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CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
NEGÓCIO USURÁRIO
Sumário
I - São elementos essenciais do contrato de locação financeira: a obrigação de entrega de equipamento ao locatário, a fim de ser utilizado por este temporariamente; a obrigação de pagamento de uma renda ao locador; o direito de opção do locatário pela aquisição da propriedade, a continuação da locação em condições mais favoráveis ou a restituição das coisas locadas. II - A renda não corresponde unicamente ao pagamento em prestações do preço da coisa, mas sim à soma de três factores: aquele preço, os encargos que a locadora teve de suportar, nos quais se englobam os custos de gestão, e o lucro desta, como contrapartida do seu risco e da utilização da coisa. III - O negócio usurário só existe quando, cumulativamente, se verifiquem os respectivos requisitos subjectivos (a exploração de uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrém) e objectivos (benefícios excessivos ou injustificados). IV - A situação de necessidade prevista no art. 282 do CC é uma situação de forte temor ou receio ocasionada por um perigo grave de origem natural ou proveniente de um facto humano. V - Não afastada pelas partes a regra da retroactividade da resolução, resolvido o contrato de locação financeira, as prestações não realizadas não têm que o ser, pois ficam sem razão de ser. VI - Não é excessiva a claúsula penal que estabelece para o incumprimento do locatário: 20% do resultado da adição das rendas vincendas, na data da resolução, com o valor residual.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Em 21 de Junho de 1989 a Sociedade Portuguesa de Leasing SA celebrou com a sociedade Polimplás- -Moldes Plásticos Lda um contrato denominado de locação financeira, pelo qual a primeira deu em locação à segunda um veículo Renault Sl30.11.52, com caixa de carga com toldo, fornecido pela Renault, Veículos Comerciais Lda, pelo prazo de três anos desde a data da recepção do equipamento locado, mediante o pagamento de 36 rendas mensais de 191677 escudos cada uma.
(T), (S), (V) e (J) constituiram-se fiadores e principais pagadores de todas as importâncias resultantes daquele contrato, da responsabilidade da locatária.
Porque a locatária deixou de pagar as rendas vencidas entre 22/01/90 e 22/11/90, num total de 2122685 escudos, mais 360857 escudos de IVA, a locadora resolveu o contrato e, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, com distribuição à 3 secção do 12 Juizo, propôs acção de processo ordinário contra a locatária e os fiadores, pedindo a condenação da primeira a devolver-lhe o equipamento locado e, juntamente com os fiadores, a pagar-lhe as seguintes importâncias:
- 3328989 escudos correspondente ao valor das rendas vencidas e não pagas e respectivos IVA e indemnização devida nos termos da alínea c) do n. 2 do art. 16 das condições gerais do contrato; - juros de mora calculados sobre aquele montante até integral pagamento, os quais perfaziam 323420 escudos na data da petição, à taxa anual de 25.5%;
- 22950 escudos correspondentes à multa paga pela autora referente ao imposto de selo devido pelos réus na fiança prestada.
Todos os réus foram citados pessoalmente.
Só a locatária e o fiador (J) contestaram, separadamente.
A locatária impugnou toda a matéria da petição inicial, excepto a do art. 1, no qual a autora se apresenta como uma sociedade parabancária que tem por objecto exclusivo a locação financeira de bens de equipamento.
Contudo, imediatamente alega que pagou as primeiras rendas clausuladas no contrato de locação financeira em apreço, mas, devido a graves dificuldades económico- -financeiras, não conseguiu continuar com os pagamentos e, no sentido de resolver a situação, acordou com a autora e restantes réus a devolução do veículo locado, fazendo a locadora suas as prestações já pagas e perdoando as rendas vincendas e não pagas, ficando desse modo arrumadas as contas entre a autora e a ré. Até porque o veículo se encontrava praticamente novo, com muito pouco uso e o seu valor, acrescido das rendas pagas, na data da entrega
à autora, ultrapassava o seu preço quando foi vendido.
(sic).
Além disso, a vontade declarada pela ré no contrato de locação e no termo de fiança não corresponde à sua vontade real, pois ambos os documentos foram elaborados pela autora e postos à frente da ré, a qual os assinou sem sequer os ler, pois a autora nem lhe deu tempo para tal, sabendo muito bem que se a ré tivesse consciência do contéudo do documento de fls. 6 a 13 não o teria assinado. Como contrato de adesão que é, a sua validade pode ser posta em causa por força do art. 282 CC.
Acresce que o veículo foi entregue à ré com defeitos de fabrico, o que lhe causou grandes prejuizos.
Em reconvenção pede a declaração da nulidade do contrato de locação e do termo de fiança e, subsidiariamente, seja declarada a extinção da dívida por compensação ou por perdão da autora.
Também o réu (J) impugnou a matéria dos arts.
2 a 14 da petição inicial, acrescentando que, tendo a ré pago as primeiras rendas, não conseguiu continuar a efectuar os pagamentos devido a graves dificuldades económico-financeiras e, no sentido de resolver a situação, foi acordado que a ré entregaria
à autora o veículo locado, fazendo esta suas as prestações já pagas e perdoando as rendas ainda não pagas, vencidas e vincendas. Além disso, a sua vontade declarada não corresponde à sua vontade real, ela assinou os documentos sem os ler, pois a autora deu-lhos a assinar sem dar tempo para os ler.
E, porque se trata de um contrato de adesão, a sua validade pode ser posta em causa por força do art. 282 CC.
Em reconvenção pede a declaração da nulidade do contrato e do termo de fiança ou a sua anulabilidade.
Verifica-se, portanto, que as duas contestações foram tiradas quase como que a papel químico.
A autora respondeu à matéria das excepções e das reconvenções.
II - Efectuado o julgamento, por sentença de fls. 112 e seguintes a acção foi julgada procedente em parte e as reconvenções foram julgadas totalmente improcedentes. Em consequência, os réus foram condenados solidariamente a pagar à autora a quantia de 3675216 escudos, acrescida de juros de mora sobre 3328989 escudos desde 21/12/90 até integral pagamento,
à taxa de juro das operações bancárias activas para prazo de três anos, acrescida da taxa moratória legal, e a autora foi absolvida dos pedidos reconvencionais.
Apenas o réu (J) não se conformou com a sentença, interpondo recurso de apelação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
III - Segundo a douta sentença recorrida, encontra-se provado:
- A autora é uma sociedade parabancária que tem por objecto exclusivo a locação financeira de bens de equipamento - al. A da esp.
- Em 21/06/89, a autora, no exercício dessa actividade, e a ré Polimoplás-Moldes Plásticos Lda, representadas pelos seus sócios gerentes, os também réus (S) e (V), subscreveram e assinaram o documento de fls. 6 a 13, referente a um veículo Renault S.130.11.52, com caixa de carga com toldo - alínea B.
- Nesse mesmo dia, no Cartório Notarial da Marinha Grande, os ditos (S) e (V), na referida qualidade, confirmaram o conteúdo do dito documento, que leram, tendo declarado que o mesmo exprimia a vontade da sociedade que representavam, tendo sido lavrado o respectivo termo de autenticação, junto a fls. 13-v e 14, cujo teor se dá por reproduzido -
- alínea C.
- O veículo referido em B foi entregue à ré Polimoplás-Moldes Plásticos Lda pelo fornecedor "Renault Veículos Comerciais Lda", tendo a dita ré assinado o auto de recepção de fls. 16 - alínea D.
- Os réus (T), (S), (V) e (J) assinaram o termo de fiança de fls. 17 -alínea E.
- No dia 04/08/89, no Cartório Notarial da Marinha Grande, o réu (V) confirmou o conteúdo do documento de fls. 17, que leu, tendo declarado que exprimia a sua vontade, conforme termo de autenticação de fls. 17-v e 15 - alínea F.
- No dia 14/08/89, no Cartório Notarial da Marinha Grande, os réus (T), (S) e (J) confirmaram o conteúdo do documento de fls. 17, que leram, tendo declarado que exprimia a sua vontade, conforme termo de autenticação de fls. 15 e 15-v - alínea G.
- Em 19/11/90 a autora enviou à ré "Polimoplás" a carta de fls. 18 e 19, por esta recebida em 21/11/90 - alínea H.
- A autora pagou a quantia de 22950 escudos, a título de multa pela liquidação do imposto de selo do termo de fiança de fls. 17 - alínea I.
- A certa altura, devido a graves dificuldades económico-financeiras, a ré "Polimoplás" deixou de pagar rendas do contrato referido em B da especificação - alínea J.
- O veículo referido em B já foi restituído pela ré "Polimoplás" à autora - alínea K.
- Não obstante as repetidas insistências da autora, nem a ré "Polimoplás" nem os restantes réus pagaram no respectivo vencimento, ou sequer posteriormente, as onze rendas vencidas entre 22/01/90 e 22/11/90, inclusive, tudo num total de 2122685 escudos, a que acrescem 360857 escudos de IVA, à taxa de 17% -
- resp. ques. primeiro.
- A ré "Polimoplás" pagou as primeiras rendas, num montante total superior a 500000 escudos - resp. ques. segundo.
- O valor comercial do veículo quando foi restituído à autora era de cerca de 2900000 escudos - resp. ques. sexto.
- O documento de fls. 6 a 13 foi elaborado pela autora e o documento de fls. 17 foi elaborado de acordo com a minuta fornecida pela autora - resp. ques. sétimo.
- Os réus (S), (V) e (J) são pessoas de baixo nível cultural - resp. ques. décimo terceiro.
- O veículo foi restituído à Autora em 21/01/91 - resp. ques. décimo sétimo.
- Foi a ré que indicou à autora o equipamento objecto do contrato referido em B - resp. ques. décimo oitavo.
- Equipamento esse para cuja escolha a autora em nada interferiu - resp. ques. décimo nono.
_ Tendo sido igualmente a ré que seleccionou o fornecedor do mesmo equipamento - resp. ques. vigésimo.
- Tendo ainda sido a própria ré a convencionar com a fornecedora o preço e prazos de entrega do equipamento - resp. ques. vigésimo primeiro.
IV - O apelante remata as suas alegações com as seguintes conclusões: a) Deve o julgamento ser anulado e repetido, sendo ouvida a testemunha (G), arrolada pelo R. (J). b) Quando assim se não entenda deverá a sentença ser revogada pois, a não ser assim, a A. receberá uma quantia desproporcionada em relação ao que é moral e legalmente exigível, visto que se trata de negócio usurário; c) Quando mesmo assim se não entenda deverá ser revogada a sentença na parte em que condenou o R.
(J) em multa por alegada litigância de má fé.
Analisemos cada uma de per si.
V - Verifica-se de fls. 91 e 93 que os réus arrolaram as mesmas testemunhas, todas residentes fora da área da comarca de Lisboa.
O réu requereu a inquirição das testemunhas por carta precatória, mas o requerimento foi indeferido (fls. 94), por não indicar os pontos do questionário a que as testemunhas deviam depor, nos termos do n. 1 do art. 623 CPC.
Deste despacho não foi interposto recurso, recaindo sobre os réus o ónus de apresentar as testemunhas na audiência final (n. 2 do citado art. 623).
E, com efeito, duas dessas testemunhas, entre as quais a (G), compareceram na audiência final. E se ela não foi inquirida, tal deveu-se tão somente porque o mandatário prescindiu do seu depoimento (fls. 104).
Assim, não corresponde à verdade que o depoimento da testemunha (G) tivesse sido recusado por ser esposa de um dos réus, como o apelante falsamente alega.
Improcede, por conseguinte, a conclusão a), pois não se verifica qualquer fundamento para ordenar a anulação do julgamento.
VI - Entre a autora, como locadora, e a ré Polimoplás, como locatária, foi celebrado um contrato de locação financeira na modalidade definida no art. 1 do DL n. 171/79, de 6 de Junho: "o contrato pelo qual uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável, nos termos do próprio contrato". Podendo a coisa ser móvel ou imóvel, contando que, naquele caso, se trate de bens de equipamento (art. 2 e 3).
São, pois, elementos essenciais daquela modalidade de contrato de locação financeira: a obrigação de entrega do equipamento ao locatário, a fim de ser utilizado por este temporariamente; a obrigação de pagamento de uma renda ao locador; o direito de opção do locatário pela aquisição da propriedade, a continuação da locação em condições mais favoráveis ou a restituição das coisas locadas (José Carlos Moitinho de Almeida, BMJ n. 231, pág. 17).
Para cumprimento da sua obrigação, a locadora adquire o equipamento previamente escolhido pelo locatário, o qual ajustou com o fornecedor o preço a pagar pelo locador. O montante da renda, cujo pagamento constitui a obrigação principal do locatário, deve ser fixado nos termos do art. 10, isto é, de molde "a permitir, dentro do período de vigência do contrato, a amortização do bem locado e cobrir os encargos e a margem de lucro da sociedade de locação financeira".
Portanto, a renda não corresponde unicamente a um pagamento em prestações do preço da coisa locada, mas sim à soma de três factores: aquele preço, os encargos que a locadora teve de suportar, nos quais se englobam os custos de gestão, e o lucro desta como contrapartida do seu risco e da utilização da coisa.
Prevenindo a hipótese de o locatário optar pela compra do bem locado, no fim do prazo contratual, os contraentes indicam o respectivo valor residual.
Ora, tendo a Polimoplás escolhido um veículo como bem de equipamento necessário à sua actividade e acertado o respectivo preço com a Renault Veículos Comerciais Lda., a Sociedade Portuguesa de Leasing obrigou-se a encomendar aquele equipamento à dita fornecedora pelo preço ajustado e entregá-lo à Polimoplás a fim de que esta o utilizasse pelo prazo de 36 meses. Em contrapartida, a locatária obrigou-se a pagar-lhe, em cada um daqueles meses, a renda de 191677 escudos. Se o contrato tivesse alcançado o seu termo normal, o montante das rendas pagas atingiria 6900373 escudos. Verifica-se, assim, ter sido respeitado, no contrato em análise, o disposto nos arts. 10 n. 1 e 11 n. 1 do citado diploma.
VII - Contudo, o apelante alega tratar-se de um negócio usurário, previsto no art. 282 do CC, em cujo n. 1 se estabelece:
"É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados".
Daqui decorre que o negócio usurário só existe quando, cumulativamente, se verifiquem requisitos subjectivos e requisitos objectivos. Requisitos subjectivos: a exploração de uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem; requisitos objectivos: benefícios excessivos ou injustificados. (Mota Pinto, Teoria Geral, pág. 533).
A situação de necessidade não se verifica sempre que o sujeito tem uma necessidade a satisfazer.
Evidentemente que quando alguém negoceia um bem económico é porque tem uma necessidade a satisfazer através do negócio, pois uma das características do bem económico é a sua utilidade, a qual se exprime pela capacidade de satisfazer necessidades.
A situação de necessidade prevista no citado art. 282 é bem diversa: como ensinava Manuel de Andrade (Teoria Geral, II, pág. 278), "é uma situação de forte temor ou receio ocasionada por um perigo grave de origem natural ou proveniente de um facto humano".
Como alguém, ameaçado de perder a vida em um naufrágio, faz promessas a outrem para o salvar. É uma situação que coarcta a liberdade do declarante.
Nada nos autos permite concluir que a locatária se encontrasse em tal situação de necessidade. Apenas ela, no exercício da sua actividade, precisando de utilizar um veículo que não possuía, tratou de locar um bem dessa espécie.
Também não se descortina como é que os sócios-gerentes da Polimoplás possam ser pessoas inexperientes, sofrendo de ligeireza e fraqueza de carácter, atributos esses incompatíveis com aquele cargo, ou que tivessem assinado o contrato e o termo de autenticação em estado de dependência ou de alteração do seu estado mental.
Não se provando nenhum dos requisitos subjectivos do negócio usurário, logicamente que não é aplicável o disposto no art. 282 citado.
Acresce que também não se provou a obtenção de benefícios excessivos ou injustificados por parte da locadora. Com efeito, no cumprimento do programa contratual, a locatária pagar-lhe-ia, a título de rendas, a quantia de 6900372 escudos. Ora, dessa soma, 5100000 escudos seriam absorvidos pelo preço do veículo, restando, por conseguinte, a parcela de 1800372 escudos para cobrir os encargos, a margem de lucro e o risco. Qual o montante desses encargos?
O apelante não o revela. Seja como for, aquela diferença situa-se muito abaixo do dobro do valor que geralmente é admitido como a linha divisória entre os benefícios excessivos e os não excessivos (Mota Pinto, local citado, pág. 533).
Isto por um lado.
Por outro, há a considerar as vantagens obtidas pela locatária, não contabilizadas pelo apelante, as quais não se limitaram à utilização de um veículo sem prévio desembolso de capital. Há que acrescentar, como nota Diogo Paredes Leite de Campos (Rev. Ord. Adv., ano 43 - Maio a Setembro de 1983, pág. 327 e seguintes), o aumento da capacidade do seu endividamento, o acompanhamento do progresso tecnológico, o factor fiscal, o financiamento mais rápido, a melhoria da gestão financeira.
Não há, pois, lugar à aplicação do disposto no art. 282 do CC.
VIII - A locatária interrompeu a execução do programa contratual, cessando o pagamento das rendas a que se obrigara.
Nos termos do n. 1 do art. 16 do contrato, deixando a locatária de pagar as rendas, podia a locadora resolver o contrato.
Usando daquela faculdade, a locadora resolveu o contrato, na forma clausulada, e pediu o cumprimento das obrigações da locatária estabelecidas no n. 2 do mesmo art. 16:
- restituição do equipamento
- pagamento das rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos juros de mora contados desde o vencimento até à data do pagamento
- indemnização correspondente a 20% do resultado da adição das rendas vincendas, na data da resolução, com o valor residual, acrescida dos juros de mora contados desde a data da resolução até a data do pagamento efectivo.
Mas aquelas cláusulas foram inscritas num contrato de adesão, e, por conseguinte, formuladas unilateralmente pela locadora, sem participação da locatária no iter negotii, a qual se limitou a aceitá-las sem possibilidade de as modificar (Mota Pinto, Teoria Geral, pág. 100 e 101). Trata-se, pois, de cláusulas contratuais gerais ou condições gerais.
Pertencem àquela espécie todas as condições incluídas no grupo B do contrato em análise, no qual se inclui o citado art. 16.
Como o contrato foi celebrado na vigência do DL n. 446/85, de 26 de Outubro, que regula os contratos de adesão, importa saber se a cláusula contratual contida naquele art. 16 é proibida por aquele diploma e, portanto, nula nos termos do art. 12. Nulidade que é do conhecimento oficioso, nos termos do art. 286 CC.
Ora, o direito de resolução é admitido no art. 26 do DL n. 171/79 e, portanto, fundado na lei "em termos gerais". (art. 432 CC).
O pagamento da renda constitui a principal obrigação assumida pela locatária. Logo, a interrupção do seu pagamento traduz incumprimento do contrato, fundamento do direito de resolução.
A restituição do veículo locado é um efeito da resolução, previsto nas disposições combinadas dos arts. 433 n. 2 289, e n. 2 do art. 801, todos do
CC.
Em presença do efeito retroactivo da resolução, a locadora não devia, em princípio, ter direito ao recebimento das rendas vencidas e não pagas na data da resolução. Como notava Vaz Serra (BMJ n. 68, pág. 198), "as prestações ainda não realizadas não têm de o ser, pois, resolvido o contrato, ficam sem razão de ser".
Contudo, a regra da retroactividade da resolução é derrogável por vontade das partes, como expressamente se admite no art. 434 n. 1 do CC. O n. 2 do mesmo artigo subtrai à regra da retroactividade a resolução dos contratos de execução continuada ou periódica, como o dos autos.
Assim, a cláusula inscrita na alínea b) do n. 2 do art. 16 do contrato de locação financeira, segundo a qual, resolvido o contrato, a locatária continua obrigada ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, além de legal, não se encontra abrangida por alguma das proibições consignadas nos arts. 15 a 19 do citado DL n. 446/85. Trata-se de uma solução respeitadora do princípio da boa fé, tal como vem definido nos arts. 16 e 17, dado que tomou em devida conta um princípio fundamental do nosso direito: a proibição do enriquecimento sem causa, consagrada nos arts. 473 e segs. do CC. Na verdade, se sobre a locatária não recaísse a obrigação de pagar à locadora as rendas vencidas ou outra equivalente, uma vez resolvido o contrato, limitando-se a restituir o bem locado no estado em que se encontrasse, teria beneficiado, com o seu incumprimento, de um injusto enriquecimento à custa da locadora, visto que esta iria receber um valor inferior àquele que entregou; a locatária, durante certo período, teria utilizado gratuitamente a coisa locada.
A obrigação de indemnização pela mora ou incumprimento stricto sensu, sob a forma de juros de mora, e a cláusula penal acham-se reconhecidos nos arts. 559-A, 801 n. 2, 806, a primeira, e 810 a segunda, todos do CC.
Em dúvida, apenas o montante da cláusula penal: 20% do resultado da adição das rendas vincendas, na data da resolução, com o valor residual.
Na alínea c) do art. 19 do DL n. 446/85 são proibidas as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, o que abrange as cláusulas penais excessivas.
Será aquela clásula penal excessiva? Não parece.
Desde logo, note-se a razoabilidade do critério ao fazer variar o seu montante na proporção directa do quantitativo das rendas em dívida: quanto menor for este quantitativo, menor será o valor da cláusula penal. Além disso, como realça o modelar acórdão do STJ de 9/3/93 (Col. Jur. ano I, tomo 2, pág. 8):
"Não nos devemos esquecer de que estamos perante um contrato em que o locador tem mais a ganhar com o cumprimento do que com o incumprimento. São grandes os riscos assumidos, é demasiado elevado o capital aplicado".
Podemos, por conseguinte, concluir sem qualquer dúvida que a referida cláusula contratual geral não enferma de nulidade.
XI - Na douta sentença recorrida, o apelante foi condenado na multa de 4 Ucs como litigante de má fé, nos termos do art. 456 CPC, por haver falsamente alegado que a vontade por ele declarada no termo de fiança não correspondia à sua vontade real.
O apelante insurge-se contra tal condenação, alegando ser legítimo o entendimento que defendeu na contestação.
Contudo, não se trata de entendimentos, razões ou argumentos contrários ao do julgador.
Na contestação o réu alegou factos que sabia não corresponderem à verdade. Com efeito, no art. 1 da contestação ele começou por negar a própria existência material do contrato e da fiança que prestou, o que é um absurdo, em presença do próprio articulado subsequente. Depois, nos arts. 10 e 11, alegou que assinou o termo de fiança sem o ler, porque os respectivos documentos foram postos à sua frente para aquele efeito sem lhe ter sido dado tempo para proceder à leitura dos mesmos. Ora, o réu bem sabia que tais afirmações não correspondiam à verdade, visto que assinou o termo de autenticação de fls. 15, no qual expressamente declara confirmar o conteúdo do documento, que leu, e exprime a sua vontade.
Tal conduta encontra-se prevista no n. 2 do art. 2 do art. 456 CPC, segundo o qual diz-se litigante de má fé aquele que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos.
E a má fé do réu agravou-se com a sua situação de apelante. É que, como fundamento do pedido de anulação e repetição do julgamento, alega que a testemunha (G) não foi admitida a depor por ser mulher de um dos réus. Ora, o apelante, através do seu advogado, presente na audiência, bem sabia que a referida testemunha não prestou depoimento porque foi prescindida pelo advogado.
Além disso, continua a insistir na tese do negócio usurário sabendo que não se provaram os respectivos pressupostos.
Continua, pois, incurso no disposto nos ns. 1 e 2 do art. 456 CPC.
X - Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Como litigante de má fé na instância de recurso, condena-se o apelante na multa de 2 UCs, nos termos da alínea a) do n. 1 do art. 208 do C. C. Judiciais.
Lisboa, 25 de Janeiro de 1994.