CONCURSO REAL
PENA ÚNICA
Sumário

I - Se não resultou provado que os diversos actos sexuais praticados contra duas menores se trataram de actos sucessivos comandados pela mesma resolução, e se foram praticados ao longo de meses existe concurso real ou efectivo.
II - No cumulo jurídico a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção, dentro da moldura formada a partir das concretas penas singulares, à unidade relacional de ilícito e culpa, fundada na conexão autoris causa, própria do concurso de crimes.

Texto Integral

Proc. 163/12.2TACDR.P1 (urgente prisão prev.)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum e com a intervenção do tribunal colectivo, do arguido:

B…, casado, aposentado (agente da PSP), nascido a 11/04/1942, filho de C… e de D…, natural da freguesia …, concelho de Castro Daire, com residência na Rua na …, nº. .., em Castro Daire, actualmente preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Évora,

imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, dos seguintes crimes:
● Tendo como ofendida E…:
- Cinco crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, do Código Penal;
- Dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 2, do Código Penal;
- Sete crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174.º, nº. 1, do Código Penal;
- Dois crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 2, do Código Penal;
● Tendo como ofendida F…:
- Seis crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), do Código Penal;
- Sete crimes de recurso à prostituição de menores agravados, p. e p. pelos artigos 174.º, n.º 1 e 177.º, n.º 5, do Código Penal;
● Tendo como ofendida G…:
- Um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174.º, n.º 1, do Código Penal.
● Tendo como ofendida H…:
- Dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), do Código Penal;
● Tendo como ofendida I…:
- Dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), do Código Penal; e
● Tendo como ofendida J…:
- Um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº. 1, do Código Penal;
- Um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº. 3, al. b), do Código Penal.
Nenhuma das ofendidas se constituiu assistente nem deduziu pedido de indemnização civil.
O arguido apresentou contestação escrita, negando ter praticado os factos por que vem acusado, alegando, em síntese, não conhecer sequer algumas das alegadamente ofendidas, ter estado internado no Hospital …, no período de tempo de 1/6/2012 a 12/6/2012, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica de artroplastia total da anca direita no dia 4/6/2012, sendo que nos dias seguintes após a alta hospitalar, cerca de uma semana, esteve acamado, tendo no dia 19/6/2012 ido ao Centro de Saúde de Castro Daire fazer tratamento da ferida e remover o material de sutura (agrafos), continuando com a toma (injecção) diária de Lovenox durante mais de um mês, tendo apenas cerca do final do mês de Junho/princípios de Julho começado a sair de casa, primeiro usando as duas canadianas, não tendo conduzido qualquer veículo automóvel antes de fins do mês de Agosto/inícios de Setembro, sendo impossível ao arguido, nos dias que se seguiram ao dia 19 de Junho, deslocar-se a pé, desde a sua casa até à dita garagem, razão pela qual são falsas, não merecendo qualquer credibilidade, as declarações das participantes que suportam a acusação deduzida. O arguido conclui reiterando que não cometeu os crimes de que vem acusado, deles devendo ser absolvido. Arrolou testemunhas de defesa.
Realizou-se a audiência de julgamento NO CÍRCULO JUDICIAL DE LAMEGO com observância das formalidades legais, conforme consta das respectivas actas.
Foi comunicada ao arguido a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 358º do C.P.P., nada tendo o arguido requerido na sequência dessa comunicação.
*
Não se suscitaram, nem existem, nulidades ou quaisquer outras excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

X

Na sequência da audiência de discussão e julgamento foi elaborado Acórdão, dele constando o seguinte DISPOSITIVO:-
(…)
Por todo o exposto e em conformidade, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação e, em consequência:

a) Absolver o arguido B… dos seguintes crimes, por que vinha acusado:
- Dos dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), do C.P., tendo como ofendida H…;
- De dois dos crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 171º, nº. 2, do C.P. e de dois dos crimes de recurso à prostituição de menores p. e p. pelo artº. 174º, nº. 1, do C.P., tendo como ofendida E…;
- De dois dos crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), do C.P. e de um dos crimes de recurso à prostituição de menores agravados, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5, ambos do C.P., tendo como ofendida F…;
- De um dos crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), do C.P., tendo como ofendida I…;

b) Condenar o arguido B… como autor material e em concurso real dos seguintes crimes e penas parcelares:
I - 8 (oito) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, sendo cinco relativamente à ofendida E…, dois em relação à ofendida F… e um relativamente à ofendida J…, nas penas parcelares, respectivas de
●. 2 (dois) anos de prisão, por cada um de quatro dos crimes cometidos em relação à ofendida E…;
● 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, por outro dos crimes perpetrado em relação à ofendida E…;
● 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos dois crimes cometidos relativamente à ofendida F…;
● 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime perpetrado em relação à ofendida J…;
II - 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 3, sendo quatro deles, pela al. a), com referência ao artigo 170º, tendo como ofendidas, dois deles E…, um F… e outro I… e o último crime, pela al. b), tendo como ofendida J…, nas penas parcelares respectivas de:
● 2 (dois) meses de prisão; e
● 4 (quatro) meses de prisão, respectivamente, por cada um dos crimes praticados em relação à ofendida E…;
● 3 (três) meses de prisão, pelo crime perpetrado relativamente à ofendida F…;
● 5 (cinco) meses de prisão, pelo crime cometido em relação à ofendida I…;
● 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime praticado tendo por ofendida J…;
III - 6 (seis) crimes de recurso à prostituição de menores agravados, p. e p. pelos artigos 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5, ambos do C.P., sendo cinco cometidos relativamente à ofendida F… e um relativamente à ofendida G… nas penas parcelares respectivas de:
● 1 (um) ano e 6 (seis) meses, por cada um dos cinco crimes perpetrados em relação à ofendida F…; e
● 1 (um) ano pelo crime praticado em relação à ofendida G…;
III - 5 (cinco) crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 1, relativamente à ofendida E…, nas penas parcelares de 10 (dez) meses de prisão, por cada um deles;
IV - 2 (dois) crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 2, tendo como ofendida E…, nas penas parcelares de 1 (um) ano e 8 (oito) meses, por cada um deles;

c) Em cúmulo jurídico das penas parcelares mencionadas na al. b), condenar o arguido na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

d) Mais, condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC’s (cf. artºs. 513º, nºs. 1 e 2, 514º, nº. 1, ambos do C.P.P. e artº. 8º, nºs. 4 e 5 e Tabela III do R.C.P.);

f) Declara-se perdida a favor do Estado a cassete áudio apreendida nos autos e a que se reporta o auto de exame directo de fls. 218 (cfr. artº. 109º, nº. 1 do C.P.);

g) Determina-se a restituição ao arguido dos dois telemóveis que lhe foram apreendidos, por não estarem verificados os pressupostos para que seja declarado o seu perdimento a favor do Estado.

Após trânsito em julgado da presente acórdão:
- Remetam-se boletins à DSIC;
- Comunique-se ao TEP e ao EP onde o arguido se encontra preso, para os competentes efeitos.
- Caso se mantenha a aplicação ao arguido de prisão igual ou superior a 3 anos, deverá proceder-se à recolha de ADN, nos termos do disposto na Lei nº. 5/2008, de 12 de Fevereiro (diploma que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal).
*
Por entendermos que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao arguido da medida coactiva de prisão preventiva, agora reforçados ante a decisão condenatória ora proferida, decide-se que o mesmo continue aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a tal medida de coacção.

O arguido regressa, pois, ao Estabelecimento Prisional, na situação em que se encontra, sendo o tempo de detenção e prisão preventiva, que sofreu, à ordem dos presentes autos, descontado na pena em que vai condenado.
*
Cumpra-se o disposto no artº. 372º, nº 5, do C.P.P.

Castro Daire, 28/04/2014.
(…)
X
Inconformado com o decidido, o arguido, B… veio interpor recurso, o qual motivou, aduzindo as seguintes CONCLUSÕES:-
(…)
1- O tribunal a quo ao apreciar a prova produzida e ao dar como provados os factos descritos que a seguir se apontarão em concreto, foi além, quanto a nós, do principio da livre apreciação da prova previsto no art. 127 do CPP, tirando conclusões não contidas nas declarações prestadas pelas próprias ofendidas, valorizando declarações contraditórias e genéricas, outras mesmo dadas apenas por sugestão do inquiridor, desvalorizando prova irrefutável apresentada pelo arguido sobre a falsidade das declarações das ofendidas irmãs E… e F….

2- Aliás, a nosso ver, a consideração como provados da maioria dos factos declarados pelas ofendidas E… e F…, apesar das mesmas terem deposto no sentido dos factos terem acontecido mesmo durante o mês de Junho de 2012, em período que se veio a provar que o arguido esteve internado em hospital e depois a recuperar em casa da intervenção cirúrgica a que fora submetido, traduz mesmo uma visão do tribunal sobre a produção de prova que inverte o ónus da prova, ou seja, tudo o que é dito pelas ofendidas é verdade, a não ser que se prove o contrário!

3- Dando assim o tribunal a quo como boas, verídicas e credíveis, declarações que, comprovadamente, pelo menos em parte, nessa parte que o arguido conseguiu apresentar documento comprovativo e demonstrativo da falsidade das mesmas, se veio a reconhecer serem falsas!

4- Sendo mesmo caso para dizer que, não fosse a doença com internamento do arguido, e estaria ele hoje condenado também pela prática dos actos alegadamente praticados nesse período de internamento, cuja prática foi denunciada e declarada em tribunal pelas mesmas ofendidas cujas declarações o tribunal considerou sérias, honestas e credíveis para o condenar pela prática do mesmo tipo de actos fora desse período!

5- Razões pelas quais, ao ter-se demonstrado que pelo menos em parte aquelas declarações não correspondiam à verdade e as ofendidas, sabendo disso e da gravidade das mesmas, produziram-nas perante o tribunal sem qualquer hesitação, não podia o tribunal deixar de manter em dúvida todas as demais declarações produzidas por estas ofendidas.

6- E, consequentemente, na dúvida, deveria o tribunal ter decidido em favor do arguido e não contra o arguido, como fez, a nosso ver, em relação ao número de actos alegadamente praticados com estas ofendidas, violando o principio basilar do direito processual penal do in dubio pro reo.

7- Mais, em alguns casos o tribunal ultrapassou mesmo as declarações prestadas pelas ofendidas em tribunal (em depoimento para memória futura), como aconteceu quanto à alegada data de início dos encontros com a E… e a F… em 2012, com a idade da J… quando da alegada prática dos actos acontecidos consigo, ou até da G… sobre as razões ou motivação da prática do acto em que declarou ter estado envolvida, devendo tais factos, pelo menos, a serem declarados provados, serem corrigidos em conformidade com aquelas declarações,

8- Efetivamente, deu o tribunal como provado, quanto ao ponto II da acusação, no ponto 13 da matéria de facto provada que a partir de Maio até Agosto de 2012, com interregno do mês de Junho, as ofendidas E… e F… passaram a encontrar-se com o arguido para fins sexuais, quando, quer a E…, quer a F…, dizem que terão começado tais práticas em Junho, conforme respetivos depoimentos, aos minutos 23.03 e 29.30 (E…) e ao minuto 11.20 a F…, explicitando esta a razão porque refere Junho como o começo de tais práticas!

9- Logo, provado que está que em Junho não puderam tais encontros ter acontecido, só poderia o tribunal dar como provado que tais encontros a terem existido, terão sido entre Julho e Agosto!

10- Mas, ao não declararem estas ofendidas, apesar de perguntadas, ter visto qualquer apoio, muleta ou outro tipo de objecto de apoio, ou que o arguido em momento algum se encontrava fisicamente debilitado, demonstram os seus depoimentos que as mesmas não souberam sequer que o arguido havia estado internado, havia feito a intervenção cirúrgica que fez, o que por sua vez demonstra que o seu alegado relacionamento regular e contínuo não é verdade, sob pena de não poderem deixar de ter notado, quer o interregno agora dito pelo tribunal a quo, quer o esforço, a dor, incapacidade ou os apoios que o arguido usaria para se movimentar.

11- Nessa medida, não podia o tribunal dar como provado as alegadas vezes que as ofendidas declararam ter ido à dita Garagem, sendo que a E… nunca chegou a apontar um número concreto de vezes.

12- Aliás, quanto ao dado como provado no ponto 15.4, a E… começa por dizer, ao minuto 5.35 do seu depoimento, que teria feito sexo oral apenas uma vez ou duas, não sendo o seu depoimento consistente quanto a isso, razão pela qual também quanto a isso, a ter de ser dado como provado, não deveria ter sido dado como provado mais do que um acto.

13- Além disso, sobre a credibilidade do depoimento da ofendida F…, deveria o Tribunal ter levado também em consideração, como sinal critico desse mesmo depoimento, as declarações da testemunha Técnica Social, Drª K…, designadamente quanto ao seu comportamento quando tinha em vista concretizar um objectivo, como fez em relação aos seus tios da …, chegando a acusá-los de a deixarem passar fome, quando tais declarações eram manifestamente falsas, conforme acima se deixou transcrito do depoimento desta testemunha, sabendo-se tanto mais que também nesta altura aquela ofendida tinha um grande novo objectivo - residir com a irmã em casa da avó.

14- Não servindo o depoimento de L…, irmão daquelas ofendidas para corroborar qualquer facto, contrariamente ao que considerou o tribunal a quo, uma vez que, conforme se deixou transcrito do seu depoimento, em momento algum do seu depoimento se comprometeu esta testemunha com qualquer data ou com qualquer facto que pudesse ser confirmado, respondendo apenas de forma genérica, contraditória, inesperada e inverosímil, e negando ter conhecimento de qualquer um dos factos em concreto e em discussão neste processo, não passando o seu depoimento de uma história contada no momento à medida que lhe eram feitas as perguntas.

15- Aliás, levando-se em conta tal depoimento, a terem acontecido como diz aquela testemunha sobre a E…, estando já esta em casa da avó, já teria completado os 18 anos, uma vez que a mesma também diz que deixou a casa da mãe quando fez 18 anos!

16- Permitindo-nos até equacionar se quando a E… diz que "foi lá mais vezes", e que "fez sexo oral", acto que a F… não confirma ter acontecido na sua presença, se não se estaria a referir, então, a uma altura em que já teria feito 18 anos, apesar de ter dito que depois dos 18 anos não voltou lá!

17- De resto, quanto ao alegado número de encontros entre o arguido e estas ofendidas, quer quanto a estes factos da acusação, quer quanto aos factos descritos no ponto I da acusação, dados como provados nos pontos 8.2 e 8.3 da matéria de facto provada, nenhuma certeza pode resultar dos depoimentos das próprias, sendo até forçoso concluir que quanto aos factos da garagem, se aquele número de vezes referido pela F… se referia ao período de Maio a Setembro, devendo-se considerar provado apenas que terão acontecido entre Julho e Agosto, ter-se-há de concluir também que o foram em menor número de vezes.

18- Dar como provado qualquer número de vezes além de uma, é a nosso ver utilizar um critério puramente discricionário, sem qualquer certeza, entrando no reino das probabilidades, tanto podendo ser dois como vinte, sete ou setenta, nenhum dos depoimentos tendo concretizado um único, fosse o dia da ocorrência ou o mês, sendo que quando solicitadas a responder sobre Junho disseram sim, quando se comprovou ser não!

19- Ao decidir como decidiu o tribunal a quo, não passa a fundamentação da sua verificação de uma presunção de que assim teria acontecido, totalmente arbitrária quanto ao número de encontros, inadmissível, quanto a nós para fundamentar tal decisão, tendo por isso o tribunal incorrido em manifesto erro de apreciação da prova, conforme previsto, designadamente, na al.c) do nº 2 do art. 410 do CPP.

20- Quanto aos factos do ponto I da acusação, dados como provados nos pontos 7, 8, 8.2, 8.2.1, 8.2.2, 8.2.3, 8.2.4, 8.2.5 e 8.3 dos factos provados, assentes apenas e só nos depoimentos das próprias ofendidas E… e F…, considera-se manter o raciocínio supra exposto quanto aos factos do ponto II da acusação, uma vez que estamos a falar das mesmas ofendidas, com o mesmo discurso quer quanto a factos quer quanto a números de episódios.

21- Aliás, quanto a estes factos e à sua alteração assim como alteração da qualificação jurídica quanto aos mesmos relativos à F…, crê-se não haver prova suficiente e credível para o efeito, tanto mais que a F… no seu primeiro depoimento perante a PJ, apesar de ter sido prestado a uma Srª Inspectora, a fls 48 e 49 dos autos, diz (fls 48) que quando era pequena já lá ia mas só via, não fazia, e (a fls 49) nega que o arguido tenha nessa altura mantido qualquer contacto sexual consigo!

22- E, tendo esta alteração da matéria de facto dada como provada no ponto 8.2.1, a ver com a alteração das declarações da F… em momentos diferentes, cremos não poder dizer-se com segurança quando é que ela falou verdade, se num primeiro momento, se num segundo momento, bem podendo neste segundo momento estar a agir já mais em solidariedade com a irmã, atendendo ao ambiente de cumplicidade que os dois depoimentos deixam transparecer, do que a dizer a verdade.

23- De resto, a nosso ver, a matéria de facto dada como provada no ponto 8.2.1. é em si mesma contraditória com o descrito nos pontos 8.2.2, 8.2.3 e 8.2.4, retirando-se destes três últimos pontos que as práticas havidas o foram apenas com a E… e não com a F…

24- Razões pelas quais, a considerar-se que, ainda assim, terá havido algum contacto entre o arguido e aquelas ofendidas no sitio da quinta (veja-se que a própria E… diz inicialmente à PJ, parágrafo 7 da pag. 76 dos autos, que chegou a ver lá as outras três irmãs, situação nunca sequer admitida por nenhuma delas, denotando a total falta de credibilidade das declarações desta ofendida) não deveria o tribunal ter dado como provado mais do que um episódio, não resultando dos autos qualquer prova de que tais encontros se tenham repetido.

25- Quanto aos factos enunciados no ponto III da acusação, dados como provados nos nºs 27, 28, 29, 30, 31 e 32 da matéria de facto provada, a acreditar-se no depoimento da G…, conforme transcrição que se fez do minuto 6.47 ao minuto 8.2, a determinação ou a aceitação desta em praticar o acto não resultou de qualquer promessa de compensação ou outra contrapartida, não se integrando este seu comportamento, a nosso ver, na previsão do art. 174 nº 1, mas sim no nº 1 do art. 173,

26- Razão pela qual a qualificação jurídica desse facto quanto à G… como integrante do art. 174 nº 1 e 177 nº 5, e consequente condenação em um ano de prisão está errada, devendo tal qualificação ser alterada tendo como enquadramento do mesmo a previsão do art. 173 nº1, devendo consequentemente ser alterada a pena em concreto a ser aplicada.

27- Quanto aos factos do ponto IV da acusação, dados como provados nos nºs 8.1, 22, 23, 24, 25 e 26 da matéria de facto provada, a nosso ver não foi feita qualquer prova credível de que tenham acontecido, considerando-se que alguns factos relatados e dados como provados não merecem ser sequer considerados crime!

28- É disso exemplo, a nosso ver, os factos descritos nos pontos 8.1 e 25, sobre a E… e a F…, quando se diz que as terá abraçado e lhes tocado em zonas do corpo não concretamente apuradas, ou que terá puxado a E… para o seu colo!

29- Pois, tendo estas negado tais factos, assim como a G…, como também se deixou transcrito dos diversos depoimentos, considerando-se que o depoimento da I… quando refere algo que não chegou a ver, se estará a referir ao dia do episódio com a G… e a E… e a não mais nenhum, não existem nos autos quaisquer provas sobre a prática de tais factos que vêm depois a ser enquadrados no nº 3 al. a) do art. 171 do CP.

30- Aliás, salvo sempre o devido respeito por diferente entendimento, crê-se não ter sido provado, nem da matéria de facto provada constar, que tais actos, abraçar e tocar em parte do corpo não apurada, ou puxar para o seu colo, signifique acto exibicionista ou contacto de natureza sexual, como exige o art. 170 do CP.

31- Não constando a matéria de facto descrita nos pontos 22, 23, 24, 25 e 26 de qualquer depoimento, não estando sustentada em qualquer depoimento das ofendidas aí relacionadas com os mesmos, indo sim em sentido contrário a esses depoimentos, incluindo o da I…,

32- Aliás, declarando-se no ponto 26 que no final o arguido também deu dinheiro à I…, é esta afirmação totalmente contrariada com o depoimento desta do minuto 8.45 ao minuto 8.60, como se deixou transcrito, declarando a mesma que o arguido nunca lhe ofereceu nada, nem nunca viu ninguém meter dinheiro ao bolso.

33- Sendo que, como ja se referiu, a parte do depoimento da I… em que esta diz que eram para mexer, mas não mexeram, ou que não sabe se mexeram, do confronto com o depoimento das demais e designadamente de sua irmã G…, apenas se poderia estar a referir ao episódio confirmado pela própria G… e a mais nenhum.

34- Razões pelas quais os factos descritos nos pontos 22, 23, 24, 25 e 26 dos factos provados não têm qualquer base probatória, consistindo num manifesto erro de apreciação de prova, como previsto, designadamente, na al. c) do nº 2 do art. 410 do CPP, pelo que não deverão tais factos ser dados como provados.

35- Também quanto aos factos relacionados com a ofendida J…, descritos no ponto V da acusação e dados por provados nos nºs 36 e 39 dos factos provados, o tribunal a quo fez errada apreciação da prova quanto à idade da ofendida quando da ocorrência dos alegados factos aí descritos, decidindo mesmo contra as declarações da ofendida e da sua convicção manifestada ao Sr Juiz quando interrogada e declarou que esses factos ocorreram quando já tinha 14 anos.

36- Efectivamente, além de não existir nos autos qualquer outra prova em contrário, não resulta das declarações da depoente que esta tivesse 13 anos, mas sim 14 anos, é ela própria que além de acabar por verbalizar como chega à conclusão de que tinha 14 anos, conforme se deixou transcrito o seu depoimento do minuto 17.27 ao minuto 20.17, demonstra a convicção de estar segura de nessa altura já ter 14 anos, vindo, apesar disso, o tribunal a passar por cima dessas declarações da própria ofendida e decidir em desfavor do arguido!

37- Pelo que essa matéria de facto deve ser alterada no sentido de que tais episódios terão ocorrido quando a J… já possuía 14 anos, o que, consequentemente, atendendo à configuração do nº 3 do art. 171, levará, a nosso ver, à não criminalização do episódio do carro, uma vez que, não se enquadrando na previsão desse nº 3 do art. 171, também nos parece não se enquadrar na previsão do nº 1 do art. 173 do CP.

38- E, considerando possuir a ofendida a referida idade de 14 anos também quanto ao alegado episódio da M…, em que vem o arguido condenado pelo 171 nº 1, dando-se como provado tal facto, deveria ser condenado apenas pela previsão do nº 1 do art. 173, consequentemente, numa pena em concreto substancialmente inferior à que lhe foi aplicada.

39- Contudo, a descrição de tal episódio pela ofendida, apesar de nem sempre ter a mesma configuração desde que a ofendida o contou pela primeira vez, como resulta dos autos, é contraditório e inverosímil, quer quanto ao alegado modo de actuação do arguido perante as demais situações relatadas, quer por, nos termos descritos pela própria ofendida, se o arguido desistiu logo que pressentiu a aproximação de alguém, é porque não queria ser visto, fosse por quem quer que fosse, designadamente pelo tio da ofendida que sabia estar a acompanhar esta, pelo que não se entende como, ciente de tal presença, e não querendo ser visto, possa ainda assim ter agido como diz a ofendida.

40- Razões pelas quais, considerando-se como se deixa exposto, e que apesar das contradições e falsidades apresentadas pelos depoimentos das ofendidas F… e E…, não seriam os seus depoimentos totalmente inventados, não deveria o arguido ter sido condenado em mais do que um acto na quinta com a E… e com a F…, sendo que com esta apenas nos termos do art. 171 nº 3, al. a), assim como num acto com a E… e com a G… junto da biblioteca, sendo que com esta apenas nos termos do art. 173 nº 1, e ainda num só acto com a F… e com a E… na garagem, sendo que com esta, em pena especialmente atenuada em virtude de não se ter provado se naquela data o arguido tinha a consciência de que a E… ainda não teria 18 anos de idade.

41- De resto, aliás, quanto ao número de actos ou encontros entre o arguido e as irmãs E… e F…, como vem acusado e condenado em relação aos que terão ocorrido na quinta e na garagem, em caso de dúvida sobre essa quantidade, designadamente por não determinação dos momentos que em concreto terão ocorrido, tem vindo a jurisprudência maioritariamente a defender que se deve punir como se se tratasse de apenas um só acto, o que não aconteceu no presente acórdão.

42- Pelo que, também nessa perspectiva, deveria o arguido ter sido condenado apenas num só acto em cada um desses lugares com essas ofendidas, devendo no mais, pelas razões supra expostas, ser absolvido.

43- A não se entender assim, considerando o Venerando Tribunal que o arguido cometeu mais actos criminais do que estes referidos na conclusão supra nº 40, sempre se dirá, ainda assim, que devem as penas em concreto aplicadas aos mesmos ser reduzidas, tanto mais que se considera terem as penas aplicadas sido demasiado elevadas e até mesmo exageradas, como acontece com a pena aplicada aos actos dados por provados com a E… na Garagem, assim como com G… e com a J…, ou mesmo com a F… e a E… junto da biblioteca,

44- Efectivamente, crê-se ser totalmente desajustada por demasiado elevadas pena de prisão de 2 e 3 meses por abraçar e tocar em zona do corpo da ofendida não concretamente apurada, ou de 4 meses por sentar a menor no colo, ou até mesmo por colocar, apenas por instantes e em frente a familiares da ofendida, uma cassete de rádio como a que foi considerado provado ter sido colocada, assim como 2 anos de prisão relativamente ao acto junto da biblioteca com a E…, atendendo designadamente ao facto de ter sido esta a tomar a iniciativa, como disse a G…, considerando-se igualmente desajustadas por demasiado elevadas as penas aplicadas pelos actos alegadamente cometidos na garagem em 2012 com a E… e a F….

45- Consequentemente, mesmo para o caso de se considerar provados os factos pelos quais vem condenado, sempre deverá a pena aplicada em cúmulo jurídico, atendendo às circunstâncias que envolveram a prática dos actos dados como provados, ao facto de ser a E…, ou a mãe desta no dizer delas, a tomar a iniciativa de contacto do arguido para o efeito, assim como ao conteúdo desses mesmos actos, ser inferior à aplicada, considerando-se sempre uma pena superior a cinco anos desproporcional ao caso em apreciação quando comparada com as penas aplicadas por exemplo a homicídios ou violações, cujos actos, mesmo que isolados, acarretam sempre consigo, a nosso ver, uma gravidade incomparavelmente superior aos em apreciação no caso concreto.

46- Razões pelas quais, em nosso entendimento, alterando-se a matéria de facto dada por provada, como se vem a alegar e a defender, não dando como provados mais do que os actos referidos na conclusão supra nº 40, deverá a pena a aplicar em cúmulo jurídico ao arguido ser uma pena inferior a quatro anos de prisão, a qual, nesta perspectiva e até pelo período de prisão preventiva que já cumpriu, deverá ser suspensa.

(…)
X
Ao recurso veio responder doutamente o Digno Magistrado do MP ( resposta que seguimos a espaços), defendendo, em suma, a total improcedência do recurso, com a consequente confirmação do Acórdão recorrido.
X
Nesta Relação, a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta veio emitir douto Parecer por via do qual, para além de subscrever “in totum” a resposta do MP na 1ª instância, defende que o recurso merece total improcedência.

Cumprido que se mostra o disposto no art. 417º nº 2, do CPP, verifica-se que não foi deduzida qualquer resposta.

XXX

COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:-

No Acórdão recorrido consta a seguinte:-
(…)

II - Fundamentação
2.1. Factos provados
Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos:
I
1. As ofendidas E…, nascida a 24/9/1994 e F…, nascida a 12/4/1998, são irmãs, fazendo parte integrante de uma fratria de seis irmãos, sendo os progenitores N… e de O….
2. Este agregado familiar sempre se mostrou desestruturado e disfuncional, o que determinou que as menores E… e F…, bem como os seus quatro irmãos, fossem acompanhados pela CPCJ de Castro Daire, por motivo de negligência parental, nomeadamente falta de hábitos de higiene pessoal, falta de apoio por parte dos pais para as questões escolares e exposição a atos de violência exercidos pelo pai sobre a mãe.
3. Os progenitores das ofendidas E… e F… viriam a separar-se em Agosto de 2008.
4. O arguido e O…, mãe das ofendidas E… e F…, conhecem-se desde há muitos anos e no período tempo situado entre 2004 e 2006, o arguido relacionou-se sexualmente com aquela, recorrendo aos serviços de sexo que a mesma prestava, mediante pagamento;
5. Por via do relacionamento que mantinha com O…, o arguido soube que o seu agregado familiar se debatia com dificuldades económicas e travou conhecimento com as filhas desta, ora ofendidas E… e F….
6. Estando inteirado das dificuldades mencionadas em 5, o arguido decidiu aliciar as menores E… e F… para praticarem consigo actos sexuais, a troco de quantias monetárias, ao que as mesmas acederam.
7. Na concretização de tal desígnio, em datas não concretamente apuradas situadas no período compreendido entre 13/04/2008 e data não apurada do mês de Junho de 2008, o arguido manteve com as menores E… e F… práticas sexuais, a troco de contrapartidas monetárias, cujos montantes variavam entre os €5,00 e os €10,00, que entregava a cada uma delas.
8. No período temporal referenciado em 7, o arguido manteve com as ofendidas E… e F… – que tinham, então, a idade de 13 anos e de 10 anos, respectivamente – contactos de natureza sexual, por um número de vezes não concretamente apurado, mas, pelo menos, nas seguintes:
8.1. Uma dessas vezes, ocorreu nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, para onde o arguido se deslocou num dos seus veículos automóveis, encontrando-se aí as ofendidas E… e F…, tendo o arguido abraçado as mesmas e lhes tocado em zonas do corpo não concretamente apuradas;
8.2. Pelo menos, duas vezes, aconteceram numa quinta agrícola, denominada P…, à qual se acede a partir da …/Nacional ., junto do entroncamento com a Rua …, em Castro Daire, pertença de um terceiro, para quem o arguido fazia alguns trabalhos agrícolas, deslocando-se aí as menores E… e F…, na sequência de prévia combinação do arguido com a primeira.
8.2.1. Nesse local, o arguido conduziu as menores E… e F… até um barraco existente na P… e uma vez aí, o arguido beijou as ofendidas na boca, pediu-lhes que se despissem, ao que acederam e mexeu-lhes nos órgãos genitais.
8.2.2. Em cada uma dessas duas vezes, o arguido desnudou o seu pénis, baixando as calças e as cuecas que vestia, e pediu à menor E… que lhe mexesse no pénis – sendo que da primeira vez utilizou o arguido utilizou a expressão “brincar” e mostrou à menor E… como devia fazer, agarrando o pénis com uma das suas mãos e efectuando movimentos de cima para baixo e de baixo para cima (masturbação), ao mesmo tempo que dizia à menor E…, “agora faz assim!” –.
8.2.3. Acedendo ao pedido do arguido, a E… agarrou no pénis do arguido com a mão e fez vários movimentos de masturbação conforme ele lhe indicou, até à ejaculação.
8.2.4. Em cada uma dessas duas vezes, a ofendida F… estava presente e assistiu aos actos de masturbação do arguido, praticados pela irmã.
8.2.5. Após a prática desses actos, o arguido vestiu-se e deu € 10,00 a cada uma das ofendidas.
8.3. A ofendida E…, desacompanhada da irmã F…, encontrou-se com o arguido na P… referenciada em 8.2., pelo menos, mais uma vez, tendo, masturbado o arguido nos termos descritos em 8.2.3., dando-lhe o arguido, no final do acto, a quantia de €10,00.
8.4. No período temporal referenciado, na zona da biblioteca municipal de Castro Daire, o arguido, praticou, ainda, com a menor E…, os actos descritos infra, em 22, 25 e 29 a 32.
9. Em Agosto de 2008, a F… foi viver com os tios maternos, Q… e S…, para a …, Guarda, na sequência de acordo de promoção e protecção que correu termos na CPCJ de Castro Daire, deixando, então, de manter contactos com o arguido, que só vieram a ser retomados em 2012, nas circunstâncias descritas infra, sob o capítulo II;
10. Por volta da altura em que a menor F… foi viver para a …, a menor E… ficou a viver com a avó paterna, T…, em …, …, Castro Daire.
II
11. Em Março de 2012, a ofendida F… – que vivera com os tios, na …, desde Agosto de 2008 até essa altura, deslocando-se a Castro Daire apenas nos períodos de férias escolares – regressou a casa da mãe, sita em …, Castro Daire, vivendo esta com um companheiro, desde Setembro de 2008.
12. Em Maio de 2012, a ofendida E… voltou também a viver com a progenitora na casa mencionada em 11.
13. A partir de Maio até Agosto de 2012, inclusive [com o interregno do mês de Junho de 2012, em que o arguido foi submetido a intervenção cirúrgica, de artroplastia total da anca direita, tendo estado internado no Hospital … em Viseu, no período compreendido entre 1 e 12/06/2012 e ficando depois, durante alguns dias, em convalescença, tendo no dia 19/6/2012 ido ao Centro de Saúde de Castro Daire fazer tratamento à ferida cirúrgica e remover o material de sutura – agrafos –], as ofendidas F… e E…, então com 14 e 17 anos de idade, respectivamente, passaram, novamente, a encontrar-se com o arguido para fins sexuais, mediante o recebimento de contrapartidas monetárias, mantendo-se as dificuldades económicas do agregado familiar da progenitora e a desorganização e desestruturação da respectiva dinâmica.
14. Tais encontros com as irmãs F… e E… ocorreram numa garagem sita num arruamento particular, nas traseiras de um conjunto de prédios localizados na …, em Castro Daire, nas proximidades do campo de futebol, sendo tal garagem pertença de um terceiro, conhecido do arguido, residente em Lisboa, que entregara ao arguido, a chave da mesma, para que aí guardasse determinados produtos agrícolas.
15. Naquele período temporal, em datas não concretamente apuradas e por um numero de vezes também não apurado, mas, pelo menos, por cinco vezes, com ambas as ofendidas F… e E…, e, pelo menos, por mais, duas vezes, apenas com a ofendida E…, na dita garagem, o arguido manteve com as menores F… e E… práticas sexuais que consistiram nos actos que seguidamente se descrevem:
15.1. Uma vez no interior da garagem, com as menores F… e E… ou só com esta última, conforme referido em 15, o arguido despia-se e a seu pedido, as ofendidas F… e E… despiam-se também.
15.2. Após o arguido beijava as ofendidas F… e E… na boca e nos seios e acariciava-lhes os órgãos genitais.
15.3. Em cada uma das referenciadas vezes, o arguido pediu às ofendidas F… e/ou F… que lhe mexessem no pénis, ao que elas acederam, sendo que, nas situações em que se encontravam as duas ofendidas, ambas agarraram o pénis do arguido e fizeram movimentos de masturbação até o arguido ejacular, fazendo a ofendida E… o mesmo nas situações em que se encontrava sozinha com o arguido.
15.4. Em pelo menos, duas das vezes em que esteve com o arguido na aludida garagem, nas circunstâncias descritas, a pedido do arguido, a ofendida E… introduziu o pénis do arguido na sua boca, não tendo o arguido usado preservativo.
15.5. Pelo menos, uma vez, o arguido procurou introduzir o pénis na boca da ofendida F…, mas não conseguiu por a mesma ter desviado a cara e recusar praticar tal acto.
15.6. Em algumas das vezes em que praticou com as menores F… e E…, na referenciada garagem, os actos supra descritos, o arguido perguntou-lhes “posso enfiar?” - querendo significar com tal pergunta se podia introduzir o seu pénis na vagina das mesmas -, acrescentando “a lá de baixo faz” – referindo-se o arguido a uma rapariga, que dizia residir em … e que não identificava –, o que as menores recusaram, chegando mesmo a empurrar o arguido, para o afastar.
16. Após tais práticas sexuais, o arguido pagou a cada uma das ofendidas E… e F… a quantia de €20,00.
17. Em todas essas vezes, as ofendidas E… e F… acederam a praticar esses factos com o arguido face à contrapartida monetária que ele lhes dava.
III
18. G…, nascida a 15/01/1993, H…, nascida a 05/12/1997 e I…, nascida a 21/12/1995, são irmãs, sendo filhas de U… e de V….
19. G…, H… e I… eram vizinhas e amigas das irmãs F… e E… e conheciam a existência de contactos entre estas e o arguido.
20. A ofendida G…, além de vizinha, era colega de escola da ofendida E….
21. Em data não concretamente apurada, situada no período temporal referenciado em 7, as ofendidas G…, então, com 15 anos de idade, E…, então, com 13 anos de idade e a ofendida I…, então, com 12 anos de idade, encontravam-se nas traseiras da biblioteca municipal, nesta vila de Castro Daire, quando aí apareceu o arguido, fazendo-se transportar num veículo automóvel.
22. A ofendida E… abeirou-se, então, do arguido e a dada altura, estando o arguido sentado “na mala” (bagageira) do seu veículo automóvel, desnudou o seu pénis e pediu e pediu à ofendida E… que lhe mexesse;
23. Na ocasião mencionada em 22, a ofendida E…, acedendo ao pedido do arguido, mexeu com as suas mãos no pénis do mesmo, ocorrendo tais actos na presença da ofendida I…, o que o arguido quis que acontecesse, assim satisfazendo os seus instintos libidinosos;
24. Após a prática dos actos descritos em 22 e 23, o arguido disse às ofendidas E… e I… que, nesse dia, à noite, fossem ter consigo a uma rampa localizada perto do campo de futebol [e que dista a poucos metros da biblioteca], nesta vila de Castro Daire, o que as mesmas vieram a concretizar, tendo o arguido surgido no local, fazendo-se transportar no seu veículo automóvel.
25. A dada altura estando o arguido sentado “na mala” (bagageira) da sua viatura, segurou e puxou ofendida E… para o seu colo, sentando-a no mesmo, levantando-se a ofendida E…, repetindo o arguido o aludido comportamento por várias vezes.
26. Na descrita situação, o arguido deu a cada uma das menores, E… e I…, a quantia de €5,00, a cada uma.
27. No dia seguinte, ao da ocorrência dos factos descritos em 21 a 25, estando as ofendidas E… e G…, nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, apareceu aí o arguido, tendo, na sequência de conversação que estabeleceu com as mesmas, lhes pedido que fossem consigo para junto da rampa mencionada em 24, ao que as ofendidas acederam.
28. Uma vez junto da aludida rampa, o arguido sentou-se e as ofendidas E… e G… sentaram-se junto dele, uma de cada lado.
29. Acto contínuo, o arguido colocou uma das suas mãos numa das pernas, na zona da coxa, da ofendida G…, acariciando-a, por cima da roupa, desenvolvendo actuação idêntica para com a ofendida E…;
30. Seguidamente, o abriu a braguilha das calças que vestia e exibiu o pénis erecto, pedindo às ofendidas G… e E… que mexessem no mesmo.
31. Nessa sequência, o arguido pegou numa das mãos da ofendida G… e, com a sua mão por cima da mão dela, levou a mão da ofendida até ao seu pénis, fazendo com que o segurasse e efectuasse movimentos masturbatórios (de cima para baixo e de baixo para cima), desenvolvendo, de seguida, actuação idêntica relativamente à ofendida E…, acabando o arguido por ejacular.
32. No final das descritas actuações, o arguido entregou a cada uma das ofendidas G… e E… a quantia de €5,00.
IV
33. A ofendida J… nasceu no dia 11/05/997, sendo filha de W… e de X…, tendo sido acolhida, quando contava 4 anos de idade [tal como o seu irmão Y…e, quando este tinha 2 anos de idade], pelos tios maternos e seus padrinhos, Z… e AB… [tendo a progenitora ido viver para a zona do Algarve e residindo o progenitor com os pais, apresentando hábitos etílicos], residindo este agregado familiar, à data dos factos que infra se descrevem, em casa arrendada, sita na Rua …, Castro Daire, tendo por volta de Outubro de 2012, passado a residir, na …, …, .º Esq., em Castro Daire;
34. Tal agregado familiar vivia com dificuldades económicas, sendo X… doméstica e não tendo Z… trabalho estável, apresentando hábitos etílicos, sendo o agregado beneficiário do RSI desde Dezembro de 2008 até Junho de 2011, altura em que foi interrompido, por incumprimento/recusa por parte de X… em frequentar programa de inserção, sendo depois retomado em Novembro de 2012.
35. O arguido conhecia e convivia com o casal constituído por Z…, frequentando a casa dos mesmos, sita na Rua …, Castro Daire, conhecendo as dificuldades económicas por que passavam, oferecia-lhes quantias monetárias.
36. Em data não concretamente apurada, tendo, na altura, a ofendida J… 13 anos de idade, o arguido deslocou-se a Viseu, no seu veículo automóvel, acompanhado dos tios da ofendida e do irmão desta, a fim de ir buscar a ofendida J…, que estivera a passar uns dias de férias com a mãe;
37. Na viagem de regresso de Viseu a Castro Daire, quando a ofendida J… encontrava dentro do veículo do arguido, acompanhada dos tios e do irmão, o arguido colocou no leitor de cassetes do veículo uma cassete de cariz pornográfico, com sons de “um homem e duas mulheres a fazerem sexo”.
38. Durante a referenciada viagem, o arguido propôs que a ofendida J… fosse com ele para trás de um penedo e que lhe daria €10,00, o que a ofendida recusou.
39. Em dia não concretamente apurado, tendo a ofendida J… 13 anos de idade, numa ocasião em que o tio da ofendida J…, esta e o arguido seguiam apeados na rua, junto à discoteca “M…”, em Castro Daire, o arguido chamou a ofendida J… e quando esta se aproximou de si, encostou-a a uma parede, puxou para cima a camisola que a ofendida vestia, apalpou-lhe os seios, desceu a sua mão até à zona genital da ofendida, apalpando-a, por cima da roupa, ao mesmo tempo que tentava descer as calças que a ofendida vestia, o que não conseguiu, e tendo o arguido o seu pénis desnudado encostou-o ao corpo da ofendida, na zona da barriga.
40. A ofendida J… conseguiu libertar-se do arguido, quando o tio que, entretanto, continuou a caminhar, afastando-se, voltou para trás, e o arguido largou a ofendida.
41. Em data não concretamente apurada do ano de 2011, numa altura em que a ofendida J…, se encontrava em férias escolares, tendo, então, 14 anos de idade, o arguido, que se deslocara à residência dos tios da mesma, que à época se situava na Rua …, Castro Daire, entrou no quarto da ofendida J…, quando esta aí se encontrava e tentou beijá-la na boca, o que não conseguiu, em virtude da ofendida ter desviado a cara e por o irmão da mesma ter entrado no quarto.
42. Antes de sair do quarto, o arguido deixou ficar uma moeda de €1,00 para a ofendida J….
*
43. O arguido conhecia as idades das menores ofendidas E…, F…, G…, J… e I…, e estava ciente de que ao actuar das formas supra descritas, nas pessoas das menores E…, F…, G… e J… e perante a menor I…, perturbava e estava a prejudicar, de forma séria, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente, na esfera sexual e punha em causa o normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e da consciência sexual da menor;
44. Actuou o arguido com a intenção concretizada de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, pretendendo manter com as menores E…, F…, G… e J… e perante a menor I…, os actos sexuais supra descritos, sendo, no referente às menores E…, F… e G…, a troco de contrapartidas monetárias, indiferente à idade das ofendidas, do que estava ciente, e às consequências da sua descrita actuação em relação às mesmas.
45. Com referência à actuação descrita no ponto 37, pondo o arguido, deliberadamente, em reprodução, no leitor de cassetes do veículo automóvel que conduzia e onde seguia a menor J…, como passageira, uma cassete com sons de “um homem e duas mulheres a fazerem sexo”, bem sabia o arguido que a audição de cassete contendo sons daquela natureza era prejudicial ao seu normal e equilibrado desenvolvimento psicológico;
46. O arguido agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, ciente de que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
47. No dia 04/06/2013, foi efectuada, pela Polícia Judiciária, busca à residência do arguido sita na …, nº. .., em Castro Daire, tendo sido apreendidos:
a) No interior do veículo automóvel da marca Mercedes, modelo …, com a matrícula ..-..-EO, estacionado na garagem, mais concretamente junto do auto rádio, uma cassete áudio, com a inscrição “… – … – cuidado com as crianças”, contendo a gravação de uma conversa de teor erótico/sexual entre duas mulheres, seguida de gemidos e verbalização simultânea de actos sexuais e da voz de um individuo do sexo masculino que interagindo com as mesmas, profere expressões próprias de práticas sexuais.
b) Num dos quartos da residência, um telemóvel da marca Nokia, com o IMEI ……/../……/., contendo um cartão SIM da operadora AC…;
48. Nas circunstâncias aludidas em 47, foi, ainda, apreendido na posse do arguido, um telemóvel, com cartão SIM da operadora AC…, ao qual corresponde o nº. ……….
*
Factos atinentes às condições de vida e à personalidade do arguido:
49. O arguido foi criado com os dois irmãos, num sistema monoparental, onde à mãe cabia a responsabilidade pela gestão dos recursos familiares do agregado e educação dos filhos, tendo o progenitor falecido, no Brasil, onde se encontrava emigrado.
50. A família vivia integrada num meio rural, sendo das actividades ligadas à vida agrícola que retiravam o sustento quotidiano.
51. Nesse enquadramento familiar, o arguido frequentou s escolaridade obrigatória até ao termo da 4ª classe, após o que passou a trabalhar com a família, comparticipando assim, no seu sustento.
52. Após o cumprimento do serviço militar, o arguido ingressou na PSP, tendo-se reformado aos 54 anos de idade.
53. O arguido contraiu matrimónio em 1970, que mantém, tendo nascido dois filhos do casamento, já autonomizados do agregado familiar de origem, sendo um agente da PSP e o outro funcionário autárquico.
54. Á data dos factos, o arguido vivia com a mulher, que se encontra aposentada, da profissão de professora primária, em casa própria, tratando-se de uma moradia ampla, com boas condições de habitabilidade, inserida no centro da vila de Castro Daire.
55. A subsistência do casal assenta nas pensões de reforma de ambos, num valor global médio de €2.500,00 mensais, não suportando despesas fixas significativas.
56. Desde que se encontra reformado, o arguido dedicava-se à agricultura de subsistência e de exploração, como forma de se manter activo.
57. Ao nível comunitário, o arguido sempre foi interveniente, mantendo-se envolvido na AD…, onde chegou a assumir o cargo de Direcção.
58. O arguido revela e promove um elevado conceito de si próprio e do seu sentido de solidariedade com os outros.
59. No meio social em que se vivia, o arguido aparece como uma pessoa bem considerada, idónea e participativa a nível comunitário, sendo a reacção da comunidade envolvente, tendo em conta a boa imagem que possuía, de descrédito relativamente ao seu envolvimento nos factos que estão em causa nos autos, não tendo sido identificadas atitudes de rejeição ao arguido.
60. No Estabelecimento Prisional, o arguido tem apresentado uma conduta assertiva com as normas vigentes e uma atitude cordata em termos relacionais. Mantém o apoio clínico e medicação diária direcionada à problemática oncológica, encontrando-se estabilizado a este nível.
61. O arguido conta com o apoio dos familiares, que o visitam com regularidade no E.P.
*
62. O arguido não tem antecedentes criminais.
63. O arguido denota não ter interiorizado a gravidade e censurabilidade da sua conduta para com as menores/ofendidas, apresentando-se como vítima de um estratagema montado pela mãe das ofendidas F… e E…, para lhe extorquir dinheiro e para se vingar de ter deixado de recorrer aos “serviços prostituição” mencionados em 4.

2.2. Factos não provados
Não resultaram provados os factos que não se compaginam com os que foram dados por provados e, nomeadamente, com interesse para a decisão da causa:
Da acusação:
Não se provou:
a) A actuação do arguido descrita sob o ponto 8 tivesse início em Setembro de 2007;
b) Nas duas ocasiões referenciadas nos pontos 22, 23 e 25 dos factos provados, a ofendida E… colocasse o pénis do arguido na boca e o beijasse e que as menores H…, I… e F… presenciassem o arguido a praticar esses factos e que o arguido, dirigindo-se às menores H…, I… e F…, lhes dissesse “ vinde para aqui ao pé de nós, vinde ajudá-la e façam o que ela está a fazer (a E…), eu dou-vos dinheiro podem comprar o que quiserem”.
c) As menores G…, H… e F… hajam presenciado os actos mencionados nos pontos 22 e 23 dos factos provados;
Da contestação:
Não se provou:
d) O arguido não tivesse conduzido qualquer veículo automóvel antes de fins do mês de Agosto/inícios de Setembro de 2012.
e) Que fosse impossível ao arguido ter-se deslocado à garagem mencionada no ponto 14, nos meses de Julho a Setembro de 2012.

(…)

O RECURSO:-

O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. art. 428º, do CPP.
É consabido que as conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respectivo objecto – cfr. arts. 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº 2, do art. 410º, do CPP, mas tão-só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. Do STJ nº 7/95 – in DR I s., de 28/12/1995, em interpretação obrigatória, ainda hoje actual); ainda das nulidades principais, como tal “taxadas” por lei.

Não deixando de revisitar, não só as conclusões da motivação do recurso, mas também fazendo apelo ao corpo da motivação, afigura-se que o Recorrente pretenderá aflorar a existência no texto da Acórdão recorrido, do vício do erro notório na apreciação da prova ( cfr. al. c) do nº 2 do art. 419º, do CPP.
Ora, como doutamente se escreveu (entre outros, no Ac. do STJ, de 3/07/2002 – Proc. nº 1748/02 – 5ª sec.. Rel. Armando Leandro) … Para que se possa considerar verificado o vício de erro notório na apreciação da prova é indispensável que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte como evidente, para o julgador com a preparação e experiência pressupostos pela função que lhe incumbe, que a prova produzida não pode conduzir à decisão de facto perfilhada, ou dela resulta conclusão conducente a diferente decisão…(…)
Na mesma linha orientadora Jurisprudencial (cfr. Ac. do STJ, de 18/03/2004 – Proc. 03P3566 – Rel Simas Santos, ali se diz que …(…) O erro notório na apreciação da prova unicamente é prefigurável quando se depara ter sido usado um processo racional e lógico, mas, retirando-se contudo, de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras da experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos(…).

Ora, sob as roupagens de tal vício do que se trata (e adiante fundamentaremos) verdadeiramente é que o Recorrente não concorda com certa matéria de facto (a seguir devidamente explicitada); e como sustentáculo da sua discordância, o Recorrente aduz uma convicção própria, baseada nas suas próprias declarações e numa interpretação diversa da alcançada pelos Julgadores de algum manancial probatório que invoca, no sentido da sua absolvição; e já agora, apenas subsidiariamente, respiga certos pontos de facto (estribando-se em meios de prova que pretende desvalorizar ou descredibilizar) para peticionar uma drástica redução da moldura pena que pretende ver aplicada (abaixo dos quatro anos de prisão) e apelando à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.

A nosso ver e quanto tal vício o recurso é fatalmente improcedente; de que verdadeiramente se trata em sede da matéria de facto é que o Recorrente funda o seu recurso no disposto no art. 412º ns. 3, 4 e 6, do CPP.

X

Vejamos:-

Na “motivação da decisão de facto” escreveu-se assim:-
(…)

2.3. Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal no tocante à prova dos factos que deu por assentes formou-se com base no conjunto da prova produzida e respectiva apreciação crítica, à luz das regras da experiência e da normalidade da vida.
Explicitando:
A prova da factualidade constante dos pontos 1 a 3, 9 a 11 alicerçou-se no teor das certidões de assento de nascimento das ofendidas E… e F…, insertas a fls. 455 e 456 e 608 a 610, respectivamente, e no teor das peças processuais relativas ao processo de promoção e de proteção que correu termos relativamente à ofendida F…, juntas a fls. 133 a 147 dos autos, atendendo-se, ainda, em relação à prova do período temporal em que a F… esteve a viver com os tios na … até que regressou a casa da progenitora, bem como no que tange à prova da data em que a E… foi também viver com a mãe – factualidade vertida no ponto 12 – estando até, então, a viver com a avó, às declarações para memória futura prestadas pelas testemunha/ofendidas E… e F…, conjugadas que foram com os depoimentos das testemunhas O… e T…, respectivamente, mãe e avó daquelas, que delimitaram esse período temporal.
A factologia vertida nos pontos 4 e 5 provou-se com base nas declarações prestadas pelo arguido, em audiência de julgamento, tendo o mesmo confirmado tais factos, ainda, que afirmando que o conhecimento que travou com as filhas de O…, ora ofendidas, E… e F…, se quedou pela superficialidade, admitindo, que, em determinadas ocasiões, chegou a dar dinheiro à E…, umas vezes para carregar o telemóvel e outras para que o entregasse à mãe. A testemunha O…, no depoimento que prestou na audiência confirmou conhecer o arguido desde há muitos anos, ainda que negasse ter mantido com o mesmo relações sexuais, a troco de dinheiro, sendo que, nesta parte, mereceu credibilidade a versão contrária do arguido, tanto mais, que a testemunha F…, no depoimento que prestou, em sede de inquérito, perante a P.J., a fls. 48 a 54 dos autos e a cuja leitura se procedeu na audiência de julgamento, por se verificarem os pressupostos para a realização de tal leitura, nos termos que ficaram a constar da acta da audiência, confirmou que a sua mãe “andou na prostituição”.
A prova dos factos vertidos nos pontos 6 a 8.4 e 13 a 17 sedimentou-se nas declarações para memória futura prestadas pelas testemunhas/ofendidas E… e F…, que foram gravadas e a cuja audição se procedeu na audiência de julgamento, conforme ficou a constar das respectivas actas, tendo as ofendidas relatado – de forma consistente, coerente e objectiva, com o realismo próprio de quem os vivenciou, denotando constrangimento/inibição/vergonha, em falar sobre alguns dos factos, surgindo tais sentimentos como normais, tendo em conta a natureza dos factos em causa, procurando o Sr. Juiz que presidiu à diligência levar a que declarantes superassem aqueles sentimentos e relatassem tão pormenorizadamente quanto possível o que se passou –, os actos praticados pelo arguido relativamente a cada uma delas, nas circunstâncias que descreveram e que mereceram credibilidade ao Tribunal.
Melhor explicitando:
- A testemunha/ofendida F… descreveu a actuação do arguido para consigo e a sua irmã, E…, no decurso de dois períodos temporais, situando o primeiro deles, antes de ter ido viver com os tios para a …, o que sucedeu em Julho de 2008, conforme resultou apurado, tendo, nessa altura, 10 anos de idade, que completou em 12/4/2008, considerando o Tribunal, ante a referência feita pela testemunha F… de que tinha 9-10 anos, quando acontecerem os primeiros factos praticados pelo arguido que descreveu, valorando o que se mostra mais favorável ao arguido e que é o de que a F… já tinha 10 anos quando conduta do arguido para consigo se iniciou, deu-se como provado que tal ocorreu a partir de 13/4/2008; e o último desses períodos algum tempo depois de ter voltado a viver com a progenitora, regressando a casa desta em Março de 2012, só tendo passado a encontrar-se com o arguido, algum tempo depois, a partir de Maio, acompanhando a sua irmã E…, o que perdurou até Setembro [concretizando a testemunha F… este período temporal com maior precisão no depoimento que prestou, em sede de inquérito, perante a P.J., a fls. 48 a 54 dos autos e a cuja leitura se procedeu na audiência de julgamento, por se verificarem os pressupostos para a realização de tal leitura, nos termos que ficaram a constar da acta da audiência]. Referindo-se ao primeiro dos períodos de tempo a que aludiu, a testemunha/ofendida F…, nas declarações para memoria futura, relatou a ocorrência dos seguintes episódios: Em determinada ocasião, quando estavam em casa da G…, a H… e a I…, a irmã E… disse-lhe que o arguido lhe tinha telefonado, para que fossem ter com ele, o que concretizaram, dirigindo-se com a G…, a H… e a I…, para a zona das traseiras da biblioteca de Castro Daire, onde o arguido se encontrava, de carro, não recordando bem a ofendida o que fizeram aí, referindo “acho que lhe demos um beijo ou qualquer coisa”; Outros acontecimentos tiveram lugar numa P…, situada ao pé do “AE…”, confirmando tratar-se daquela que indicou à P.J., na diligência externa a que se reporta o auto junto a fls. 56 e 57, em que, por um número de vezes que computou em duas ou três – ressalvando que a sua irmã, E… foi lá mais vezes, segundo a própria lhe confidenciou –, na sequência de prévia combinação entre o arguido e a irmã da depoente, E…, encontraram-se ambas com o arguido, tendo este as beijado e pedido que se despissem, o que fizeram, tocando-lhes o arguido “nas partes íntimas”, pondo-lhes a mão “no pipi” – querendo significar zona genital. Com referência ao segundo período temporal que indicou, relatou a F… que, após ter regressado a casa da mãe, passado algum tempo esta passou a pedir-lhes – à depoente e à irmã E… – que fossem ter com o arguido – concretizando que tal aconteceu em alturas em que a depoente a e irmã queriam vir passear até à vila de Castro Daire e pediam à mãe que as deixasse vir e esta impunha como condição “só se forem terem com o “B1…”, sendo esta a alcunha por que conheciam o arguido, justificando essa condição com o facto de não ter gasolina para o veículo, que precisava de dinheiro –, sendo o local de encontro numa garagem, localizada junto do campo de futebol – tratando-se daquela que indicou à P.J. na diligência externa a que se reporta o auto de fls. 55, descrevendo a depoente o mobiliário que aí se encontrava e cuja existência veio a ser confirmada no âmbito da diligência de diligência externa e de busca a que se reporta o auto de fls. 199 a 201 –, trazendo-as a mãe, de carro e deixando-as nas proximidades da dita garagem – mais concretamente na estrada/rua que dava acesso aos prédios da garagem e indo dar uma volta –, entrando, então, a depoente e a irmã, E…, nessa garagem e estando aí o arguido, este fechava a porta, após o que se despiam, os três, o arguido dava-lhes beijos na boca e nas mamas e mexia-lhes no “pipi” – sem que metesse os dedos, querendo a depoente significar na vagina propriamente dita – e a depoente e a irmã faziam “uma coisa com a mão, no pénis do Sr. B… … fazíamos aquilo com a mão”, esclarecendo depois, a instâncias do Sr. Juiz que presidiu à diligência que o que faziam “à mão no pénis do arguido” era “bater uma punheta”, masturbá-lo, até ele ejacular, limpando-se o arguido a um rolo de papel [vindo a confirma-se na diligência externa e busca efectuada pela P.J. a tal garagem a existência do dito rolo de papel, conforme decorre dos fotogramas anexos ao auto de fls. 199 a 201] e no final dava €20,00 a cada uma delas, ficando com €5,00 para carregar o telemóvel e dando o restante à mãe para ir às compras. Relatou, ainda, a testemunha/ofendida F… que o arguido, às vezes, queria ter relações sexuais consigo e com a irmã E…, ao que se recusaram, empurrando o arguido quando ele tentava meter o pénis “lá dentro” e que o arguido lhes agarrava a cabeça, segurando o pénis e tentado coloca-lo na boca, designadamente, da depoente, o que não conseguiu, por virar a cara e dizer que não, o que levava a que o arguido parasse. Relativamente ao número de vezes em que a práticas sexuais que descreveu tiveram lugar na garagem, a testemunha F… computou-as em cinco ou seis [sendo que tal numero é significativamente inferior ao que referenciou no depoimento que prestou perante a P.J., em sede de inquérito e a cuja leitura se procedeu na audiência, conforme já referido], ressalvando que a sua irmã, E…, foi lá mais vezes do que a depoente.
- A testemunha/ofendida E…, nas declarações para memória futura que prestou, relatou que em determinada ocasião, em data que não soube precisar, tendo, então, 13 anos de idade [idade que se mostra consentânea com a localização temporal do inicio da ocorrência dos factos em 2008], o arguido – que conhecia pela alcunha de “B1…” – abordou-as perguntado se queriam dinheiro e que, nessa sequência, passaram, a depoente e a irmã F…, a encontrar-se com o arguido, ainda que a depoente o fizesse mais vezes sozinha do que acompanhada da irmã, ocorrendo tais encontros, numa quinta cuja localização indicou, sendo que aí, da primeira vez em que se encontraram nesse local, o arguido pôs a “pila” – querendo significar o pénis – de fora, e disse-lhe para brincar com ela, demonstrando-lhe, com os movimentos, como devia fazer e dizendo-lhe “agora faz assim”, o que a depoente concretizou, masturbando (nas suas palavras “batendo-lhe uma punheta”) o arguido, dando-lhes este, no final dinheiro. Relatou a depoente que, na aludida quinta, a prática de actos idênticos aos descritos, masturbando a depoente o arguido, repetiram-se, por um número de vezes que não soube precisar, confirmando que chegou a estar com o arguido nesse local, sem que estivesse acompanhada da irmã, masturbando o arguido e dando-lhe este, no final, €10,00, alicerçando o Tribunal a convicção segura de que, foram, pelo menos, três vezes, as ocasiões em que a ofendida E… praticou os actos descritos, ante o depoimento assertivo da testemunha F…, assegurando esta que os episódios ocorridos na P…, em que estava com a irmã E…, tiverem lugar, em, pelo menos, duas ocasiões e ante a afirmação de que a E… esteve da P… com o arguido, masturbando-o, desacompanhada da irmã. Relatou, ainda, a testemunha/ofendida E… dois episódios ocorridos na zona da biblioteca, em que “bateu punheta” ao arguido, sendo que num deles, a G… também o fez, estando arguido sentado num banco e no final o arguido deu €5,00 a cada uma. Descreveu a depoente E… os acontecimentos que tiveram lugar na garagem cuja localização indicou – descrevendo também o mobiliário e outros objectos nele existentes, designadamente o rolo de papel de cozinha, a que o arguido se limpava depois de ejacular e cuja existência veio a ser constatada na diligência externa realizada pela P.J., a que se reporta o auto de fls. 199 a 201 –, onde se deslocou com a irmã F…, após a mesma ter regressado da …, onde estivera a viver com uns tios – afirmando a depoente que no período em que a irmã esteve na …, e ao longo de quatro anos, desde os seus 13 anos, continuou a encontrar-se com o arguido e a “bater-lhe punheta”, o que sucedia, por um numero de vezes que indicou ser mais do que uma vez por mês –, deixando-as a sua mãe, perto da dita garagem e uma vez no interior da mesma, estando aí o arguido, despiam-se, o arguido beijava-a(s) na boca e no corpo, designadamente nas mamas e apalpava-a(s) e masturbava(m) – a depoente e a irmã F… quando iam juntas ou só a depoente quando ali se deslocou sozinha, sem a irmã – o arguido até à ejaculação, limpando-se o arguido ao papel de um rolo de cozinha que tinha na garagem e, no final de tais práticas, pagando o arguido, à depoente e à irmã, nos casos em que estavam juntas ou só à depoente se estava sozinha, a quantia de €20,00. Afirmou a depoente que o arguido pedia que lhe fizessem sexo oral, o que a depoente concretizou por duas vezes, e perguntava-lhes se podia “enfiar” – querendo significar introduzir o pénis na vagina –, referindo o arguido “a lá de baixo faz isso”, o que não permitiram que o arguido concretizasse. Relativamente à periodicidade com que aconteceram a descritas práticas na garagem a testemunha E… afirmou terem lugar mais de uma vez por semana. Quanto ao destino do dinheiro a testemunha E… afirmou que depois de Junho de 2012 passou a dá-lo à mãe.
Os encontros das ofendidas F… e/ou E…, com o arguido, na garagem referenciada surgem corroborados ante o depoimento da testemunha L…, irmão das mesmas ofendidas, que foi inquirido pelo Tribunal, a requerimento do Ministério Público, sem que estivesse antecipadamente notificado para o efeito, tendo o mesmo, apesar da relutância inicial em revelar tais factos – o que se mostra compreensível, tendo em conta, por um lado, o receio de poder ser penalmente responsabilizado pela conduta assumida –, acabando por relatar que em 2012, tendo conhecimento de que as suas irmãs se encontravam com o arguido – ainda que referisse que as mesmas nunca entraram em pormenores acerca do que faziam com o arguido, sendo que às perguntas do depoente sobre o assunto ficavam tristes, viravam-lhe a cara e diziam que não queriam falar sobre o assunto por que tinham nojo –, este pagava-lhe para que ficasse calado, entregando-lhe quantias entre os €10,00 e os €15,00, de cada vez, o que sucedeu por várias vezes, começando por referir terem sido “duas ou três” e admitindo depois, em resposta às perguntas que lhe foram feitas, terem sido “10 ou 11 vezes”. Aludindo às circunstâncias em que acompanhou a irmã E… até às imediações da dita garagem, a testemunha L… relatou que o arguido telefonava para a E… e combinavam o sítio e hora, perguntando a E… ao depoente se queria ir dar uma volta, ao que depoente uma vezes ia e outras não, sucedendo, nas vezes em que acompanhou a E…, o que se verificou durante os fins de semana, à tarde, esta dirigia-se a uma garagem localizada próximo da pizzaria “AF…” – garagem essa que identificou como sendo a que surge na fotografia junta a fls. 55 dos autos, com uma porta diferente das portas das outras garagens ali existentes –, nela entrado, tal como o arguido – chegando a E… a referir-se a este último como o namorado – indo o depoente dar uma volta, permanecendo no café até à altura em que a E… lhe telefonava para irem para casa, o que sucedeu duas ou três vezes, ainda que a E… fosse lá mais vezes sozinha, sem que o depoente a acompanhasse, sendo que o arguido lhe continuava a pagar para que “ficasse calado” e depois da sua irmã F… ter regressado da …, iam as duas, sendo que a E… recebia o telefonema do arguido e saía e a F… saía atrás dela, esclarecendo o depoente saber que era o arguido o autor de tais telefonemas, por tê-los ouvido e ter visto SMS trocados entre a E… e o arguido, não tendo, o depoente, nas alturas em que as suas duas irmãos, E… e F…, iam juntas, chegado a acompanhar as mesmas (o que se mostra consentâneo com o afirmado pelas testemunhas/ofendidas E… e F…, de que a sua mãe, as transportava até local próximo da garagem referenciada, para que se fossem encontrar com o arguido).
Para prova de que a actuação do arguido em relação às ofendidas E… e F… por estas descrita e que teve lugar na garagem que referenciaram teve um interregno no mês de Junho de 2012 foi determinante o teor da documentação hospitalar e clínica junta a fls. 753 a 758, do qual resulta que o arguido foi submetido a intervenção cirúrgica à anca direita, teve um período de internamento hospitalar e passou por um período de convalescença, sendo submetido a tratamentos, em conformidade com o que se deu como provado no ponto 13.
Na prova da factualidade vertida no ponto 8.1. atendeu-se, ainda, às declarações para memória futura prestadas pela testemunha H… que relatou que em determinada ocasião estando com as suas irmãs I… e G… e com a F… e E… “ao pé” da biblioteca, encontrando-se aí um senhor, que veio a saber depois tratar-se do ora arguido - confidenciando-lhes, na altura, a F… e a E… que este lhes dava dinheiro “por elas fazerem o que ele queria” – a F… e a E… foram para junto do mesmo, vendo a depoente que se abraçavam e que o arguido parecia estar a apalpá-las, ainda que não desse para ver muito bem o que faziam, trazendo a F… e a E…, após a ocorrência, dinheiro no bolso.
Para prova da matéria factual exarada nos pontos 18 atendeu-se ao teor das certidões de assento de nascimento de H…, G… e I…, insertas a fls. 449-450, 451-452 e 457-458 dos autos.
A prova dos factos vertidos nos pontos 19 e 20 assentou nos depoimentos conjugados das testemunhas G… e I…, que os confirmaram, resultando o facto de ofendida G… ter sido colega de escola da ofendida E… corroborado pelo teor dos documentos juntos a fls. 99 a 115 dos autos.
O Tribunal sedimentou a convicção no que concerne à prova dos factos exarados nos pontos 21 a 23 com base nas declarações para memória futura prestadas pela testemunha I… relatando a mesma ter visto o arguido a ter contactos com a E…, duas vezes, ocorrendo uma delas nas traseiras da biblioteca, em que o arguido apareceu aí, durante o dia, na sequência de combinação, via telefónica, com a E…, tendo, a dada altura, o arguido tirado o pénis para fora e pedido à E… para mexer no mesmo, dizendo a testemunha I… não saber se a E… chegou ou não a mexer, alicerçando o Tribunal a convicção de que nas circunstâncias descritas, a E…, acedendo ao pedido do arguido, mexeu-lhe no pénis, ante as declarações para memória futura prestadas pela própria E… [tendo esta afirmado que, por duas vezes, “bateu punheta”, ao arguido, nas traseiras/imediações da biblioteca]; a segunda situação, segundo o relato feito pela testemunha I…, nas declarações para memória futura que prestou, aconteceu nessa mesma data, à noite, em concretização do que lhes foi dito para que se encontrassem consigo, o que veio a concretizar-se, tendo o arguido estado a conversar com elas e encontrando-se o arguido sentado na “mala” do seu carro, puxava e agarrava a E…, fazendo com que se sentasse no colo dele, saindo a E… do colo do arguido, actuação que, naquela ocasião, se repetiu por várias vezes.
A factualidade exarada nos pontos 27 a 32 provou-se com base nas declarações para memória futura prestadas pela testemunha/ofendida G…, relatando a mesma que no dia seguinte àquele em que estiveram todas juntas, a depoente e as irmãs, a E… e a F…, nas traseiras da biblioteca e em que apareceu aí o arguido, que esteve a conversar com a E…, na altura em que esta última e a depoente – que tinha então 15 anos – ficaram só as duas com o mesmo, acedendo ao pedido do arguido, dirigiram-se para junto de uma “rampazita” e o arguido, tendo o fecho das calças entreaberto, disse-lhes para que lhe mexerem nos genitais, tendo depois o arguido lhe colocado a mão na perna da depoente, zona da coxa, após o que o arguido pegou na mão da depoente e colocou-a no “órgão sexual”/pénis, adoptando o arguido conduta idêntica em relação à E…, dando no final o arguido à depoente €5,00, tendo a testemunha/ofendida E…, nas declarações para memória futura que prestou, corroborado o afirmado pela testemunha G… de que masturbou o arguido, na descrita ocasião, em que esta o fez.
O Tribunal sedimentou a convicção no atinente à prova dos factos vertidos nos pontos 33 e 34 com base no teor da certidão do assento de nascimento inserta a fls. 453 e 454 e dos elementos documentais relativos ao processo de promoção e proteção respeitantes à, então, menor J…, que se mostram juntos a fls. 14 a 43 dos autos, atendendo-se, ainda, no tocante à prova das circunstâncias em que a J… ficou a viver com os tios e onde residiram, ao depoimento da testemunha AB…, tia da J….
A matéria factual descrita nos pontos 35 a 42 resultou provada com base nas declarações para memória futura, prestadas pela testemunha/ofendida J…, que descreveu o relacionamento próximo que existia entre os tios e o arguido, chegando este a dar dinheiro àqueles e relatou as condutas que o arguido teve para consigo, referenciando que, em determinada ocasião, quando seguiam – a depoente, os tios e o irmão – no carro do arguido, no decurso da viagem de Viseu para Castro Daire, o arguido pôs uma cassete com sons de mulher e homem a fazer sexo, propondo o arguido que a depoente fosse com ele para trás do penedo que lhe dava dez euros, o que a depoente recusou [referindo que a tia/madrinha, tratando-se da testemunha AB… teve a seguinte atitude “disse para eu ir para o … e como não fui ficou chateada comigo por não ter dinheiro para comprar o comer e o meu padrinho disse para eu não ir, a minha madrinha é que disse o contrário”]; outro episódio ocorreu, numa altura em que a depoente vinha com o tio/padrinho, do “AI…”, em que junto da discoteca “M…”, o arguido, que vinha atrás, chamou-a, assobiando-lhe, e quando se aproximou do arguido, viu que ele tinha “aquilo” – esclarecendo depois tratar-se do pénis – de fora, agarrando-a, encostou-a a uma parede, puxou a camisola e apalpou-a nos peitos, tendo o arguido mandado baixar as calças e tentado fazê-lo, o que não conseguiu, tendo o arguido encostado o pénis à barriga da depoente, tendo, nessa altura, o padrinho da depoente, que ia mais à frente, voltado para trás e o arguido vestiu as calças rapidamente. Acerca da idade que tinha aquando da ocorrência dos descritos acontecimentos referenciou a testemunha J…, um episódio em que, tendo já 14 anos, o que frisou por referência aos outros dois episódios que relatou em que ainda não tinha atingido essa idade, em que o arguido, em determinada data, que situou em período de férias escolares, que não as férias grandes, à hora do jantar, entrou no seu quarto e tentou dar-lhe um beijo na boca, mas não o fez, porque a depoente desviou a cara – o que já também sucedeu noutras ocasiões – e o seu irmão entrou de repente no quarto, tendo o arguido lhe deixado um euro em cima do computador.
Os depoimentos das testemunhas identificadas testemunhas, que prestaram declarações para memoria futura pela forma como descreveram os factos e que se deixou enunciada, mereceu inteira credibilidade ao Tribunal, fazendo-se notar que algumas imprecisões no referente à concretização das datas dos episódios que relataram e no que tange às testemunhas E… e F…, ao número de vezes em que o arguido praticou ou as levou a praticar com ele os actos que descreveram e a dificuldade em precisar alguns pormenores no concernente a alguns desses actos, surgem plenamente justificadas, dado a natureza dos factos que estão em causa e não se tratar de um acto isolado, mas de uma pluralidade de actos, praticados durante um período de tempo de vários meses.
Acresce que da prova produzida nada resultou que abalasse a credibilidade das declarações para memória futura prestadas pelas testemunhas E…, F…, G…, H…, I… e J…, sendo que a versão do arguido no sentido de que a imputação por parte das mesmas das condutas que referenciaram constitui uma “cabala” para lhe extorquir dinheiro e para como vingança engendrada pela mãe das testemunhas F… e E…, O… – pelo facto de ter posto fim ao relacionamento sexual que manteve com esta, nas suas palavras “deu-lhe com os pés”, continuando a mesma a exigir-lhe dinheiro, o que, algumas vezes satisfez, mas como lhe dava pouco, urdiu um plano, com a colaboração das filhas e de colegas destas para se vingar e conseguir tirar-lhe dinheiro – mostra-se completamente infundada e resulta infirmada, em face do conjunto da prova produzida, resultando das declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas F… e E…, tal como dos depoimentos que prestaram perante a P.J., em sede de inquérito, e a cuja leitura se procedeu, que as mesmas nutrem sentimentos de mágoa e revolta contra a mãe, pela conduta que assumiu ao incentivá-las a irem ter com o arguido, para que lhe trouxessem dinheiro e tendo sido confirmado pela testemunha L…, que a suas irmãs, F… e E…, estão de relações cortadas com a mãe, além de que, nenhuma das ofendidas deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido, surgindo, neste contexto, como completamente inverosímil que as ofendidas se aliassem à mãe, num qualquer plano de vingança e de alcançar vantagens pecuniárias, contra o arguido.
Por outro lado, não poderá deixar de se fazer notar que, pese embora o arguido, negue ter mantido práticas/contactos sexuais com qualquer das ofendidas, designadamente, com a E…, a F… e a J…, confirmou ter estado com as mesmas em locais e circunstâncias por aquelas indicados e ter dado quantias monetárias à F…, ainda que contextualizando tais acontecimentos em total divergência com o que foi relatado pelas testemunhas/ofendidas [o arguido confirmou que a E… se deslocou com a mãe à garagem referenciada, situada atrás do restaurante “AF…”, em Castro Daire – pertença de um seu amigo, tratando-se da testemunha AG…, que lhe tinha facultado a utilização da mesma para aí guardar bens –, situando o arguido tal ocorrência, em Outubro de 2006 – relatando que, após prévio contacto telefónico em que a O… lhe pediu dinheiro, dizendo-lhe o arguido que estava na garagem e ela apareceu lá acompanhada de uma filha, estiveram à porta - ela, a O…, perguntou de quem era a cama e as campainhas -, nem três minutos lá estiveram na garagem, relatando o arguido o diálogo que teve com a O…, nos seguintes termos “ela disse-me empresta-me 100 euros e eu disse que não dou-te 30 e ela disse és um forreta estes garrafões são teus e estão encomendados não te dou mais dinheiro nenhum”; confirmou, ainda, o arguido ter dado dinheiro à E…, acedendo ao pedido desta nesse sentido, estando, em algumas alturas, com a irmã, no jardim, em Castro Daire e ao verem aí o arguido, a E… pedia-lhe dinheiro para carregar o telemóvel, o que o arguido satisfazia; confirmou também o arguido que, em determinada ocasião, estava na P… do Sr. AH… – tratando-se da testemunha AH1…, quando aparecerem aí a E… e a irmã F…, dando-lhes o arguido 5 euros, referindo o arguido que tal aconteceu na rua, em frente ao portão da P…; aludiu, ainda, o arguido a uma outra ocasião em que deu 35 euros à E…, dizendo que era para mãe, o que aconteceu, em frente da Câmara de Castro Daire. Relativamente à J…, o arguido embora confirmando ter sido posta a cassete de cariz pornográfico no leitor de cassetes do seu veículo, no decurso da viagem de Viseu para Castro Daire, imputou essa conduta ao tio da J…, versão esta que foi infirmada pelas declarações da testemunha/ofendida J…, que merecerem credibilidade ao Tribunal; confirmou, ainda, o arguido que em determinada altura foi comprar um funil ao “AI…” e encontrou-se aí com os tios da J… e com o irmão desta, acabando o arguido por pagar uma bebida aos tios da J…], valorando o Tribunal as declarações destas, ou seja, das testemunhas ofendidas, que mereceram credibilidade, pelas razões que se deixam explanadas. [cabendo aqui deixar uma nota acerca do alegado pelo arguido, em sede de contestação, no sentido de que o Ministério Público, na acusação, «colocou em causa a versão apresentada pelas participantes, considerando as declarações das mesmas não indiciárias quanto aos comportamentos, designadamente, de O…, mãe das participantes E… e F…, assim como de AB…, tia de J…», sendo que analisado o despacho de arquivamento do Ministério Público nessa parte, constata-se não terem sido feitas quaisquer considerações quanto às declarações prestadas pelas ofendidas, em termos de as descredibilizar).
De salientar, ainda, as circunstâncias em que a ofendida F… veio a dar conhecimento a terceiros dos referenciados factos praticados pelo arguido – fazendo-o, conforme foi referido pela própria e confirmado pela testemunha AJ…, que foi sua professora, no ano lectivo que se iniciou em Setembro de 2012, constatando a depoente, em meados de Outubro – mais concretamente no dia 23 desse mês – que a menor estava a chorar, dizendo que se ia matar, que não a deixavam estudar, que tinha que trabalhar, que a obrigavam a fazer todas as tarefas de casa, que não aguentava mais, reportando a testemunha a situação à CPCJ, conforme decorre do teor do documento junto a fls. 5 a 8 dos autos, e no dia seguinte, 24/10/2012, como a F… manifestasse não estar bem disse a uma colega da turma que a acompanhasse à casa de banho, vindo a dita colega a referir-lhe que a F… estava a chorar muito, pelo que a depoente foi falar com ela, tendo a conversa ocorrido na escadaria do pavilhão, questionando a depoente a F… sobre o que se passava, começando a mesma por dizer que a mãe a pressionava e não queria que falasse sobre certas coisas e insistindo a testemunha com a F… para que lhe contasse o que se estava a passar, a F… acabou por lhe relatar o que fez constar na descrição que elaborou para a CPCJ e que se mostra junta a fls. 4 dos autos, cujo teor corroborou, dizendo-lhe a F…, chorando bastante à medida que fazia relatava os factos, que a mãe a levava, à própria e à irmã, até à garagem onde tinham lugar as práticas sexuais que descreveu e que o homem com quem as faziam – que disse chamar-se B…, ser ex-GNR – não podendo extrair-se qualquer ilação no lapso quanto à corporação que o arguido integrou, sendo a PSP e não a GNR - e viver junto ao AE…, em Castro Daire –, lhes dava dinheiro, tendo, na altura em que a depoente estava a falar com a F…, por ali passado, a E…, questionando-a a depoente sobre o que era verdade o que a F… lhe dissera, confirmando a E… ser verdade, designadamente, que a mãe as levava para que se encontrassem como dito homem.
As testemunhas K… e AK…, membros da CPCJ, sendo a primeira técnica da Segurança Social e a última psicóloga, tendo acompanhado e intervindo no processo de promoção e protecção da, então, menor F…, a cuja reabertura se procedeu em 2012, na sequência da sinalização da situação de risco e da participação dos factos que estão em causa nos presentes autos, relataram, no depoimento que respectivamente prestaram, que a F… lhes confirmou o que havia verbalizado junto da professora, ora testemunha AJ…, afirmando, ainda, que a F… lhes referiu que dava à mãe, o dinheiro que lhe era entregue pelas práticas sexuais que mantinha, o que sucedeu, designadamente, numa ocasião em que a mãe queria fazer uma festa de aniversário e a trouxe, bem como à irmã E…, até junto da aludida garagem e em que o dinheiro conseguido com as práticas sexuais que aí mantiveram, foi gasto pela mãe na compra de um leitão, para a dita festa. Aludindo ao estado emocional que constataram ser vivenciado pela, então, menor E…, as testemunhas K… e AK… caracterizaram-no como de grande revolta para com a mãe, por sentir que esta não a protegia, quando a F… sempre assumira uma atitude de protecção da mãe, contexto de violência doméstica do progenitor relativamente a esta e mesmo estando a viver com os tios na …, assumia comportamentos tendentes a chamar à atenção sobre si – simulando crises de histerismo, que inicialmente foram tidas como epilepsia, o que depois não se veio a confirmar – e que pudessem contribuir para uma tomada de decisão no sentido de a fazer regressar para junto da progenitora, o que acabou por acontecer, sucedendo que as expectativas que criou acerca desse regresso, foram goradas, face à descrita conduta assumida pela mãe para consigo e a irmã, tendo a F…, na presença da testemunha K… e AK…, exteriorizando o que sentia, se dirigido à mãe, dizendo “o que fazes comigo nem os cães fazem às cadelas!”.
Importa referir que a circunstância das testemunhas F…, E…, I…, H… e G…, não terem referido nas declarações para memória futura a ocorrência de alguns factos que relataram nos depoimentos que prestaram perante a P.J., em sede de inquérito e a cuja leitura se procedeu na audiência de julgamento, por estarem verificados os pressupostos legais da realização de tal diligência (v.g. quanto à prática de sexo oral ao arguido, nas traseiras da biblioteca por parte da E… e quanto à prática de sexo oral ao arguido pela F…), não permite tirar qualquer ilação em termos de discrepância no relato feito pelas mesmas, nas declarações para memória futura que prestaram, pois que, as diligências em questão foram presididas por pessoas diferentes, com distintas perspectivas e formas de formular as perguntas, desde logo em função da respectiva formação profissional, sendo uma mulher a presidir à inquirição das perante a P.J. (sendo também mulheres a professora, a técnica de serviço social e a psicóloga a quem a F… confirmou ter feito sexo oral ao arguido), enquanto que a tomada de declarações para memória futura foi presidida por um Sr. Juiz, denotando-se, algum pudor, por parte das testemunhas que as prestaram, em falar sobre certos actos praticados e/ou presenciados, o que à luz das regras da experiência comum, se revela como normal e compreensível, sendo certo que, no tocante aos actos praticados pelo arguido, o Tribunal valorou o que as mencionadas testemunhas relataram nas declarações para memória futura, na medida em que nos depoimentos que prestaram perante a P.J., e a cuja leitura se procedeu, na audiência de julgamento, relataram mais factos que, a serem considerados, importariam a responsabilização do arguido por mais actos do que os que descreveram nas declarações para memória futura.
Da apreciação conjugada das provas que se deixam enunciadas sedimentou o Tribunal a convicção segura de que o arguido praticou os factos que deu como provados tendo como ofendidas E…, F…, G…, J… e I….
Os factos constantes dos pontos 43 a 46 provaram-se com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação assumida pelo arguido, nos termos que resultaram apurados e no que concerne ao conhecimento pelo arguido da idade das ofendidas E…, F… e J…, atendendo ao contacto que o mesmo mantinha com as mesmas, designadamente, por via do relacionamento que teve com a mãe das duas primeiras e com o tio/padrinho da última, sendo que relativamente às ofendidas G… e I…, sendo amigas e acompanhando com as irmãs F… e E…, o arguido não poderia deixar de saber que as sua idade se situava em faixa etária próxima da daquelas.
A prova dos factos exarados nos pontos 47 e 48 assentou no teor do relato de diligência externa de fls. 199 a 201, do auto de busca e apreensão inserto a fls. 204 e 205 e do auto de exame directo de fls. 218.
Os factos vertidos nos pontos 49 a 61 provaram-se com base no teor do relatório social inserto a fls. 799 a 802 dos autos, atendendo-se, ainda, na prova da factualidade atinente à personalidade do arguido ao teor do relatório de avaliação psicológica a que o arguido foi submetido junto a fls. 913 a 915 dos autos, sendo o comportamento social do arguido abonado pelas testemunhas AH1…, AL… e AM…, amigos do arguido, privando com o mesmo desde há longa data.
A ausência de antecedentes criminais do arguido mostra-se certificada a fls. 748 dos autos.
Por último, o Tribunal sedimentou a convicção no tocante à prova dos factos vertidos no ponto 63 com base nas declarações do arguido, prestadas na audiência de julgamento e no teor do relatório de avaliação psicológica do arguido junto a fls. 913 a 915 dos autos
*
Não resultaram provados os factos descritos sob o ponto 2.2. porquanto, na audiência de julgamento, não foi produzida qualquer prova que os confirmasse, cabendo referir:
● No que tange aos factos vertidos nas als. b) e c), que o Tribunal valorou as declarações para memória futura prestadas pelas testemunhas identificadas na mesma alínea, não tendo as mesmas confirmado, quanto a tais factos, o que haviam relatado no depoimento que prestaram, perante a P.J., em sede de inquérito e a cuja leitura se procedeu, na audiência de julgamento, sendo a valoração da prova nestes termos feita pelo Tribunal, sem sentido favorável ao arguido, em conformidade com o que deixamos explicitado supra, em sede de motivação dos factos provados;
● Em relação aos factos vertidos na al. d), ainda que as testemunhas de defesa AL… e AM…, no depoimento que prestaram, hajam afirmado que o arguido andou com muletas e que após sair do hospital esteve em convalescença, estimando a testemunha AL… que o período de convalescença fosse “para aí de um mês e meio”, não, nesse período veículos, conduzindo veículos, tendo em conta que o arguido saiu do hospital em 12/06/2012, período de convalescença teria terminado ainda no decurso do mês de Julho, não resultando, neste contexto, confirmada a factualidade em apreço.
(…)

Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:
• no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;
• ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência (cfr. Ac. do STJ de 05/06/08, proc. 06P3649; Ac. do STJ de 14/05/09, proc. 1182/06.3PAALM.S1,www.dgsi.pt).
Relativamente aos vícios previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, importa considerar que o vício previsto na alínea c) se verifica quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, melhor, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar (cfr. Ac. STJ de 2/10/96, proc. 045267, www.dgsi.pt). Trata-se, pois, de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
Na impugnação ampla impõe-se ao recorrente o dever de especificar os «concretos» pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as «concretas» provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados e em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa e em que sentido devia ter sido a decisão.
Este modo de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, ou seja, não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados (cfr. Ac. do STJ de 29/10/08, proc. 07P1016 e Ac. do STJ de 20/11/08, proc. 08P3269, www.dgsi.pt).
Neste contexto, as indicações exigidas no artigo 412.º n.º 3 e 4 do Código Processo Penal são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto (cfr. Ac. STJ de 19/05/2010, proc.696/05.7TAVCD.S1, www.dgsi.pt).
De harmonia com a jurisprudência fixada pelo STJ no Acórdão 8 de Março de 2012 (proc. 147/06.0GASJO.P1-A.S1, www.dgsi.pt), «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Acresce ainda que:-

Dispõe o art. 412º nº 3 e 4, do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
3:- a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas
4:- Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Temos dito, reiteradamente e com base em sedimentação Jurisprudencial que o recurso da matéria de facto não se destina a um novo julgamento e à aquisição de nova convicção de facto, mas sim a aquilatar da razoabilidade da convicção de facto adquirida pela 1ª instância, face às provas produzidas, sempre sem esquecer que a 1ª instância se encontra enriquecida pelo princípio da imediação, a qual naturalmente pressupõe o contacto “ao vivo” com os participantes processuais e, designadamente, com as provas prestadas oralmente em audiência, no caso, de livre apreciação e tendo em mente o disposto no art. 127º, do CPP.

A Jurisprudência do STJ que a seguir se cita e segue ( para além de diversas decisões desta Relação – cfr. entre várias outras, o Ac. de 21/01/09 – Proc. Nº 2545/08; de 1/04/09, Proc. Nº 7212/08, m- relator ) tem-se debruçado sobre esta mesma vertente).

Assim:-

A partir da reforma de 1998 passou a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades.
II - No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo. Nesta forma de impugnação os vícios da decisão têm de emergir, resultar do próprio texto, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma.
III - No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.º, al. b), do mesmo diploma.
IV - A alteração do art. 412.º do CPP operada em 1998 visou tornar admissível o recurso para a Relação da matéria de facto fixada pelo colectivo, dando seguimento à consagração do direito ao recurso resultante do aditamento da parte final do art. 32.º, n.º 1, da CRP na revisão da Lei Constitucional n.º 1/97, vindo a ser “confirmada” pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005 (in DR, I Série-A, de 07-12-2005), que estabeleceu: «Após as alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25/08, em matéria de recursos, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da matéria de facto fixada pelo tribunal colectivo».
V - Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto, não sendo tão restrita como a operada através da análise dos vícios decisórios – que se circunscreve ao texto da decisão em reapreciação –, por se debruçar sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre, no entanto, quatro tipos de limitações:
- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;
- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;
- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.
VI - O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP.
VII - Constitui entendimento pacífico há muito estabelecido que não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria de facto provada.(cfr. Ac. do STJ, de 12/06/08 – www.dgsi.pt. -).

Já mais recentemente, mas, a nosso ver, em plena consonância com os arestos anteriores, conforme se decidiu no douto Ac. do STJ de 19/05/2010 – in www.dgsi.pt(...)........
A motivação de recurso compreende dois ónus: o de alegar e o de concluir. O recorrente deve começar por expor todas as razões da impugnação da decisão de que recorre (enunciar especificamente os fundamentos do recurso) e, depois, indicar de forma sintética, essas mesmas razões (formular conclusões em que resume as razões do pedido).
São as conclusões da motivação que definem e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, são as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior.
Versando o recurso matéria de facto, deve ser estruturado nos termos definidos pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP: as indicações aqui exigidas são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.
É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto.
A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se destina a assegurar a realização de um novo julgamento, de um melhor julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância.
O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Ainda mais recentemente mas em total sintonia jurisprudencial com o que vem de ser expendido, cfr. Ac. desta RP, de 16/01/2013 in dgsi.pt. diz-se o seguinte:-
(…)
A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, dar crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.

Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível).

De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o Tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.

Apreciemos então, o que afinal se reconduz, a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida.
A este propósito convém, então, referir que, nos termos do artigo 127º C P Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A maior parte das vezes, os recursos, quanto a esta concreta questão, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, juridicamente ilegítimo, por irrelevante, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, exercício este que, para ser legítimo, logo juridicamente relevante, por imposição do artigo 127º C P Penal, somente ao tribunal, entidade competente, notoriamente, incumbe.
Não pode é, a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.
À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, responde o Prof. Figueiredo Dias, “(…) significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; mas qual o seu significado positivo? Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos”.
“Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável; já se vê, assim, que sendo a dúvida que legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo, obviamente, a que obsta à convicção do juiz, tal dúvida não pode ser puramente subjectiva, antes tem de, igualmente, revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável”. [3]
“Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal, artigo 127º C P Penal, a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos à posteriori tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.
A conclusão – pela qual o arguido pugna - de que, pelo facto de nenhuma prova directa se ter produzido – não pode ser tido como o autor do factos, não é permitida, não é consentida, salvo atentado grosseiro à normalidade das coisas da vida e à inteligência do ser humano.
De resto, a propósito da inexistência de prova testemunhal a afirmar, directamente, ter tido o arguido, participação directa e pessoal na prática dos factos, convém dizer o seguinte:
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso, II, 82, citado no Ac. RC de 9.2.2000, in CJ, I, 51, que doravante seguiremos de perto, “é clássica a distinção entre prova directa e indiciária.
Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto que a prova indirecta ou indiciária, se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere imediatamente ao facto probando, fala-se de prova directa e se o mesmo se refere a outro do qual se infere o facto probando, fala-se em prova indirecta ou indiciária.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos e, por isso o seu valor probatório é extremamente variável. Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto-indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos à inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas, leva alguns autores a afirmara sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova directa e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho, (Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal).
Como refere André Marieta, in La Prueba em Processo Penal, 59, são 2 os elementos da prova indiciária:
- o indício será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado, que pode ser definido como todo o resto, vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido.
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa…
O que não se pode admitir é que a demonstração do facto-indício que é a base da inferência seja também ele, feito através de prova indiciária, atenta a insegurança que tal acarretaria.
- em segundo lugar, é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma permissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício permissa menor, permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados de dúvida e probabilidade.
A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de 3 operações: em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador, uma regra da experiência ou da ciência, que permite num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova da capacidade de convicção.
A nossa lei processual não faz qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.
O funcionamento e creditação desta está dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme refere Marques da Silva, o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal, os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervém elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervém as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.
(…)

Ainda quanto ao art. 127º, do CPP:-

O art. 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova.
De acordo com o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111) “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
Por seu turno, o Tribunal Constitucional, no seu Ac. nº 464/97/T, D.R., II Série, nº 9/98 de 12.1, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da norma do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e estribando-se nos ensinamentos dos Prof. Castanheira Neves e Figueiredo Dias, refere que “esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso «está apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça”.
Ora, o princípio da livre apreciação da prova está intimamente relacionado com os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo a que todas as provas (excepto aquelas cuja natureza não o permite) sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo, diz respeito à proximidade que o julgador tem com os intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova, através de uma percepção directa.

Com este princípio entronca o invocado princípio “in dúbio pro reo”: havendo facto incertos tal incerteza deve sempre favorecer o arguido.
X

Concretizando:-

Como bem se escreveu no Ac. Da R.E, de 16/12/2012:
(…)
Nas situações de abuso sexual de crianças, por força das circunstâncias, a prova é particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova directa, e, regra geral, só têm conhecimento da maioria dos factos o arguido e a vítima. Por vezes até a prova pericial é realizada tardiamente quando já não existem vestígios dos abusos.

Daí que assuma especial relevância o depoimento da vítima, desde que, como é evidente, o mesmo seja credível e esteja em sintonia com as regras da experiência comum, baseada nos conhecimentos que sobre a matéria vem sendo transmitida pelas investigações psicológicas, pois só nesse caso é susceptível de formar a convicção do julgador.

As crianças que foram vítimas de abuso sexual, à semelhança do que se passa com os adultos, têm muitas vezes grande relutância em relatar acontecimentos embaraçosos, traumáticos, ou que, por motivo de ameaças, tenham receio de revelar, embora se possam lembrar muito bem deles.
(em sentido similar, entre outros, cfr. Ac. Da RG, de 12/10/2010, ambos in www.dgsi.pt).

Ora, desde logo e com bem consta da “motivação”, o Tribunal “a quo” não se limitou a alicerçar a sua convicção nas declarações para memória futura das vítimas nos autos (cfr. o que consta de fls. 324 e CD; compaginou-as ali constantes (ver vol I); mas ainda não deixou que aquilatar da credibilidade das vítimas e fez constar que reforçou a sua convicção por via de leitura em audiência de depoimentos de vítimas prestados à P. J. em sede de inquérito, por via de verificação legal para a realização da sua leitura, o que consta de acta de audiência de discussão e julgamento.

Mas o Tribunal “a quo” , a nosso ver meritoriamente, não deixou de conjugar (adentro de uma visão global e crítica) estes meios de prova com prova testemunhal manifestamente credível das testemunhas, K… e AK…, membros da CPCJ ( a primeira, técnica da Segurança Social, a segunda Psicóloga), para melhor compaginar o circunstancalismo factual e sinalizações das situações de risco e participação dos factos em causa; ainda da testemunha credível, da testemunha AJ…, Professora, tudo devidamente explicitado.
Ainda a compaginação destas provas o das testemunhas, O… e T… (mãe e avó, respectivamente, das ofendidas, E… e F…); assentos de nascimento de ofendidas.
Assentos de nascimento sinalizados nos autos e já referidos; peças processuais atinentes ao processo de promoção e protecção também acima sinalizados.
Da testemunha L…, irmão da E… e da F… e a forma isenta e crítica, com que se valorou o seu depoimento.
A documentação clínica e hospitalar de fls. 753 a 758, para devida situação temporal da cirurgia, internamento hospitalar e convalescença do Recorrente.
Prova vinculada atinente aos assentos de nascimento das ofendidas.
Para além do que disseram as ofendidas G… e I… o facto de E… e G… terem sido colegas de escola em confrontação com a documentação credível, para a matéria de fls. 99 a 115 dos autos.
Ainda a compaginação com prova documental credível (relatos de diligência externa PJ) fls 199 a 201, já repaginados).
Ainda o relatório social e de avaliação psicológica do arguido, acima também devidamente sinalizado.
O arguido vem negar a prática dos factos, na matéria que contra si é ético-juridicamente relevante, invocando uma espécie de “complot” contra si montando por outrem com responsabilidades parentais; mas o certo que ele e só ele, como meio de prova tentam, impugnar especificadamente, o que se escreve e conclui da convicção quanto à matéria de facto.

Tendo em atenção as gravações da audiência, repassando as mesmas e tendo em conta a bem elaborada resposta do MP que a longos espaços seguimos de perto, diremos o seguinte:-
(…)
O Recorrente aduz em seu favor a seguinte argumentação (cfr. Conclusões da Motivação e ainda com apelo a esta):-

A) Os documentos hospitalares juntos na contestação pelo recorrente, demonstram que durante Junho de 20102 não podia ter praticado factos descritos na acusação; e ainda, que as ofendidas faltaram à verdade quando disseram que mantiveram práticas sexuais com o arguido durante o mês de Junho de 2012 (conclusões 1 a 11 das alegações).

B) A data do início do relacionamento sexual entre o arguido e as ofendidas E… e F… ocorreu em Junho de 2012 (conclusões 7 a 9 das alegações).

C) Não tendo as ofendidas declarado que viram o arguido com qualquer apoio externo (canadianas) durante o mês de Junho, logo os seus depoimentos são falsos (conclusões 10 e 11 das alegações).

D) No ponto 15.4 da matéria de facto dada como provada deveria dar-se como provado que a ofendida E… fez sexo oral ao arguido numa única ocasião, em vez das duas provadas (conclusão n.º 12 das alegações de recurso).

E) Falta credibilidade ao depoimento da ofendida F…, pois, por forma a conseguir deixar a casa dos tios, disse às Sr.ªs Técnicas da Segurança Social que estes a deixavam passar fome o que era falso (conclusão n.º 13 das alegações de recurso).

F) O depoimento de AN…, por ser inverosímil, genérico, contraditório e inesperado, não permite corroborar qualquer facto (Conclusão 14 das alegações de recurso)

G) Tendo as ofendidas faltado à verdade quanto disseram que mantiveram contactos com o arguido em Junho de 2012, então, também faltaram à verdade quanto à factualidade vertida sob os pontos 8.2. e 8.3., até porque há contradições entre o alegado pelas menores nas declarações para memória futura e o declarado perante a PJ; o Tribunal deveria ter considerado somente um encontro (conclusões 16 a 24 das alegações de recurso).

H) A acreditar-se no depoimento ad ofendida G… que serviu de base à prova dos factos provados sob os pontos 28 a 32, a prática do acto sexual não resultou de qualquer promessa de compensação, logo, a sua conduta não é subsumível na previsão do art. 174º, n.º 1, do CP (Conclusões 25 e 26 das alegações de recurso).

I) Inexistência de prova credível quanto aos factos dados como provados sob os pontos n.ºs 8.1., 22, 23, 24, 25 e 26 (conclusões 27 a 34 das alegações).

J) A respeito dos factos dados como provados sob os n.ºs 36 e 39, a menor J… contava já com 14 anos aquando da sua ocorrência (conclusões 35 a 39 das alegações de recurso).

Assim, de uma maneira geral, o presente recurso visa colocar em causa a apreciação que o “Tribunal a quo” fez da prova produzida em julgamento, nomeadamente da prova testemunhal produzida.

Para tanto, e relativamente a vários factos dados como provados, o recorrente alega que a existência de contradições entre os depoimentos das ofendidas, nomeadamente, entre os depoimentos prestados pelas ofendidas em declarações para memória futura e os depoimentos pelas mesmas prestados durante o inquérito perante inspectores da Polícia Judiciária, imporia que o Tribunal não lhes atribuísse a importância e credibilidade que lhe mereceu.

Não prestou o recorrente atenção, certamente porque não lhe era conveniente, às ajuizadas e assertivas considerações do Tribunal “a quo”, quando refere, a esse propósito, o seguinte:
“(…)
Os depoimentos das testemunhas identificadas testemunhas, que prestaram declarações para memoria futura pela forma como descreveram os factos e que se deixou enunciada, mereceu inteira credibilidade ao Tribunal, fazendo-se notar que algumas imprecisões no referente à concretização das datas dos episódios que relataram e no que tange às testemunhas E… e F…, ao número de vezes em que o arguido praticou ou as levou a praticar com ele os actos que descreveram e a dificuldade em precisar alguns pormenores no concernente a alguns desses actos, surgem plenamente justificadas, dado a natureza dos factos que estão em causa e não se tratar de um acto isolado, mas de uma pluralidade de actos, praticados durante um período de tempo de vários meses.
Acresce que da prova produzida nada resultou que abalasse a credibilidade das declarações para memória futura prestadas pelas testemunhas E…, F…, G…, H…, I… e J…, sendo que a versão do arguido no sentido de que a imputação por parte das mesmas das condutas que referenciaram constitui uma “cabala” para lhe extorquir dinheiro e para como vingança engendrada pela mãe das testemunhas F… e E…, O… – pelo facto de ter posto fim ao relacionamento sexual que manteve com esta, nas suas palavras “deu-lhe com os pés”, continuando a mesma a exigir-lhe dinheiro, o que, algumas vezes satisfez, mas como lhe dava pouco, urdiu um plano, com a colaboração das filhas e de colegas destas para se vingar e conseguir tirar-lhe dinheiro – mostra-se completamente infundada e resulta infirmada, em face do conjunto da prova produzida, resultando das declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas F… e E…, tal como dos depoimentos que prestaram perante a P.J., em sede de inquérito, e a cuja leitura se procedeu, que as mesmas nutrem sentimentos de mágoa e revolta contra a mãe, pela conduta que assumiu ao incentivá-las a irem ter com o arguido, para que lhe trouxessem dinheiro e tendo sido confirmado pela testemunha L…, que a suas irmãs, F… e E…, estão de relações cortadas com a mãe, além de que, nenhuma das ofendidas deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido, surgindo, neste contexto, como completamente inverosímil que as ofendidas se aliassem à mãe, num qualquer plano de vingança e de alcançar vantagens pecuniárias, contra o arguido.”.

E continuando (como acima já se referenciou devidamente), acrescentou o Tribunal “a quo”:

Por outro lado, não poderá deixar de se fazer notar que, pese embora o arguido, negue ter mantido práticas/contactos sexuais com qualquer das ofendidas, designadamente, com a E…, a F… e a J…, confirmou ter estado com as mesmas em locais e circunstâncias por aquelas indicados e ter dado quantias monetárias à F…, ainda que contextualizando tais acontecimentos em total divergência com o que foi relatado pelas testemunhas/ofendidas (…) valorando o Tribunal as declarações destas, ou seja, das testemunhas ofendidas, que mereceram credibilidade, pelas razões que se deixam explanadas. (…)”.

Isto é, o Tribunal valorou devidamente a prova produzida e, principalmente, a natureza da mesma e a sua especificidade, mostrando-se devidamente alerta para as dificuldades na sua correlação e conjugação, nomeadamente, dos vários depoimentos.
(…)

A) Quanto ao alegado sob os pontos 1 a 11 das conclusões de recurso:

O arguido apresentou com a contestação vários documentos hospitalares relacionados com uma intervenção cirúrgica à anca direita do recorrente, entre os quais se destaca o relatório de alta clínica, datado de 12 de Junho de 2012.

Com esses documentos visava, em síntese, demonstrar que, contrariamente ao declarado pelas ofendidas, jamais poderia ter praticado factos durante o mês de Junho de 2012, e ainda, que as ofendidas faltaram à verdade quando disseram que mantiveram práticas sexuais com o arguido durante o mês de Junho de 2012.

Se o primeiro objectivo se baseia numa deturpada e tendenciosa interpretação dos documentos e dos factos, já o segundo se mostra ilógico e com base numa conclusão completamente desligada da premissa.

Todavia, baseando-se a argumentação expendida em meias verdades, mostra-se facilmente desmontável, conforme se passará a demonstrar.

Começando pelos documentos. Deles é possível extrair os seguintes dados objectivos:
- no dia 01 de Junho de 2012, o arguido foi internado no Centro Hospitalar de Viseu – Serviço de Ortopedia (cfr. Relatório de alta);
- no dia 04 de Junho de 2012, o arguido foi submetido a cirurgia de artroplastia total da anca direita, ou seja, em linguagem comum, foi-lhe colocada uma prótese na anca direita;
- no dia 12 de Junho, foi-lhe dada alta clínica, tendo sido elaborado o respectivo relatório;
- nesse relatório da alta clínica, datado de 12 de Junho de 2012, refere-se, em “observações”, que o arguido mantinha orientações por MFR (medicina física de reabilitação, ou seja, fisioterapia) e medicação habitual do domicílio, e que marcha com duplo apoio externo, ou seja, com canadianas;
- pelo menos a partir de 15 de Junho, o arguido passou a ser assistido no Centro de Saúde de Castro Daire (cfr. Registo de tratamentos emitido pela UCSP de Castro Daire, junto com a contestação);
- entre os dias 15 e 19 de Junho, na UCSP de Castro Daire, o arguido foi tratado à ferida da cirurgia, tendo nesses dias sido retirado material de sutura (cfr. Registo de tratamentos emitido pela UCSP de Castro Daire).

Conforme resulta à evidência desses documentos, nomeadamente do relatório de alta, e contrariamente àquilo que o recorrente pretende fazer crer, já no dia 12 de Junho de 2012 o mesmo conseguia fazer marcha, ainda que apoiado em duas canadianas, seguindo orientações da fisioterapia (MFR).

Aliás, o internamento do arguido entre a data da operação e a data da alta, ou seja, entre o dia 4 de Junho de 2012 e o dia 12 de Junho de 2012, é explicável pelo facto dos pacientes que são sujeitos à colocação de prótese terem de receber sessões de fisioterapia para a sua reabilitação, nas quais se ensina os pacientes, além do mais, a locomover-se com canadianas.

E como facilmente se alcança se consultarmos a internet (se indicarmos no Google a pesquisa “reabilitação na artoplastia da anca” é-nos dada bastante informação) o uso de canadianas pelos pacientes sujeitos à colocação de prótese na anca é uma, entre outras, das indicações/recomendações dadas a esses pacientes para a sua reabilitação, por forma a evitarem “fazer carga” excessiva sobre o membro operado.

Tal não significa que essas canadianas (ou “duplo apoio externo”, como são chamadas no relatório da alta), sejam imprescindíveis para que o paciente se possa locomover, até porque o uso das mesmas pressupõe que o paciente se apoie nos membros inferiores, tratando-se de auxiliares à marcha que visam que esta se faça com menos carga, a fim da reabilitação decorrer sem problemas.

Isto para dizer que o arguido, pelo menos após a alta clínica, podia e conseguia locomover-se, mesmo sem auxílio daqueles objectos ainda que isso não fosse completamente aconselhável para uma melhor recuperação. E todos nós sabemos que uma coisa são as recomendações médicas e outras o cumprimento das mesmas pelos pacientes.

Ou seja, pelo menos a partir de meados do mês de Junho de 2012, nada impedia o arguido de se locomover, fosse com ou sem canadianas, ou até mesmo de conduzir um veículo automóvel, até porque o seu membro inferior esquerdo não sofreu qualquer intervenção cirúrgica.

Aliás, é no mínimo estranha a alegação de que o arguido esteve em casa a partir da alta clínica do dia 12 de Junho de 2012, pois, se nessa data já marchava com auxílio de canadianas, o normal seria que o mesmo, à medida que os dias passavam sem quaisquer complicação (cfr. Relatório de tratamentos), incrementasse os períodos de marcha, conforme se pretende neste tipo de reabilitação ortopédica.

E se o arguido se encontrava em casa, então como é possível que se tenha deslocado à UCSP/Centro de Saúde de Castro Daire entre os dias 15 e 19 de Junho de 2012 (tal como resulta claro dos documentos juntos pelo mesmo) para receber tratamento?

E tendo-se deslocado ao Centro de Saúde de Castro Daire, porque motivo não poderia ter-se deslocado até à garagem onde ocorriam os actos sexuais com as ofendidas?

E sentiria o arguido mais prazer em deslocar-se ao Centro de Saúde ou encontrar-se com as menores?

Assim, o Tribunal “a quo” podia, em consonância com o declarado pelas ofendidas E… e F…, ter dado como provado que, pelo menos durante a segunda quinzena de Junho de 2012, mas ainda em Junho de 2012, o arguido manteve relacionamento sexual com aquelas na mencionada garagem.

Mas se não o fez não foi por não acreditar nas ofendidas, antes pelo contrário tal como decorre da motivação da matéria de facto.

A sua opção (que foi condicionada por não ter efectuado, por exemplo, pesquisa na internet sobre reabilitação da artoplastia da anca e, também, pela incompleta leitura dos documentos apresentados pelo arguido) visou “jogar pelo seguro”, isto é, assumiu uma posição mais “pro reo”, em benefício do arguido, para não arriscar em matérias que, em abono da verdade, não são completamente dominadas pelos juristas. Daí que tenha optado por, “in dubio pro reo”, excluir a responsabilidade do arguido no que respeita aos factos ocorridos durante o mês de Junho de 2012.

Além do mais, em momento algum ficou demonstrado que o arguido, durante Junho de 2012, não contactou com as ofendidas. Apenas não se provou que tivesse estado com as mesmas, pelos motivos supra mencionados, o que é bem diferente da prova da inexistência de contactos.

Isto é, o arguido recorrente parece confundir a não prova dos contactos entre arguido e ofendidas com a prova da inexistência desses contactos, coisas que são bem distintas.

B) Quanto ao alegado sob os pontos 7 a 9 das conclusões de recurso: a data do início do relacionamento sexual entre o arguido e as ofendidas E… e F….

Alega o recorrente que as irmãs e ofendidas E… e F… declararam, em declarações para memória futura, que iniciaram relacionamento sexual com o arguido em Junho de 2012, não obstante, o Tribunal considerou, no ponto 13 dos factos dados como provados, que esses encontros se iniciaram em Maio de 2012.

Baseia-se o recorrente no declarado em sede de declarações para memória futura. Aí, a menor F… referiu que começou a deslocar-se à garagem “mais ou menor em Junho” de 2012, pelo que, essa indicação não é precisa.

Depois, nas inquirições iniciais efectuadas perante a Polícia Judiciária, ambas as ofendidas disseram, sem hesitações, que os encontros na garagem ocorreram em Maio de 2012.

Todavia, olvida o recorrente esta referência efectuada à Polícia Judiciária, pelo que, a decisão do Tribunal ao dar como provado, no ponto 13 da matéria de facto como provada que o início do relacionamento ocorreu em Maio de 2012 tinha sustentação na prova produzida.

C) Do alegado sob os pontos 10 e 11 das conclusões de recurso: não tendo as ofendidas declarado que viram o arguido com qualquer apoio externo (canadianas) durante o mês de Junho, logo os seus depoimentos são falsos.

Conforme já referimos supra, e de acordo com o relatório de alta clínica junto com a contestação, já no dia 12 de Junho de 2012 o recorrente conseguia fazer marcha, ainda que apoiado em duas canadianas.

A indicação do uso de canadianas para a reabilitação do arguido não significa que esses apoios sejam imprescindíveis para que aquele se pudesse locomover, até porque o uso das mesmas pressupõe que o paciente se apoie nos membros inferiores, tratando-se de auxiliares à marcha que visam que esta se faça com menos carga, a fim da reabilitação decorrer sem problemas.

Isto para dizer que o arguido, pelo menos a partir de meados do mês de Junho de 2012, nada impedia o arguido de se locomover, fosse com ou sem canadianas, ou até mesmo de conduzir um veículo automóvel, até porque o seu membro inferior esquerdo não sofreu qualquer intervenção cirúrgica.

Por fim importa atentar que ambas as ofendidas referiram, nas declarações para memória futura, que quando se deslocavam à garagem onde ocorriam os encontros já aí se encontrava o arguido à sua espera, conforme combinação prévia.

Assim, podia o arguido ali se encontrar sem canadianas, por as ter deixado ficar no carro, ou podia tê-las arrumado na garagem, antes da chegada das ofendidas, sem que estas as vissem.

Além do mais, em momento algum foi questionado às menores se o arguido se fazia locomover com canadianas.

D) Quanto ao alegado sob o ponto 12 das conclusões de recurso: no ponto 15.4 da matéria de facto dada como provada deveria dar-se como provado que a ofendida E… fez sexo oral ao arguido numa única ocasião, em vez das duas provadas.

Alega o recorrente que a ofendida E… disse que fez sexo oral ao arguido “ uma ou duas vezes”, pelo que, apenas deveria ter sido dada como provada uma única vez, face à incerteza da resposta.

O alegado não corresponde à verdade, pois, quando o Mm.º Juiz de Instrução perguntou à ofendida E…, em sede de declarações para memória futura, “quantas vezes lhe fizeste um broche?”, esta última respondeu “duas vezes”.

E para melhor se perceber que não foram somente duas as vezes em que a menor fez sexo oral ao arguido, bastará atentar no depoimento prestado à Polícia Judiciária pela E… (fls. 75 dos autos), onde se pode ler: “Explica ainda que desde o segundo encontro o B… passou a pedir-lhes que que lhe fizessem sexo oral, prática que ambas passaram a ter, além do “sexo à mão”. (…) Esclarece que tais encontros aconteciam todas as semanas, até ao mês de Setembro de 2012, sempre nos mesmos moldes, isto é, com as duas irmãs em simultâneo, envolvendo o mesmo tipo ed actos sexuais….

E este depoimento foi corroborado pela ofendida F… perante a Polícia Judiciária (fls. 49).

E) Quanto ao alegado sob o ponto 13 das conclusões: falta credibilidade ao depoimento da ofendida F…, pois, por forma a conseguir deixar a casa dos tios, disse às Sr.ªs Técnicas da Segurança Social que estes a deixavam passar fome o que era falso.

De facto a testemunha K… referiu, nomeadamente a partir do minuto 17 do seu depoimento, que a menor F…, aquando da sua permanência no agregado da tia, manifestou vontade em deixar esse agregado para voltar ao da sua mãe, chegando ao ponto de tentar denegrir a imagem dos tios.

Mas também explicou que tal sucedeu porque a mãe da menor lhe fazia promessas irrealistas e falsas, por forma a convencê-la a voltar ao agregado da mãe.

E também explicou, a perguntas do defensor do arguido, que os factos por ela imputados aos tios são incomparavelmente menos graves do que aqueles de que se queixou relativamente ao arguido e recorrente.

E ainda, que as imputações que a mesma fez aos tios tinham um objectivo perfeitamente definido, voltar a casa da mãe, pessoa para com quem a ofendida tinha instintos protectores, dado o ambiente de violência doméstica em que viveu e no qual a principal vítima era a mãe.

Enquanto que as imputações que a mesma fez aos tios tinham um objectivo claro, óbvio e até nobre, ou seja, voltar ao convívio com a mãe, não se percebe, nem o recorrente explica qual o objectivo que a ofendida poderia ter em mente quando imputa os factos ao arguido.

Aliás, se a credibilidade do depoimento de uma determinada testemunha sobre determinados e concretos factos dependesse ou pudesse ser aferido pelas mentiras ditas sobre outros factos que nenhuma relação têm com os primeiros e muito anos antes e durante a menoridade dessa pessoa, então, quase que nos arriscaríamos a dizer que inexistem testemunhas credíveis.

Além do mais, o depoimento da ofendida F… foi corroborado por muitos outros meios de prova, designadamente, pelos depoimentos das demais ofendidas e testemunhas ouvidas.

F) Quanto ao alegado sob o ponto 14 das conclusões das alegações de recurso: o depoimento de AN…, por ser inverosímil, genérico, contraditório e inesperado, não permite corroborar qualquer facto.

Sensivelmente a partir do minuto 12 do seu depoimento e até ao minuto 30, pelo menos, a testemunha confirma que as suas irmãs, E… e F…, a partir da altura em que a F… regressou da …, sensivelmente em Março de 2012, contactavam ou eram contactadas pelo arguido B… a fim de manterem relações sexuais.

Referiu, inclusivamente, que se deslocou na companhia da E…, até às proximidades da garagem, duas ou três vezes, sendo que a E… se deslocou até lá, sozinha, noutras ocasiões.

E que aí deixava a E…, entrando esta com o arguido na garagem, onde permaneciam cerca de 15 minutos, findos os quais aquela lhe ligava para a ir buscar.

Chegou mesmo a referir que a acompanhou num Sábado e num Domingo até essa garagem, que a viu ali entrar (a instância da Mm.º Juiz Presidente).

E em várias vezes admitiu que o arguido lhe pagou para que não denunciasse a situação. A instâncias da Mm.º Juiz Presidente admitiu que ele lhe pagou duas ou três vezes no café, e a instâncias do ora subscritor em “muitas vezes”, concretizando em “dez ou onze vezes” os pagamentos recebidos pelo arguido.

Na fase final do depoimento, confrontado pela Mm.º Juiz Presidente com a fotografia da garagem onde ocorriam os encontros a testemunha foi peremptória ao reconhecer o local dos encontros.

Em face do teor do depoimento desta testemunha não se compreende como pode o recorrente alegar que o depoimento desta testemunha é impreciso ou genérico e que não é relevante para a descoberta da verdade.

Certamente não terá sido essa a impressão do recorrente durante o julgamento, pois, como notou a Mm.º Juiz Presidente (ao mesmo tempo que lamentava que a audiência não fosse gravada em vídeo) em vez de se mostrar incrédulo, agastado ou injustiçado, o mesmo sorriu durante todo o depoimento desta testemunha.

G) Quanto ao alegado sob os pontos 16 a 24 das conclusões das alegações de recurso: tendo as ofendidas faltado à verdade quanto disseram que mantiveram contactos com o arguido em Junho de 2012, então, também faltaram à verdade quanto à factualidade vertida sob os pontos 8.2. e 8.3., até porque há contradições entre o alegado pelas menores nas declarações para memória futura e o declarado perante a PJ; o Tribunal deveria ter considerado somente um encontro.

O Tribunal “a quo” deu como provado no ponto 8 o seguinte:
“(…)
8. No período temporal referenciado em 7 (compreendido entre 13.04.2008 e data e não apurada do mês de Junho de 2008), o arguido manteve com as ofendidas E… e F… – que tinham, então, a idade de 13 anos e de 10 anos, respectivamente – contactos de natureza sexual, por um número de vezes não concretamente apurado, mas, pelo menos, nas seguintes:
8.1. Uma dessas vezes, ocorreu nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, para onde o arguido se deslocou num dos seus veículos automóveis, encontrando-se aí as ofendidas E… e F…, tendo o arguido abraçado as mesmas e lhes tocado em zonas do corpo não concretamente apuradas;
8.2. Pelo menos, duas vezes, aconteceram numa quinta agrícola, denominada P…, à qual se acede a partir da …/Nacional ., junto do entroncamento com a Rua …, em Castro Daire, pertença de um terceiro, para quem o arguido fazia alguns trabalhos agrícolas, deslocando-se aí as menores E… e F…, na sequência de prévia combinação do arguido com a primeira.
8.2.1. Nesse local, o arguido conduziu as menores E… e F… até um barraco existente na P… e uma vez aí, o arguido beijou as ofendidas na boca, pediu-lhes que se despissem, ao que acederam e mexeu-lhes nos órgãos genitais.
8.2.2 Em cada uma dessas duas vezes, o arguido desnudou o seu pénis, baixando as calças e as cuecas que vestia, e pediu à menor E… que lhe mexesse no pénis – sendo que da primeira vez utilizou o arguido a expressão “brincar” e mostrou à menor E… como devia fazer, agarrando o pénis com uma das suas mãos e efectuando movimentos de cima para baixo e de baixo para cima (masturbação), ao mesmo tempo que dizia à menor E… “agora faz assim!”.
8.2.3. Acedendo ao pedido do arguido, a E… agarrou o pénis do arguido com a mão e fez vários movimentos de masturbação conforme ele lhe indicou, até à ejaculação.
8.2.4. Em cada uma dessas duas vezes, a ofendida F… estava presente e assistiu aos actos de masturbação do arguido praticados pela irmã.
8.2.5. Após a prática desses actos, o arguido vestiu-se e deu 10,00€ a cada uma das ofendidas.
8.3. A ofendida E…, desacompanhada da irmã F…, encontrou-se com o arguido na P… referenciada em 8.2. pelo menos, mais uma vez, tendo, masturbado o arguido nos termos descritos em 8.2.3., dando-lhe o arguido, no final do acto, a quantia de 10,00€”.

Em primeiro lugar, diga-se que a premissa de que parte o recorrente é errada, pois, tal como já referimos supra, o facto das ofendidas E… e F… terem declarado que mantiveram relações sexuais com o arguido, também em Junho de 2012, e isso não ter sido dado como provado pelo Tribunal, não significa que as mesmas tenham faltado à verdade.

Pelo facto do Tribunal não ter dado como provada essa factualidade não significa, como quereria o recorrente, que as ofendidas estejam a faltar à verdade.

Contrariamente ao alegado pelo recorrente, relativamente à matéria de facto dada como provada sob o ponto 8, não existe qualquer divergência fundamental entre o declarado pelas ofendidas em declarações para memória futura e aquilo que declararam perante a Polícia Judiciária.

Fundamentou-se o Tribunal “ a quo” para dar essa factualidade como provada, no essencial, é certo, nas declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas E… e F…, cujo relato mereceu inteira credibilidade ao Tribunal, pelas razões mencionadas na motivação da matéria de facto (cfr. fls. 20 do douto acórdão).

Com efeito, a ofendida F… descreveu a actuação do arguido para consigo e a sua irmã, E…, numa altura em que tinha 9-10 anos de idade, tendo o Tribunal considerado, mais uma vez a favor do arguido, que a menor tinha já 10 anos quando acontecerem os primeiros factos praticados pelo arguido (a partir de 13/4/2008).

Nas declarações para memória futura a ofendida F… referiu que, em duas ou três vezes (com a irmã teriam sido mais), se deslocou com a E… para a P…, sita junto ao “AE…” (que confirmou ser aquela que indicou à PJ a fls. 56 e 57 dos autos), tendo este as beijado e pedido que se despissem, o que fizeram, tocando-lhes o arguido “nas partes íntimas”, pondo-lhes a mão “no pipi”.

Também nessa sede, a ofendida E… confirmou os encontros na P…, quando contava 13 anos de idade, num número de vezes que não soube precisar, confirmando que chegou a estar com o arguido nesse local, sem que estivesse acompanhada da irmã F…, pelo que, conforme bem decidiu o Tribunal, foram, pelo menos, três vezes, as ocasiões em que a ofendida E… praticou os actos dados como provados (duas vezes com a irmã F… e pelo menos uma vez sozinha).
Daí que seja injusta a referência efectuada pelo recorrente ao facto do Tribunal não ter considerado a prática de somente um facto, pois, apesar da E… ter dito que se deslocou sozinha à P…, várias vezes, ao encontro do arguido, o Tribunal somente considerou uma única ocasião em que a mesma ali se deslocou sozinha e manteve relacionamento sexual com o arguido.

No que respeita à discrepância entre o depoimento da ofendida F… perante a Polícia Judiciária e aquele que prestou em sede de declarações para memória futura, a verdade é que o mesmo existe.

Todavia, nessa parte o “Tribunal a quo” valorou aquilo que foi referido pela testemunha F… em sede de declarações para memória futura, sem que nessa parte tivesse feito referência ao declarado perante a Polícia Judiciária.

H) Quanto aos pontos 25 e 26 das conclusões das alegações de recurso: a acreditar-se no depoimento ad ofendida G… que serviu de base à prova dos factos provados sob os pontos 28 a 32, a prática do acto sexual não resultou de qualquer promessa de compensação, logo, a sua conduta não é subsumível na previsão do art. 174º, n.º 1, do CP.

Dispõe o art. 174º, n.º 1, do Código Penal:
“ 1- Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor entre 14 e 18 anos de idade, mediante pagamento ou outra contrapartida, é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa”.

Em sede de declarações para memória futura a ofendida G… referiu que, juntamente com a ofendida E…, masturbou o arguido, enquanto este lhes tocava nas coxas, nas traseiras da biblioteca, junto a uma “rampazita”, tendo ele lhe pago 5,00€ por essa acção.
Da alegação do recorrente parece decorrer que se um adulto entrega 5,00€ a uma menor depois desta o ter masturbado não está a efectuar um “pagamento”.

Se bem entendemos o recorrente, a incriminação do art. 174º, n.º 1, do Código Penal estaria dependente da existência de um acordo prévio entre o “beneficiário” e o menor “prestador” dos actos sexuais, ou seja, o menor teria de actuar, “ab initio”, praticando os actos sexuais, com intuito lucrativo, visando o pagamento ou a contrapartida previamente acordados.

Então, desenvolvendo-se este raciocínio do recorrente até às últimas consequências, se o menor pratica o acto sexual sem esse fim lucrativo mas no final do mesmo o agente ou beneficiário lhe entrega dinheiro, convenhamos que este estaria, pelo menos, a incentivar, a fomentar ou a favorecer o exercício da prostituição por parte do menor, caindo essa conduta na alçada do artigo 175º do Código Penal, logo, sendo mais gravemente punida.

Todavia, cremos que subsunção jurídica efectuada pelo Tribunal “a quo” se mostra correcta, pois para o preenchimento da incriminação do artigo 174º, n.º 1, do Código Penal, não se mostra necessário que o menor actue com intenção lucrativa.

Mas mesmo que assim não fosse, resulta das declarações prestadas pelas ofendidas G… e restantes irmãs, assim como da própria E…, que era do conhecimento da primeira que o recorrente pagava em dinheiro à ofendida E… pela prática de actos sexuais, pelo que, praticando a ofendida G… os mencionados actos estava implícita a contrapartida monetária.

I) Quanto aos pontos 27 a 34 das conclusões das alegações de recurso: inexistência de prova credível quanto aos factos dados como provados sob os pontos n.ºs 8.1., 22, 23, 24, 25 e 26.

No que respeita à prova dos factos descritos em 8.1. o Tribunal às declarações para memória futura prestadas pela testemunha H… que relatou que em determinada ocasião estando com as suas irmãs I… e G… e com a F… e E… “ao pé” da biblioteca, encontrando-se aí um senhor, que veio a saber depois tratar-se do ora arguido - confidenciando-lhes, na altura, a F… e a E… que este lhes dava dinheiro “por elas fazerem o que ele queria” – a F… e a E… foram para junto do mesmo, vendo a depoente que se abraçavam e que o arguido parecia estar a apalpá-las, ainda que não desse para ver muito bem o que faziam, trazendo a F… e a E…, após a ocorrência, dinheiro no bolso.

Relativamente à prova dos factos provados nos pontos 21 a 26, o Tribunal “a quo” fundou a sua convicção nas declarações para memória futura prestadas pela testemunha I…, conjugadas com as da ofendida E…. A primeira relatou ter visto o arguido a ter contactos com a E…, duas vezes, ocorrendo uma delas nas traseiras da biblioteca, durante o dia, tendo o arguido, com pénis exposto, pedido à E… para mexer no mesmo; a segunda confirmando que nas circunstâncias descritas acedeu ao pedido do arguido, mexeu-lhe no pénis. A outra situação aconteceu nessa mesma data, à noite, tendo o arguido estado a conversar com elas e encontrando-se o arguido sentado na “mala” do seu carro, puxava e agarrava a E…, fazendo com que se sentasse no colo dele, saindo a E… do colo do arguido, actuação que, naquela ocasião, se repetiu por várias vezes.

Além disso, explicitou o Tribunal “a quo”, a fls. 30, 31 e 34 do douto acórdão, as razões para dar crédito aos depoimentos prestados para memória futura a pesar dos mesmos não serem sempre e em todos os pontos coincidentes.

J) Quanto às conclusões n.ºs 35 a 39 das alegações de recurso: a respeito dos factos dados como provados sob os n.ºs 36 e 39, a menor J… contava já com 14 anos aquando da sua ocorrência.

A respeito da idade da ofendida J… por ocasião dos factos dados como provados sob os pontos 36 e 39, o Tribunal “a quo” fundamentou a sua convicção ( como também acima já referenciámos):
“com base nas declarações para memória futura, prestadas pela ofendida J…, que descreveu o relacionamento próximo que existia entre os tios e o arguido, chegando este a dar dinheiro àqueles e relatou as condutas que o arguido teve para consigo, referenciando que, em determinada ocasião, quando seguiam – a depoente, os tios e o irmão – no carro do arguido, no decurso da viagem de Viseu para Castro Daire, o arguido pôs uma cassete com sons de mulher e homem a fazer sexo, propondo o arguido que a depoente fosse com ele para trás do penedo que lhe dava dez euros, o que a depoente recusou [referindo que a tia/madrinha, tratando-se da testemunha AB… teve a seguinte atitude “disse para eu ir para o … e como não fui ficou chateada comigo por não ter dinheiro para comprar o comer e o meu padrinho disse para eu não ir, a minha madrinha é que disse o contrário”]; outro episódio ocorreu, numa altura em que a depoente vinha com o tio/padrinho, do “AI…”, em que junto da discoteca “M…”, o arguido, que vinha atrás, chamou-a, assobiando-lhe, e quando se aproximou do arguido, viu que ele tinha “aquilo” – esclarecendo depois tratar-se do pénis – de fora, agarrando-a, encostou-a a uma parede, puxou a camisola e apalpou-a nos peitos, tendo o arguido mandado baixar as calças e tentado fazê-lo, o que não conseguiu, tendo o arguido encostado o pénis à barriga da depoente, tendo, nessa altura, o padrinho da depoente, que ia mais à frente, voltado para trás e o arguido vestiu as calças rapidamente. Acerca da idade que tinha aquando da ocorrência dos descritos acontecimentos referenciou a testemunha J…, um episódio em que, tendo já 14 anos, o que frisou por referência aos outros dois episódios que relatou em que ainda não tinha atingido essa idade, em que o arguido, em determinada data, que situou em período de férias escolares, que não as férias grandes, à hora do jantar, entrou no seu quarto e tentou dar-lhe um beijo na boca, mas não o fez, porque a depoente desviou a cara – o que já também sucedeu noutras ocasiões – e o seu irmão entrou de repente no quarto, tendo o arguido lhe deixado um euro em cima do computador.
Daqui decorre que as críticas apontadas pelo recorrente, quer seja à factualidade dada como assente, seja quanto à idade da menor por ocasião desses factos, se mostram completamente infundadas.

(…)
X
De tudo o que vem de ser expendido, concluímos no âmbito do recurso da matéria de facto que o mesmo, roçando a manifesta improcedência é, sem dúvida, totalmente improcedente.
Com efeito, o tribunal “a quo” não se limitou a fazer uma mera “assentada” do manancial probatório recolhido e discutido em audiência quanto ao Thema probendum et decidendum (cfr. art. 124º nº 1, do CPP), antes expendendo e explicitando o porquê da sua convicção, com base numa análise global, crítica e objectiva da panóplia dos diversos meios de prova produzidos; e, em boa verdade, tal convicção assim expressada, tem perfeita razoabilidade, caindo totalmente por terra a “tese do complot” que o arguido quis fazer passar.

XXX

MATÉRIA DE DIREITO

A questão da subsunção jurídica; da alegada existência de “crime único”; a questão do crime continuado; a questão do crime de “trato sucessivo”:-

A 1ª instância expressou-se e aduziu a seguinte fundamentação:-
(…)

2.4. O direito
2.4.1. Enquadramento jurídico-penal dos factos provados
O arguido vem acusado da prática, em autoria material e em concurso real, de trinta e seis crimes, a saber:
● Tendo como ofendida E…:
- Cinco crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, do Código Penal;
- Dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 2, do Código Penal;
- Sete crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174.º, nº. 1, do Código Penal;
- Dois crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 2, do Código Penal;
● Tendo como ofendida F…:
- Seis crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), do Código Penal;
- Sete crimes de recurso à prostituição de menores agravados, p. e p. pelos artigos 174.º, n.º 1 e 177.º, n.º 5, do Código Penal;
● Tendo como ofendida G…:
- Um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174.º, n.º 1, do Código Penal.
● Tendo como ofendida H…:
- Dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), do Código Penal;
● Tendo como ofendida I…:
- Dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), do Código Penal; e
● Tendo como ofendida J…:
- Um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº. 1, do Código Penal;
- Um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº. 3, al. b), do Código Penal.
Vejamos:
Relativamente ao crime de abuso sexual de crianças:
Dispõe o artigo 171º, nº. 1 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº. 59/2007, de 4 de Setembro, na parte que para o caso dos autos releva:
1 - Quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, (…) é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em (…), coito oral (…), o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem;
a) Importunar menor de 14 anos, praticar ato previsto no artigo 170º; ou
b) Atuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos;
é punido com prisão de três a dez anos.
O fim tutelado pela incriminação do abuso sexual de crianças é a protecção absoluta dos menores de 14 anos (o limite etário dos 14 anos é normalmente entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência), que, devido à sua natural imaturidade e impreparação devem ser especialmente acautelados contra actos que ponham em perigo o seu normal desenvolvimento sexual.
«Protege-se a autodeterminação sexual, mas sob uma forma muito particular: não face a condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coactiva ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade. A lei presume que (...) a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o desenvolvimento global do próprio menor (...) e considera este interesse (...) tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a ameaça de pena criminal». - Prof. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, págs. 541 e 542.
«Trata-se de um crime de perigo abstracto (...), na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico e psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique afastada (...).» – idem, págs. 542 e 543.
Atenta-se nas perturbações fisiológicas e psicológicas de um precoce despertar sexual (seja ou não violento ou consentido), são factos e motivos suficientes para uma tutela jurídica efectuada naqueles termos – cfr. José Mouraz Lopes, Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 81.
O tipo objectivo do crime de abuso sexual de crianças tem, pois, como elemento constitutivo a idade inferior a 14 anos do sujeito passivo do crime e é integrado, entre outras, por alguma das acções que constitua:
● acto sexual de relevo (nº. 1 do artº. 171º);
● coito oral (nº. 2 do artº. 171º);
O conceito de "acto sexual de relevo", sendo indeterminado, oferece algumas dificuldades de concretização.
O Dr. Sénio Alves (in Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos Artigos 163º a 179º do Código Penal, Ed. Almedina, pág. 11) define-o como "todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas".
Os Drs. Simas Santos e Leal Henriques (in Cód. Penal, 2º Vol., 2ª ed., pág. 230), entendem que integram aquele conceito "aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano”. – cfr. também Acs. do STJ de 24/10/96 e de 15/6/00, in CJ-STJ, respectivamente, 1996, t. 3, pág. 174, 2000, t. 2, pág. 226 e Ac. de 05/07/2007 – proferido no processo com o nº Convencional JSTJ000 –, disponível na Internet, no endereço www.dgsi.pt.
O coito oral consiste na penetração da boca pelo pénis (Prof. Figueiredo Dias, ob. cit. pág. 543, págs. 472 e 473 § 14 para onde a pág. 543 § 6 remete).
O Supremo Tribunal de Justiça explicitou que «preenche o conceito de “coito oral” da previsão do nº. 2 do artigo 172º do C.P., indo, assim, além do simples “acto sexual de relevo” tipificado no nº. 1 do mesmo dispositivo legal, a introdução, com fins libidinosos, do pénis do arguido na boca de uma criança de nove anos, sendo indiferente, para o efeito, que tenha ou não sido feita prova da erecção» - Ac. de 23/09/2004, in C.J. – STJ, Ano XII, tomo 3, pág. 164.
Na revisão do C.P. operada pela Lei nº. 59/2007, no artigo 170º - norma para que remete o artigo a al. a) do nº. 3 do artigo 171º -, o legislador previu o crime de importunação sexual, estatuindo: “Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”
O legislador prevê aqui duas condutas distintas, quais sejam: Os “actos exibicionistas” e o constrangimento da vítima a contacto de natureza sexual.
Consigna-se, na exposição de motivos da Proposta de Lei n°. 98/X, que o dito crime de importunação sexual (art. 170) é criado “para garantir a defesa plena da liberdade sexual” e “que abrange, para além do exibicionismo, o constrangimento a contactos de natureza sexual que não constituam actos sexuais de relevo”.
Escrevem Anabela Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, in Comentário Conimbricense, Tomo I, 2ª edição, págs. 816, 817 e 820:
«A prática de “atos de carácter exibicionista” envolve a prática de atos – ou gestos – relacionados com sexo. (…)».
«Para ser incriminado pelo cometimento deste crime, o agente pode utilizar o seu próprio corpo ou praticar actos ou gestos sexuais com um terceiro (pense-se no caso de o agente praticar cópula ou coito anal com um terceiro perante outra pessoa). (…).»
«Característica decisiva do acto exibicionista é que ele ocorra perante a vítima, isto é, independentemente de o corpo da vítima ser tocado.»
Sendo a vítima menor de 14 anos é irrelevante, para efeitos de incriminação, que o acto exibicionista tenha ou não ocorrido contra a sua vontade.
Tal como se refere no Ac. da R.E. de 15/5/2012, proferido no processo nº. 37/11.4GDARL.E1, acessível no endereço www.dgsi.pt, para o preenchimento do ilícito em apreço, na modalidade da conduta do constrangimento da vítima a contacto de natureza sexual, «é necessário que o arguido tenha praticado actos de contacto de natureza sexual, sendo que esse contacto é definido, segundo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica, 2008, pág. 468, como a acção com conotação sexual realizada na vítima, que não tem a gravidade do acto sexual de relevo. O contacto pode incluir o toque (com objectos ou partes do corpo) da nuca, do pescoço, dos ombros, dos braços, das mãos, do ventre, das costas, das pernas e dos pés da vítima, ou seja, conforme Maria do Carmo Silva Dias, ob. cit., pág. 13, é a prática, no corpo do sujeito passivo, de uma ofensa (acto) com significado sexual.»
«E, sem dúvida, que esse contacto, de cariz sexual, tem de assumir alguma gravidade, sob pena de injustificada intervenção do Direito Penal, ainda que o legislador não faça depender a sua prática de qualquer meio de execução específico.»
«Haverá, pois, que apreciar da respectiva ressonância valorativa em face do bem jurídico que é ofendido, tanto quanto viável numa perspectiva objectiva que não se quede por critérios da vítima, do agente ou de representações meramente morais.»
“Actuar sobre menor” (por meio de espectáculo pornográfico) – al. b) do nº. 3 do artigo 171º -, refere o Prof. Figueiredo Dias que significa satisfazer com ele ou através dele, por meio de processos de características sexuais, impulsos ou interesses de relevo (…). A utilização da palavra «sobre» prescinde de contactos corporais entre o agente e a vítima. (in ob. cit., pág. 547)
A pornografia para efeitos da al. b) do nº. 3 do artº. 171º do C.P., abrange a representação, real ou figurada, por qualquer meio – representações visuais, áudio, escritas ou gráficas – de comportamentos sexuais explícitos e/ou representação dos órgãos genitais, na ausência de finalidades artísticas, cientificas ou outras de idêntica relevância (cfr. Inês Ferreira Leite, Pedofilia, Almedina, pág. 54).
Relativamente ao elemento subjectivo do tipo em análise, em qualquer das modalidades da acção previstas no artº. 171º e enunciadas supra, para o seu preenchimento, exige-se o dolo, pelo menos sob a forma de dolo eventual, que terá de se verificar relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objectivo (neste sentido vide Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 548).
No tocante ao crime de recurso à prostituição de menores:
De harmonia com o disposto no artigo 174º, pratica tal crime:
1 – Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 18 anos, mediante pagamento ou outra contrapartida, sendo punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias;
2 – Se o ato sexual de relevo consistir em (…) coito oral (…) o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 – A tentativa é punível.
E nos termos do disposto no nº. 5 do artigo 177º, as penas previstas nos artigos (…) 174º (…) são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos.
O bem jurídico protegido pela incriminação é o livre desenvolvimento da personalidade, na esfera sexual, do menor/adolescente entre os 14 e os 18 anos de idade, criando as condições para que esse desenvolvimento se processe de uma forma adequada e sem perturbações, podendo esse desenvolvimento estar em causa quando o menor é levado a praticar o(s) acto(s) sexual (sexuais) de relevo, mediante pagamento ou outra contrapartida, efectuada pelo agente. – neste sentido, cfr., entre outros, Maria João Antunes e Cláudia Santos, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª edição, pág. 866 e 867.
Vítima deste crime é necessariamente um menor entre os 14 anos e os 18 anos.
Para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito exige-se a prática de acto(s) sexual(sexuais) de relevo e que a mesma “ocorra mediante o pagamento (em dinheiro ou em espécie, estando pressuposta a equivalência económica entre o serviço prestado pelo menor e o pagamento do mesmo) ou outra contrapartida (p. ex. uma prenda, estando excluída a equivalência económica entre o serviço prestado pelo menor e a contrapartida do mesmo). Trata-se de uma prática sexual remunerada, sendo de exigir que a participação do menor seja determinada pelo pagamento ou contrapartida. (…)”. – Maria João Antunes e Cláudia Santos, in ob. cit., págs. 868 e 869.
O preenchimento do tipo subjectivo de ilícito pressupõe o dolo relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objectivo.
*
No caso dos autos, tendo presentes as considerações jurídicas que se deixam enunciadas e confrontando os factos que resultaram provados, somos levados a concluir que as condutas do arguido:
1. Em relação à ofendida E…:
1.1. Com referência aos factos provados vertidos nos pontos 8, 8.1., 8.2. a 8.2.3., 8.3., 22, 25, 29 a 32, dos quais resulta, que, em datas não apuradas situadas no período temporal compreendido entre 13 de Abril de 2008 e data não apurada do mês de Junho de 2008, o arguido manteve com a menor E…, que tinha, então, 13 anos de idade, contactos de natureza sexual, a troco de quantias monetárias, cujos montantes variaram entre os €5,00 e os €10,00, que lhe entregava, por um número de vezes não apurado, mas, pelo menos, nas vezes seguintes:
A - Nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, o arguido abraçou a ofendida e tocou-lhe em zonas do corpo, não concretamente apuradas;
B - Num barraco existente na quinta mencionada no ponto 8.2, por três vezes, em ocasiões distintas [sendo que, em duas dessas ocasiões, a menor E…, estava acompanhada da irmã, F…], o arguido desnudou o seu pénis, baixando as calças e as cuecas que vestia e solicitou à menor E… que o masturbasse, o que a mesma fez, agarrando o pénis do arguido e efectuando movimentos de cima para baixo e de baixo para cima, até o arguido ejacular, tendo, ainda, em duas dessas ocasiões, o arguido beijado a menor E… na boca e após ter solicitado que se despisse, o que a menor concretizou, mexendo-lhe no órgão genital, entregando o arguido, à menor E…, após a prática desses actos, em cada uma das ocasiões, a quantia de €10,00;
C - Nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire [numa ocasião distinta da enunciada em A, estando presente, a menor I…], o arguido desnudou o seu pénis e pediu à ofendida E… que lhe mexesse, ao que a mesma acedeu, mexendo com as suas mãos no pénis do arguido;
D - Na data em que teve lugar o episódio mencionado em C, à noite, na sequência de prévia combinação com o arguido, no encontro que aconteceu junto de uma rampa, localizada perto do campo de futebol de Castro Daire, o arguido, estando sentado na bagageira do seu veículo automóvel, segurou e puxou a menor E… para o seu colo, sentando-a no mesmo, levantando-se a menor E…, repetindo o arguido o aludido comportamento por várias vezes;
E - No dia seguinte ao da ocorrência dos factos indicados em C e D, junto da rampa mencionada em D, estando a menor E… sentada ao lado do arguido [e encontrando-se a menor G… também aí sentada], este colocou uma das suas mãos, numa das penas da mesma menor, na zona da coxa, acariciando-a, por cima da roupa, tendo, seguidamente, o arguido, aberto a braguilha das calças que vestia, exibindo o seu pénis erecto, pedindo à menor E… que mexesse no mesmo e tendo o arguido pegado numa das mãos da menor E… e com a sua mão por cima da mão dela, levou a mão da mesma ofendida até ao seu pénis, fazendo com que o segurasse e efectuasse movimentos masturbatórios (de cima para baixo e de baixo para cima), acabando o arguido por ejacular, tendo, no final da descrita actuação, entregue a quantia de €5,00 à ofendida,
e actuando o arguido, em qualquer das sete enunciadas situações, com dolo directo – conforme decorre da matéria factual vertida nos pontos 43 a 45 -, são subsumíveis ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, sendo no que tange às condutas enunciadas em B, C e E, por consubstanciarem «actos sexuais de relevo» [que se traduziram em beijar na boca, em toques nos seios e órgãos genitais e na masturbação do arguido pela menor], na modalidade prevista no nº. 1 do mesmo normativo e no que concerne às condutas descritas em A e D [tendo, na primeira, o arguido abraçado a menor/ofendida e tocando-a em zonas do corpo, não concretamente apuradas (salientando-se que, em nosso entender, conforme se faz notar no Ac. da R.C. de 02/04/2014, proferido no processo nº. 347/08.8JACBR.C1, acessível no endereço www.dgsi.pt, «ainda que não constem factos de natureza estritamente sexual, tem-se como certo que traduzem actos com relevo sexual, vistos no seu enquadramento concreto, na perspectiva das crianças envolvidas e dos elementos conhecidos pelo agente. Pois que se trata de actos conotados sexualmente – (…) – tanto mais quando praticados por um adulto, para com uma criança estranha ao meio familiar e afectivo do arguido, em locais públicos») e, na situação referenciada em D, sentando o arguido, por várias vezes, a menor/ofendida E…, no seu colo (após nessa mesma data, durante o dia, ter levado a que a mesma lhe mexesse no seu pénis, desnudado), agindo o arguido, em qualquer das situações, com a intenção se satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos, estando-se, portanto, em nosso entender, perante contactos de natureza sexual] na modalidade prevista na al. a) do nº. 3, com referência ao artigo 170º.
1.2. Com referência aos factos provados vertidos nos pontos 13 a 15.4 e 15.6 a 17, dos quais decorre, que, a partir de Maio até Agosto de 2012, inclusive [com o interregno do mês de Junho de 2012], a ofendida E…, então 17 anos de idade, passou, novamente, a encontrar-se com o arguido para fins sexuais, mediante o recebimento de contrapartidas monetárias, ocorrendo tais encontros numa garagem, indicada no ponto 14, tendo, nesse período temporal,
F - por um número de vezes não apurado, mas pelo menos, por sete vezes [cinco das quais juntamente com a irmã, ora também ofendida, F… e duas sozinha], o arguido mantido com a ofendida E… práticas sexuais, que se consubstanciaram no seguinte: O arguido despia-se e, a seu pedido, a ofendida E… também se despia [o mesmo sucedendo com a irmã, nas ocasiões em que estava presente], após o que o arguido a beijava na boca e nos seios e lhe acariciava os órgãos genitais e, a pedido do arguido, a ofendida E… mexia-lhe no pénis, agarrando-o e fazendo movimentos de masturbação até o arguido ejacular [procedendo a menor F… da mesma forma, nas situações em que estava presente];
G - Em, pelo menos, duas das vezes em que esteve com o arguido na aludida garagem, nas circunstâncias descritas, a pedido do arguido, a ofendida E…, introduziu o pénis do arguido, na sua boca.
Após tais práticas sexuais, o arguido pagava à ofendida E… quantia entre €10,00 e €20,00 e tendo a ofendida E…, em todas as vezes em que manteve com o arguido as práticas sexuais descritas, acedido a fazê-lo, face à contrapartida monetária que o arguido lhe dava.
E agindo o arguido, em qualquer das sete enunciadas situações, com dolo directo - conforme flui da factualidade vertida nos pontos 43, 44 e 46 -, entendemos que as suas descritas actuações são subsumíveis ao crime recurso à prostituição de menores p. e p. pelo artigo 174º, sendo no que tange a cinco das condutas enunciadas em F, por consubstanciarem actos sexuais de relevo [que se traduziram em beijar na boca e nos seios, em mexer nos órgãos e na masturbação do arguido pela menor], na modalidade prevista no nº. 1 do mesmo normativo e no que concerne à conduta descrita em G [levando o arguido a que a menor praticasse consigo «coito oral», - caindo neste âmbito, a introdução do pénis do arguido, na boca da menor] na modalidade prevista no nº. 2, do mesmo normativo.
*
2. Em relação à ofendida F…:
2.1. Com referência aos factos provados vertidos nos pontos 8, 8.1., 8.2. a 8.2.1. e 8.2.4., dos quais resulta, que, em datas não apuradas situadas no período temporal compreendido entre 13 de Abril de 2008 e data não apurada do mês de Junho de 2008, o arguido manteve com a menor F…, que tinha, então, 10 anos de idade, contactos de natureza sexual, a troco de quantias monetárias, cujos montantes variaram entre os €5,00 e os €10,00, que lhe entregava, por um número de vezes não apurado, mas, pelo menos, nas vezes seguintes:
H - Nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, o arguido abraçou a ofendida e tocou-lhe em zonas do corpo não concretamente apuradas;
I - Num barraco existente na quinta mencionada no ponto 8.2, pelo menos, por duas vezes, em ocasiões distintas [estando a menor F…, estava acompanhada da irmã, E…], o arguido beijou a menor F… na boca e após ter solicitado que se despisse, o que a menor concretizou, mexendo-lhe no órgão genital, tendo, nessas duas ocasiões, o arguido desnudado o seu pénis erecto e levado a que a ora também ofendida E…, o masturbasse até à ejaculação, actos estes que o arguido praticou na presença da menor F… , entregando o arguido, à menor F…, após a prática desses actos, em cada uma das ocasiões, a quantia de €10,00,
e arguido o arguido, em qualquer das três enunciadas situações, com dolo directo – conforme decorre da matéria factual vertida nos pontos 43, 44 e 46 -, são subsumíveis ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, sendo no que tange às condutas enunciadas em I, por consubstanciarem «actos sexuais de relevo» [que se consistiram em beijar na boca e em o arguido mexer no órgão genital da menor, estando esta despida. Importa referir que, pese embora, nas duas ocasiões referenciadas em I, o arguido tenha praticado também actos previstos no nº. 3, als. a), do citado artigo, considerando que os actos foram praticados na mesma ocasião espacio-temporal, que ao que tudo indica, foram-no em concretização de uma única resolução criminosa, afigura-se-nos existir «unidade típica da acção» e estar-se perante um concurso aparente de crimes (a este propósito e para maiores desenvolvimentos, cfr. Inês Ferreira Leite in ob. cit., págs. 128 e seguintes e Ac. do STJ de 27/06/2001, proferido no processo nº. 01P3641, disponível no endereço www.dgsi.pt), devendo o arguido ser punido pelo crime mais grave, ou seja pelo crime previsto no nº. 1 do artº. 171, isto sem prejuízo daqueles actos deverem ser ponderados na medida concreta da pena a aplicar], na modalidade prevista no nº. 1 do mesmo normativo e no que concerne à conduta descritas em H [tendo o arguido abraçado a menor/ofendida e lhe tocado em zonas do corpo não concretamente apuradas, valendo aqui as considerações tecidas supra, a propósito de idêntica conduta assumida pelo arguido relativamente à menor E…], na modalidade prevista na al. a) do nº. 3, com referência ao artigo 170º.
2.2. Com referência aos factos provados vertidos nos pontos 13 a 15.3, 16 e 17 dos quais decorre, que, a partir de Maio até Agosto de 2012, inclusive [com o interregno do mês de Junho de 2012], a ofendida F…, então 14 anos de idade, passou, novamente, a encontrar-se com o arguido para fins sexuais, mediante o recebimento de contrapartidas monetárias, ocorrendo tais encontros numa garagem, indicada no ponto 14, tendo, nesse período temporal,
J - por um número de vezes não apurado, mas pelo menos, por cinco vezes [juntamente com a irmã, ora também ofendida, E…], o arguido mantido com a ofendida F… práticas sexuais, que se consubstanciaram no seguinte: O arguido despia-se e, a seu pedido, a ofendida F… também se despia [o mesmo sucedendo com a irmã], após o que o arguido a beijava na boca e nos seios e lhe acariciava os órgãos genitais e, a pedido do arguido, a ofendida F… mexia-lhe no pénis, agarrando-o e fazendo movimentos de masturbação até o arguido ejacular [procedendo a menor F… da mesma forma, nas situações em que estava presente].
Após tais práticas sexuais, o arguido pagava à ofendida F… quantia entre €10,00 e €20,00 e tendo a ofendida F…, em todas as vezes em que manteve com o arguido as práticas sexuais descritas, acedido a fazê-lo, face à contrapartida monetária que o arguido lhe dava.
E agindo o arguido, em qualquer das sete enunciadas situações, com dolo directo - conforme flui da factualidade vertida nos pontos 43, 44 e 46 -, entendemos que as suas descritas actuações são subsumíveis ao crime recurso à prostituição de menores agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5.
*
3. Em relação à ofendida G…:
K - Considerando os factos provados vertidos nos pontos 27 a 32, dos quais resulta, que, em data não apurada, situada no período temporal compreendido entre 13 de Abril de 2008 e data não apurada do mês de Junho 2008, o arguido, junto da rampa mencionada em D, estando a menor G…, então com 15 anos de idade, sentada ao lado do arguido [e encontrando-se a menor E… também aí sentada], este colocou uma das suas mãos, numa das penas da mesma menor, na zona da coxa, acariciando-a, por cima da roupa, tendo, seguidamente, o arguido, aberto a braguilha das calças que vestia, exibindo o seu pénis erecto, pedindo à menor G… que mexesse no mesmo e tendo o arguido pegado numa das mãos da menor G… e com a sua mão por cima da mão dela, levou a mão da mesma ofendida até ao seu pénis, fazendo com que o segurasse e efectuasse movimentos masturbatórios (de cima para baixo e de baixo para cima), acabando o arguido por ejacular, tendo, no final da descrita actuação, entregue a quantia de €5,00 à ofendida e agindo o arguido com dolo directo – conforme decorre da matéria factual vertida nos pontos 43, 44 e 46 -, a descrita conduta do arguido é subsumível ao crime de recurso à prostituição de menores agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5.
*
4. Em relação à ofendida I…:
L - Ante a matéria factual exarada nos pontos 22 e 23, da qual decorre que, em data não apurada situada no período temporal compreendido entre 13 de Abril de 2008 e data não apurada do mês de Junho 2008, nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, o arguido, que se fazia transportar num veículo automóvel, abeirando-se de si a ofendida E…, a dada altura, o arguido desnudou o seu pénis e pediu à ofendida E… que lhe mexesse, o que a mesma fez, mexendo com as suas mãos no pénis do arguido, ocorrendo tais actos na presença da ofendida I…, que à época tinha 12 anos de idade, o que o arguido quis que acontecesse, assim satisfazendo os seus instintos libidinosos [constituindo a descrita actuação do arguido, em relação à menor I… - ao desnudar o seu pénis e ao levar a que a menor E… mexesse nesse seu órgão, na presença da menor I… - «actos de carácter exibicionista»], e agindo o arguido dolosamente – cfr. factualidade vertida nos pontos 43, 44 e 46 –, entendemos que a descrita conduta do arguido, no referente à ofendida I…, preenche, objectiva e subjectivamente, o crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artigo 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º.
*
5. Em relação à ofendida J…:
M - Com referência aos factos provados vertidos nos pontos 34 e 35 dos quais decorre, que, em data não concretamente apurada, tendo, então, a ofendida J…, que nasceu a 11/05/1997, 13 anos de idade, o arguido que, conduzia o seu veículo automóvel, transportando como passageiros, a menor J…, os tios a cujos cuidados estava confiada e um irmão da mesma, colocou no leitor de cassetes do veículo uma cassete de cariz pornográfico, com sons de “um homem e duas mulheres a fazerem sexo”, propondo, a dada altura, o arguido, à ofendida J…, que fosse com ele para trás de um penedo, que lhe daria €10,00, o que a ofendida recusou;
N - Ante a factualidade provada exarada nos pontos 39 e 40 da qual flui que, em data não concretamente apurada, tendo a ofendida J… 13 anos de idade, numa ocasião em que o tio da ofendida J… esta e o arguido seguiam apeados na rua, junto à discoteca “M…”, em Castro Daire, o arguido chamou a ofendida e quando esta se aproximou de si, encostou-a a uma parede, puxou para cima a camisola que a ofendida vestia, apalpou-lhe os seios, desceu a sua mão até à zona genital da ofendida, apalpando-a, por cima da roupa, ao mesmo tempo que tentava descer as calças que a ofendida vestia, o que não conseguiu, e tendo o arguido o seu pénis desnudado encostou-o ao corpo da ofendida, na zona da barriga, conseguindo a ofendida libertar-se do arguido, quando o tio que, entretanto, continuou a caminhar, afastando-se, voltou para trás, e o arguido largou a ofendida,
e agindo o arguido, nas duas situações enunciadas, com dolo directo - conforme flui da factualidade vertida nos pontos 43 a 46 -, entendemos que as suas mencionadas actuações são subsumíveis, ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, sendo no que tange à conduta enunciada em I [actuando o arguido relativamente à menor J…, por meio de material áudio de cariz pornográfico], na modalidade prevista na al. b) do nº. 3 do mesmo normativo e no que concerne à conduta descrita em J [traduzida em actos sexuais de relevo, que consistiram em o arguido apalpar os seios da ofendida e a zona genital da mesma, ocorrendo o “apalpão” nesta última zona, por cima da roupa, e em o arguido, encostar o seu pénis desnudado, ao corpo da ofendida, na zona da barriga] na modalidade prevista no nº. 1 do referenciado artigo.
Importa referir que, pese embora o Tribunal tenha procedido à comunicação da alteração da qualificação jurídica relativamente à factualidade que resultou provada e que já constava da acusação, vertida no ponto 41 dos factos provados [tendo o arguido entrado no quarto da ofendida, tentando beijá-la na boca, o que não conseguiu, em virtude da ofendida ter desviado a cara, tendo o arguido, na ocasião, deixado ficar, no quarto, uma moeda de €1,00 para a ofendida], em termos de considerar indiciada a prática de um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 171º, nº. 1, 22º, nºs. 1 e 2, als. a) e b), 23º, nº. 2 e 73º, nº. 1, als. a) e b), todos do C.P., tendo como ofendida a menor J…, estando provado que à data da ocorrência de tais factos, a mesma já tinha 14 anos de idade, sendo um dos elementos objectivos do tipo de ilícito em referência, a idade da vitima inferior a 14 anos, resulta evidente que a referenciada conduta do arguido, para com a ofendida J…, não é subsumível à previsão do crime de abuso sexual de menores, na forma tentada.
Assim e inexistindo suporte factual provado que permita levar a concluir que a aludida conduta do arguido preenche outro ilícito penal, designadamente, o crime de recurso à prostituição de menores, na forma tentada (cfr. artº. 174º, nºs. 1 e 3), necessariamente, não pode ter lugar a incriminação do arguido pela referenciada conduta, para com a menor J….
*
No que tange aos dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, sendo um pela al. b) do nº. 3, com referência ao artigo 170º e outro pelo nº. 1, por que o arguido vem acusado, tendo como ofendida H…, não tendo resultado provados factos que permitam concluir ter o arguido preenchido tais ilícitos, pelo que, se impõe a absolvição do arguido, em relação aos mesmos.
*
Aqui chegados coloca-se a questão de saber se as descritas condutas do arguido, para com as menores E… e F… integram um crime único, uma pluralidade de crimes - tal como vem acusado - um crime continuado – com referência às condutas que preenchem o crime de abuso sexual de crianças, perpetradas em 2008, sendo que no atinente às condutas do arguido subsumíveis ao crime de recurso à prostituição de menores, cometidas em 2012, a sua subsunção ao crime continuado mostra-se afastada atento o disposto no nº. 3 do artigo 30º, na redacção introduzida pela Lei nº. 40/2010, de 3 de Setembro, ao estatuir que o disposto no nº. 2 do mesmo preceito legal não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais - ou, como, recentemente, vem defendendo certo sector da jurisprudência do STJ, neste âmbito, dos crimes sexuais, à figura do crime de trato sucessivo ou exaurido.
A enunciada questão é uma das que maior controvérsia suscita actualmente na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, conforme resulta evidenciado, entre outros, nos Acs. do STJ de 29/11/2012, de 22/01/2013 e de 14/3/2013, respectivamente, proferidos nos processos nº. 862/11.6TAPFR.S1, nº. 182/10.3TAVPV.L1.S1 e nº. 294/10.3JAPRT.P1.S1 e Acs. da R.P. de 17/04/2013 e de 15/05/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nº. 269/11.5JAPRT.P1 e nº. 1209/10.4JAPRT.P1, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
Vejamos:
Dispõe o artigo 30º nº 1 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, vigente à data dos factos, cometidos pelo arguido, subsumíveis aos crimes de abuso sexual de crianças, tendo como ofendidas as irmãs E… e F…:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3. O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.
Assim, a realização plúrima do mesmo tipo de crime constituirá, em princípio um concurso de infracções, mas pode constituir:
a) Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou a resolução inicial; ou,
b) Um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração da conduta criminosa.
Deste modo, para que se verifique um crime único, mesmo que traduzido em diversas condutas semelhantes, é necessário que estas últimas resultem de uma só e única resolução criminosa.
E para optar pelo crime continuado, é necessário que, além do mais, a reiteração advenha de uma mesma situação externa que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Temos, pois, que tratando-se do "mesmo tipo de crime", "o número de vezes que ele é preenchido", conta-se pelo número de resoluções criminosas.
E, havendo mais do que uma resolução, a regra será a do concurso real de crimes; a continuação criminosa será uma excepção, a aceitar quando a culpa do agente se mostre consideravelmente diminuída, mercê de factores exógenos que facilitem a recaída ou recaídas.
Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, pág. 139, nota 29: “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca.”
Após a revisão do Código Penal, operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, aditando o nº 3 ao artigo 30º, geraram-se algumas dúvidas acerca da interpretação de tal norma, duvidas essas que se foram dissipando, sendo, ao que se crê, maioritariamente entendido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que o aditamento constante do enunciado nº 3 não exclui, antes continua a pressupor, a verificação dos requisitos do crime continuado.
Como se salienta no Acórdão do STJ de 01/10/2008, proferido no processo n.º 2872/08 e citado no Acórdão também do Supremo, de 19/03/2009, proferido no processo 09P0483, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt: «A alteração legislativa em causa é, pois, pura tautologia, de alcance limitado ou mesmo nulo, desnecessária, na medida em que é reafirmação do que do antecedente se entendia ao nível deste STJ, ou seja, de que existe crime continuado quando a violação plúrima do mesmo bem jurídico eminentemente pessoal é referida à mesma pessoa e cometida num quadro em que, por circunstâncias exteriores ao agente, a sua culpa se mostre consideravelmente diminuída, não podendo prescindir-se da indagação casuística dos respectivos requisitos.»
E acrescenta-se no citado Ac. do STJ de 19/03/2009:
«Esse aditamento não permite, pois, uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real (cf. Ac. do STJ de 08-11-2007, Proc. n.º 3296/07 - 5.ª, acessível in www.dgsi.pt); só significa que este deve firmar-se se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar numa interpretação sistemática e global do preceito.»
«Interpretação em contrário seria até, manifestamente, atentatória da CRP, restringindo a um limite inaceitável o respeito pela dignidade humana, violando o preceituado no seu art. 1.º, comprimindo de forma intolerável direitos fundamentais, em ofensa ao disposto no art. 18.º da CRP. Uma interpretação assim concebida da norma do n.º 3 aditado levaria a que se houvesse de entender que o legislador não soube exprimir-se convenientemente, havendo que atalhar-lhe o pensamento.»
A este propósito escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., anotação 30 ao artigo 30º, pág. 139: «A violação plúrima de bens eminentemente pessoais na mesma vítima pode constituir um crime continuado. Não há crime continuado se as violações plúrimas dizem respeito a diversas vítimas, neste caso, verificando-se pelo menos tantos crimes quantas as vítimas (ficando, obviamente, ressalvado o caso de em relação a alguma vítima se não se verificarem os requisitos do crime continuado, caso em que haverá em relação a essa concreta vítima tantos crimes quantos os factos).»
A Lei nº. 40/2010, de 3 de Setembro, veio alterar a redacção do nº. 3 do artigo 30, eliminando a referência “salvo tratando-se da mesma vítima”.
O pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação ou situação que, e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é de acordo com o direito.
Tal como se refere no Ac. do STJ de 25/03/2009, proferido no processo nº. 09P0490, acessível no endereço www.dgsi.pt, são, entre outra, circunstâncias exteriores que apontam para a redução da culpa do agente, que é pressuposto do crime continuado:
- A circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável á prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;
- A circunstância da perduração do meio apto para executar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa;
- A circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da actividade criminosa.
«Em qualquer uma de tais situações, e de outras que mereçam o mesmo tratamento, existe um denominador comum: a diminuição considerável da culpa do agente.»
«Porém, não basta qualquer solicitação exterior mas é necessário que ela facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa. Por outro lado, não poderá ser também suficiente que se verifique uma situação exterior normal, ou geral, que facilite a prática do crime. Sendo normais, ou gerais, deve justamente o agente contar com elas para modelar a sua personalidade de maneira a permanecer fiel aos comandos jurídicos.».
Tendo presentes estas considerações, no caso vertente, em face da factualidade provada, afigurando-se inequívoco que o arguido actuou no âmbito de uma pluralidade de resoluções criminosas, entendemos não estarem verificados os pressupostos para que as condutas do arguido, relativamente às ofendidas E… e F…, perpetradas no ano de 2008, sejam unificadas sob a forma de crime continuado, porquanto não se perfilam circunstâncias exteriores ao arguido que lhe diminuam a culpa.
E, de igual modo, não sendo, em nosso entender, de concluir pela existência de crime «prolongado ou de trato sucessivo».
Com efeito, a figura do crime de trato sucessivo não vem contemplada na lei, sendo caracterizado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, como sendo um crime habitual, cuja consumação se prolonga no tempo por força da prática de uma multiplicidade de actos reiterados e sucessivos, cuja contagem não se mostra possível efectuar, podendo citar-se, neste sentido, entre outros:
- O Acórdão do STJ, de 29/11/2012, proferido no proc. n.º 862/11.6TAPFR.S1, acessível no endereço www.dgsi.pt, no qual se decidiu:
«I - Quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.
II - O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como o sexo, facilmente se transformam numa “atividade”, como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga. Pergunta-se, por isso, se nesses casos de “atividade criminosa”, o traficante de rua que, por exemplo, se vem a apurar que vendeu droga diariamente durante um ano, recebendo do «fornecedor» pequenas doses de cada vez, praticou, «pelo menos», 200, 300 ou 365 crimes de tráfico [o que aparenta ser uma contagem arbitrária ou, pelo menos, “imaginativa”] ou se praticou um único crime de tráfico, objetiva e subjetivamente mais grave, dentro da sua moldura típica, em função do período de tempo durante o qual se prolongou a atividade.
III - A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.»
E o Acórdão do STJ, de 22/01/2013, proferido no proc. n.º 182/10.3TAVPV.L1.S1, acessível no endereço já citado supra, em cujos pontos VII e VIII do respectivo sumário se escreve:
«VII - Em alguns casos a situação de abuso sexual de criança tem sido enquadrada na figura do crime único de trato sucessivo, entendendo-se haver lugar a uma unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma só resolução criminosa desde o início assumida pelo agente.
VIII - Configura o trato sucessivo a existência de um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal.»
In casu, o arguido praticou com e/ou sobre as menores E… e F…, e levou a que estas praticassem consigo os «contatos sexuais» e os «actos sexuais de relevo» que resultaram apurados, em diversas datas, não concretamente apuradas, do ano de 2008, situadas no período compreendido entre 13 de Abril e dia não determinado do mês de Junho e do ano de 2012, no período de Maio até Agosto, inclusive [com o interregno do mês de Junho], de 2012.
Como se escreveu no Acórdão da RL, de 11/9/2013, proferido no proc. n.º 154/12.3GASSB.L1-3, “a reiteração de actos homogéneos essencial para os crimes de trato sucessivo não há-de ser operada pela unidade de resolução, mas sim pela estrutura da norma incriminadora que há-de suportar tal reiteração. A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir um só crime se, ao longo de toda a realização, tiver persistido o mesmo dolo, a mesma resolução inicial. Se cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução, traduzindo-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido, cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível, sendo de concluir que, referentemente a cada grupo de actos, existe «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e, portanto, de crimes”, cometendo, assim, o arguido vários crimes em concurso, e não um só crime de trato sucessivo.”
No mesmo sentido, foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/4/2014, proferido no proc. n.º 2/11.1GDCNT.C1, acessível no endereço já citado supra, cujo sumário passamos a citar:
«I - Não é a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração de actos homogéneos o cariz de crime habitual ou de trato sucessivo; somente a estrutura do respectivo tipo incriminador há-de pressupor a reiteração.
II - Tanto o tipo de crime de abuso sexual de crianças, como os tipos de abuso sexual de menores dependentes e de violação, não contemplam a «multiplicidade de actos semelhantes» inerente à figura do crime habitual ou de trato sucessivo.
III - No caso dos autos, cada um dos vários actos do arguido foi perpetrado num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução, e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Consequentemente, por referência a cada grupo de atos, existe pluralidade de sentidos de ilicitude típica e, portanto, de crimes - de abuso sexual de crianças e de violação - cometidos.
Volvendo ao caso em apreciação, existem efectivamente actos reiterados no tempo, mas a repetição das diversas condutas do arguido fica a dever-se a tantas outras resoluções, traduzindo cada uma delas uma autónoma lesão do bem jurídico.
Com efeito, nada resultou provado que nos leve a concluir que, nas vezes, em que o arguido praticou os actos sexuais que resultaram apurados, com as menores F… e E…, se trataram de actos sucessivos, comandados por uma mesma resolução, de tal forma que cada um desses actos constituiria um momento ou parcela de um todo projectado – ao invés, o lapso temporal existente entre as concretas actuações, que se prolongam ao longo de meses, permitem perceber que existe uma pluralidade de sentidos de ilicitude típica que conduzem à inelutável conclusão de que o arguido cometeu vários crimes de abuso sexual de crianças e de recurso à prostituição de menores, em concurso real ou efectivo.
*
Destarte, concluímos que o arguido se constituiu autor material e em concurso real de 26 (vinte seis) crimes, sendo:
- 8 (oito) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, sendo cinco relativamente à ofendida E…, dois em relação à ofendida F… e um relativamente à ofendida J…;
- 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 3, sendo quatro deles, pela al. a), com referência ao artigo 170º, tendo como ofendidas, dois deles E…, um F… e outro I… e o último crime, pela al. b), tendo como ofendida J…;
- 5 (cinco) crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 1, relativamente à ofendida E…;
- 2 (dois) crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 2, tendo como ofendida E…; e
- 6 (seis) crimes de recurso à prostituição de menores agravados, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 174º, nº. 2 e 177º, nº. 5, sendo cinco relativamente à ofendida F… e um tendo como ofendida G…;
*
Impõe-se, assim, a absolvição do arguido em relação:
- A dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 171º, nº. 2 e a dois dos crimes de recurso à prostituição de menores p. e p. pelo artº. 174º, nº. 1, por, por que vinha acusado, tendo como ofendida E…;
- A dois dos crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), e a um dos crimes de recurso à prostituição de menores agravados, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5, por que vinha acusado, tendo como ofendida F…;
- A um dos crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), por que vinha acusado, tendo como ofendida I…;
(…)
Face a factualidade dada como provada, não nos merece qualquer censura o que consta do Acórdão em sede de subsunção jurídica.

Apenas entendemos dever aditar o seguinte:-
Como recorda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/09, proferido no processo 09P0490, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro e em relação ao alteração legislativa produzida quanto ao nº3 do Artº 30 do C. Penal:
«A alteração introduzida é … pura tautologia, de alcance inovador limitado ou mesmo nulo, desnecessária, em nada prejudicando a jurisprudência sedimentada ao nível do STJ, ou seja, a de que, quando a violação plúrima do mesmo bem jurídico eminentemente pessoal é referida à mesma pessoa e cometida num quadro em que, por circunstâncias exteriores ao agente, a sua culpa se mostre consideravelmente diminuída, integra a prática de crime continuado, sem prescindir-se da indagação casuística dos requisitos do crime continuado, afastando-o quando se não observarem.
Esse aditamento não permite, assim, uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real; só significa que este deve firmar-se se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos, enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar numa interpretação sistemática e global do preceito.
Interpretação em contrário seria, até, manifestamente atentatória da CRP, restringindo a um limite inaceitável o respeito pela dignidade humana, violando o preceituado no art.º 1.º, comprimindo de forma intolerável direitos fundamentais, em ofensa ao disposto no art.º 18.º da CRP.
Assim, quer o aditamento pela Lei n.º 59/2007 do n.º 3 ao art.º 30.º do Código Penal, quer a reformulação da sua redacção pela Lei n.º 40/2010, não exclui, antes continua a pressupor, a verificação dos requisitos do crime continuado»
Sobre o assunto, cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-1-2008, proferido no processo 4735/07-3.ª; de 1-10-2008, processo 2872/08; e de 19-3-2009, processo 09P0483, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Há assim que determinar qual a correcta e adequada valoração juridico-criminal da factualidade apurada, tendo em conta as regras ínsitas no Artº 30 do C. Penal.
Nesta norma, assume-se no seu nº1, a regra basilar da punibilidade, ou seja, que a cada infracção criminal efectivamente cometida - seja de tipos diferentes, seja do mesmo tipo legal de crime - corresponde a prática de um crime.
O termo efectivamente, como ensina Eduardo Correia, cujas lições se seguem de perto (Cfr. Direito Criminal, Tomo II, 1971, págs. 197/222 e Unidade e Pluralidade de Infracções, págs. 160/291), relaciona-se com a circunstância de a anti-juridicidade de comportamentos se reportar não a uma mera contagem naturalística dos crimes cometidos - no sentido de que a cada acção criminosa corresponderia uma violação normativa - mas antes, à negação valorativa do agente de forma a que hajam tantos crimes como o número de valores por si violados em determinada actividade delitiva.
Se assim é, se diversos bens jurídicos são violados ainda que numa só acção, aqueles determinarão o número de crimes cometidos pelo agente e, ao contrário, para um só valor negado, apenas um crime se revelará, ainda que múltipla seja a actividade criminosa.
Contudo, este raciocínio básico não é suficiente para dirimir o número de infracção, porquanto, qualquer acção típica, para além da sua ilicitude material exige, naturalmente, a imputação ao nível da culpa, o mesmo é dizer, implica que sobre o agente seja possível formular um juízo de censura.
Daí que os problemas se levantem quando tal juízo concreto de reprovação tenha de ser feito várias vezes em relação a actividades violadoras do mesmo bem jurídico, já que a repetidos juízos de censura, ainda que incidentes sobre idêntica valoração criminal, terão de corresponder uma pluralidade de infracções.
Quid juris?
Desde logo, como ensina o aludido Prof., assumir que a culpa é o limite da unidade da infracção.
Depois, ter como certo que a uma «... pluralidade de resoluções - de resoluções no sentido determinações da vontade, de realizações do projecto criminoso - o juízo de censura será plúrimo. » (ob. cit., pág. 202)
Por fim e este é um elemento que se julga absolutamente indispensável para compreender a teoria da unidade e pluralidade de infracções, aferir a dinâmica criminosa em função da sua conexão temporal, ou seja, para se afirmar uma unidade resolutiva é necessário poder afirmar que o agente actuou de forma a não ter de renovar a sua motivação delitiva.
É neste conjunto de asserções, que de forma breve e concisa se julga ter exposto, que assenta o denominado critério teológico, que distingue entre unidade e pluralidade de infracções e que foi consagrado no nº1 do Artº 30 do C.Penal, supra citado, designadamente, na expressão efectivamente dele constante.
Contudo, excepções existem a esta regra geral.
Por um lado, as situações em que apesar de várias normas violadas só aparentemente se concretiza uma pluralidade de infracções.
Por outro lado, quando toda a pluralidade de resoluções não seja aparente, exigindo um outro tratamento dogmático.
No primeiro caso estamos perante as situações denominadas de concurso aparente de infracções, situações que nada relevaram para a apreciação dos autos e que por isso neles não nos deteremos, apenas se acrescentando, de forma muito sintética, que o concurso aparente de infracções se revela quando o comportamento do agente preenche vários tipos legais de crime, mas o conteúdo da conduta é totalmente abrangido por um só dos tipos, em virtude das diversas relacionações entre as normas, que se podem conjugar, seja por razões de especialidade, seja por razões de consumpção, seja ainda, por motivos de subsidiariedade, ou de se tratar de um facto posterior não punível.
Já a segunda das mencionadas situações pode relevar, para a apreciação criminal dos autos e nele teremos que nos debruçar.
Aí, defronta-se o problema do crime continuado, que é uma verdadeira excepção à regra da equiparação da pluralidade de tipos violados - ou violação plúrima do mesmo tipo abstracto - à pluralidade de crimes.
A figura do crime continuado tem na sua génese razões de economia processual, sentidas pela judicatura, relacionadas ainda com a extensão do caso julgado e com a determinação dos poderes cognitivos do juiz.
O Prof. Eduardo Correia, que foi determinante para a delimitação dogmática e conceptual da figura, ensina que ao contrário de uma compreensão estritamente lógico-jurídica do instituto, em que apenas se determinariam os elementos fácticos que poderiam explicar a unidade do crime, ter-se-ia que procurar a razão do mesmo na «... gravidade diminuída que uma tal situação revela em face do concurso real de infracções e .... assim encontrar, no menor grau de culpa do agente a chave do problema ...» (1ªob. citada, pág. 209)
Foi esta construção de raiz teológica que presidiu à elaboração normativa plasmada naquilo que é hoje o nº2 do Artº 30 do C. Penal e que estava, de forma idêntica, reproduzido no C. Penal de 1982.
Aí se diz que « Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente »
São assim fundamentalmente três os requisitos do crime continuado:
- o bem jurídico violado sucessivamente pelo agente tem de ser o mesmo, ainda que as infracções criminais por si cometidas se reportam a mais do que um tipo legal de crime aquilo a que o Prof. Eduardo Correia chamou a unidade do injusto do resultado ;
- a execução criminógena tem de ser homogénea, ou seja, praticada sob o mesmo núcleo, em que a essência dos actos delitivos se enquadrem em idênticos procedimentos e com tais propósitos delituosos, aquilo a que, nos mesmos termos, foi denominado, respectivamente, a unidade do injusto objectivo da acção e a unidade do injusto pessoal da acção ;
- tal execução ter-se-á de desenrolar no quadro de uma situação exterior ao agente, de forma a se poder dizer que lhe era cada vez menos exigível se comportar de acordo com o direito.
Começando pelo fim e porque o último dos requisitos é, verdadeiramente, a pedra de toque de todo o instituto, o que lhe determina os limites e lhe configura a natureza, dir-se-á que a essência do crime continuado está na diminuição considerável da culpa, em virtude da persistência de uma situação exterior, exógena ao agente, que facilita a actividade delituosa e a continuação da antijuricidade.
Não basta, portanto, uma mera diminuição da culpa para se poder falar em crime continuado.
Se a sua última ratio reside na diminuição da culpa do agente, apenas se justifica este tratamento de favor em relação ao agente - fazendo cair apenas numa única incriminação todo um conjunto de condutas que por assentarem em múltiplas resoluções criminosas estariam fadadas para serem vistas como uma multiplicidade de infracções - se tal diminuição for considerável, o que quer dizer que o núcleo da questão terá de radicar, precisamente, no circunstancialismo exterior ao agente que lhe facilita a continuação da actividade delitiva.
Por outras palavras, o que é fundamental, é que as múltiplas actividades criminosas tenham sido determinadas na disposição exterior das coisas, as quais, facilitam a repetição, sendo cada vez menos exigível ao agente que actue de acordo com os comandos legais.
Esta disposição exterior das coisas para o facto, esta oportunidade favorável - que se pode traduzir na perpetuidade do objecto da acção, na disponibilidade sucessiva dos meios de execução, na possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa, na relação que se estabelece entre o agente e a vítima, entre outros exemplos que a Doutrina e a Jurisprudência avança para a caracterização da figura - torna o fim criminoso mais facilmente atingível pelo arguido e foi-lhe criada, fundamentalmente, por factores externos, pelo quadro da solicitação exterior de que fala o nº2 do Artº 30 do C. Penal.
Este é que é o factor decisivo para que se justifique uma diminuição considerável do juízo de reprovação do agente, unificando-se todas as condutas criminosas numa só.
Ao contrário, se a realização plúrima do mesmo tipo de crime se deve a um desígnio inicialmente formado pelo agente de, através de actos sucessivos, violar o respectivo comando legal, a consumação dessas actividades parcelares não pode integrar a figura do crime continuado, como bem se referiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/83, in B.M.J. 327/447.
Também nesse sentido, ou seja, de o crime continuado estar afastado nos casos em que o agente actua, ainda que de forma homogénea, no desenvolvimento de um plano que traçou previamente, o Ac. do S.T.J. de 07/12/93, no Proc. 437779 da 3ªSecção.
Ora, cotejando a factualidade apurada, desde logo, com o requisito em análise, desde logo se constata que o mesmo é, ali, inexistente.
Com efeito e ao contrário do que defende o recorrente, não se vislumbra a configuração de qualquer situação que lhe seja exterior, para a qual nada tenha contribuído e que o tenha determinado à repetida prática dos crimes de abuso sexual de crianças e abuso sexual de menores dependentes.
Nada se provou neste domínio, nenhum factor ou circunstância exógena ao agente que o tenha levado à configuração material do cenário em que se desenvolveu a actividade criminosa.
Ao contrário, a mesma, tal como foi apurada pelo Tribunal ad quem, foi criada, desenvolvida, mantida e paulatinamente utilizada pelo arguido, no âmbito das suas intenções criminosas, sem ter sido minimamente condicionada ou provocada por factores que lhes fossem alheios.
Na verdade, como decorre da factualidade acima descrita, era o arguido quem procurava a(s) menor(es), em circunstancialismo diverso, como vem provado…, assim concretizando o cenário delituoso que congeminou.
(cfr. entre outros, o Ac. Da RE, de 16/10/2012 in www.dgsi.pt).

Como também bem anota o Digno Magistrado do MP na sua resposta na 1ª instância:-
(…)
Existem várias resoluções criminosas que se traduzem no facto do arguido, em dias e horas diferentes, ter accionado e renovado os mecanismos da sua vontade para praticar o crime sexual e repeti-lo, o que faz com que a cada uma dessas resoluções corresponda um crime.
A actuação do arguido foi levada a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido.
Também não estamos perante um só crime continuado, porque para que tal acontecesse, era necessário que se verificasse uma situação exterior que permitisse concluir pela considerável diminuição da culpa do agente, o que face ao que ficou provado não se verifica.
Na verdade, o circunstancialismo exterior que rodeou a actuação do arguido resultava do simples facto da menor pernoitar na sua casa (no que se reporta aos factos constantes do ponto 7), desta não oferecer grande resistência e não dar a conhecer os abusos a terceiros.
Não obstante os crimes serem cometidos contra a mesma pessoa e da mesma forma (cfr. ponto 7 da decisão recorrida), não existem factores exteriores ao próprio indivíduo que o levam a cometer o crime mais do que uma vez.
É o próprio arguido quem providencia as condições para perpetrar o crime.
É o próprio arguido quem aguarda pelo adormecimento da esposa, que retira o seu filho menor do quarto onde a menor dorme para satisfazer os seus instintos libidinosos e que convence a menor que tais actos não se vão repetir para que ela volte a dormir em sua casa e para que esta não relate tais abusos a terceiros.
Não se pode aceitar que o “êxito” da primeira “operação” e das seguintes possa determinar a diminuição da culpa do arguido.
Este agiu determinado pela vontade de satisfazer os instintos libidinosos e, para tanto, aproveitou as situações mais favoráveis para esse efeito, nomeadamente o adormecimento da sua mulher.
O aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado.

Ora, no caso dos autos, vem devidamente fundamentado e porquê da conclusão relativamente ao concurso real de crimes; ainda que o agente era a figura de “dominador” e não de “dominado” no sentido de que a reiteração criminosa adveio de uma mesma situação exógena potenciadora de diminuição considerável da culpa do agente.
Ainda de notar quanto ao “crime único de trato sucessivo” que inexiste um único dolo com a necessária necessidade de abrangência de todas as condutas sucessivamente praticadas; e ainda que não vemos da factualidade provada que se descortine uma homogeneidade de condutas e sua proximidade temporal.
Com efeito, o “agente dominador” praticou as descritas condutas, com vítimas diversas; em circunstancialismo e “modus operandi” diversos, como as respectivas datas e por um período de tempo que se prolongou entre 2008 e 2012.

Entendemos assim que o recurso, também nesta parte, merece total improcedência e o Acórdão fundamenta bem as suas opções do Direito, ao rechaçar a tese do Recorrente.

XXX

As penas parcelares e a questão da pena única resultante do cúmulo jurídico:-

Como bem decorre das conclusões da motivação do recurso, já, a nosso ver, subsidiariamente, o Recorrente pugna por aplicação de, para além de aplicação de penas parcelares inferiores às cominadas (levando também em conta designadamente os arts. 40º a 46º das mesmas), a aplicação, em cúmulo jurídico de pena inferior a 4 anos de prisão, devendo o Tribunal recorrer ao instituto da suspensão da execução da pena.

De notar que pressupondo o recorrente uma subsunção jurídica diversa da alcançada pela 1ª instância e que acolhemos, importa, então, revisitar, conforme fez o Colectivo de Lamego, o que consta do Acórdão, sem prejuízo de o TRP adjuntar fundamentação própria.

No que toca a dosimetria das penas, é sabido que, nos termos do artigo 71.º, n.º2 do Código Penal, a determinação da medida da pena deve respeitar os limites impostos por lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, consideradas as finalidade das penas indicada no artigo 40.º, do mesmo diploma legal, e há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do agente ou depor contra ele.
Assim, será de ponderar na determinação concreta da pena, além do mais, os graus de culpa e ilicitude, a intensidade dolosa, as consequências gravosas do acto, o comportamento anterior e posterior ao facto, as condições pessoais do agente, as exigências de reprovação e prevenção criminal (artigo 71.º n.º2 do Código Penal).
O art. 70º, do CP do C. Penal preceitua que “ Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O art. 40º ns. 1 e 2, do C. Penal refere que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Por sua vez, o art. 71º, do C. Penal estabelece que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo, ainda, conforme o nº 2 deste preceito legal, atender-se às circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as aí enumeradas
- o grau de ilicitude do facto, modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
- intensidade do dolo;
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime;
- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (cfr. Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1988, pag. 255), “Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (em sentido estrito, ou de “determinação concreta”…) da pena. E mais adiante: “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa” (ob. cit., pag. 279).
No dizer de Anabela Rodrigues (in O Modelo de Prevenção na determinação da medida concreta da pena – RDCC, 12, 2, Abril/Junho /2002”, …” Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de sociabilização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça – cfr. Ac. de 28/04/2010 – in www.dgsi.pt., (…)…nos termos do art. 71.º, n.º 1, do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa.
Mas, por outro lado, a culpa constitui também o limite máximo da pena (cf. Ac STJ de 26-10-2000, Proc. n.º 2528/00 - 3.ª Secção): “a culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura que funciona, a um tempo, como um fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena”.
Com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos. Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem a uma sua integração digna no meio social – cf. Ac. STJ, supra citado.

No caso em apreço:-
(…)

Da pena a aplicar ao arguido:-

Aos ilícitos criminais perpetrados pelo arguido corresponde a pena abstracta de:
● Prisão de um a oito anos ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1;
● Prisão de um mês até três anos ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 3;
● Prisão de um mês até dois anos ou pena de multa 10 até 240 dias ao crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 1;
● Prisão de um mês até três anos ou pena de multa 10 até 360 dias ao crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artigo 174º, nº. 2;
● Prisão de um mês e 10 dias até dois anos e oito meses ou pena de multa 13 até 320 dias ao crime de recurso à prostituição de menores agravado, p. e p. pelos artigos 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5.
Sendo os aludidos crimes de recurso à prostituição de menores abstractamente puníveis com pena de prisão ou, em alternativa, com pena de multa, coloca-se-nos o problema de ter de optar entre a aplicação de uma ou de outra das penas.
De harmonia com o disposto no artigo 70º do C.P., o Tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (exigências de reprovação e de prevenção do crime).
A propósito das finalidades da pena, escreveu o Prof. Figueiredo Dias (in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, pág. 815): «prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida».
Significa isso que, uma pena alternativa ou de substituição, ainda que, no caso, possa satisfazer plenamente as necessidades de prevenção especial de ressocialização, não poderá sofrer se com ela sofrer inapelavelmente, “o sentimento de reprovação social do crime” (Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 334), ou a confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada.
No caso concreto, pese embora o arguido não registe qualquer condenação no seu CRC, atendendo aos traços da sua personalidade evidenciados, ao cometer os factos em causa nos autos, aproveitando-se da vulnerabilidade das vítimas, E… e F…, originárias de um agregado familiar disfuncional e com dificuldades económicas, do que o arguido tinha conhecimento, por em tempos, ter recorrido aos serviços de prostituição prestados pela mãe das mesmas, desconsiderando o arguido a censurabilidade da sua actuação, alegando que tudo não passa de uma “cabala” para lhe extorquir dinheiro, o que leva a que se mostrem acentuadas as exigências de prevenção especial e considerando as prementes exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente ao tipo de ilícitos em apreço, gerando os crimes que têm como vítimas menores, grande alarme social, entendemos que a pena de multa não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, no tocante às exigências de prevenção geral, optando-se, por isso, pela aplicação da pena de prisão.
Importa agora determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. art. 40º, n.º 2 do C.P.), e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs. 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P..
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se há-de construir a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, pág. 215), sendo tal principio expressamente afirmado no nº. 2 do artº. 40º do Código Penal.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
Dando concretização aos mencionados vectores, o nº. 2 do artº. 71º enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Com vista à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, importa, assim, valorar as seguintes circunstâncias:
O grau de ilicitude dos factos, dentro do pressuposto pelas específicas incriminações, é:
- Diminuto, no que concerne aos dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º, tendo como ofendidas, respectivamente, as menores E… e F… [com referência aos factos provados vertidos no ponto 8.1.], em que o contacto de cariz sexual se consubstanciou em abraçar e tocar no corpo das ofendidas, levando o arguido a cabo tal actuação, num local público, mais concretamente nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, ainda que a ilicitude se mostre um pouco mais acentuada em relação à actuação sobre a menor F…, tendo em conta que tinha apenas 10 anos de idade, tendo a E… 13 anos;
- Abaixo da média, no que tange:
● Ao crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º, tendo como ofendida E… [com referência aos factos provados vertidos nos pontos 24 a 26], em que o contacto de cariz sexual, consistiu em segurar e puxar a menor, sentando-a no seu colo, o que aconteceu, no decorrer de encontro, à noite, previamente marcado pelo arguido, na presença da menor I…, dando o arguido, no final da sua descrita actuação, a quantia de €5,00 a cada uma das menores;
● Ao crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. b), tendo como ofendida a menor J… [com referência aos factos provados vertidos no ponto 37], sendo de natureza audio, o material pornográfico a que o arguido expôs a ofendida, praticando o arguido tais actos na presença dos tios a cujos cuidados estava confiada e de um irmão da ofendida;
- Mediano, no atinente:
● Ao crime de abuso sexual p. e p. pelo artigo 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º, consistindo a actuação exibicionista praticada pelo arguido, perante a ofendida I… [com referência aos factos provados vertidos nos pontos 22 e 23], em exibir o seu pénis desnudado e em levar a que a menor E… mexesse no mesmo, com as mãos;
● Ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor J… [com referência aos factos provados vertidos nos pontos 39 e 40], que teve lugar na rua, numa ocasião em que a menor caminhava na rua, com o tio e o arguido, chamando este a ofendida para junto de si e quando esta se aproximou encostando-a a uma parede, puxou para cima a camisola que vestia, apalpando-lhe os seios e apalpando-a, ainda, na zona genital, por cima da roupa, desnudando o arguido o seu pénis e encostando-o ao corpo da ofendida, na zona da barriga, sendo o arguido frequentador da casa dos tios da ofendida, a cujos cuidados estava confiada, conhecendo o arguido as dificuldades económicas por que passavam, oferecendo-lhes quantias monetárias, tendo o tio da ofendida hábitos etílicos, vendo o arguido, nesse contexto, facilitada a sua descrita actuação, que, nas circunstâncias em que actuou, estando o tio da ofendida por perto, seria, no mínimo temerária, atento o risco de poder ser surpreendido pelo mesmo, no decurso da prática dos factos, com a reacção que tal quadro poderia despoletar;
- Medianamente acentuado, no referente:
● Aos cinco crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº. 171º, nº. 1, tendo como ofendidas, três deles, a menor E… e os restantes dois a menor F…, então com 13 anos e 10 anos de idade, respectivamente [com referência aos factos provados vertidos nos pontos 8.2.1 a 8.3.], que tiveram lugar na quinta agrícola mencionada no ponto 8.2. dos factos provados, em que os «actos sexuais de relevo», consistiram em o arguido beijar as menores na boca e despindo-se as mesmas, a seu pedido, mexendo-lhes, o arguido, nos órgãos genitais e, no referente à menor E…, ainda, em levar a que a mesma lhe agarrasse o pénis, desnudado, e o masturbasse até à ejaculação, aliciando o arguido as menores a praticar tais actos, mediante a entrega de contrapartida monetária, correspondente a €10,00, que deu a cada uma delas, no final dos actos praticados;
● Ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor E… [com referência aos factos provados vertidos nos pontos 21 a 23], em que o arguido, num local público, nas traseiras da biblioteca municipal de Castro Daire, onde aquela menor se encontrava com outras menores, abeirando-se a ofendida E… de si, desnudou o seu pénis e levou a que a menor E… mexesse, com as suas mãos, no mesmo, o que aconteceu na presença da ofendida I…;
● Ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor E… e ao crime de recurso à prostituição de menores agravado, p. e p. pelos artºs. 174º, nº. 1 e 175º, nº. 5, tendo como ofendida a menor G… [com referência aos factos provados vertidos nos pontos 27 a 32], consubstanciando-se os «actos sexuais de relevo» que o arguido levou a que as menores praticassem consigo, na masturbação, por ambas, do seu pénis desnudado, até à ejaculação, tendo esses actos sido praticados na rua, junto de uma rampa localizada nas proximidades do campo de futebol de Castro Daire;
● Aos sete crimes de recurso à prostituição de menores, sendo cinco p. e p. pelo artigo 174º, nº. 1 e dois p. e p. pelo nº. 2 da mesma disposição legal, tendo como ofendida a menor E… [com referência aos factos vertidos nos pontos 13 a 15.4, 15.6, 16 e 17], atendendo, à multiplicidade de actos sexuais de relevo perpetrados pelo arguido com a ofendida, consubstanciados, em beijos na boca e nos seios, na manipulação do órgão genital da mesma e em levar a que esta o masturbasse, até à ejaculação, sendo nas cinco situações em que se fez acompanhar da irmã, ora também ofendida F…, a masturbação feita em simultâneo com esta e, no referente à actuação do arguido subsumível ao nº. 2 do artigo 174º, traduzindo-se os actos sexuais de relevo, em «coito oral» praticado pela ofendida no arguido, intentando o arguido, nalgumas das situações praticar «cópula» com a ofendida, ao que a mesma não acedeu, chegando, mesmo a empurrar o arguido para o afastar, sendo que, pese embora a ofendida E… tivesse 17 anos à data dos factos em apreço, estando, portanto, no limite máximo da idade pressuposto pela incriminação de que se trata, a sua situação era de vulnerabilidade, dada a disfuncionalidade do agregado familiar da progenitora e as carências económicas com que se debatia, do que o arguido tinha conhecimento, mantendo, há muito, com a ofendida E…, práticas e contactos sexuais, mediante contrapartidas monetárias, que lhe entregava;
- Elevado, no tocante aos cinco crimes de prostituição de menores agravados p. e p. pelo artigo 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5, tendo como ofendida F… [com referência aos factos provados vertidos nos pontos 13 a 15.3, 15.5, 15.6, 16 e 17], considerando, a multiplicidade de actos sexuais de relevo perpetrados pelo arguido com a ofendida, consubstanciados, em beijos na boca e nos seios, na manipulação do órgão genital da mesma, estando esta, tal como o arguido despidos, e em levar a que a mesma o masturbasse, até à ejaculação, sendo a masturbação feita simultaneamente feita também pela irmã, ora ofendida E…, intentando o arguido, nalgumas das situações praticar «cópula» com a ofendida, ao que a mesma não acedeu, chegando, mesmo a empurrar o arguido para o afastar e tentando, ainda, o arguido, pelo menos, numa das situações, introduzir o seu pénis na boca da ofendida, o que não conseguiu, por a mesma ter desviado a cara e se recusado a praticar tal acto, situando-se a idade da ofendida F…, no limite mínimo, pressuposto pela incriminação do ilícito em apreço, ou seja, 14 anos, apresentando a mesma uma situação de vulnerabilidade, dada a disfuncionalidade do agregado familiar da progenitora, ao qual regressara recentemente [tendo estado a viver com uns tios, em …-Guarda, desde Agosto de 2008 a Março de 2012] e as carências económicas com que se debatia, do que o arguido estava inteirado, tendo já mantido, com a ofendida F…, em 2008 [tal como com a irmã E…], práticas sexuais, mediante contrapartidas monetárias, que lhe entregava;
O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo directo cuja intensidade, se revela, em qualquer dos casos, acentuada, agindo o arguido, em qualquer das situações, com o fim, censurável, de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais com as menores;
As condições pessoais do arguido e a sua situação económica que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Os factos praticados pelo arguido revelam uma personalidade mal formada que se manifesta no seu modo de actuar, na crescente lascívia e consequente perturbação da autodeterminação sexual das menores, não revelando o arguido ter interiorizado a gravidade e censurabilidade das suas condutas para com as ofendidas, apresentando-se como vítima de um estratagema montado pela mãe das ofendidas F… e E…, para lhe extorquir dinheiro e para se vingar por ter deixado de recorrer aos serviços de prostituição, que, em tempos, lhe prestou.
Por último, há que ponderar as exigências de prevenção, sendo que as de prevenção especial, revelam-se, à partida, medianamente acentuadas, tendo em conta a natureza e gravidade dos actos praticados e os traços da personalidade evidenciados pelo arguido, que, apesar de à data dos últimos factos ter 70 anos de idade – contando actualmente 72 anos –, apresentava a líbido exacerbada, não se coibindo de a satisfazer com menores, crianças e adolescentes; e as prevenção geral, são prementes, atenta a objectiva gravidade jurídica dos tipos de crimes praticados, máxime o abuso sexual de crianças, e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade e a autodeterminação sexual de crianças associados ao seu próprio aproveitamento para práticas de auto-satisfação sexual do agente, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de actos.
Ponderando todos estes elementos julgamos adequadas a aplicar ao arguido, as penas parcelares:
● 3 (três) meses de prisão, pelo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º [em que a actuação do arguido consistiu em abraçar e tocar no corpo da ofendida], tendo como ofendida a menor F…;
● 2 (dois) meses de prisão, pelo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º [em que a actuação do arguido consistiu em abraçar e tocar no corpo da ofendida], tendo como ofendida a menor E…;
● 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º [em que a actuação do arguido consistiu em sentar a menor no seu colo], tendo como ofendida a menor E…;
● 5 (cinco) meses de prisão, pelo crime de pelo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. a), com referência ao artigo 170º, tendo como ofendida I…;
● 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº. 171º, nº. 3, al. b), tendo como ofendida a menor J…;
● 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor F…;
● 2 (dois) anos de prisão, por cada um dos três crimes de sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor E…, que ocorreram na P…;
● 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pelo crime de sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor E… [em que esta, a pedido do arguido, mexeu no seu pénis, desnudado, na presença da menor I…];
● 2 (dois) anos de prisão, pelo crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor E… [em que o arguido levou esta a masturbá-lo, juntamente, com a menor G…];
● 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº. 171º, nº. 1, tendo como ofendida a menor J…;
● 1 (um) ano de prisão, pelo crime de recurso à prostituição de menores agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5, tendo como ofendida G…;
● 10 (dez) meses de prisão, por cada um dos cinco crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artº. 174º, nº. 1, tendo como ofendida E…;
● 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, por cada um dos dois crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo artº. 174º, nº. 2, tendo como ofendida E…; e
● 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos cinco crimes de recurso à prostituição de menores agravado, p. e p. pelos artºs. 174º, nº. 1 e 177º, nº. 5, tendo como ofendida F….
Entende este Tribunal não substituir por multa, as penas parcelares de prisão não superiores a um ano, aplicadas ao arguido, nos termos previstos no artº. 43º, nº. 1, do C.P., pelas razões expendidas supra, que levaram a não aplicar ao arguido pena de multa, relativamente aos crimes cuja moldura pena abstracta o prevê, e a optar pela aplicação de pena de prisão.
(…)
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, sendo a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso a de prisão de 2 (dois) anos – limite mínimo – a 25 (vinte cinco) anos – limite máximo nos termos do disposto no artigo 41º, nº. 2, do C.P. – e, ponderando, em conjunto, os factos – que revestem acentuada gravidade – e a personalidade do arguido – mal formada – (cf. artº. 77º, nºs. 1 e 2, do C.P.), não podendo deixar de se ponderar que o arguido tem já 72 anos de idade, decidem os juízes que compõem este tribunal colectivo, condená-lo na pena unitária de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)
X

X
Conquanto concordemos com a dosimetria alcançada relativamente às penas parcelares, tendo em conta o descrito circunstancialismo dada como provado, entendemos por útil e oportuno adjuntar as seguintes considerações:-


De acordo com o disposto no art. 77º nº 2 a pena aplicável tem como limite mínimo os 2 anos de prisão e como limite máxima a pena de 25 anos de prisão ( no caso a soma aritmética das penas de prisão parcelarmente aplicadas iria aos 380 meses de prisão, ultrapassando 31 anos de prisão…).
Portanto, neste caso, ultrapassando claramente a moldura penal abstracta máxima permitida pela Lei Penal substantiva.

De acordo com o disposto no artigo 77º do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena aplicável ao arguido tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a pena mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes (art. 77º, nº. 2 do CP).

Assim sendo, no caso, a pena única situar-se-á entre 2 e 25 anos de prisão.

Escreveu-se no douto Ac. do STJ de 5/07/2012 in www.dgsi.pt:-
(…)

I - Os arts. 77.º e 78.º do CP regem sobre a punição do concurso de crimes, de pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo arguido, situações de concurso real ou efectivo de crimes, praticados durante certo lapso de tempo; a diferença entre um e outro está apenas no «timing» da cognição dessas condutas delitivas e da intervenção do sistema punitivo.

II - No caso do art. 77.º do CP o conhecimento da pluralidade de crimes é actual, contemporâneo do julgamento dos crimes em concurso, imediatamente apreensível; a pluralidade de infracções emerge da própria descrição/enumeração dos factos provados, em que a cada um se soma outro; emerge da fundamentação de facto; trata-se de uma confecção de pena de síntese, da elaboração de uma pena única, feita ao momento, ao vivo e em directo, em sequência do julgamento, em que os ingredientes de facto estão presentes e disponíveis e onde foi o próprio tribunal que fixou a matéria de facto que vai fixar a pena conjunta, como mais uma fase sequencial. Nesses casos, admite-se por suficiente que a fundamentação da pena única seja feita por remissão para o segmento imediatamente anterior, no implícito desenvolvimento do anteriormente explanado.

III - Muito diversamente, no caso do cúmulo jurídico feito ao abrigo do disposto no art. 78.º do CP, estamos em presença de uma elaboração de cúmulo tardia, efectuada ao retardador, subsequente, correspondendo à punição de uma situação de pluralidade de infracções que se encontram em concurso real e de condenações, que se sucederam, no desconhecimento uma das outras. Só nestes casos se alude à necessidade, se bem que de forma sintética, de uma (autónoma) fundamentação de facto, de modo a perceber as ligações e conexões entre os factos praticados em épocas diferentes e julgadas separadamente em outros processos, de forma a ter-se uma imagem global do facto, a alcançar uma ideia mais concretizada do ilícito global.
(…)
Ainda como consta da fundamentação do douto Ac. do STJ de 22/01/2013 (m- site):-
(…)
A medida da pena única em caso de concurso de infracções é extraída a partir de uma nova moldura penal tendo como pressupostos os factos considerados no seu conjunto e a personalidade do agente e como seus limites materiais os fixados no art.º 77.º n.º 2 , do CP, mas que não se reconduz a uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível , segundo Iescheck, RPCC, Ano XVI ,155 -antes repousando numa valoração global dos factos , nos quais se espelha a sua personalidade

Quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que (esteve) na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido”_cfr . Ac. deste STJ , de 27-06-2012, Proc. n.º 70/07.0JBLSB-D.S1 - 3.ª Secção
O julgador fixa a pena não em função de um mero somatório das penas aplicadas, de uma forma mecânica e rotineira, mas de um modo elaborado, construído “ex novo”, procurando reconstituir a imagem global do facto, com ligação à personalidade do agente (“negrito nosso”), descortinando , o que releva para aquela retratar , se a conduta delituosa é fruto de uma desconformidade enraizada na sua pessoa contra o direito, se ele por sistema o ostraciza, ou se, pelo contrário, o crime é um comportamento desviante, porém um acto acidental, no percurso vital , não correspondendo de modo algum ao seu modo de coexistência, na observância regra de padrões comunitários.
(…)
Ainda entendemos por relevante dizer o seguinte:-

Na determinação da pena conjunta não poderá deixar de ter também em conta a medida da culpa e as exigências de prevenção (geral e especial).

Diferença há na moldura penal que, no concurso de crimes é a que resulta das penas judiciais. Sendo no limite mínimo balizada pela pena parcelar mais elevada e o máximo pela soma material das penas parcelares aplicadas –vd. art. 77 n.º 2 do CP.
E há ainda um critério especial: que sejam “considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de concurso de crimes e de cúmulo jurídico de penas, é de concluir que o agente é punido, pelos factos individualmente praticados, mas não como um mero somatório, em visão atomística, antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências de culpa e de prevenção, tanto geral como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (prevenção especial de socialização) –J. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 290-292.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

Ainda há que ponderar que:-

Como explicita Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Reimp. – p. 291) “ A existência deste critério especial obriga, desde logo (circunstância de que a nossa jurisprudência não parece dar-se conta a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso (…).
Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “ carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

No caso em apreço importa fazer notar que o arguido (contando 72 anos aquando da elaboração do Acórdão da 1ª instância) não tem antecedentes criminais, o que não deixando de ter algum relevo, é o normal do comum dos cidadãos.
A isto acresce que o arguido, agente da PSP aposentado, parece ter-se olvidado de “proteger”.
Com efeito, o arguido negou a reiterada actuação criminosa e revela uma personalidade mal formada; não assumiu ou interiorizou o mui relevante mal dos crimes, não tentando, de alguma forma, proceder à sua reparação.
Em diversas ocasiões, em circunstancialismo de tempo, modo e lugar diversos e com vítimas diversas, de forma calculada, demonstrando exacerbada lascívia, perturbou gravemente a autodeterminação das ofendidas em causa.
E apresentou-se como “vítima” de um estratagema, no sentido da existência de um“complot” perpetrado pela mãe das ofendidas F… e E…, aproveitando-se calculadamente de eventual irresponsabilidade parental para levar a cabo os seus actos.
Note-se que a tese do arguido passava por um estratagema montado pela mãe destas ofendidas para lhe extorquir dinheiro que lhe dava por intermédio das ofendidas, filhas; e estratagema esse motivado por vingança da mãe por via de o arguido deixar de recorrer a serviços de prostituição que aquela lhe teria prestado.

Para além disto importa ponderar que estamos para além de situações de pluriocasionalidade.

As exigências de prevenção especial são relativamente acentuadas, tendo em conta a gravidade dos factos; a referenciada personalidade do agente que não se coibiu de satisfazer a sua exacerbada libido com menores, crianças e adolescentes.

Também não podemos de acentuar as necessidades mui prementes de prevenção geral, atenta a gravidade dos factos (abuso sexual de crianças e recurso à prostituição de menores); colocou em causa a liberdade e autodeterminação sexual de crianças e só parou por ter sido sinalizado por tais actos.
A imagem global do facto é profundamente negativa e a personalidade do arguido é avessa à interiorização dos males dos crimes; as justas expectativas da comunidade vão, assim, no sentido de decretar penas parcelares de prisão efectiva, como acima vem dito e a aplicação de uma pena única de prisão efectiva, com vista a satisfazer as exigências de prevenção especial e mormente as prementes exigências de prevenção geral no caso dos autos, aqui tendo em conta a supradita “imagem global do facto” e “personalidade do agente”.

Perante a moldura penal abstracta acima referida o Tribunal “a quo” alcançou uma pena única de prisão de 9 anos e 6 meses.

Não nos merece censura o Acórdão também nesta matéria.

O instituto de suspensão da execução das penas de prisão parcelares é de rechaçar, face a todos os considerandos supra ditos e porque inexiste (pelo contrário) o necessário juízo de prognose favorável ao arguido no sentido de que a simples ameaças das penas e censura do facto seriam por si só suficientes para em termos das finalidades da punição; e alcançada a pena única, desde logo inexiste requisito essencial que permitisse sequer ponderar sobre tal instituto, uma vez que estamos perante uma pena única decretada de 9 anos e 6 meses de prisão (cfr. art. 50º nº 1, do C. Penal).

X

De tudo se conclui que o recurso do arguido é totalmente improcedente e a decisão do Acórdão recorrido é de manter.

XXX
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.

O Recorrente pagará 10 Ucs de taxa de justiça.

X

Comunique, de imediato, à 1ª instância – cfr. art. 215º, do CPP.

PORTO, 24/09/2014
Coelho Vieira
Borges Martins