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RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
DESPESAS DA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS PROGENITORES
Sumário
I – Nos processos de jurisdição voluntária (como é o caso dos autos, de Alteração das Responsabilidades Parentais) o princípio do dispositivo cede perante o princípio do inquisitório; II – É da responsabilidade de ambos os progenitores o pagamento de uma despesa extraordinária de saúde do menor (tratamento médico-dentário), não contemplada na fixação da pensão de alimentos; III – Sendo a situação económica dos progenitores essencialmente idêntica, essa despesa deverá ser suportada por ambos, em partes iguais.
Texto Integral
Processo nº 191/08.2TMMTS-D.P1- Apelação 1ª
Tribunal de Família e Menores de Matosinhos
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador Rui Moreira
2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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Nos presentes autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, em que é Requerente B… e Requerido C…, pretende a requerente a Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais do menor D…, nascido a 3 de Agosto de 1996. Alega a requerente, para tanto, que nos autos a que estes estão apensos, se encontra regulado o exercício do poder paternal relativamente ao menor, seu filho. No entanto, alega, o seu filho necessita de cuidados médico dentários urgentes e imprescindíveis, uma vez que padece de “uma desarmonia dentomaxilar juntamente com atresia do maxilar e consequente mordida cruzada”, sendo que a não concretização do tratamento acarretará dificuldades de disjunção e aumento do risco de extrações ortodônticas. Refere ainda a requerente que o tratamento integral orça cerca de 3000,00€ e que não dispõe de capacidade financeira para, por si só, fazer face a tal despesa. Mais alega que o requerido, pai do menor, ignorou o pedido da requerente para auxiliar no pagamento da despesa com a correção ortodôntica a ser efetuada ao menor.
Conclui, assim, pedindo que o requerido seja condenado a pagar metade das despesas de saúde do menor.
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Notificado o requerido, para se pronunciar, veio dizer, em síntese, que não dispõe de meios financeiros para suportar metade do valor do custo do aparelho dentário, concluindo pelo pedido de uma perícia médica ao menor para aferição da necessidade do tratamento mencionado pela requerente.
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Foi designado dia para conferência de progenitores e tentada a obtenção de uma solução consensual, tentativa que se gorou.
As partes apresentaram as suas alegações onde, no essencial, mantiveram as posições assumidas, dizendo o requerido que aufere o vencimento mensal de 587,07€ e que 1/3 do seu vencimento se destina ao pagamento da prestação de alimentos devida ao menor. Mais alega que ao longo dos anos tem vindo a pagar metade do colégio do menor que este já não frequenta há anos, pelo que, entende que há muito pagou, “por antecipação forçada” mais do que o peticionado pela requerente para o tratamento dentário do menor.
A requerente, por seu turno, mantém o afirmado e requerido no petitório inicial, alegando ainda que, uma vez que o tratamento dentário do menor era urgente e necessário, foi o mesmo iniciado e iniciados os pagamentos devidos pelo mesmo, requerendo, assim, que o requerido seja condenado no pagamento de metade do já por si despendido, bem como em metade do que vier ainda a ser despendido, requerendo a alteração da regulação das responsabilidades parentais no sentido do requerido passar a suportar metade das despesas de saúde do menor, no prazo de 30 dias após a apresentação dos comprovativos das mesmas.
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Foram solicitados e elaborados relatórios sociais relativos à Requerente e ao Requerido, que se encontram a folhas 122 e ss e 147 e ss, os quais foram notificados às partes.
Foi efetuada perícia médica requerida pelo progenitor, encontrando-se o relatório junto aos autos, bem como os esclarecimentos efetuados pela Sra perita médica em conformidade com o solicitado pelo requerido.
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Foi proferida decisão a julgar improcedente o pedido de condenação do requerido a suportar metade das despesas médicas do menor, mantendo-se inalterada a decisão proferida por Tribunal Judicial de Arouca em 10/01/2005, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
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Não se conformando com a decisão recorrida veio a requerente dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
1. A requerente apresentou as suas alegações em 17.09.2008 e o requerido em 19.09.2008;
2. O art 264º do CPC que hoje tem a sua matéria regulada no art 5º nº1 é claro ao referir que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que hajam baseado as excepções e, no art 611º do CPC, sujeita-se a atendibilidade de factos supervenientes á propositura da acção, à dedução de articulado superveniente, o que não ocorreu no caso;
3. Assim, nos termos dos artigos 5º, 259º, 260º e 611º do CPC a estabilidade da instância impõe definir como matéria em que a sentença se pode basear a que foi levada aos autos pelas partes nos seus articulados. Neste caso a matéria das alegações e dos requerimentos com prova do alegado, apenas sendo admissível a recolha de factos posteriores que sejam instrumentais aos alegados;
4. Perante este critério legal e o que decorre da prova produzida torna-se necessário alterar a matéria que a sentença afirma ter por provada e não provada pela forma seguinte:
a) Quanto á matéria provada deverão considerar-se provados os factos descritos nos nºs 1 a 5, 9 a 15, 19 a 21, 24, 26 a 28 e 31 a 40 da sentença recorrida que define o que considerou como assente;
b) E alterar-se a matéria relativa aos pontos 6 a 8, 16 a 18, 22, 23, 25, 29 e 30 do mesmo capítulo da sentença que deverão ser considerados provados nos moldes expressos nos nºs 2 a 11 do Cap IX destas alegações, o que aqui se dá por reproduzido;
c) Bem como deverão os factos dados como “não provados” na sentença serem retirados dessa classificação;
5. Nesse sentido e corrigida a matéria de facto que decorre dos meios de prova constantes dos autos e reportados ao que foi alegado pelas partes, a matéria de facto passará, sinteticamente, a ser a seguinte:
a) o menor D… nasceu a 03.08.1996 (facto 7 – conforme ponto 2 do Cap IX supra);
b) a pensão de alimentos devida pelo requerido ao menor é de € 240,90 (vide factos 1 a 6, notando-se que a formula do ponto 6 deverá acolher o que foi referido supra no ponto 2 do Cap IX);
c) na regulação do poder paternal não foi fixada a obrigação do pai pagar metade das despesas de saúde do menor (vide pontos 1 a 5 da matéria provada);
d) ao menor, aos 11 anos, foi diagnosticado um problema dentário grave que exigia tratamento imediato (cfr. pontos 8 a 14 da matéria de facto assente, tomando em conta o que se referiu no ponto 4, do Cap IX);
e) o tratamento dentário foi pago apenas pela requerente e custou € 2.991,00 (conforme documentos constantes do processo e ponto 31 dos “Factos Provados”);
f) o agregado familiar constituído pela requerente e pelo menor, à data da realização do relatório elaborado pela Assistente Social, tinha como despesa global o valor de € 1.100,00 por mês (cfr. 30 do factos assentes na formulação resultante do que é alegado no ponto 11 do Cap. IX);
g) e como receita, o salário de € 725,63, mais a pensão de alimentos (quando é paga) de € 240,90 e a subvenção da Segurança Social ao menor de € 42,25, tudo no total de € 1.008,78 (conforme decorre do Relatório de 29.01.2009 da Assistente Social, da documentação junta com a petição, do que é alegado no ponto 10 do Cap IX relativo ao facto 29 da sentença e ainda do depoimento da testemunha G… apreciado e transcrito nos pontos 3 a 10 do Cap VIII);
h) por outro lado, o requerido tem como despesas € 482,90, incluindo a prestação de alimentos, conforme foi por ele declarado à Assistente Social, em 29.01.2009 e conforme alegou na sua contestação (alegações) e de harmonia com os pontos 17 e 22 dos factos provados da sentença segundo o que se alega nos pontos 6 e 7 do Cap. IX supra;
i) e o seu agregado familiar tem receitas de € 620,00 e € 482,90, no total de € 1.102,90, conforme pontos 19 e 21 dos factos provados;
j) perante o referido antes, o quadro das receitas e despesas é o seguinte:
a recorrente aufere € 1.008,78 de receitas quando recebe a pensão de alimentos, o que já não ocorre há quase dois anos (por isso estão em dívida mais de € 4.000,00) e gasta cerca de € 1.100,00 nas despesas obrigatórias com o agregado familiar constituído por si e pelo menor D…, concluindo-se que, recebendo a pensão, o que não sucede, a recorrente fica com uma dívida;
k) e o agregado familiar do recorrido e da sua companheira, se aquele pagasse a pensão de alimentos, teria de despesas € 482,90 e receberiam € 1.102,90 de receitas pelo que lhes sobrariam € 620,00 por mês. Do exposto bem se vê como a situação económica do requerido é folgada.
6. A saúde é um bem fundamental da vida do menor e cabe aos seus progenitores assegurar-lhe esse bem essencial;
7. Do confronto da situação económica dos progenitores não decorre qualquer razão para impor á mãe o pagamento da totalidade das despesas de saúde do menor e isentar o Requerido dessa obrigação;
8. Pelo contrário, da matéria provada resulta que o Recorrido furta-se sistematicamente ao cumprimento dos seus deveres de progenitura, quer quanto ao dever de pagar a pensão de alimentos, quer quanto ao pagamento das despesas de saúde e também quanto ao seu dever de presença junto do filho, dever que não cumpre há mais de dez anos, incluindo-se o seu absoluto silêncio quer nos aniversários do menor, quer nos Natais, ou seja – nunca.
9. Por tudo o exposto e salvo melhor opinião, deverá conceder-se provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra decisão que declare a alteração do regime das Responsabilidades Parentais, incluindo a obrigação do pai pagar metade das despesas de saúde do menor nos termos peticionados, que incluem o pagamento de metade do valor, pago exclusivamente pela requerente, do tratamento dentário que custou 2.991,00€.
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O requerido apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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A Exma Procuradora da República veio apresentar Resposta ao recurso da recorrente.
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Cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, acima transcrita, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Partindo desses princípios, as questões a apreciar no recurso interposto pela recorrente são:
- A de saber se deverá ser alterada a matéria de facto;
- Se deverá ser condenado o requerido a pagar à requerente metade das despesas extraordinárias tidas por aquela com a saúde do menor.
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Foram considerados provados na 1ª Instância os seguintes factos:
1) Por acordo a que chegaram ambos os progenitores nos autos que correram termos pelo Tribunal Judicial de Arouca sob o Nº546/2002 e que foi homologado por sentença proferida em 21/10/2002, foi o poder paternal relativo ao menor D… regulado nos seguintes termos:
a) O menor D… fica à guarda e cuidados da mãe;
b) O pai terá o direito de visitar o menor sempre que assim o entenda, desde que avise atempadamente a mãe e respeite os períodos de descanso e alimentação do mesmo;
c) O pai fica obrigado a pagar metade da mensalidade do colégio do menor, no valor de 150,00€, a que acresce a quantia de 75,00€ a actualizar anualmente de acordo com o índice de inflação registado no ano anterior;
d) A quantia referida em c) será depositada por transferência bancária para uma conta da F… com o seguinte NIB: …………………;
2) As quantias referidas em c) passaram, por via do incumprimento do requerido, a ser descontadas mensalmente no vencimento do mesmo no âmbito do ordenado nos autos que correram termos sob o Nº 546-B/2002;
3) Nos autos que correram termos sob o Nº 546-A/2002, o progenitor requereu a alteração da pensão de alimentos, tendo sido proferida decisão, pela primeira instância, em 10/01/2005, nos seguintes termos:
a) “determinando-se que a titulo de alimentos ao menor, o pai suportará a quantia mensal de 225,00€, a atualizar anualmente de acordo com o índice de inflação registado no ano anterior, mantendo-se, em tudo o mais, o acordado nos respetivos autos de regulação do poder paternal”;
4) Interposto recurso da decisão aludida em 3), o Tribunal da Relação proferiu decisão nos seguintes termos:
a) (…) pelo que se mantém a decisão proferida nos termos indicados, relativamente à quantia global de 225,00€, todavia com a precisão estabelecida no que tange à quantificação da comparticipação da despesa do colégio frequentado pelo menor, que é no montante de metade relativamente à mesma e pela qual deverá ser entregue o respetivo documento comprovativo de tal montante para efeitos fiscais, devendo igual quantia como é óbvio ser suportada pela mãe”;
5) Solicitados esclarecimentos pela requerente sobre a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, no que concerne à quantificação do estipulado da comparticipação da despesa do colégio frequentado pelo menor, este mesmo Tribunal esclareceu que “a quantia mensal a pagar pelo progenitor é de 225,00€ (duzentos e vinte e cinco euros) conforme estabelecido, sendo que nestes está integrada a metade correspondente à comparticipação de despesas escolares do estabelecimento frequentado pelo menor, querendo apenas significar desde modo que se deve diferenciar tal quantitativo, cabendo sempre ao progenitor o valor correspondente a metade das mesmas (despesas escolares), não ficando de forma alguma desonerado de tal valor se o menor como se perguntou em e) do requerimento, por exemplo, mudar de colégio ou outra entidade, o que até pode implicar como é bom de ver um aumento, se porventura verificado pelo desenvolvimento do mesmo a esse nível como é o mais natural da vida nos dias de hoje”;
6) Actualmente, a pensão de alimentos que o progenitor se encontra a entregar à requerente é de 240,90;
7) O menor D… tem 17 anos de idade e frequenta o 11º ano de escolaridade;
8) O menor apresentava um problema dentário - classe II, divisão 2, com mordida cruzada unilateral e falta de espaço (apresentando caninos elevados);
9) A anomalia aludida em 7), com ausência de guia canina, leva a uma deterioração mais precoce das peças dentárias, pois permite desgastes anormais das mesmas e exposição radicular com retracção gengival devido a trauma oclusal;
10) Os incisivos verticalizados impedem o crescimento e avanço normal da mandíbula, cujo maior surto de crescimento ocorre na puberdade;
11) A restrição ao crescimento aludida em 9), é frequentemente responsável (mais tarde), por patologias da articulação temporo mandibular, por colocação mais distal do côndilo;
12) As patologias referidas em 10) são “estalidos” na abertura e/ou fecho da boca, dor localizada na área dos côndilos, restrição ou impedimento de abertura e/ou fecho, dores de cabeça fortes e persistentes, entre outras;
13) O tratamento médico poderia ser efectuado somente após o aparecimento dos sintomas referidos em 11) mas, nessa altura, a recuperação da Articulação Temporo-mandibular do menor nunca seria total podendo ser necessária, inclusive, a intervenção cirúrgica;
14) Aquando do exame efectuado pela perita médica, o menor apresentava um bom estado de saúde oral, quer a nível dentário (ausência de cáries), quer dos tecidos moles;
15) O requerido nunca deu o seu consentimento para a realização do tratamento dentário ao menor;
16) O requerido vive com uma companheira e a filha desta;
17) Habitam casa própria, adquirida com recurso ao crédito, pagando uma prestação de cerca de 230,00€;
18) O requerido é trabalhador numa empresa sedeada em …, Oliveira de Azeméis, “G…”, onde desempenha as funções de Operador de Máquina de furar Radial 1;
19) Aufere o vencimento mensal de cerca de 620,00€, dependendo do subsídio de refeição;
20) O requerido é habilidoso de mãos;
21) A sua companheira é operária fabril, auferindo um vencimento de 485,00€;
22) O agregado familiar do requerido apresenta despesas médias fixas de cerca de 640,00€, onde se incluem a prestação da casa, água, luz, gás, condomínio, telefone e prestação de alimentos;
23) O requerido tem diversos problemas de saúde, nomeadamente diabetes e tensão arterial alterada;
24) O requerido esteve de baixa, por doença, pelo menos, nos seguintes períodos:
a) De 16/12/2011 a 26/01/2012;
b) De 03/09/2012 a 01/11/2012;
c) De 13/11/2012 a 12/03/2013;
25) Durante os períodos da baixa por doença, o requerido recebe subsídio de doença em montante inferior ao seu vencimento mensal;
26) A requerente vive com o menor, em apartamento de tipologia 1, propriedade da irmã, tia materna do menor;
27) O menor dispõe de quarto próprio, permanecendo a progenitora no sofá da sala;
28) A requerente exerce actividade profissional como auxiliar de farmácia, onde se encontra efectiva, auferindo 725,63€ mensais;
29) Aufere de prestação familiar devida ao menor quantia nunca inferior a €70,00 (cfr. Fls. 347);
30) O agregado familiar apresenta gastos médios mensais fixos na ordem de 360,00€, para pagamento da renda, luz, água, gás e telefone;
31) A Requerente despendeu, para pagamento do tratamento médico-dentário efectuado ao menor a quantia de 2.991,00€ (…);
32) A requerente socorreu-se da irmã que lhe emprestou dinheiro para ajudar a pagar o tratamento médico dentário do menor;
33) O menor D… necessita de usar prótese para correcção da visão, uma vez que sofre de miopia e astigmatismo;
34) O menor continua a usar o aparelho fixo de contenção inferior e, para dormir, usa o aparelho removível de contenção superior, apresentando melhoras;
35) O menor, há cerca de dois anos deixou de ser acompanhado pelo profissional que executou o tratamento dentário;
36) O D… frequentou um colégio particular até ao 4º ano de escolaridade;
37) Frequentou o H… e o centro de estudos;
38) As actividades referidas em 37) oneravam o orçamento familiar do menor em 164,00€ mensais;
39) Actualmente, o menor frequenta o 11º ano, apresenta bons resultados escolares, não tem actividades extra-curriculares, gosta de ler e de televisão;
40) O requerido e o menor não mantêm qualquer contacto há mais de dez anos.
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Alteração da matéria de facto:
Alega a recorrente que apresentou as suas alegações, assim como o requerido.
Mais alega que o art 264º do CPC (que hoje tem a sua matéria regulada no art 5º nº1) é claro ao referir que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que hajam baseado as excepções…”, e no art 611º do CPC sujeita-se a atendibilidade de factos supervenientes à dedução de articulado superveniente, o que não ocorreu no caso.
Assim, nos termos dos artigos 5º, 259º, 260º e 611º do CPC, a estabilidade da instância impõe definir como matéria em que a sentença se pode basear a que foi levada aos autos pelas partes nos seus articulados – neste caso, a matéria das alegações e dos requerimentos com prova do alegado -, apenas sendo admissível a recolha de factos posteriores que sejam instrumentais aos alegados.
Conclui assim que perante este critério legal e o que decorre da prova produzida torna-se necessário alterar a matéria que a sentença afirma ter por provada e não provada.
Mas sem razão, como é bom de ver.
Antes de mais, não podem ser aqui aplicados os princípios pretendidos pela recorrente, no que se refere ao princípio do dispositivo (tomando as alegações das partes como se de articulados se tratasse). Trata-se, no caso dos autos, de um processo de jurisdição voluntária, cujas regras legais podem e devem ser afastadas, no seu sentido mais rigoroso, para darem lugar a critérios de justiça, de oportunidade e de oficiosidade.
Como é entendimento pacífico, neste tipo de processos o tribunal não está vinculado às alegações das partes nem ao conteúdo dos seus requerimentos de prova; pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (cfr. Artº. 1409º do CPC (actual 986º) e 150º da OTM).
Além disso, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artº 1410º do CPC (actual 987º).
Consequentemente, e como sucedeu no caso dos autos, nos processos de jurisdição voluntária as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso) – artº 1411º do CPC (actual 988º).
Conclui-se do exposto que o princípio do dispositivo que enforma o nosso direito processual civil (com consagração expressa no artigo 5.º do actual CPC) aplica-se apenas à chamada jurisdição contenciosa; já não, ou já não necessariamente, à chamada jurisdição voluntária, na qual se incluem os processos tutelares cíveis, como o vertente (artigo 150.º OTM e ac RL 4.2.2012 – www.dgsi.pt).
Castro Mendes (Direito Processual Civil, I, AAFDUL, Lisboa, 1990, 76 e ss) aponta como uma das situações que terão justificado a criação de um processo de jurisdição voluntária os casos de desarmonia de interesses “...em que se entrecruzam interesses contrapostos, mas não no mesmo plano - um deles tem necessariamente posição de primazia”. É o caso das providências relativas aos filhos - artigo 989.º CPC - em que os interesses dos pais são tomados em conta num segundo plano.
No mesmo sentido se decidiu também no ac da RL de 10.10.2013 (www.dgsi.pt) ao consignar que "...um processo de jurisdição voluntária (art.º 150.º da OTM) caracteriza-se (…) pelo predomínio do princípio do inquisitório sobre o principio do dispositivo (art.º 1409.º, n.º 2 do CPC), pelo predomínio do critério de equidade na decisão sobre o critério da legalidade (art.º 1410.º do mesmo C. P. Civil,) e pela livre revogabilidade das decisões em face de circunstâncias supervenientes (art.º 1411.º do mesmo C. P. Civil), tudo em ordem a salvaguardar o interesse relevante em causa, qual seja o interesse do menor."
Assim sendo, facilmente se conclui que o tribunal recorrido não estava sujeito às limitações previstas no artigo 264º do CPC (actual artº 5º), no que se refere às alegações das partes, como pretende a recorrente.
Sempre se dirá contudo que os factos alegados, quer pela requerente, quer pelo requerido, foram considerados na sentença recorrida, cotejados, como é evidente, pelo resultado dos inquéritos e das perícias efectuadas, assim como aos documentos existentes nos autos.
Concluímos assim que a matéria de facto descrita mostra-se bem fundamentada, sendo a mesma também suficiente para ser apreciada a segunda questão suscitada pela recorrente. Improcedem, assim, as primeiras conclusões das alegações da recorrente.
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Do dever do requerido de contribuir para a despesa médica-dentária do seu filho:
A requerente, progenitora a quem o menor ficou confiado, veio requerer ao tribunal a alteração do regime das responsabilidades parentais fixado em relação ao seu filho menor, pedindo que o requerido seja condenado a pagar-lhe metade das despesas por ela suportadas com tratamentos médico-dentários do menor, no valor de € 2.991,00.
O artigo 182º nº1 da O.T.M. permite a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais, quando circunstâncias supervenientes o tornem necessário.
Trata-se de um processo que se aplica quando, por circunstâncias supervenientes (as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão ou as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso) – artº 1411º do CPC (actual 988º) - se torne necessário alterar o que estiver estabelecido (artº 182º nº1, 1ª e 2ª parte da OTM).
Dispõe também o artigo 2012º do Código Civil que “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los”.
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (C.C. Anotado, vol. V, pag. 600, anotação ao artº citado) “a variabilidade do objecto da prestação é desde há muito reconhecida pelo comum das legislações e generalidade dos autores como uma das características essenciais da obrigação alimentícia”, acrescentando que “como a obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que assenta fundamentalmente em dois pilares básicos – as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga - e, estes factores podem alterar-se, e de facto a cada passo se modificam, a lei permite, com inteira lógica e com perfeita coerência, que o quantitativo da prestação se adapte a todo o momento à evolução desses factores”.
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No caso presente, concordamos inteiramente com a decisão recorrida de que houve alteração das circunstâncias que levaram à fixação da pensão ao menor D… que o seu pai se encontra obrigado a pagar.
Na verdade, quando a requerente e o requerido acordaram na pensão de alimentos de 75,00€, acrescida de 150,00€ para pagamento de metade do valor devido pelo colégio do menor, ainda não se tinha verificado, nem se previa vir a verificar-se, a necessidade do tratamento médico-dentário do menor, o mesmo acontecendo aquando da fixação da prestação de 225,00€ (actualizável anualmente, de acordo com o índice de inflação), pelo Tribunal Judicial de Arouca, confirmada por este Tribunal da Relação. Trata-se de uma despesa extraordinária de saúde, da responsabilidade de ambos os pais, que não foi prevista na sentença que fixou a pensão de alimentos.
Acresce que o requerido nunca deu o seu consentimento para a realização do tratamento dentário ao menor, pelo que a requerente teve de despender, sozinha, para pagamento daquele tratamento médico, a quantia de 2.991,00€, para o que se socorreu da irmã que lhe emprestou dinheiro para ajudar a pagar o mesmo.
Assente que ocorreu uma necessidade extraordinária de saúde para o menor, que a requerente custeou na íntegra, resta agora apurar se o requerido deve suportar metade daquele tratamento, como pretende a recorrente (ou pelo menos uma parte).
Cremos que sim. Não podemos, desde logo, concordar com os considerandos da decisão recorrida, quando deixa subentendido que deveria ocorrer uma compensação do montante da pensão a cargo do requerido - para pagar a sua parte no colégio do menor, que entretanto deixou de frequentar -, com esta despesa extraordinária.
Refere-se na sentença recorrida que foi tida em conta, na fixação da pensão, a despesa decorrente da frequência do colégio particular pelo menor, sendo o pai obrigado ao pagamento de metade daquela prestação, tendo sempre por certo que o progenitor seria responsável por metade das despesas escolares do menor.
Ora, entretanto o menor deixou de frequentar o colégio e passou a frequentar uma escola pública. Teve, entretanto, despesas com actividades extra curriculares, nomeadamente com o H… e com o Centro de Estudos, mas essas mesmas despesas deixaram também de existir.
No entanto, parece resultar que o valor da pensão foi calculado tendo por base o valor da mensalidade do colégio que o menor frequentava e que deixou de frequentar quando terminou o 1º ciclo do ensino básico, isto é, há cerca de sete anos, sendo certo que o requerido manteve o pagamento da prestação fixada, pese embora o valor apurado, então, como sendo o seu rendimento mensal.
Ora, como se disse, não podemos concordar com tais considerandos, desde logo porque a pensão de alimentos não é susceptível de compensação com eventuais créditos do devedor (artº 853° n 1, alínea b), do CC).
Além disso, seria dever do requerido, como pai, estar atento às despesas (e necessidades) do filho, acompanhando o seu percurso escolar, nomeadamente a frequência, por parte do mesmo, do colégio particular cuja prestação foi obrigado a pagar metade, requerendo, se fosse o caso, alteração da pensão alimentar.
Não o tendo feito atempadamente, e sendo certo que o filho tem hoje 17 anos, com as suas necessidades alimentares consideravelmente aumentadas – como jovem que é, inserido numa sociedade imbuída de um grande espírito de consumo –, não pode vir agora aproveitar-se desse seu “desleixo”, invocando que já pagou, antecipadamente, as despesas que lhe são exigidas. Também não podemos concordar com a sentença recorrida nas demais considerações, relacionadas com as necessidades alimentares do menor.
Desde logo não podemos concordar que as despesas escolares do menor diminuíram, dado ter deixado de frequentar o colégio particular, bem como por ter deixado de frequentar as actividades extra-curriculares que frequentava.
As crianças crescem, assim como as suas necessidades – mesmo as mais básicas.
Além disso, surgem outras com a idade, não menos essenciais a um desenvolvimento são e harmonioso - como sejam as despesas de lazer e de convívio, de vestuário e da prática de actividades lúdicas e desportivas - que os pais devem assegurar, a par das necessidades mais básicas, como sejam a alimentação.
Não se pode esquecer que a medida da necessidade alimentar é definida por múltiplos factores, designadamente, a situação social, a idade, o estado físico e de saúde da pessoa que há-de receber os alimentos (art. 2004º, nº 2 do C.C).
Além disso, no que se refere à noção de alimentos, estabelece o nº 1 do artº. 2003º do CC que “por alimentos entende-se tudo aquilo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário do alimentando”, acrescentando o nº 2 que “Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado em caso de este ser menor”.
Ou seja, concluiu-se das disposições legais citadas que a obrigação de sustento dos pais para com os filhos menores afere-se não só pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas dos seus filhos, mas também envolve o indispensável à promoção adequada do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Ou seja, a prestação alimentar afere-se pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário do menor, mas também pelo que é necessário para satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família e da sociedade, de acordo com o seu padrão de vida normal.
Sobre a expressão legal “sustento” ela não pode nem deve ser encarada “strictu sensu” como alimentação, mas sim como tudo o que é indispensável à vida, encarada ela no seu sentido mais amplo de vida em sociedade na qual se insere, em concreto, a pessoa carecida de alimentos (cfr. Maria da Nazareth Lobato Guimarães, ob e local citados, pág.207 e 210, nota 19 e Ac da RL de 7.12.77, BMJ 274, 303).
Dito de outro modo, a carência de alimentos não se esgota nas condições de sobrevivência; sempre que possível, deverá visar igualmente um mínimo de condições de conforto e de bem estar, que permita à criança desenvolver-se de forma sã e harmoniosa junto da família e dos seus pares.
Reportando-nos ao caso dos autos, há que atentar, desde logo, no facto – provado -, de que o menor D… tem problemas de saúde a nível visual: necessita de usar prótese para correcção da visão, uma vez que sofre de miopia e astigmatismo.
Além disso, deixou de estudar no colégio particular, mas passou a frequentar o H… e o centro de estudos (que deixou, em data não apurada) sendo certo que as actividades referidas oneravam o orçamento familiar do menor em 164,00€ mensais.
Considerando o que acaba de ser dito, não nos parece excessivo que as despesas do menor, com 17 anos e a frequentar o 11º ano de escolaridade, se situem, actualmente, no valor de € 480,00 (o dobro da pensão de alimentos a cargo do requerido), considerando as despesas globais da vida de um menor de 17 anos de idade.
Não podemos assim concordar com a sentença recorrida de que a prestação a que o requerido se encontra obrigado – de € 240,90 - garanta as necessidades básicas do menor, competindo à requerente, progenitora, garantir outras necessidades (nomeadamente as extraordinárias ora reclamadas).
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Também não podemos concordar com a decisão recorrida quando afirma que o requerido não tem condições económicas para suportar metade das despesas que lhe estão a ser reclamadas pela requerente, nomeadamente quando se afirma que a sua situação económica se alterou desde a data em que foi fixada a pensão.
Sabemos que a fixação da pensão alimentar tem de entrar em linha de conta com as possibilidades dos pais para a satisfação das necessidades do menor, pois de acordo com o artº 2004º nº 1 do CC, os alimentos devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los (cfr. também os artºs. 1874º, nº. 2, 1885º, do C.C., e 27º, nº. 3, da Convenção dos Direitos da Criança).
A medida dos alimentos depende, assim, da verificação das seguintes condições: possibilidade do alimentante; necessidade do alimentado; e possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência. Daí que se costuma dizer que a prestação alimentar se mede pelo binómio necessidade/possibilidade, devendo estas necessidades e aquelas possibilidades serem actuais (Ac. S.T.J. de 7/5/80, B.M.J. nº. 297, 342). Sobre as possibilidades do requerido, considerou-se na decisão recorrida que aquando da fixação da prestação, o requerido não apresentava problemas de saúde, nem se encontrava longos períodos ausente do trabalho por incapacidade, o que diminui, como é consabido, o seu rendimento disponível.
Ora, de acordo com a matéria de facto provada, os únicos problemas de saúde que são atribuídos ao requerido são problemas comuns à maioria da classe trabalhadora: tensão arterial elevada e diabetes - problemas controláveis medicamente -, estando por demonstrar outros problemas de saúde do requerido que o levem a ausentar-se ao trabalho nos períodos referidos.
Quanto ao montante salarial, também não vemos que tenha ocorrido qualquer alteração de vulto na sua situação económica.
Assim, o salário do requerido era, em 2005, de 535,00€ - € 160,30 acima do SMN, que era, nesse ano, de € 374,70 (cfr. DL 242/2004 de 31 de Dezembro) -, pelo que o requerido, descontada a pensão devida ao menor, de €225,00, ficava com o rendimento de 310,00€ para fazer face às suas despesas.
Hoje, passados 9 anos, o requerido aufere o montante médio de € 620,00 - €135,00 acima do SMN que é actualmente de 485,00€ -, pelo que, descontando a pensão paga ao menor no montante de 240,90€, o requerido fica com o montante de 379,00€ para prover à sua subsistência, ou seja, valor ainda superior ao que dispunha em 2005.
Mas na situação económica do requerido não se pode atender apenas ao seu vencimento mensal. Há que atender também ao seu nível de vida, ao seu património e a toda a envolvência das suas condições de vida para se poder aquilatar das suas reais possibilidades.
Como bem assinala Maria Clara Sottomayor (“Regulação do Exercício do poder paternal nos casos de Divórcio”, 4ª Ed., pág. 202.), no cômputo da obrigação de alimentos também entram “os rendimentos de capital, poupanças, rendas provenientes de imóveis arrendados e o valor dos seus bens, que este progenitor terá de alienar em caso de desemprego ou se os seus rendimentos periódicos não forem suficientes para um montante de alimentos adequado às necessidades do alimentado”.
Ora, no caso em apreço, não podemos ignorar que o requerido tem um nível de vida considerado razoável, já que reside, juntamente com a companheira e uma filha desta (desconhecendo-se a idade da mesma e os seus rendimentos), em habitação própria, auferindo o casal um rendimento global mensal de € 1.105,00 (sendo a sua companheira operária fabril a auferir um vencimento de 485,00€).
É certo que a habitação foi adquirida com recurso ao crédito, pagando o casal ao banco uma prestação de cerca de 230,00€, apresentando o agregado familiar do requerido despesas médias fixas de cerca de 640,00€, onde se incluem a prestação da casa, água, luz, gás, condomínio, telefone e prestação de alimentos ao filho.
Comparativamente, a situação económica da requerente não é, no entanto, mais favorável.
Ela vive com o menor em apartamento de tipologia 1, propriedade da irmã, tia materna do menor, dispondo o menor de quarto próprio, mas permanecendo a progenitora no sofá da sala.
A requerente exerce actividade profissional como auxiliar de farmácia, onde se encontra efectiva, auferindo 725,63€ mensais. Aufere ainda de prestação familiar devida ao menor quantia nunca inferior a €70,00.
O agregado familiar apresenta gastos médios mensais fixos na ordem de 360,00€, para pagamento da renda, luz, água, gás e telefone.
Ou seja, olhando para a situação económica de ambos os progenitores, não encontramos diferenças de vulto que justifiquem que apenas um deles (no caso, a requerente) fique responsável pelo pagamento integral de uma despesa extraordinária de saúde do filho, que a ambos pertence por direito.
Como se refere no acórdão do STJ de 12.07.2011(www.dgsi.pt) “O fundamento sociológico e jurídico da obrigação de alimentos radica-se na natureza vital e irrenunciável do interesse juridicamente tutelado, que tem subjacente a responsabilidade dos pais pela concepção e nascimento dos filhos, independentemente da relação afectiva e do convívio realmente existente entre o progenitor não guardião e os filhos, a ponto de permanecer intacta, na hipótese do mais grave corte da relação entre ambos, como acontece com a situação de inibição do exercício do poder paternal, que “em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho”, como decorre do estipulado pelo artigo 1917º, do Código Civil (CC)”.
Como nota também Moutinho de Almeida (Ordem dos Advogados, 1968, pag.94, e Scientia Jurídica, dos Alimentos, XVI, 84º- 85º, pag. 270 a 279), “o interesse protegido pela lei com a imposição da obrigação de alimentos é o interesse pela vida de quem deles carece, que é um interesse individual tutelado por meios humanitários”.
O direito a alimentos é, assim, pressuposto necessário dos demais direitos do menor e constitui um prolongamento do próprio direito à vida.
A obrigação de alimentos reveste-se, além disso, de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável, constituindo preocupação do Estado que quem deles esteja carecido possa recorrer, desde logo, aos seus familiares.
Devemos, pois, reter como máxima, que o dever de alimentos é de interesse e ordem pública, concepção alicerçada na filosofia de que quem traz ao mundo uma criança está obrigado a sustentá-la, devendo assumir essa obrigação como um direito/dever e que a dispensa de contribuição só poderá ocorrer perante a demonstração de qualquer incapacidade laboral, permanente ou definitiva, do progenitor, que o iniba de diligenciar por uma actividade profissional que lhe permita cumprir os seus deveres para com o menor.
Referindo-se à obrigação alimentar dos pais relativamente aos filhos, e relativamente ao respectivo fundamento, escreveu com grande acuidade Maria Nazareh Lobato Guimarães (Reforma do Código Civil, Alimentos, 178): “Porque os pais lhe deram o ser e a vida, dita a razão natural que sejam obrigados a conservarem-lha, contribuindo, primeiro que todos, com os alimentos necessários para este fim”.
Conclui-se do que fica dito que o direito a alimentos é um direito incontestado e pertence a ambos os pais.
Quanto à medida da contribuição de cada progenitor ela deve encontrar-se na capacidade económica de cada um para prover às necessidades do filho, sendo certo que estas necessidades sobrelevam a disponibilidade económica dos pais, no sentido de que o conteúdo da obrigação de alimentos que lhes compete cumprir não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra, mas antes no de que se lhes exige que assegurem as necessidades dos filhos menores com prioridade sobre as próprias e se esforcem em obter meios de propiciar aos filhos menores as condições económicas adequadas ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento.
É esta específica natureza de obrigação fundamental que permite compreender que, na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter presente, não apenas, de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor de alimentos, em certo momento temporal, mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando, obviamente, compreendido no dever de educação e sustento dos filhos, a obrigação do progenitor de, activamente, procurar exercitar uma actividade profissional geradora de rendimentos que lhe permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental.
Assim, ao fixar a medida dos alimentos devidos a menores, adequando-os aos meios de quem houver de prestá-los, não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor actual dos rendimentos, no momento e, conjunturalmente, auferidos pelo obrigado, devendo antes valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral e todo o acervo de bens patrimoniais de que seja ou possa vir a ser detentor.
Será de atender, no caso dos autos, ao facto – provado - que o requerido é habilidoso de mãos, podendo aproveitar essa sua habilidade para aumentar os seus rendimentos e contribuir, assim, para as despesas de saúde do seu filho.
Acresce ao que acaba de ser dito que as responsabilidades parentais cabem a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade (art. 36º, nº 3 da C.R.P.).
O princípio da igualdade dos cônjuges estabelecido no citado art. 36º constitui expressão qualificada do princípio da igualdade de direitos e deveres dos homens e mulheres (art. 13º da C.R.P.), abrangendo, incontestavelmente, a educação e manutenção dos filhos.
Tal não significa, porém, no que especificamente concerne à obrigação alimentar, que cada progenitor contribua com metade do necessário ao sustento e manutenção dos filhos. Sobre cada progenitor impende o dever/responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento e manutenção do filho, sendo que o princípio constitucional da igualdade de deveres se realiza através da proporção da contribuição – cada um deles deverá contribuir em função (proporção) das suas capacidades económicas (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista (2007), p. 565 (anotação VII) e Ac. desta Relação de 27-03-2008 – em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, como vimos, a situação económica de ambos os progenitores é muito idêntica, pelo que não se vê razão para discriminar a contribuição de qualquer deles para a despesa de saúde efectuada a favor do menor pela requerente, que, como se viu, teve de recorrer a empréstimo para efectuar esse pagamento.
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Concluímos do que fica exposto que o requerido deve custear metade das despesas suportadas pela requerente com os tratamentos médico-dentários do menor, no valor de € 1.495,50 (€ 2.991,00: 2).
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Sumário do Acórdão (artº 663º nº 7 do CPC):
I – Nos processos de jurisdição voluntária (como é o caso dos autos, de Alteração das Responsabilidades Parentais) o princípio do dispositivo cede perante o princípio do inquisitório;
II – É da responsabilidade de ambos os progenitores o pagamento de uma despesa extraordinária de saúde do menor (tratamento médico-dentário), não contemplada na fixação da pensão de alimentos;
III – Sendo a situação económica dos progenitores essencialmente idêntica, essa despesa deverá ser suportada por ambos, em partes iguais.
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Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a Apelação e em consequência alterar a decisão recorrida, condenando-se o requerido a pagar à requerente a quantia de € 1.495,50 (metade da quantia por ela despendida com os tratamentos médico-dentários do filho de ambos).
Custas (da Apelação) pelo recorrido.
Porto, 30.9.2014
Maria Amália Santos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues