ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
SUBSÍDIO
Sumário

I - O Acórdão do STJ nº 10/2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»,
II - A irreconvertibilidade no posto de trabalho é a consequência ou corolário inevitável da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), não existindo incompatibilidade entre esta e a atribuição do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI.
III - Em caso de IPATH o subsídio de elevada incapacidade previsto no art. 23º da Lei 100/97, de 13.09 é devido por inteiro, sem ponderação do coeficiente de desvalorização de IPP [para o exercício de outra profissão].

Texto Integral

Procº nº 320/09.9TTOAZ.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. 765)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. João Nunes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Na presente ação emergente de acidente de trabalho, instaurada aos 21.04.2009 (data da entrada em juízo da participação do acidente), em que é A., B…, com mandatário judicial constituído, e Ré, C… – Companhia de Seguros SA, realizado exame médico singular e tentativa de conciliação, veio esta a frustrar-se por A. e Ré terem discordado do resultado de tal exame e, bem assim, por esta não ter aceite proceder às adaptações automóveis referidas no relatório de avaliação de fls. 138/139.

Veio, então, o A. apresentar petição inicial alegando, em síntese, ter sido vítima de um acidente de trabalho ocorrido aos 18.04.2009, de que resultaram lesões determinantes de IPATH com uma IPP de 37,49%, a qual, ao contrário do entendido no exame médico singular, deverá ser bonificada com o fator 1,5 previsto na instrução 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI. Tais lesões determinam, ainda, a necessidade das ajudas técnicas que reclama, peticionando ainda o pagamento, para além da correspondente pensão anual e vitalícia, no montante de €6.722,56, e do fornecimento de tais ajudas, de subsídio de elevada incapacidade no valor de €5.112,00, pensão suplementar mensal de €426,00, despesas de transporte e juros de mora.

Citada, a Ré Seguradora apresentou contestação, alegando que o A. se encontrada afetado de IPATH, mas com uma IPP de 30%, não aceitando também a aplicação do fator de bonificação de 1,5.
Requereu a realização de exame por junta médica.

Nos termos dos despachos de fls.212/213 e 220, a Mmª Juíza, procedendo à “adaptação do processado” face às únicas questões em litígio nos autos, dispensou a seleção da matéria de facto, determinando a realização de exame por junta médica no âmbito dos autos, sem necessidade de abertura de apenso para fixação da incapacidade.

Realizados os exames por junta médica de fls. 226 a 228 (da especialidade de neurocirurgia), de fls. 229 a 231 (da especialidade de psiquiatria) e, ainda, o de fls. 237 a 239, veio a Ré Seguradora, fls. 244/245, requerer que os Srs. Peritos médicos esclarecessem se o A. pode ser reconvertido noutra profissão e se a atribuição da IPATH determina a não aplicação do fator de bonificação, ao que o A. se pôs nos termos constantes de fls. 247 vº/248 e na sequência do que foi proferido o despacho de 01.07.2013, de fls. 257, notificado aos ilustres mandatários das partes, via citius, com data de elaboração de 10.07.2013, no qual se refere o seguinte:
“Indefiro o pedido de esclarecimento em apreço sendo a questão da possibilidade de cumulação da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual com a multiplicação pelo factor 1,5 questão meramente jurídica já vastamente tratada na jurisprudência e sendo manifestamente claro o sentido de voto dos Srs. Peritos em junta médica, quer dos peritos do tribunal e do sinistrado quer do perito da seguradora no seu voto de vencido.
Notifique e transitado conclua de novo.”.

Aos 10.09.2013, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“1) Que o sinistrado B…, em consequência do acidente de trabalho em apreço nos presentes autos, sofreu uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 36, 8 % com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
2) Condena-se a responsável seguradora a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia de 6.295,38 € - calculada com base em 57, 36% da retribuição à luz do artigo 17º b) da Lei dos Acidentes de Trabalho (assim calculada: 70%-50%x36,8%+50%) -, com vencimento em 26-11-2009, a que acrescem juros à taxa legal, a calcular desde tal data
3) Condena-se a responsável seguradora a pagar-lhe o montante de 5.112€ a título de subsídio por elevada incapacidade a que acrescem juros, à taxa legal, devidos desde a sua reclamação em auto de tentativa de conciliação, em 26-11-2009.
4) Condena-se a responsável a pagar-lhe € 18 que o sinistrado gastou para se deslocar a Tribunal e ao GML de Santa Maria da Feira.
5) Condena-se a responsável a prestar ao sinistrado as seguintes ajudas técnicas:
a) adaptação do veículo automóvel;
b) atribuição de cadeiras de rodas manual;
c) atribuição de cadeiras rotativa para banheira;
d) atribuição de canadianas;
e) atribuição de cinta lombar;
f) atribuição de esponja de banho com cabo comprido;
g) acesso a consultas de fisiatria e caso tal seja fixado por aquela especialidade, aos correspondentes tratamentos de fisioterapia.
6) Condena-se a responsável a pagar ao sinistrado, a título de pagamento de ajuda de terceira pessoa o valor mensal assim calculado, tendo presente a data da alta do Autor – 25-11-2009 -, e o valor da retribuição mínima garantida para o serviço doméstico: o montante mensal de 71, 91 € desde tal data e até 01-01-2010 (DL 246/298 de 28-12 que fixa em 450 € a retribuição mínima) de 75, 91 € desde tal data e até 01-01-2011 (DL 5/2010 de 05 de Janeiro que fixa em 475 € a retribuição mínima), e de 77, 51 € desde então e até nova atualização do salário mínimo (DL 143/2010 de 31 de Dezembro). Forma de cálculo: 44 horas semanais : 6 dias = 7, 3 horas diárias; retribuição mínima mensal: 30: 7, 3 x 30 x 14: 12 – cfr. artigos 11 e 13 do Decreto-Lei n.º 235/92 de 24 de Outubro.
Dessas prestações está vencido o valor total de 3.463,15 € e são devidos juros, à taxa legal, sobre cada uma das prestações mensais desde o dia de vencimento da primeira 25-12-2009 e, mensalmente, das subsequentes.

*
Fixo à causa o valor de € 117.534,70 €”.

Inconformado, veio o A. recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1º - A decisão sobre a cumulação da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual com a bonificação de incapacidade parcial permanente através da aplicação do factor 1,5 previsto na al. a) da 5ª Instrução Geral da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo dec. lei 341/93 de 30/9 é de natureza jurídica.
2º - Os laudos dos Peritos Médicos nas Juntas Médicas de Psiquiatria e Neurologia não contêm tal cumulação, como também não contêm qualquer fundamentação para que tal cumulação não haja sido feita com a IPATH.
3º - Por sua vez, no laudo de ortopedia, a declaração exarada pela Senhor Perito da Cª de Seguros refere que as sequelas das lesões não impedem o A. de ser reconvertível para outro posto de trabalho, para outra profissão, pelo que não seria de aplicar o já citado factor 1,5.
4º - A irreconvertibilidade do sinistrado prevista na citada al. a) da 5ª Instrução Geral da TNI como pressuposto da aplicação do factor 1,5 de bonificação da incapacidade refere-se ao seu posto de trabalho à data do acidente e não a outro qualquer que possa ter no futuro.
5ª – O julgador não está obrigado a acatar os laudos periciais, que são de livre apreciação, nem a relação aritmética, em caso de falta de unanimidade, entre os que adoptaram a aplicação do referido factor 1,5 e os que o não aplicaram constitui qualquer critério que seja só por si válido e suficiente para decidir.
6ª – O A. foi considerado como estando afectado de IPATH e, sendo o A., como é, assim incapaz permanente e absolutamente para a profissão habitual, dessa incapacidade resulta como corolário lógico e inevitável que o mesmo não é reconvertível para o seu posto de trabalho.
7ª – Se o A. vier a pretender exercer outras profissões, é portador de uma IPP que lhe traz um défice físico e neuro-psíquico que o impede desse exercício profissional ou o torna mais gravoso para o A..
8ª – Não se compreenderia, aliás, que se tratasse de modo diferente um sinistrado que continuasse a exercer o seu trabalho habitual ainda que com mais esforço relativamente ao que estivesse, como sucede com o A., permanente e absolutamente incapaz de o fazer.
9ª – A solução defendida neste recurso é, além disso, a mais justa e adequada para reparar os elevadíssimos défices físicos e neuro-psíquicos que as sequelas das lesões sofridas causam ao A. e que as ajudas técnicas e de 3ª pessoa fixadas evidenciam de modo muito intenso.
10ª – Não há contradição nem duplicação na cumulação da situação de IPATH com a aplicação do factor 1,5 de bonificação à incapacidade parcial permanente de que o A. está afectado, pois o artº 17º, al. b) da Lei 100/97 de 13/9 refere-se ao cálculo da pensão e a al. a) da 5ª Instrução Geral da TNI aprovada pelo dec. lei 341/93 de 30/9 diz respeito à fixação da incapacidade permanente de que o sinistrado seja portador.
11ª – Deverá assim ser aplicado o factor 1,5 de bonificação à IPP de 36,8%, fixando-se a IPP em 52,2% (36,8% x 1,5) e consequentemente deverá ser fixada a pensão do A. no montante anual de 6.633,41 €, mantendo-se no mais o decidido em 1ª Instância.
12ª – A douta sentença recorrida violou o disposto no artº 17º, al. b) da LAT (Lei 100/97 de 13/9) e na al. a) da 5ª Instrução Geral da TNI (aprovada pelo dec. lei 341/93 de 30/9).
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso:
a) Determinando-se a aplicação do factor 1,5 de bonificação à incapacidade permanente de 36,8%, fixando-a em 52,2%, e cumulando-a com a situação de IPATH que afecta o A;
b) Fixando-se a pensão anual devida ao A. no montante de 6.633,41 €;
c) Mantendo-se, quanto ao mais, o decidido.

A Recorrida contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso, assim como interpôs recurso subordinado relativamente ao cálculo do subsídio de elevada incapacidade, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I. A sentença recorrida não pode manter-se, uma vez que efectuou uma incorrecta aplicação e interpretação jurídica do disposto nos artigos 17º e 23º da Lei de Acidente de Trabalho no cálculo do valor do subsídio de elevada incapacidade que fixou na quantia de €5.112,00, impondo-se, pois, nesta parte a sua revogação;
II. A Recorrente foi condenada a pagar ao Autor, entre outros, “o montante de 5.112€ a título de subsídio por elevada incapacidade”;
III. Tendo por referência o disposto nos artigos 17º e 23º da Lei de Acidentes de Trabalho, o valor constante da sentença em crise encontra-se, salvo o devido respeito, incorrectamente calculado;
IV. Com interesse para o cálculo do aludido subsídio importa reter que:
a. Com fundamento no acidente ocorrido em 18 de Abril de 2008, o Autor, ora Recorrido ficou a padecer de incapacidade permanente parcial de 38,5%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
b. Salário mínimo nacional em 2008: €426,00.
V. Considerando os pressupostos enunciados o valor a fixar a título de subsídio por situação de elevada incapacidade é de €4.142,76;
VI. Deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, por errada interpretação do disposto nos artigos 17º e 23º da Lei de Acidentes de Trabalho, e substituída por outra que efectue o cálculo correcto do valor devido a título de subsídio por elevada incapacidade, com todas as consequências legais.
(…)”

O A/Recorrido contra-alegou, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª – O legislador ao referir-se, no artº 23º da Lei 100/97 de 13/9 à situação de “incapacidade permanente absoluta para o trabalho” não distinguiu entre incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho e incapacidade absoluta para o trabalho habitual e onde o legislador não distingue não deve o intérprete fazê-lo (artº 9 do C. Civil).
2ª - Sendo a incapacidade permanente absoluta, e a IPATH é uma incapacidade absoluta, deve ser fixado e atribuído o valor máximo do subsídio por situação de elevada incapacidade.
3ª - Aliás, não se justifica que o sinistrado com IPATH seja tratado desfavoravelmente atendendo a que, embora com alguma capacidade residual, dificilmente conseguirá, por regra, a sua reconversão noutra profissão.
4ª – A distinção inovatória introduzida no cálculo do valor do referido subsídio pelo artº 67º da Lei 98/2009 de 4/9 reforça o entendimento adoptado pela Senhora Juiz “a quo” e que o A., ora recorrido, subscreve, pois assim como o legislador da Lei 98/2009 fez a referida distinção, o legislador da Lei 100/97 tê-lo-ia feito se fosse intenção do legislador definir o cálculo do valor do subsídio em relação às várias hipóteses previstas no preceito legal em causa.
5ª – A douta sentença recorrida, quanto à questão suscitada pela R. neste recurso, está conforme aos factos e ao direito, devendo ser negado provimento ao recurso da R..
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso da R..”

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso interposto pelo A. e do não provimento do recurso da Ré, parecer sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto provada
A. Pela 1ª instância foi dado como provada a seguinte factualidade:
“1. B…, nasceu em 11-08-1983 e trabalhava como aprendiz de serralheiro sob as ordens, direção e fiscalização de D…, Ldª.
2. No dia 18-04-2008, ao trabalhar, sofreu acidente de viação que lhe provocou traumatismo da coluna lombar.
3. Em consequência das lesões sofridas, ficou afetado de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 36, 8 %, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
4. A responsabilidade infortunística laboral encontrava-se transferida para a C…, Companhia de Seguros, SA, mediante contrato de seguro.
5. O sinistrado auferia a remuneração anual ilíquida de 10, 975, 22 € 6. Teve alta em 25-11-2009.
7. O sinistrado gastou € 18 em deslocações ao Tribunal e ao GML de Santa Maria da Feira.
8. O sinistrado necessita de ajudas técnicas consistentes:
a) na adaptação do veículo automóvel;
b) na atribuição de cadeiras de rodas manual;
c) na atribuição de cadeiras rotativa para banheira;
d) na atribuição de canadianas;
e) na atribuição de cinta lombar;
f) na atribuição de esponja de banho com cabo comprido;
g) no acesso a consultas de fisiatria e caso tal seja fixado por aquela especialidade, aos correspondentes tratamentos de fisioterapia.
9 O sinistrado necessita da ajuda de terceira pessoa pelo período de uma hora por dia.”.
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B. Porque documentalmente provado, adita-se à matéria de facto provada os seguintes pontos:
10. A junta médica da especialidade de neurocirurgia, conforme laudo de fls. 226 a 228, considerou, por unanimidade, que o A., por lesões desse foro, se encontra afetado de IPATH e com uma IPP de 33,5%, tendo ainda respondido ao quesito 5º de fls. 207 verso, no qual se perguntava “5. Há lugar à aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto na Instrução Geral 5, alínea a) da TNI? Em caso afirmativo, qual o motivo para a atribuição desse factor?”, nos seguintes termos: “Não”.
11. A junta médica da especialidade de psiquiatria, conforme laudo de fls. 229 a 231, por unanimidade, considerou o A. afetado, em consequência das lesões desse foro, da IPP de 0,05, tendo ainda respondido ao mencionado quesito 5, nos seguintes termos: “Não”.
12. A junta médica de fls. 237 a 239 considerou o A. afetado de IPATH e com uma IPP de 0,368 (incluindo os coeficientes arbitrados pelas juntas referidas em 10 e 11) acrescida, de acordo com o laudo maioritário dos peritos que nela intervieram (do A. e do Tribunal), do fator de bonificação de 1,5, assim considerando o A. afetado do coeficiente global de IPP de 0,5520,
13. e tendo os referidos peritos do A. e do Tribunal respondido ao quesito 5º mencionado no nº 10, nos seguintes termos: “Sim, por não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho.”.
14. Por sua vez, o perito da Ré Seguradora referiu “não concordar com o factor 1,5 como definido em junta de Neurocirurgia e como o parecer do INML de fls. 125 a 127, uma vez que, na sua ótica o sinistrado pode ser reconvertido noutra profissão. Como tal o sinistrado com IPATH não deverá ser bonificado pelo factor 1,5.”.
15. O Sr. Perito médico do INML que procedeu ao exame médico singular que teve lugar na fase conciliatória do processo referiu, no laudo de fls. 125 a 127, para além do mais que dele consta, o seguinte: “Assim o perito informa que o examinado foi considerado devido às sequelas atrás descritas, que estas seriam causa de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
No entanto e atendendo às sequelas de que o examinado é portador, às limitações físicas descritas, o perito acha que a IPP atribuída contempla globalmente o seu estado actualmente, e refere ainda que existe indicação emanada pelo Conselho Directivo do INML, IP de que no caso de se atribuir uma incapacidade absoluta para a profissão habitual não se deve atribuir ao examinado o factor 1,5, havendo nesse caso uma dupla tributação da incapacidade do examinado.”.
16. O A. nasceu aos 11.08.1983 (assento de nascimento de fls. 33).
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III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi dos arts. 5º, nº 1, da citada Lei e 1º, nº 2, al. a), do CPT/1999[1], dada a data da participação a juízo do acidente de trabalho)
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Pelo Recorrente/Autor, no recurso principal: se deve ser aplicado o fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10;
- Pela Recorrente Seguradora, no recurso subordinado: do subsídio de elevada incapacidade.

2. Quanto à 1ª questão (recurso principal)

Tem esta questão por objeto saber se a IPP de que o A. ficou a padecer (para além da IPATH) deve ser, ou não, bonificada com o fator de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10.
Cumpre, antes de mais, dizer que ao caso é aplicável a Lei 100/97, de 13.09 e o DL 143/99, de 13.04, dada a data do acidente de trabalho em causa, que ocorreu aos 18.04.2008, e uma vez que a nova Lei de Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei 98/2009, de 04.09 e que entrou em vigor aos 01.01.2010, não é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos em data anterior à da sua entrada em vigor (arts. 187º e 188º)

2.1. Na sentença recorrida entendeu-se não ser de aplicar o fator de bonificação, referindo-se para tanto o seguinte:
“Os laudos dos Srs Peritos médicos mostram-se suficientemente fundamentados e alicerçados na Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo D.L. 341/93 de 30/9, sendo de aceitar as respetivas conclusões.
Ponderadas as mesmas e visto que em junta da especialidade de ortopedia os Srs. Peritos não reconheceram outra incapacidade parcial permanente além das já fixadas nas juntas médicas de psiquiatria e neurocirurgia tendo sido os peritos destas juntas unânimes em afirmar pela inaplicabilidade do fator 1,5, entendemos, em consonância com tais peritos, em cujas especialidades se contêm as incapacidades do sinistrado, e visto que apenas uma minoria de 2 em 9 peritos considerou a impossibilidade de reconversão do sinistrado, que não pode ser o mesmo considerado como não podendo ser reconvertido ao posto de trabalho não havendo qualquer razão para a atribuição ao mesmo da multiplicação da sua incapacidade parcial permanente pelo fator 1, 5, pois das sequelas que apresenta não resulta a impossibilidade da sua reconversão profissional.
(…)”.

2.2. Conquanto o laudo pericial não seja vinculativo para o tribunal, tendo em conta os especiais conhecimentos técnico-científicos dos peritos médicos de que o juiz não dispõe, sempre poderá e deverá o Tribunal dele discordar se, com evidência e segurança, dele decorrer a sua desconformidade com a concreta situação factual e/ou com a legislação aplicável.
Por outro lado, concretamente no que se reporta à atribuição ou não do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10, é esta uma questão cuja decisão compete, essencialmente, ao tribunal se e quando demonstrados os pressupostos de que depende a sua aplicabilidade: i) se o sinistrado não for reconvertível no posto de trabalho; ii) ou se tiver 50 anos ou mais, conforme adiante melhor se dirá. E é uma questão meramente jurídica a de saber se a atribuição de tal fator é ou não cumulável com uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).

2.3. Dispõe a mencionada instrução que:
“Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1,5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.”.
Sendo que, na correspondente instrução constante da anterior TNI (então aprovada pelo DL 341/93, de 30.09 e revogada pela acima mencionada), se dispunha que: “Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais.”
Do referido facilmente se conclui que deixou de constituir requisito da atribuição do aludido fator de bonificação a perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho, continuando todavia a exigir-se que ou o sinistrado não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos ou mais.

2.4. A questão da possibilidade de cumulação da IPATH com a atribuição do fator de bonificação de 1,5 não é nova, sendo a jurisprudência do STJ uniforme e reiterada no sentido de que nada impede tal cumulação, acórdãos esses de que citamos, a título exemplificativo, os de 19.03.2009, Processo 08S3920, de 29.03.2012, proferido no Processo 307/09.1TTCTB.C1.S1, e de 05.03.2013, proferido no Processo 270/03.2TTVFX.1.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt e que passaremos a transcrever:

2.4.1. Assim, no primeiro dos mencionados Acórdãos (19.03.2009), refere-se que:

“2. Importa, então, ajuizar se, ocorrendo incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, na determinação do valor final da incapacidade é aplicável uma bonificação, consistente na multiplicação pelo factor 1,5, conforme o estipulado na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro.
No domínio de aplicação da sobredita TNI, este Supremo Tribunal teve a oportunidade de se pronunciar acerca da questão enunciada, no acórdão de 16 de Junho de 2004, Processo n.º 1144/04, da 4.ª Secção (Secção Social), cuja orientação foi reafirmada no acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 3039/04, da 4.ª Secção, que concluiu no sentido de que «[t]endo o sinistrado ficado afectado de uma IPP de 61% e incapaz para o exercício da profissão habitual, a tal grau de incapacidade deve ser aplicado, para efeitos do cálculo do valor da pensão, o factor de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI, não sendo este «incompatível com as disposições da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nomeadamente com o preceituado no n.º 1, alínea b), do [seu] artigo 17.º»
(…)
Para que se verifique a falada bonificação, a par da perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais.
No caso vertente, resulta da factualidade apurada nos autos que a sinistrada desempenhava as funções de trabalhadora rural e que, em consequência das lesões sofridas no acidente, apresentava «[r]igidez do ombro direito e sequelas de lesão do nervo circunflexo», sendo-lhe atribuída a «IPP de 31,8%, com incapacidade para a profissão habitual», pelo que, atentas as funções exercidas pela sinistrada, verifica-se perda de função inerente e imprescindível ao desempenho do seu posto trabalho.
Assim sendo, e porque a sinistrada nasceu em 7 de Abril de 1952, tendo, à data do acidente e da alta, mais de 50 anos, na fixação do grau de incapacidade permanente devia ter sido levado em conta o questionado factor 1,5 de bonificação.
Tal como pondera a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, não se justifica «que se faça uma interpretação diferente quando estamos ou não estamos perante uma situação de IPATH. Na verdade, mal se compreende que se trate de modo diferente uma situação em que o sinistrado continue a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que esteja impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, pelo menos, teoricamente, em qualquer dos casos, haverá sempre que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para o desempenho de outros trabalhos, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, traduzido, como não pode deixar de ser, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, quanto mais não seja, e é o caso, quando o trabalhador já ultrapassou uma determinada idade (mais de 50 anos), devendo tal esforço ser também […] compensado com a aplicação do factor de bonificação aqui em causa.»».

2.4.2. No segundo dos Acórdãos citados (29.03.2012), diz-se que:
«(…)
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação.
Na verdade, mal se compreenderia que se tratasse de modo diferente uma situação em que o sinistrado continuasse a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que estivesse impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Acresce que não se desenha qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado factor de bonificação e o estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, como pretende a seguradora recorrente, porquanto uma coisa é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação.
No caso, resulta da factualidade apurada que o sinistrado foi vítima de um acidente quando, como supervisor de construção, procedia à verificação/orientação dos trabalhos de colocação de laje de cimento em cima de um andaime e este partiu, tendo caído de cabeça no chão, o que lhe causou sequelas neurológicas graves, que lhe determinaram uma IPP de 53% (0,53), com IPATH.
Ora, a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
Justifica-se, pois, a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, pelo que improcedem as conclusões da alegação do recurso de revista.”. [sublinhado nosso]

2.4.3. E, no mesmo sentido, no terceiro dos Acórdãos mencionados (05.03.2013) refere-se o seguinte:
«“Não se sufragando a solução eleita no Acórdão sub judicio – como se adianta desde já – os conhecidos argumentos da recorrida, respeitáveis embora, não são seguramente razão bastante, susceptível de induzir-nos à reponderação/alteração do entendimento, há muito firmado e mantido, de modo reiterado e pacífico, neste Supremo Tribunal e Secção.
Com efeito – como ainda recentemente se proclamou no Acórdão de 24.10.2012, tirado na Revista n.º 380/10.4TTOAZ.P1.S1, em que interviemos e que, por óbvias razões, acompanhamos de muito perto –, não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do art. 17.º da LAT/Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, podendo cumular-se os benefícios nela estabelecidos.
Valendo aqui igualmente a fundamentação expendida (e oportunamente usada também no Acórdão desta Secção tirado na revista n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1, de 29.3.2012, a que se alude no Aresto acima citado), transcrevemos dele o excerto seguinte:
(…)
Considerando apenas como relevante a verificação de um dos dois requisitos postulados – …sem embargo de, à data em que é reconhecida a diminuição decorrente da IPATH, o sinistrado já ter mais de 50 anos – diremos, como também se concluiu e aqui se não discute, que, atenta a natureza da actividade profissional por si desenvolvida e as lesões permanentes de que ficou afectado, a hipótese da reconversão profissional do sinistrado, relativamente ao seu posto de trabalho, não seria realmente equacionável, resultando aliás como corolário inevitável da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
A equânime compreensão da realidade subjacente a ambas as situações não consente outra leitura da falada Instrução da TNI, ou seja, não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar: em qualquer dos casos – usando as palavras certas do citado Acórdão de 24.10.2012 – haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de IPATH, no acrescido sacrifício que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo por isso o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Procedem, assim, as conclusões da motivação recursória, pelo que, sendo devida a bonificação do valor final da incapacidade, multiplicada, por isso, pelo factor 1,5, o ajuizado em contrário não pode subsistir, havendo que revogar o respectivo segmento decisório do Acórdão sob censura.». [realce a negrito nosso]

2.4.4. Por fim, mas não menos importante, o STJ, no seu Acórdão nº 10/2014, de 28.05.2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.», referindo-se, a dado passo da sua fundamentação, que:
“(…) aquele segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
(…)
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção[…] os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
(…)”

2.4.5. Do transcrito decorre, pois, que não existe incompatibilidade entre a atribuição de IPATH e do fator de bonificação, sendo aquela uma das situações típicas em que, precisamente, deverá ser atribuído tal fator. Mais decorre que a irreconvertibilidade no posto de trabalho é a consequência ou corolário inevitável da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Com efeito, o requisito relativo à irreconvertibilidade no posto de trabalho reporta-se ao “posto de trabalho” do sinistrado, ou seja, ao conjunto de funções que integram a atividade profissional que o mesmo desempenhava, pelo que, se foi ao sinistrado atribuída uma IPATH, tal significa, necessariamente, que o mesmo está, de forma permanente e absoluta, incapacitado para desempenhar a sua atividade profissional habitual; e se assim é, não se vê como possa o mesmo ser reconvertível nessa mesma atividade/posto de trabalho.

2.5. Ora, no caso, não faz pois sentido e é irrelevante a alegação da Seguradora e do seu perito médico no laudo de fls. 237 a 239 de que o sinistrado pode ser reconvertido noutra profissão, sendo que, como decorre da instrução em causa e do que se deixou dito, o que está em causa para a atribuição do fator de bonificação não é a impossibilidade de reconversão noutra profissão [aliás, se se verificasse a impossibilidade de reconversão noutra profissão, caberia mesmo perguntar se não estaria, então, o sinistrado com uma IPA para todo e qualquer trabalho], mas sim a impossibilidade de reconversão no seu “posto de trabalho”, ou seja, a impossibilidade do exercício da concreta atividade profissional que desempenhava.
Por outro lado, é irrelevante que os peritos médicos que intervieram nas juntas médicas das especialidades de neurocirurgia e de psiquiatria, tenham respondido negativamente ao quesito 5º [5º. Há lugar à aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto na Instrução Geral 5, alínea a) da TNI?”].
Com efeito, os mencionados peritos limitaram-se a responder que “não”, não tendo fundamentado minimamente tal resposta, tanto mais que a junta médica de neurocirurgia, não obstante essa resposta negativa, considerou que as lesões desse foro determinavam uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual do sinistrado (IPATH). Ora, e como acima se deixou dito, esta IPATH acarreta, inevitavelmente, a irreconvertibilidade do A. no seu posto de trabalho. E, neste sentido e bem, se pronunciaram os Srs. peritos médicos do sinistrado e do Tribunal que intervieram na junta médica de fls. 237 a 239, ao, na resposta ao quesito 5º, terem considerado ser de atribuir o mencionado fator por o sinistrado “não ser reconvertível em relação ao seu posto de trabalho.”, resposta esta que era a única e inevitável face à IPATH.
E também não procede o argumento, invocado pela Seguradora, de que o Sr. Perito médico do INML que interveio no exame médico singular referiu que, apesar da IPATH, “(…). No entanto e atendendo às sequelas de que o examinado é portador, às limitações físicas descritas, o perito acha que a IPP atribuída contempla globalmente o seu estado actualmente, e refere ainda que existe indicação emanada pelo Conselho Directivo do INML, IP de que no caso de se atribuir uma incapacidade absoluta para a profissão habitual não se deve atribuir ao examinado o factor 1,5, havendo nesse caso uma dupla tributação da incapacidade do examinado.”.
Como é evidente, a indicação emanada pelo Conselho Diretivo do INML, IP, não vincula o Tribunal. E, quanto ao mais, é a jurisprudência do STJ, conforme designadamente os Acórdãos acima mencionados, uniforme no sentido de não existir obstáculo ou incompatibilidade entre a atribuição, cumulativamente, da IPATH e do fator de bonificação.
Ou seja, e em conclusão, não procede o argumento utilizado na sentença recorrida de que, do conjunto dos nove peritos médicos que intervieram na junta médica, sete consideraram não ser de atribuir o fator de bonificação e apenas dois entenderam em sentido contrário.

2.6. Assim, procedem as conclusões do recurso do Autor, devendo ser atribuído o fator de bonificação de 1,5, pelo que, em consequência e tendo em conta a IPP de 36,8% referida no nº 3 dos factos provados, encontra-se o A. afetado de uma IPP com o coeficiente de desvalorização global de 55,20% [36,8 + (36,8% x 0,5)], com IPATH.
Atento o referido, a retribuição anual do A. (€10.975,22) e o disposto no art. 17º, nº 1, al. b), da Lei 100/97, de 13.09, tem o A. direito, com efeitos a partir de 26.11.2009, data da alta definitiva (tal como considerado na sentença), à pensão anual e vitalícia de €6.699,27, assim calculada:
10.975,22 x 50% = 5.487,61;
10.975,22 x 70% = 7.682,65;
7.682,65 - 5.487,61 = 2.195,04;
2.195,04 x 55,20% = 1.211,66 + 5.487,61= €6.699,27.
Refira-se que esta pensão, embora superior à mencionada pelo A. no seu recurso, é todavia inferior à peticionada na petição inicial, pelo que nem se coloca a eventual questão de condenação em pensão de montante superior ao peticionado. De todo o modo, ainda que assim não fosse, atenta a natureza indisponível do direito à pensão (arts. 34º e 35º da Lei 100/97) e o disposto no art. 74º do CPT/1999, sempre se imporia a esta Relação a condenação no montante devido.
Quanto aos juros de mora, são eles devidos nos termos decididos, e não impugnados, na sentença recorrida.

3. Quanto à segunda questão (recurso subordinado)

Tem esta questão por objeto a forma de cálculo do subsídio de elevada incapacidade, entendendo a Recorrente Seguradora que, no seu cálculo, deveria ter sido ponderado o coeficiente de IPP do sinistrado, sendo que, na sentença recorrida foi ele atribuído por inteiro (426,00€ x 12 = €5.112,00), ou seja sem tal ponderação
Como está assente, o A., em consequência das lesões sofridas no acidente em questão nos autos, ficou afetado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), com uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 55,20%.
Vejamos.
A questão prende-se com a interpretação do art. 23º da LAT que dispõe que “A incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70% confere direito a um subsídio igual a 12 vezes a remuneração mensal garantida à data do acidente, ponderado pelo grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez aos sinistrados nessas situações.”
Como decorre do art. 17º do mesmo diploma, a incapacidade permanente pode ser absoluta ou parcial. E, aquela, pode ser absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA) [nº 1, al.a)] ou absoluta para o trabalho habitual (IPATH) [nº 1, al.b)].
Desde logo, e salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, a letra do art. 23º aponta no sentido da interpretação de que o subsídio será devido por inteiro tanto nos casos de IPA, como nos de IPATH, apenas sendo de ponderar o grau de IPP nas situações em que o sinistrado apresenta (apenas) uma IPP superior a 70%.
Com efeito, ao dispor como dispôs, o legislador não desconhecia que a incapacidade permanente absoluta tanto poderia ser para todo o trabalho ou apenas para o trabalho habitual e, apesar disso e da diferenciação que fez no art. 17º para efeitos de determinação da pensão, o certo é que, no art. 23º, não efetuou qualquer distinção. Ora, onde o legislador não distingue, não se nos afigura que deva o intérprete distinguir, tanto mais quando se nos afigura seguro, quer da letra da lei, quer do confronto com o referido art. 17º, que não pretendeu fazê-lo. E, nos termos do art. 9º, nº 3, do Cód. Civil há que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, se tivesse sido intenção do legislador, nos casos de IPATH, atribuir relevância à ponderação do grau de IPP certamente que teria utilizado, na formulação do preceito, diferente redação.
Por outro lado, nas situações de incapacidade permanente absoluta, a atribuição prende-se e justifica-se, essencialmente, em função da natureza e finalidade desse subsídio e da natureza absoluta da incapacidade, seja ela para todo e qualquer trabalho, seja apenas para o trabalho habitual, enquanto que nas situações de incapacidade apenas parcial ela se justifica face ao elevado grau de incapacidade (superior a 70%), o qual, podendo variar, determinará a correspondente ponderação.
Acresce que no sentido da interpretação que perfilhamos, já acolhida em arestos anteriores, pronunciou-se também o nosso mais alto tribunal, entre outros[2], no Acórdão de 02.02.2006, in www.dgsi.pt, Proc 05S3820, no qual, para além do mais, se refere que na determinação da pensão já é tida em conta a diferenciação das situações de IPA e de IPATH, pois que o facto de o sinistrado com IPATH vir “a auferir um pensão de menor valor monetário pressupõe já a eventual compensação que poderá obter através da sua capacidade residual de ganho, e que resulta de ter ficado afectado para o exercício da sua normal actividade profissional, mas não para toda e qualquer actividade profissional.
Por outro lado, a circunstância de a lei não ter efectuado a distinção entre as duas situações no tocante ao cálculo do subsídio de elevada incapacidade permanente tem a sua razão de ser na própria teleologia da prestação pecuniária que está em causa. A pensão anual e vitalícia por incapacidade destina-se a compensar o sinistrado pela desvalorização funcional de carácter permanente que resultou do acidente, e assim se compreende que o valor dessa pensão acompanhe, durante a sobrevida do interessado, a proporção da perda da capacidade de trabalho que o afecta. Ao contrário, o subsídio, com um valor pré-determinado e que é pago numa única vez, destina-se a facilitar a adaptação do sinistrado à sua situação de desvalorização funcional com perda de capacidade de ganho, permitindo-lhe porventura efectuar uma aplicação económica que lhe proporcione outros proventos ou reorientar a sua vida profissional para outro tipo de actividade. E, sendo essa a finalidade da lei, como tudo indica, não se descortina motivo bastante, do ponto de vista de política legislativa, para distinguir, nesse quadrante, entre a incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho e a incapacidade permanente para o trabalho habitual, quando é certo que, mesmo nesta última situação, o sinistrado fica imediatamente impedido de exercer as tarefas para que se encontra profissionalmente habilitado e o aproveitamento da sua capacidade residual de trabalho está necessariamente dependente de uma reabilitação profissional que não só envolve encargos como poderá exigir uma demorada fase de preparação e adaptação.
(…)
O subsídio por situações de elevada incapacidade deve, pois, ser calculado com base na existência de uma incapacidade absoluta, já que o sinistrado, para além de ter ficado afectado por uma parcial desvalorização funcional, se encontra também permanentemente impossibilitado de exercer o seu trabalho habitual.”
E, também nesse mesmo sentido, o acórdão do STJ de 04.05.2011, Processo 199/07.5TTVCT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
Não se vê, pois, razão para, no domínio da Lei 100/97, alterar tal entendimento, sendo certo que a diferente solução legal constante do art. 67º da nova LAT (Lei 98/2009) não é aplicável ao caso, já que, como referido, esta apenas se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após a data da sua entrada em vigor. Refira-se, todavia, que esta reforça a interpretação por nós acolhida no âmbito da Lei 100/97 pois que o legislador, quando assim o pretendeu, veio a fazer tal distinção.
Deste modo, improcedem as conclusões do recurso subordinado interposto pela Recorrente Seguradora.
*
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

A. Conceder provimento ao recurso principal, interposto pelo Autor, B… e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte nele impugnada, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide:
a.1. Considerar o Autor afetado do coeficiente de desvalorização de 55,20% de IPP, com IPATH;
a.2. Condenar a Ré, C… – Companhia de Seguros, SA, a pagar ao Autor, com efeitos a partir de 26.11.2009, a pensão anual e vitalícia de €6.699,27, acrescida de juros de mora nos já decididos na sentença recorrida.

B. Negar provimento ao recurso subordinado interposto pela Ré Seguradora, confirmando-se, na parte nele impugnada, a sentença recorrida.

Custas de ambos os recursos pela Ré.

Porto, 22-09-2014
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto
João Nunes
____________
[1] O CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10 apenas entrou em vigor aos 01.01.2010, não sendo aplicável aos processos a essa data pendentes - arts. 6º e 9º, nº 1, do citado DL.
[2] Cfr. também Acórdão do STJ de 14.11.07, in www.dgsi.pt, de 07S2716.