se que o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contra-ordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efectivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contra-ordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero / Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563).
Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo.
A título de exemplo, através do Acórdão n.º 574/95 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) – e ainda que tenha, naquela situação, afastado a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 16 do artigo 670º do Código dos Valores Mobiliários) – o Tribunal Constitucional expressou o seguinte entendimento:
“Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social.”
Na linha da jurisprudência consolidada pelo Tribunal Constitucional, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver os referidos Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), entende o mesmo Tribunal que deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)”.
Dispõe o nº1 do artigo 18º do RGCO que, a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
No mesmo sentido o art. 20º da Lei nº 50/2006 de 29-08 (LQCA), específica para a determinação das sanções nas contra-ordenações ambientais. Aí se refere que, a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto. Sendo, ainda, tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.
No caso em apreço, a coima foi aplicada pelo mínimo legal: o mínimo da coima é de 15.000,00€ para o cometimento a título negligente da infracção em causa, sendo a arguida pessoa colectiva (cfr. art. 23º, nº 2, alínea b) da Lei nº 50/2006 de 29.08).
E como se refere na sentença recorrida:
“Impõe-se efectivamente existir proporcionalidade entre a multa aplicada e o dano causado, ou o benefício daquele retirado. No caso, nem um nem outro se apuraram, em concreto (apenas se impondo concluir como fez a decisão impugnada que quanto ao beneficio este consistiu no proveito económico que não ocorreria no património da arguida se esta tivesse adoptado a conduta imposta pelo ordenamento jurídico). Na verdade, qualquer sanção só cumpre eficazmente as suas finalidades de orientação de condutas e de eliminação de infracções, quando há proporcionalidade entre a gravidade do facto e a sanção – cfr. neste sentido, Oliveira Mendes e Santos Cabral in RGCOC, anotação ao art. 18.”
A Lei nº 50/2006, na versão original, previa, para a situação em análise, a coima de 25.000,00€ a 34.000,00€. A redacção actual resultante da alteração operada pela lei 89/2009 de 31/08 prevê a coima de 20.000,00€ a 30.000,00€. O legislador apercebendo-se de que haveria algum exagero, baixou a coima ao limite que entendeu correcto para a gravidade da infracção, entendendo que assim haveria proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a sanção.
Há que ponderar que as contra-ordenações ambientais têm diferentes categorias e classificações variando entre infracção leve a muito grave, sendo que a cometida pela aqui arguida se enquadra nas classificadas de graves.
O regime geral das contra-ordenações ambientais no art. 21º refere que para a determinação da coima aplicável é tido em conta a relevância dos direitos e interesses violados e por isso, as contra-ordenações classificam-se em leves, graves e muito graves.
Uma infracção ambiental leve tem como mínimo uma coima de 3.000,00€, a grave 15.000,00€ e a muito grave 38.500,00€, para as pessoas colectivas e quando cometidas a titulo de negligência – art. 22º nºs 2, 3 e 4 do RCOA.
E, nos termos do art. 22º, a cada escalão classificativo de gravidade das contra-ordenações ambientais corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou colectiva e em função do grau de culpa.
O montante mínimo da sanção ao caso aplicável assenta no facto de se tratar de infracção grave e, sendo infracção grave tem a sanção de ser adequada (vd. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 132/2011, de 3 de Março, tal como os acima já citados, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
No caso em apreço, conforme já dissemos, a própria legislação aplicável classifica a contra-ordenação praticada pela arguida de grave e determina a aplicação de coima justa e adequada. O que se mostra correcto pois perante a falta de controlo dos resíduos, designadamente de construção e demolição, inviabiliza o subsequente controle do seu destino e em última instância o seu depósito desregulado e ambientalmente nocivo (o que impõe coima adequada sob pena de a prevaricação ser compensadora).
Assim, em consonância com a jurisprudência citada e atentas as considerações expostas, entendemos, tal como o tribunal a quo, inexistir violação de quaisquer preceitos constitucionais, nomeadamente do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, na fixação do caso em apreço da coima aplicada pelo mínimo legal.
Pelo que, consequentemente improcede, igualmente, este fundamento do recurso.
Passamos a analisar a questão atinente à propugnada substituição da sanção por uma mera admoestação e ainda, caso assim se não entenda, analisar se deve haver lugar à pretendida atenuação especial da coima.
Vejamos.
Estabelece o artigo 51º, n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO), que quando a reduzida gravidade da infracção e a culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
Assim, a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente.
Algumas dúvidas surgiram na doutrina quanto à natureza da admoestação estabelecida neste normativo, nomeadamente se se trata de uma «sanção de substituição» aproximativa à «dispensa da pena», entendendo-a como o equivalente à “dispensa de coima” (Santos Cabral e Oliveira Mendes, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Coimbra Editora, 2009, p. 174), como uma sanção autónoma de substituição da coima (António Beça Pereira, Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, 8ª edição Coimbra, 2009, pp. 27 e 129) ou antes como um «acto preparatório do arquivamento dos autos ditado pelos princípios da oportunidade e da proporcionalidade e não recorrível» (Frederico Lacerda da Costa Pinto, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano VII, fasc. 1 p. 92).
Pese embora o pouco esclarecedor quadro normativo que envolve a «admoestação» no domínio do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Decreto Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro) entendemos que o modo como o legislador estabeleceu o regime da admoestação não pode deixar de ser visto ainda como uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) e por isso passível de ser aplicada nesta fase processual, desde que verificados os seus pressupostos.
Resulta serem requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação a reduzida gravidade da contra-ordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.
Certo é que a gravidade da contra-ordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado.
A gravidade da contra-ordenação pode ainda depender ou aferir-se a partir directamente da lei. É o caso das contra-ordenações estradais em que o legislador as qualifica em função da sua gravidade como simples, graves e muito graves.
Também em sede de contra-ordenações ambientais, a lei as qualifica, nos termos referidos, como leves, graves e muito graves.
Quanto à gravidade da culpa do agente ela depende, fundamentalmente, da forma como o mesmo agiu, isto é, com dolo ou negligência, bem como do grau de dolo – directo, necessário e eventual – e da negligência – simples ou grosseira.
Esclarecem os Drs. Simas Santos e Lopes de Sousa, R.G.C.O. an. 2002, pág. 316 e seguintes que: Nos termos deste artigo, nos casos de reduzida gravidade da contra-ordenação, a autoridade administrativa pode proferir uma admoestação em vez da coima e sanções acessórias abstractamente aplicáveis às contra-ordenações, se a culpa do agente o justificar. Esta possibilidade de proferir admoestação está, assim, reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias...Por outro lado, se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples...Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação deverá ser afastada nos casos em que o agente retirou um benefício económico da prática da contra-ordenação.
A admoestação encontra-se reservada para contra-ordenações leves ou simples (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do R.G.C.O. à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., 2011, p. 223 e Simas Santos, Lopes de Sousa, R.G.C.O. an. 2002, p. 316).
Tecidas estas considerações, atentemos no caso em apreço.
Revertendo para a sentença em crise, citemos um trecho, com o qual concordamos: “Nos termos do disposto no art. 51º, nº1 do D.L. 433/82 de 27 de Outubro quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Trata-se de uma alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito criminal e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples, ou seja, quando quer a gravidade do ilícito quer a culpa sejam reduzidos – cfr: PAULO PINTO de ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, p. 222 e ss. e SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2011, p. 394.
In casu, apesar da actuação da arguida com mera culpa, basta ponderar o supra exposto, para afastar a reduzida gravidade da conduta ou concluir pela existência de culpa ou ilicitude diminutas a justificar a aplicação de simples admoestação, porquanto não estão de todo verificados os pressupostos a que alude a enunciada disposição legal.”
Efectivamente, conforme já referimos, a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente e, no caso em apreço, a infracção cometida pelo recorrente é qualificada como grave, o que exclui a possibilidade de aplicação da admoestação nos presentes autos (neste sentido, entre outros, o Ac. da Relação de Évora de 11-9-2012, proc. nº 29/12.6TBARL.E1 e o acórdão da Relação de Coimbra, proc. nº 60/13.4TBLD.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Avancemos.
O artigo 18.º, n.º3. do RGCO preceitua que “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”.
Cotejando a LQCA (Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto) verificamos que o legislador ponderou expressamente situações de atenuação especial como sendo a de erro sobre a ilicitude, tentativa, cumplicidade, não prevendo expressamente, com carácter de generalidade, uma cláusula geral de atenuação especial da punição ope judicis (de modo similar ao art. 72º do Código Penal) podendo incutir a ideia de que pretendeu afastar-se do regime penal, designadamente do disposto no art.º 72º.
No entanto, no n.º 2 o legislador remeteu a título subsidiário para o regime geral das contra-ordenações e este, por seu turno remete a título subsidiário para o Código Penal (art.º32).
Assim, não se vê razão para que, nas contra-ordenações ambientais tal regime não seja aplicável.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, bem se compreende que o Código Penal constitua direito subsidiário relativamente ao direito substantivo das contra-ordenações considerando que o direito das contra-ordenações se não é direito penal é, em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo, o que abrange a generalidade da matéria relativa à punição, que encontra na parte geral do Código Penal a sua sede. Por outro lado porque, como continua o autor, a parte substantiva do Dec-lei 433/82, dado o referido preceito de aplicação subsidiária do Código Penal, contém várias normas que em rigor se poderão dizer desnecessárias; o que é decerto consequência de o Dec-lei 433/82 ser apenas uma versão reformulada e alargada do Dec-lei nº 232/79 e de a publicação deste ter antecedido de três anos a do novo Código Penal (O Movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Vol I, Coimbra Editora-1998, p. 28).
Consideramos, pois, ser aplicável em processo contra-ordenacional o artigo 72.º, do Código Penal – ver, neste sentido, Acórdão do TRE, de 17/9/2009, Processo n.º 693/08.0TBPTG.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador António Latas, e Acórdão do TRC, de 5/12/2012, Processo n.º 598/12.0TBTMR.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Quanto à atenuação especial da pena dispõe o art. 72.º do Código Penal que o Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.º 1), enumerando o n.º 2 diversas dessas circunstâncias.
De acordo com a doutrina, o legislador sabe estatuir, em princípio, as molduras penais atinentes a cada tipo de factos que existem na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos pode assumir.
No entanto, entende que, o sistema só pode funcionar de forma justa e eficaz se contiver válvulas de segurança. Por isso, quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.
A jurisprudência dominante, que segue a par a mencionada doutrina, entende que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. Conforme se acentua, na linha do que vem de ser exposto, no Acórdão de 17/10/02, do S.T.J., Processo n.º 3210/02, da 5.ª Secção (Relator: Conselheiro Pereira Madeira): «Como instituto, a atenuação especial da pena surgiu em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. Surgiu da necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais - quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva - a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa».
Há que ver, então, se se justifica, no caso concreto, a atenuação especial da coima.
Há pois que atender à consideração global da conduta do arguido, de modo a analisar se ocorrem circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apresentando-se com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura abstracta da coima.
E revertendo, uma vez mais, para a sentença recorrida dela consta:
“Desde logo como resulta da fundamentação de facto não resultaram provados a este nível quaisquer dos factos alegados, designadamente, que a carga transportada provinha de obra da arguida que decorria em Gaia e tinha como destino uma obra também da arguida de execução de infraestruturas de fibra óptica e de passeios na Rua … em …; não continha resíduos tóxicos e/ou nocivos ao ambiente e saúde pública, que a terra, restos de tapete betuminoso e o cimento podiam e deviam ser reutilizados em obra que a arguida tivesse em curso, que o motorista da arguida preencheu e fez-se acompanhar da guia de transporte nº….., porque os resíduos se destinavam a ser reutilizados e assim entendeu que não era necessário o preenchimento das guias em falta.
(…)
Por outro lado, pese embora a alegada, aliás de forma vaga, fragilidade económica, esta redunda contrariada pelo facto, provado, de que obteve no exercício de 2007 um lucro tributável de €1.987.510,59.
Acresce que a infracção em apreço não se traduziu na preterição de um mero formalismo. A guia apresentada em sede de defesa como resulta da motivação de facto constitui no fundo um “papel” e este como afirma UMBERTO ECO, Cemitério de Praga, Edição Gradiva, “aceita tudo o que se lhe escreve”. Já tal não ocorre com a guia de RCD em falta que implica a sua comunicação para efectivo controle.
(…)
Perante tal quadro a moldura abstracta prevista é manifestamente adequada e o efeito preventivo que o caso requer só pode ser alcançado com a coima aplicada.
Concordamos que, não obstante a negligência da conduta da recorrente, da análise da matéria de facto considerada provada consideramos não existirem elementos que permitem o recurso a tal medida.
Estamos na presença de uma infracção qualificada como grave, como já vimos, gravidade que não se pode escamotear, pois a falta de guia não assume um cariz meramente administrativo, tendo como função dotar a administração de informação que permita controlar as actividades susceptíveis de colocar o ambiente em perigo. E, perante a factualidade provada e não provada despicienda se torna a argumentação da recorrente no sentido de que a carga transportada não se tratava de RCD e se destinava a ser reutilizada em obra e, por isso, o motorista da arguida não se fez acompanhar de outra guia, para além de que aquele se encontrava munido de guias descritivas do material transportado, continuando a recorrente a defender que tal guia era suficiente para dar cumprimento às demais disposições legais.
Ora, tal argumentação não se estriba na factualidade provada constante da sentença em crise (antes na factualidade considerada como não provada, tratando-se como se estivesse provada), na matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada e, que conforme o já exposto, se considera definitivamente fixada.
O mesmo acontecendo quanto à argumentação atinente à realização do cúmulo jurídico.
E temos de convir que, atento o objecto social da sociedade arguida, uma conduta conforme à legalidade, nomeadamente quanto ao cumprimento das normas legais em causa, se revela fundamental.
Assim, perante o referido quadro fáctico apurado, sem escamotear que a aplicação do instituto da atenuação especial só funciona em casos excepcionais, entendemos que a moldura abstracta prevista é manifestamente adequada e o efeito preventivo que o caso requer só pode ser alcançado com a coima aplicada, não sendo caso de aplicação do referido instituto.
Pelo que, bem andou o tribunal a quo ao decidir não atenuar especialmente a coima aplicada.
Improcede, pois, na totalidade, o recurso.
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B…, S.A. confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.
***
Porto, 17 de Setembro de 2014
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva