PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
OBRAS
AUTORIZAÇÃO PARA A RESPECTIVA REALIZAÇÃO
INOVAÇÕES
PREJUÍZO DA LINHA ESTÉTICA DO EDIFÍCIO
Sumário

I - No domínio da propriedade horizontal, o licenciamento administrativo para a realização de obras num edifício sujeito a esse regime, não tem qualquer efeito derrogatório ou modificativo dos direitos e deveres dos condóminos, dos comproprietários ou, em geral, das relações entre proprietários e terceiros.
II - E também não releva que as obras tenham sido realizadas por quem é proprietário ou por quem apenas tem a qualidade de arrendatário de alguma das fracções de tal tipo de edifícios.
III - Determinante é, antes, para o mesmo efeito, o facto das modificações introduzidas incidirem sobre a fracção autónoma que a cada condómino pertença, ou sobre as partes comuns, e ainda a circunstância dessas modificações se conterem, ou não, nos estritos limites dos poderes que a lei confere a cada um dos condóminos em relação a essas parcelas.
IV - As obras realizadas nos espaços comuns, ainda que sejam consideradas inovações utilitárias para o condomínio, isto é, insusceptíveis de prejudicar os restantes condóminos, como por exemplo a colocação de ascensores e instalação de gás canalizado, só com a autorização dos mesmos podem ser levadas a cabo.
V - No conceito de inovação tanto cabem as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como as modificações estabelecidas na sua afectação ou destino.
VI - Consideram-se inovações quer a alteração do sistema de águas potáveis, residuais e saneamento do edifício, quer a criação de novas câmaras de inspecção no subsolo desse mesmo edifício.
VII - No inter-relacionamento dos interesses dos condóminos, mesmo quanto às próprias fracções é importante ponderar também o uso que delas se faça.
VIII - Nenhum condómino pode, para além de desvirtuar o uso da respectiva fracção autónoma, ou parte dela, realizar obras que prejudiquem ou simplesmente modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, a não ser, no caso da modificação, que a mesma seja autorizada pela maioria qualificada dos outros condóminos legalmente prevista.
IX - Prejudica a linha estética de um edifício, desvirtua a finalidade de parte duma fracção autónoma identificada no titulo constitutivo da propriedade horizontal como logradouro e limita ilegitimamente os interesses dos outros condóminos, a construção no recinto anexo a um estabelecimento de restauração de uma área coberta com telha tipo “sandwich” com a área de 19,82m2, a instalação de um sistema de exaustão de fumos da cozinha, destinada a actividades de restauração, que conduz os fumos, cheiros e gases dessa mesma cozinha através de um tubo que os deita e expele para o logradouro situado sensivelmente ao nível do terraço da fracção dos outros condóminos e a construção de uma churrasqueira e respectiva chaminé utilizada para cozinhar para o público e clientela do mesmo estabelecimento comercial.

Texto Integral

Pº 551/09.1TBPVZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- B…, e esposa, C…, residentes na Rua …, n.º.., ..º, Póvoa de Varzim, instauraram a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra, D…, e esposa, E…, residentes no …, freguesia …, concelho da Póvoa de Varzim, F…, e marido, G…, residentes em …, …, Suíça, H…, Ldª, com domicilio profissional na Rua …, …, ., Póvoa de Varzim e I…, Ldª, com sede na Rua …, …., em Vila do Conde, alegando, em breve resumo, que estas duas sociedades, a mando dos primeiros e segundos RR., realizaram, em Abril de 2004, obras em solo comum do edifício de que também eles, AA., são donos, em regime de propriedade horizontal.
Essas obras, no entanto, tal como foram executadas, nunca foram por si autorizadas, nem pelas entidades competentes, o que as torna ilegais. Além disso, afectam o normal uso da sua fracção autónoma.
Assim, pedem que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e, consequentemente, todos os Réus condenados a reconhecerem a ilicitude das referidas obras, que discriminam, e, em virtude dos aborrecimentos, incómodos e angustias que lhes causaram, condenados a pagarem-lhes, a título de danos morais, a quantia de 100.000,00€.
Mais pedem que os RR. sejam condenados a indemnizá-los por todos os danos morais que se vierem a liquidar em execução de sentença, correspondentes a todos os incómodos, aborrecimentos e demais danos morais, que se vierem a produzir desde a data da instauração da presente acção até à reposição total e integral da fracção autónoma identificada pela letra A no estado em que se encontrava antes das mesmas obras.
Igualmente pedem que os RR. sejam condenados a pagar-lhes uma quantia de 30.000,00€, correspondente à diminuição do valor comercial da sua fracção, desde a realização das obras até à sua total demolição e reposição da fracção e partes comuns ao estado em que se encontravam.
Por fim, pedem ainda que os RR. sejam condenados a demolir todas as obras por eles realizadas na fracção autónoma identificada pela letra “A” e a reporem o edifício no estado em que se encontrava antes da execução de tais obras, tornando livre de quaisquer obras ou construções o logradouro descoberto afecto à fracção A, com a área de 100 m2.
2- A sociedade, I…, Ldª, contestou invocando a sua ilegitimidade para esta demanda, dada a sua qualidade de mera prestadora de serviços aos 2.ºs RR. Além disso, diz ter executado para estes últimos apenas as obras que os mesmos lhe encomendaram, ignorando, no essencial, tudo o mais em que os AA. baseiam a sua pretensão.
Daí que peçam a sua absolvição da presente instância, em consequência da referida excepção, ou, subsidiariamente, a sua absolvição do pedido.
3- Por sua vez, os RR., D…, E…, F… e G…, contestaram invocando a prescrição do direito indemnizatório de que os AA. se arrogam titulares. No mais, pugnam pela legalidade das obras realizadas e pela sua absolvição do pedido.
4- Em réplica, os AA. refutam as excepções arguidas pelos RR. contestantes e, em simultâneo requerem a ampliação do pedido e causa de pedir.
5- Contra esta última pretensão manifestaram-se os referidos RR.
6- No âmbito da audiência preliminar, realizada no dia 16/04/2010, foi julgada improcedente a arguida excepção de prescrição, bem como indeferida a requerida ampliação do pedido e causa de pedir.
Foi ainda, na mesma altura, seleccionada a matéria de facto assente e controvertida.
7- Instruída a causa, inclusive com recurso à prova pericial, foi, depois de realizada a audiência de julgamento, proferida sentença que julgou a presente acção improcedente, por não provada, e absolveu os RR. do pedido.
8- Inconformados, reagiram os AA., interpondo recurso para este Tribunal, rematando a sua motivação com o seguinte quadro conclusivo:
“I.- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1.º Existem meios de prova, constante do processo, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre a matéria de facto.
2.º Com recurso aos documentos correspondentes a relatório pericial e fotos de fls.45 a 52 e 148 a 152, depoimento das testemunhas J…, K…, L…, M…, que prestaram depoimento nas audiências de julgamento de 21/12/2010, 19/04/2013, 13/05/2013 e 20/09/2013, deveria a matéria de facto julgada provada que abaixo se descrimina ter sido alterada por outra matéria:
a) Decisão da matéria de facto declarada provada com a douta sentença proferida:
“36.- Sendo que a situação (referida em 34 e 35) foi reposta com a reconstrução do anexo e dos referidos muros, conforme descrito em 7. a).”
“37.- A demolição seguida da reconstrução do anexo, foi imposta pelo facto de o mesmo carecer de condições de segurança e salubridade, para impedir a sua derrocada, uma vez que já se encontrava escorado.”
“38.- Porque o referido anexo não estava licenciado, os segundos Réus apresentaram um projecto de licenciamento, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas de molde a satisfazer os requisitos das instalações.”
40.- Os segundos Réus não demoliram qualquer parede estrutural do edifício.”
43.- os segundos Réus não procederam a qualquer alteração das instalações elétricas do edifício e da sua fração.”
b) Decisão da matéria de facto com as alterações que se preconizam:
36.- “a situação referida em 34 e 35) foi alterada com a construção de um anexo com divisórias e quartos de banho, cujos muros perimetrais do edifício, onde assentavam as chapas de cobertura de tal anexo, foram substituídos por paredes mais elevadas, onde foram assentes as estruturas de suporte do novo telhado em chapa “sandwich”.”
37.- “A demolição do anterior anexo, assente sobre paredes resistentes, em pedra ou granito, foi seguida da construção de um novo anexo, com paredes em tijolo a substituir os muros laterais e quartos de banho e vestiário para funcionários e outras divisões, e foi uma opção dos autores do projeto e dos donos da obra.”
“38.- O referido anexo não estava licenciado. Os segundos Réus apresentaram um projecto de licenciamento, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas de molde a satisfazer os requisitos das instalações.”
40.- Os segundos Réus demoliram os muros do edifício, em pedra, que delimitavam este dos prédios contíguos.”
“43.- Os segundos Réus procederam à alteração das instalações elétricas da sua fração.”
3.º Ainda com recurso aos referidos elementos de prova, e designadamente documentos correspondentes a relatório pericial e fotos de fls.45 a 52 e 148 a 152, depoimento das testemunhas J…, K…, L…, M…, que prestaram depoimento nas audiências de julgamento de 21/12/2010, 19/04/2013, 13/05/2013 e 20/09/2013, deveria a matéria de facto julgada não provada, que abaixo se descrimina ter sido alterada por outra matéria a ser declarada provada:
a) Decisão da matéria de facto declarada não provada com a douta sentença proferida:
“I.- Os segundos Réus, por si ou por alguém a seu mando, e consentimento e conhecimento dos primeiros réus, construíram no logradouro da fração “A”:- uma área coberta de aproximadamente 40 m2 – que anteriormente fazia parte do logradouro descoberto – onde foram construídas uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público do estabelecimento comercial instalado na mesma fração.- alteamento dos muros laterais e posterior do edifício.”
“II.- No dia 19 de Abril de 2003, a terceira Ré, com autorização e/ou ordens dos primeiros e segundos Réus, procederam ou mandaram proceder à demolição de parte (cerca de 5 metros de extensão) do muro divisório que delimita o edifício do prédio contíguo pelo poente.”
“III.- O anexo erigido pela terceira ré e a sociedade I…, Lda., sob instruções e ordens dos segundos Réus e no interesse dos primeiros Réus, tem uma área superior ao anteriormente existente no logradouro do prédio.”
“IV.- O anexo erigido pela terceira ré e a sociedade I…, Lda., sob instruções e ordens dos segundos Réus e no interesse dos primeiros Réus, tem uma altura superior ao anteriormente existente no logradouro do prédio.”
“V.- O anexo erigido nessas circunstâncias pelos Réus tem pilares.”
“VI.- As obras levadas a cabo pelos segundos Réus, no logradouro, facilitam o acesso e intrusão na casa dos Autores.”
“VII.- O que os traz tristes e exasperados.”
c) Decisão da matéria de facto com as alterações que se preconizam:
“I.- Os segundos Réus, por si ou por alguém a seu mando, e consentimento e conhecimento dos primeiros réus, construíram no logradouro da fração “A” um telhado em telha “sandwich” para uma área coberta de aproximadamente 40 m2 – que anteriormente fazia parte do logradouro descoberto – onde foram construídas uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público do estabelecimento comercial instalado na mesma fração e promoveram e obtiveram o seu licenciamento camarário.
“- Os segundos Réus, por si ou por alguém a seu mando, e consentimento e conhecimento dos primeiros réus, construíram no logradouro da fração “A”:- alteamento dos muros laterais e posterior do edifício, que passaram a integrar o novo anexo por si construido.”
“III.- O anexo erigido pela terceira ré e a sociedade I…, Lda., sob instruções e ordens dos segundos Réus e no interesse dos primeiros Réus, tem uma área superior ao anteriormente existente no logradouro do prédio.”
“IV.- O anexo erigido pela terceira ré e a sociedade I…, Lda., sob instruções e ordens dos segundos Réus e no interesse dos primeiros Réus, tem uma altura superior ao anteriormente existente no logradouro do prédio.”
“V.- O anexo erigido nessas circunstâncias pelos Réus tem pilares.”
“VI.- As obras levadas a cabo pelos segundos Réus, no logradouro, facilitam o acesso e intrusão na casa dos Autores.”
“VII.- O que os traz tristes e exasperados.”
4.º Verifica-se ainda, com recurso aos referidos elementos de prova, e designadamente documentos correspondentes a relatório pericial e fotos de fls.45 a 52 e 148 a 152, depoimento das testemunhas J…, K…, L..., M…, que prestaram depoimento nas audiências de julgamento de 21/12/2010, 19/04/2013, 13/05/2013 e 20/09/2013, que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre diversa matéria essencial para a discussão e decisão da causa e que deveria ter sido declarada provada, designadamente a correspondente aos seguintes artigos da Base Instrutória:
“25.- ….. iniciaram obras de escavação e aterro, para construção de uma placa de piso, criando e erigindo fundações, de um outro anexo.”
28.- O anexo erigido nessas circunstâncias pelos réus têm pilares, divisórias e foi erigido com materiais diferentes do anteriormente existente no logradouro do prédio.
“29. – O anterior anexo era utilizado pelos segundos Réus para armazenamento de víveres que comercializam no estabelecimento comercial instalado na fração autónoma identificada pela letra “A”.
30.- O anexo agora construído pelos segundos Réus é por si utilizado para aquele armazenamento e ainda para instalações de vestuário e quartos de banho.”
“39.- O estabelecimento comercial instalado pelos réus na fração autónoma identificada pela letra “A” não se acha licenciado?“
II.- DO DIREITO
5.º Foram ainda violados, na sua interpretação e aplicação, os seguintes artigos do Código Civil: Artigos 204.º, n.º2; 1.305.º, 1421.º, 1422.º, n.º2 e n.º3, 1425.º, 1406.º, n.º1 (a contrario) todos do Código Civil
6.º E tais artigos deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de aplicar o n.º2 e o n.º3 do artigo 1422.º apenas às obras realizadas nas frações autónomas e no sentido de aplicar o artigo 1425.º a todas as obras nas partes comuns;
7.- E mais deviam ter sido interpretados no sentido de terem sido realizadas pelos Recorridos, obras no solo, subsolo, paredes perimetrais, saneamento e rede de águas do edifício, considerados partes comuns do edifício e que, por isso mesmo, lhes estavam proibidas.
7.- assim, ao decidir como decidiu, o Mmo. Juíz do Tribunal a quo violou as referidas disposições legais”.
Pede, por estas razões, a procedência deste recurso, a revogação da sentença recorrida e a condenação dos RR no pedido.
9- Não consta que tivesse havido resposta.
10- Recebido este recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:

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II- Mérito do recurso
A- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, nº 4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil), é constituído, no essencial, pelas seguintes questões:
- Em primeiro lugar, saber se deve ser modificada a matéria de facto nos termos pretendidos pelos AA.;
- E, em segundo lugar, determinar se as obras cuja realização é imputada aos RR. interferiram, ou não, com a esfera jurídica dos AA., enquanto condóminos do edifício também pertencente aos primeiros RR. e, na afirmativa, em que medida e quais as respectivas consequências jurídicas.
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B- O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte factualidade:
I- Por documento e/ou acordo das partes:
a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim encontra-se descrito sob o nº 413/040387 um prédio urbano, composto de edifício de rés-do-chão, dois andares e sótão, com quintal, sito à Rua …, n.º .., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art. 6.977.
b) O aludido prédio encontra-se constituído em regime de propriedade horizontal, sendo composto por duas fracções autónomas, identificadas pelas letras “A” e “B”, ambas descritas na Conservatória do Registo Predial, em conformidade com o teor da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio, como resulta do documento junto aos autos de fls. 42 a 44 e cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
c) Como decorre do documento junto aos autos a fls. 41 a 46, cujo teor se dá, integralmente por reproduzido a escritura de constituição de propriedade horizontal do aludido prédio foi outorgada em 17/02/1997, no 2° Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, dela constando que:
- A fracção autónoma A corresponde ao rés-do-chão do prédio, sendo destinada a comércio e composta por dois amplos salões e sanitário, com a área coberta de 80,50 m2 e logradouro com a área de 100 m2, tendo o valor correspondente a 300 unidades inteiras em mil do valor total de edifício.
- A fração autónoma B correspondente ao 1°, 2° andar e sótão, sendo destinada a habitação e composta por hall, despensa, cozinha, sanitário, lavandaria, sala de estar, sala de refeições, terraço e dois quartos, quarto de banho, saleta, sala de televisão e estúdio, tendo o valor correspondente a 700 unidades inteiras em mil do valor total de edifício.
d) A aquisição da fração autónoma “A” encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor dos réus D… e E…, como resulta do documento junto aos autos a fls. 33.
e) A aquisição da fração autónoma “B” encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor dos autores, C… e B…, como resulta do documento junto aos autos de fls. 34 a 35.
f) Na fração identificada pela letra “A” acha-se instalado um estabelecimento comercial, denominado "N…", propriedade dos segundos réus.
g) Os primeiros réus deram de arrendamento a totalidade da fração “A” descrita em c) aos segundos réus.
h) As terceiras e quartas rés são empresas que se dedicam a obras de construção civil.
i) A quarta ré agiu de acordo com as instruções que lhe foram transmitidas pelos segundos réus.
j) No dia 19/04/2004, foi efetuada a demolição do anexo, existente no fundo do logradouro.
II- Dos factos controvertidos, foi julgado provado que:
1- A fração “A” referida em c) tem a área total de 180,50 m2.
2- A fração “A” possui a área coberta de 80,50 m2 tendo os segundos réus com consentimento dos primeiros réus, promovido, prosseguido e conseguido o licenciamento e autorização da utilização camarária de uma área principal coberta de 119,60 m2.
3- Os segundos réus, ainda com o consentimento e conhecimento dos primeiros réus, obtiveram da Câmara Municipal a autorização para o exercício da atividade de restauração de bebidas com a utilização exclusiva de uma área de arrumos de 18,80 m2 e utilização de 18,50 m2 para alpendres.
4- Os segundos réus, com o consentimento e conhecimento dos primeiros réus, promoveram atos camarários, designadamente o licenciamento de uma construção e atividade económica de restauração e bebidas, junto da Câmara Municipal …, com a área coberta de 156,90 m2.
5- Os segundos réus, com o consentimento e conhecimento dos primeiros réus, colocaram um bilhar no centro do estabelecimento comercial, servido por diversas mesas e cadeiras.
6- Em data não apurada mas anterior ao ano de 1997, a fração “A” foi ampliada numa área coberta de 23,97m2 com a construção, em local que anteriormente fazia parte do logradouro descoberto, de uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público do estabelecimento comercial nela instalado.
7- As construções atualmente existentes na fração “A”, todas visíveis nas fotografias juntas aos autos tiradas aquando da inspeção judicial e que se dão por reproduzidas, que foram levadas a cabo pelos segundos réus, por si ou por alguém a seu mando, e obtiveram o consentimento e conhecimentos dos primeiros réus são:
a) Área coberta de 18,80m2 constituída por anexo situado no final do logradouro coberta com telha tipo “sandwich”, apoiada nas laterais e retaguarda nos muros que delimitam o prédio dos prédios contíguos e uma parede frontal com uma porta e duas janelas, abastecida de água, saneamento e eletricidade, em cujo interior foram construídas cinco divisões com isolamento térmico, sendo duas delas destinadas a quartos de banho/vestiário, e as restantes a depósitos de géneros e arrumos.
b) Área coberta com telha tipo “sandwich” que se prolonga por todo o logradouro, até então descoberto, desde o anexo referido em a) até à construção referida em 6., formando um corredor/alpendre com a área de 19,82m2, com isolamento térmico, apoiada nos muros que delimitam e dividem o prédio dos prédios contíguos.
c) Construção e instalação de sistema de exaustão de fumos da cozinha, destinada a atividades de restauração, que conduz os fumos, cheiros e gases da cozinha através de um tubo que os deita e expele para o logradouro situado sensivelmente ao nível do terraço da fração dos autores.
d) Construção e instalação de uma churrasqueira e respetiva chaminé utilizada para cozinhar para o público e clientela do estabelecimento comercial.
8- Para construírem o anexo referido em 7 a) os segundos réus demoliram um pequeno barraco/anexo que aí existia no termo posterior do logradouro, que apoiava nas paredes laterais do edifício, e que era apenas constituído pelas telhas que o protegiam, ainda apoiadas nos muros laterais e numa parede frontal rudimentar, que ali existia, com um portão em ferro, e que não era fornecido por quaisquer águas, residuais ou potáveis.
9- Os segundos réus com o consentimento e conhecimento dos primeiros réus utilizam toda a área e construções referidas em 7) para o exercício da sua atividade de restauração do estabelecimento.
10- Vêm os segundos réus diretamente com o conhecimento dos primeiros réus, ou por interposta pessoa, desde o ano de 2004, ininterruptamente, exercendo a atividade de restauração naquela fração do estabelecimento
11- Abrindo diariamente ao público, servindo refeições, cafés e bebidas ao público, nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 até 23 de Março de 2009 e desde essa data em diante
12- As obras acima referidas foram levadas a cabo entre 19 de Abril de 2004 e 4 de Maio de 2004 sem que existisse qualquer licença de demolição ou construção que apenas foi obtida em 5 de Maio de 2004.
13- No dia 19 de Abril e seguintes, com autorização e/ou ordens dos primeiros e segundos réus, a terceira ré e a sociedade I…, Ldª, procederam à construção de um barracão, em telha de chapa, para onde transferiram todos os haveres que detinham num anexo que estava construído no fundo do logradouro afeto à fração “A”.
14- Os autores não autorizaram ou consentiram a construção do referido anexo.
15- Ainda durante esse mês de Abril de 2004, a 4ª ré, I…, Ldª., sob as ordens dos segundos réus, e com a autorização, conhecimento dos primeiros réus, procederam à demolição do aludido anexo existente no logradouro do edifício e iniciaram obras de escavação e aterro, para construção de uma placa de piso, criando e erigindo fundações, de um outro anexo.
16- O anexo referido em 7. a) construído nessas circunstâncias pelos réus tem divisórias e foi erigido com materiais diferentes do anteriormente existente no logradouro do prédio.
17- O anterior anexo era utilizado pelos segundos réus para armazenamento de víveres que comercializam no estabelecimento comercial instalado na fração autónoma identificada pela letra “A”.
18- O anexo agora construído pelos segundos réus é por si utilizado para aquele armazenamento e ainda para instalações de vestuário e quartos de banho.
19- As construções referidas em 7) não existiam quando a construção do edifício foi concluída e vendidas ambas as frações do edifício, nomeadamente aos aqui autores e aos primeiros réus
20- Os autores nunca autorizaram essas ou outras construções.
21- Os segundos réus, com a autorização e/ou ordens dos primeiros réus, apresentaram na Câmara Municipal … um projeto de isolamento térmico para a construção do anexo que levaram a cabo no logradouro e que, conforme é conhecimento dos 2º RR., não foi cumprido porquanto que o projeto de estruturas comtemplava uma placa de teto em betão que não foi edificada.
22- O projeto de saneamento apresentado pelos segundos réus, com a autorização e/ou ordens dos primeiros réus, na Câmara Municipal … foi cumprido, com exceção de uma diferença na câmara de ligação, que no projeto existente deveria ser efetuada a ligação à câmara existente e foi realizada uma nova.
23- Foi criado um novo sistema de saneamento para a fração “A”.
24- O que implicou rasgos no solo e sub-solo e a alteração do sistema de águas potáveis e residuais e saneamento do edifício.
25- Os segundos réus, com o conhecimento, consentimento dos primeiros réus, construíram e criaram novas câmaras de inspeção no subsolo do edifício.
26- O estabelecimento comercial instalado pelos réus na fração autónoma identificada pela letra “A” encontra-se licenciado conforme Alvará de Utilização nº …/09 de 13 de Maio de 2009.
27- Em consequência da ampliação do estabelecimento comercial, os segundos réus têm possibilidade de receber no seu estabelecimento comercial mais clientes.
28- O acesso ao terraço da fração autónoma “B” dos autores que deita para o logradouro, pode ser efetuado através do telhado que foi prolongado na construção sobre o logradouro da fração “A”.
29- Os segundos réus instalaram o sistema de exaustão e tubos de saída de ar que encaminharam para o logradouro do edifício sensivelmente à altura do terraço dos autores.
30- O que possibilita que os cheiros sejam encaminhados para o interior da fração dos autores.
31. Os autores não autorizaram a alteração dos sistemas de redes de águas, pluviais e residuais, assim como não autorizam a construção de equipamentos de exaustão, ar condicionados e outros no edifício.
32- Os serviços prestados pela sociedade I…, Lda., relativamente aos segundos réus, consistiu no fornecimento de mão-de-obra, com vista à reconstrução e ampliação de um local destinado a restauração.
33- Sempre lhe foi transmitido, que o logradouro onde decorriam as obras objeto do processo, era da propriedade dos primeiros réus, proprietários da fração “A”.
34- A construção do referido anexo que existia no fundo do logradouro foi levada a cabo há mais de 25 anos e é contemporânea da construção do edifício.
35- As paredes do referido anexo encontravam-se construídas sobre os muros que delimitam o logradouro, conduzindo a sua demolição à derrocada dos muros onde aquelas assentavam.
36- Sendo que a situação foi reposta com a reconstrução do anexo e dos referidos muros conforme descrito em 7. a).
37- A demolição seguida da reconstrução do anexo, foi imposta pelo facto do mesmo carecer de condições de segurança e salubridade, para impedir a sua derrocada, uma vez que já se encontrava escorado.
38- Porque referido anexo não estava licenciado, os segundos réus apresentaram um projeto de licenciamento, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas de molde a satisfazer os requisitos das instalações.
39- A construção referida em 6. consistiu uma ampliação da área do rés-do-chão, onde funcionava a cozinha, copa e quartos de banho, e foi do conhecimento dos autores.
40- Os segundos réus não demoliram qualquer parede estrutural do edifício.
41- Os segundos réus com o intuito de adequarem as condições do estabelecimento às exigências legais, criaram instalações sanitárias para uso exclusivo dos funcionários, o que fizeram no anexo existente ao fundo do logradouro, o qual continuou a ser destinado cumulativamente a depósito de géneros e arrumos, e uma passagem aberta coberta por telha tipo sandwich entre o edifício e aquele.
42- Os segundos réus criaram uma câmara de inspeção porque as que existiam se encontravam a uma distância superior a 10 metros.
43- Os segundos réus não procederam a qualquer alteração das instalações elétricas do edifício e da sua fração.
44- As construções erigidas pelos 2ºs R. no logradouro da fração “A” não ultrapassam a área a que se refere o (…) Alvará de Utilização nº …/09.
45- A construção do sistema de exaustão de fumos e gases encontra-se conforme o projeto de licenciamento.
46- O grelhador e respetiva chaminé que os segundos réus construíram no logradouro, encontra-se a uma distância superior a 10 metros da fração dos autores.
47- Nunca os autores manifestaram oposição, sabendo-o desde que adquiriram a sua fração, ao anexo que existia no fundo do logradouro nem, até ao ano de 2004 em que intentaram uma providência cautelar de embargo de obra, à construção referida em 6.
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C- Pretendem os AA., como vimos, em primeiro lugar, que sejam introduzidas modificações ao nível da matéria de facto. Concretamente, que uma parte dos factos provados seja alterada; que um outro grupo de factos declarados não provados tenha o destino probatório oposto; e, por fim, que se julguem provados factos sobre os quais dizem ter havido omissão de pronuncia da parte do Tribunal recorrido.
Em rigor, este último aspecto, deveria ter sido objecto de impugnação prévia, por via da nulidade que lhe corresponde (artigo 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil). Mas, no final, a existir essa nulidade, sempre este Tribunal estaria obrigado a saná-la, por via do disposto no artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. E daí que, estando reunidos os demais pressupostos para o exercício do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto que a lei nos confere (artigo 640.º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), se opte por levar a cabo, desde já, esse exercício.
Comecemos, então, por analisar o primeiro grupo de factos identificados pelos AA.; ou seja, os factos julgados provados cuja redacção deve, pretensamente, ser modificada.
Estão em causa os factos descritos nos pontos 36, 37, 38, 40 e 43.
O primeiro deles (36) surge na sequência do que é afirmado nos dois pontos imediatamente anteriores (34 e 35). Neles consta que a construção do anexo que existia no fundo do logradouro foi levada a cabo há mais de 25 anos, sendo contemporânea da construção do edifício. As paredes do referido anexo encontravam-se construídas sobre os muros que delimitam o aludido logradouro, conduzindo a sua demolição à derrocada dos muros onde aquelas assentavam.
Nesta sequência, afirma-se, no ponto 36, que “a situação foi reposta com a reconstrução do anexo e dos referidos muros conforme descrito em 7. a)”; isto é, “com telha tipo “sandwich”, apoiada nas laterais e retaguarda nos muros que delimitam o prédio dos prédios contíguos e uma parede frontal com uma porta e duas janelas, abastecida de água, saneamento e electricidade, em cujo interior foram construídas cinco divisões com isolamento térmico, sendo duas delas destinadas a quartos de banho/vestiário, e as restantes a depósitos de géneros e arrumos”.
Pretendem, no entanto, os Apelantes que esta redacção seja modificada; que passe a constar que “a situação referida em 34) e 35) foi alterada com a construção de um anexo com divisórias e quartos de banho, cujos muros perimetrais do edifício, onde assentavam as chapas de cobertura de tal anexo, foram substituídos por paredes mais elevadas, onde foram assentes as estruturas de suporte do novo telhado em chapa “sandwich”.”
Pois bem, que as paredes laterais do anexo em causa foram reconstruídas é inequívoco. Nem sequer os RR. o contestam, pois tão exuberantes são as fotografias que constam de fls. 50, 51 e 149 a 152. O que resta, então, por determinar é apenas se essas paredes são, ou não, mais elevadas do que as anteriores.
Os RR. afirmaram ao longo do processo que não. E o Tribunal recorrido também não o conseguiu comprovar. Mas os Apelantes continuam a sustentar neste recurso que esse julgamento é erróneo; que as ditas paredes são mais elevadas. E fazem-no tendo por base as fotografias (cópias) que constam de fls. 45 a 48, 49 a 51, associadas à perícia realizada e aos depoimentos do R., G…, bem como os testemunhos de K…, L… e M….
Ora, conferido o referido depoimento de parte (fls. 749), escutados estes depoimentos testemunhais e analisada a referida prova documental e pericial produzida, cremos que, de modo algum, se pode reconhecer razão aos Apelantes.
As cópias das fotografias em causa, começam por nos retratar o primitivo anexo existente no fundo do logradouro, que, ele sim, era seguramente mais elevado do que as paredes laterais em que assentava o respectivo telhado. São exuberantes nesse sentido as cópias fotográficas que constam de fls. 45 a 48. Depois de reconstruídas essas paredes, em Abril de 2004, as mesmas ficaram da altura da parede posterior. É o que resulta da cópia fotográfica de fls. 50. E também não deixa de poder também presumir-se essa realidade pelas fotografias que constam de fls. 150 a 152. Mas que essas paredes, as laterais, ficaram mais elevadas do que os antigos muros (também laterais), nada o comprova. Nem a prova pericial, nem a testemunhal indicada pelos Apelantes, nem mesmo o depoimento de parte já referido (do R. G…), que nem sequer foi inquirido sobre o quesito de onde proveio o teor daquele ponto, ou seja, o quesito 59.º (cfr. fls. 749).
Por outro lado, no que toca à prova pericial, o facto de nela se afirmar que os muros laterais que delimitam o logradouro têm 1,20m de altura (encimados por uma estrutura em caixilharia de alumínio com mais 70cms, numa parte e ainda mais 40 cms noutra) e que o “limite posterior da fracção “A”, correspondente à parede da construção referida em c) tem uma altura aproximadamente de 3.00 m”[1], não significa que esta última medida seja a elevação atingida pelos muros laterais de que estamos a tratar, em todo o seu comprimento. São realidades distintas, situadas, de resto, em locais diversos e insusceptíveis, portanto, de qualquer comparação, como, aliás, se alcança das fotos tiradas aquando da inspecção judicial ao local[2], que tivemos também o cuidado de analisar.
Mas também não o comprovam os testemunhos indicados pelos AA., como passamos a explicar:
A testemunha, K…, arquitecto responsável pela execução da obra, disse, claramente, desconhecer o estado em que a mesma se encontrava antes de ter assumido essas funções. Não podia, assim, certificar, com segurança, esse aspecto, como acabou por reconhecer na primeira instância dos RR. a que foi sujeito.
Do mesmo modo, o projectista, L…, também disse, claramente, que não sabia precisar se o anexo em causa ficou da mesma altura; até porque, segundo percebemos, limitou a sua intervenção à fase do planeamento da obra, propriamente dito.
E, por fim, o cunhado do A., M…, embora tivesse afirmado que o anexo está mais alto, acabou por reconhecer que o seu ponto de leitura, ou seja o terraço da fracção habitada pelos AA., após a cobertura levada a cabo pelos RR., não lhe permitia visualizar com nitidez tudo o que foi edificado. Não passa, pois, de uma opinião, sem dados concretos que nos permitam alicerçar uma conclusão segura nesse sentido.
Em resumo, portanto, o ponto 36 deve manter a sua redacção inalterada.
Passemos ao ponto 37. Nele se afirma que: “A demolição seguida da reconstrução do anexo, foi imposta pelo facto do mesmo carecer de condições de segurança e salubridade, para impedir a sua derrocada, uma vez que já se encontrava escorado”.
Os AA. pretendem que, neste ponto, se julgue demonstrado que: “A demolição do anterior anexo, assente sobre paredes resistentes, em pedra ou granito, foi seguida da construção de um novo anexo, com paredes em tijolo a substituir os muros laterais e quartos de banho e vestiário para funcionários e outras divisões, e foi uma opção dos autores do projeto e dos donos da obra”.
Se bem repararmos, o teor do referido ponto, resulta do que se questionava no quesito 60.º. E nele tão só se perguntava aquilo que o Tribunal recorrido veio efectivamente a julgar como provado. Não podem, assim, os AA. alargar o âmbito da resposta a tal quesito, introduzindo-lhe alterações que modificam o respectivo sentido substancial. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre esta pretensão devia ser rejeitada, uma vez que já está dado como assente que o anexo actualmente existente ao fundo do logradouro foi levado a cabo pelos segundos réus, tendo a estrutura e configuração que, já vimos, estar assinalada no ponto 7-a). E que para construírem esse anexo, esses mesmos RR. demoliram o pequeno barraco/anexo que aí existia, sendo, então, constituído “pelas telhas que o protegiam, ainda apoiadas nos muros laterais e numa parede frontal rudimentar, que ali existia, com um portão em ferro, e que não era fornecido por quaisquer águas residuais ou potáveis” – ponto 8.
Assim, também o ponto ora em análise (37) deve manter a sua redacção inalterada.
No ponto 38 afirma-se o seguinte: “Porque referido anexo não estava licenciado, os segundos réus apresentaram um projeto de licenciamento, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas de molde a satisfazer os requisitos das instalações”.
Os AA. também discordam desta redacção; e propõem, por sua vez, que este ponto passe a ter o seguinte teor: “O referido anexo não estava licenciado. Os segundos Réus apresentaram um projecto de licenciamento, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas de molde a satisfazer os requisitos das instalações”.
A única e substancial diferença é, pois, a que diz respeito ao nexo causal entre a falta de licenciamento do anexo em questão, ou seja, o primitivo[3], e o projecto de licenciamento apresentado pelos segundos RR. para adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas.
No dizer dos AA. “a segunda realidade não é uma consequência da primeira, ou seja, consideram que não foi a ausência de licenciamento do anterior anexo que determinou tal projeto de licenciamento, pois que a obra de construção projectada e executada alterou profundamente a construção pré-existente”.
Não é bem assim; ou seja, não é esta a justificação que temos como válida. Mas, depois de conferidos os documentos de fls. 53 e 155, em articulação com os depoimentos das testemunhas, L… e K…, verificamos que não está demonstrado que foi, directa e necessariamente, por o primitivo anexo não estar licenciado que os segundos réus apresentaram um projeto de licenciamento, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legais.
Como referiu a testemunha, L…, quando elaborou o projeto, já havia casas de banho no anexo reconstruído. Não estava era legalizado esse espaço. Ou seja, o processo de licenciamento só surge na sequência da construção do novo anexo, embora edificado no local onde estava o anterior. De resto, é essa a conclusão que se retira do facto de já estar demonstrado que a demolição do anexo primitivo ocorreu no dia 19/04/2004 (al. j) e que as obras levadas a cabo entre 19 de Abril de 2004 e 4 de Maio de 2004 foram realizadas sem que existisse qualquer licença de demolição ou construção, que apenas foi obtida em 5 de Maio de 2004 (ponto 12).
Assim, neste ponto (38), os AA. têm razão. Ou seja, apenas pode dar-se como demonstrado que “[o] referido anexo não estava licenciado. Os segundos Réus apresentaram um projecto de licenciamento, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas de molde a satisfazer os requisitos das instalações”.
Quanto ao ponto 40.º, o que está em causa é se os segundos RR. demoliram, ou não, alguma parede estrutural do edifício.
Este edifício, todavia, no contexto em que está inserida a questão, ou seja, na sequência do que é afirmado no ponto imediatamente anterior (39), não se refere ao anexo de que temos estado a tratar, mas, sim, ao edifício onde está implantada a fracção habitada pelos AA.
É esse o sentido que se retira não só da afirmação contida no artigo 24.º da contestação dos RR., F… e G…, que deu origem ao quesito 64.º, de onde proveio o citado ponto (40), como ainda da articulação do referido quesito (64.º), com aquele que imediatamente o antecede (63.º), no qual está em causa apenas a ampliação do rés-do-chão e não o anexo construído no fundo do logradouro, a que se referem os quesitos anteriores (v.g.57.º a 62.º).
Não há, pois, qualquer motivo para julgar demonstrado que as paredes estruturais do edifício foram demolidas, querendo com isso referir-se ao aludido anexo, como é pretendido pelos AA. na critica que fazem à redacção do ponto 40.º. Daí que se mantenha inalterada a redacção conferida a este ponto.
Por fim, neste capítulo, resta por analisar o ponto 43. Nele se afirma que os “os segundos réus não procederam a qualquer alteração das instalações eléctricas do edifício e da sua fracção”.
Os AA. pretendem que se julgue demonstrado o contrário; ou seja, que “os segundos réus procederam à alteração das instalações eléctricas da sua fracção”.
Embora utilizem este último termo (“fracção”), os AA. parecem com isso querer reportar-se, sobretudo e novamente, ao anexo a que já aludimos. Isto porque afirmam que, “embora não tenha resultado demonstrada a existência de um projeto de licenciamento para a especialidade de electricidade, não restam quaisquer dúvidas que a alteração à construção pré-existente, mediante a construção de pelo menos dois quartos de banho e diversas divisões, onde anteriormente existia um espaço amplo, implicou necessariamente, a alteração das instalações eléctricas”. E apoiam essa sua convicção num extracto do depoimento da testemunha, L….
Ora como já tivemos oportunidade de assinalar e resulta até, em parte, do referido extracto, esta testemunha não acompanhou a execução da obra. Limitou-se a projectá-la. E nesse projecto, disse-o claramente em julgamento, não contemplou a instalação eléctrica. Assim, o seu depoimento, a este propósito, não passa de uma opinião.
Por outro lado, o quesito 69.º, de onde é oriundo o teor do ponto 43, resultou da afirmação produzida pelos RR. já referidos, F… e G…, quando no artigo 38.º da sua contestação alegam que não procederam a qualquer alteração nas instalações eléctricas do edifício e da sua fracção. Mas isto, depois de terem, antes afirmado, que também não tinham igualmente alterado o sistema de água potável no interior do estabelecimento, na zona da cozinha e quartos de banho.
Podemos, assim, com base na prova produzida, dar como certo que os referidos RR. não procederam a qualquer alteração das instalações eléctricas no edifício onde está implantada a fracção dos AA., deixando o mais em aberto, pois que se ignora. Ou seja, o referido ponto 43.º, ficará assim redigido: “Os segundos RR. não procederam a qualquer alteração das instalações eléctricas no edifício onde está implantada a fracção autónoma dos AA.”.
Passemos a outro capítulo: aos factos julgados não provados pelo Tribunal recorrido e que os AA. pretendem que obtenham distinto destino probatório.
Começa por estar em causa a seguinte afirmação:
“Os segundos réus, por si ou por alguém a seu mando, e consentimento e conhecimentos dos primeiros réus, construíram no logradouro da fração “A”:
- uma área coberta de aproximadamente 40 m2 – que anteriormente fazia parte do logradouro descoberto - onde foram construídas uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público do estabelecimento comercial instalado na mesma fração”.
Esta afirmação resulta do teor do artigo 19.º, al. a) da petição inicial corrigida (fls. 269), que deu origem ao quesito 6.º, al. a) - (fls. 344).
Sustentam, no entanto, os AA., a este propósito, que se deveria julgar demonstrado que: “Os segundos Réus, por si ou por alguém a seu mando, e consentimento e conhecimento dos primeiros réus, construíram no logradouro da fração “A” um telhado em telha “sandwich” para uma área coberta de aproximadamente 40 m2 – que anteriormente fazia parte do logradouro descoberto – onde foram construídas uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público do estabelecimento comercial instalado na mesma fração e promoveram e obtiveram o seu licenciamento camarário”.
Já sabemos, porque está demonstrado, inclusive pela prova pericial, que, “[e]m data não apurada mas anterior ao ano de 1997, a fração “A” foi ampliada numa área coberta de 23,97m2 com a construção, em local que anteriormente fazia parte do logradouro descoberto, de uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público do estabelecimento comercial nela instalado” – ponto 6.
E também está comprovado que: “A fração “A” possui a área coberta de 80,50 m2 tendo os segundos réus com consentimento dos primeiros réus, promovido, prosseguido e conseguido o licenciamento e autorização da utilização camarária de uma área principal coberta de 119,60 m2” –ponto 2.
O que resta, então, por clarificar é apenas se o telhado da área mencionada em 6, ou seja, onde foi construída uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público, foi levado a cabo com telha tipo “sandwich”.
Ora, a esse respeito, a motivação do Tribunal recorrido é inequívoca, quando afirma que esse facto (novo tipo de cobertura), além de ter sido confessado pelos RR, foi também observado na inspecção judicial realizada ao local (cfr. fls. 622, último §).
Por outro lado, tendo esse facto sido objecto de uma pergunta específica no quesito 8.º, verifica-se que o mesmo não obteve qualquer resposta.
Assim, é imperiosa a necessidade de aditamento de um novo ponto à matéria de facto, com o n.º 48, que ficará assim redigido:
“Os segundos RR. procederam à substituição da cobertura da construção referida em 6, por outra em chapa tipo “sandwich””.
Um outro facto que os AA. pretendem ver demonstrado é que “[n]o dia 19 de Abril de 2003, a terceira Ré, com autorização e/ou ordens dos primeiros e segundos Réus, procederam ou mandaram proceder à demolição de parte (cerca de 5 metros de extensão) do muro divisório que delimita o edifício do prédio contíguo pelo poente”.
E, para o efeito, começam por convocar a factura emitida pela Ré, I…, Ldª, que consta de fls. 54, associando-a à matéria de facto já assente na alínea J) e ao depoimento da testemunha, J….
Ora o que começamos por verificar, em primeiro lugar, é que a referida sociedade, I…, Ldª, não é a terceira, mas a quarta Ré, na ordem estabelecida pelos próprios AA. na petição inicial.
Por outro lado, já desde a audiência preliminar que se encontra assente que a demolição do anexo em causa ocorreu no dia 19/04/2004 e não no dia 19/04/2003, como referem agora os AA. (al. J – fls. 343).
Acresce que a demolição dos muros laterais de tal anexo, que, em simultâneo constituíam os muros divisórios dos prédios contíguos, é matéria também já assente. Assim é que no ponto 35 se afirma que as paredes do referido anexo encontravam-se construídas sobre os muros que delimitam o logradouro, conduzindo a sua demolição à derrocada dos muros onde aquelas assentavam.
Nenhum dado relevante, pois, se pode considerar demonstrado no aspecto criticado, para além do que já se encontra assente.
Num outro aspecto, insurgem-se também os AA. contra o facto de não ter ficado demonstrado que “[o] anexo erigido pela terceira ré e a sociedade I…, Lda., sob instruções e ordens dos segundos Réus e no interesse dos primeiros Réus, tem uma área superior ao anteriormente existente no logradouro do prédio”.
Dizem que esta é a conclusão a retirar do depoimento da testemunha, M…, cunhado do A.
Ora, como já tivemos oportunidade de assinalar, o único conhecimento que esta testemunha revelou foi aquele que conseguiu obter pela observação visual que fez do terraço da fracção dos AA. Essa observação, no entanto, como reconheceu em julgamento, após a implantação das coberturas levadas a cabo pelos RR, não lhe permite visualizar com nitidez as características de tudo o que foi edificado. Daí que a sua opinião não passe disso mesmo. Acresce que, em contradição com essa opinião, a testemunha, J…, que trabalhou no estabelecimento explorado pelos segundos RR de 2000 a 2007 e já o conhecia desde o ano de 1997, disse que esse anexo era como está agora, só que foi melhorado. E também o projectista, L…, disse que a área ocupada pelo anexo por si previsto era igual àquela que era ocupada pelo que anteriormente aí existia.
Daí que não vejamos, também neste aspecto, razões para alterar o decidido.
E também iguais razões nos levam a dar como indemonstrada a modificação da altura de tal anexo. Matéria de que, de resto, já abordámos e que, nesta sede, seria ocioso repetir.
Passemos agora a outra temática: a existência, ou não, de pilares no anexo reconstruído no fundo do logradouro.
Os AA. defendem que esses pilares estão suficientemente demonstrados, quer pelas fotografias de fls. 49 a 51 e 148 a 152, quer pelo testemunho de L….
O Tribunal recorrido, no entanto, deu a existência desse tipo de suporte físico como não provado.
Pois bem, observando as fotografias que constam de fls. 150 a 152, é evidente que os AA. têm razão. As estruturas em ferro que aí figuram, como é do conhecimento comum, destinam-se a acolher os falados suportes. O que faz sentido numa construção em tijolo e betão como aquela que aí é possível visualizar.
Assim, um novo ponto se deve acrescentar à matéria de facto, com o nº 49, que terá o seguinte teor: “O anexo reconstruído no fundo do logradouro tem pilares”.
Também afirmam os AA. que se deve dar como demonstrado, ao contrário do decidido na sentença recorrida, que “[a]s obras levadas a cabo pelos segundos Réus, no logradouro, facilitam o acesso e intrusão na casa dos Autores”.
Ora, como nos parece manifesto, esta é uma conclusão e não um facto naturalístico. A facilidade, ou não, de acesso e intrusão à casa dos AA. há-de resultar das características da construção desta, do tipo de obras realizadas no logradouro do estabelecimento explorado no rés-do-chão e de outras variáveis cuja enumeração não pode aqui ser esgotada nem sequer tratada.
Portanto, a referida pretensão dos AA. não pode ser também acolhida.
E igualmente rejeitada deve ser a pretensão dos mesmos AA. de que se dê como comprovado o seu estado de tristeza e exasperação. Desde logo, porque os mesmos os associam à conclusão anterior, que, já vimos, não poder considerar-se factual. E, depois, porque o depoimento da testemunha, M…, acaba por não deixar transparecer se a alegada alteração emocional dos AA. (sobretudo do A.) se deve ao pretenso risco de acesso e intrusão à sua habitação, se à existência deste conflito.
Daí que também nesta parte não haja alguma coisa a alterar na decisão recorrida.
Por fim, resta por analisar aqueles aspectos em que os AA. se queixam de falta de pronuncia da parte do Tribunal recorrido.
Começam os mesmos por se insurgir contra o facto do referido Tribunal não ter dado como provado o segmento do quesito 25.º, na parte em que se afirma que se “iniciaram obras de escavação e aterro, para construção de uma placa de piso, criando e erigindo fundações, de um outro anexo”.
Ora a acusação dos AA. não corresponde à verdade, na medida em que foi julgado como provado no ponto 15 dos factos provados, o seguinte: “Ainda durante esse mês de Abril de 2004, a 4ª Ré, I…, Ldª., sob as ordens dos segundos réus, e com a autorização, conhecimento dos primeiros réus, procederam à demolição do aludido anexo existente no logradouro do edifício e iniciaram obras de escavação e aterro, para construção de uma placa de piso, criando e erigindo fundações, de um outro anexo”.
É manifesta, assim, a falta de razão dos AA., neste aspecto.
Num outro assunto, sustentam os mesmo AA. que a sentença recorrida é omissa sobre o quesito 28.º, no qual se questiona se “O anexo erigido nessas circunstâncias pelos réus têm pilares, divisórias e foi erigido com materiais diferentes do anteriormente existente no logradouro do prédio”.
Não é, no entanto, também verdadeira esta afirmação. Na sentença recorrida, como já vimos, não se considerou demonstrado que o anexo em causa tivesse pilares. E, no mais, o ponto 16, responde integralmente à questão suscitada pelos AA. Nele se afirma que “[o] anexo referido em 7. a) construído nessas circunstâncias pelos réus tem divisórias e foi erigido com materiais diferentes do anteriormente existente no logradouro do prédio”.
Daí que, também nesta parte, não lhes assista razão.
E igualmente não lhes assiste razão na alegada falta de resposta aos quesitos 29.º e 30.º, como se alcança, inequivocamente, dos pontos 17 e 18 dos factos provados.
Por fim, em relação ao quesito 39.º, o que os AA. sustentam, no fundo, não é uma omissão de pronúncia, mas antes que a resposta devia ter sido a inversa daquela que foi afirmada no ponto 26 dos factos provados; ou seja, que em vez de se dar como demonstrado que o estabelecimento instalado na fracção A, se encontra licenciado, devia ter-se concluído que, à data da propositura da presente acção, aquela licença inexistia e, consequentemente, a resposta ao aludido quesito devia ter sido afirmativa.
Ora, esta última resposta nunca poderia ser dada, em face da documentação junta aos autos, designadamente do Alvará junto a fls. 155, que autoriza a utilização do dito estabelecimento para restauração e bebidas. Apesar de ser uma licença emitida em data posterior à propositura da presente acção, não se pode afirmar que essa licença inexista, como parecem pretender os AA., e, por conseguinte, a referida resposta, sob este ponto de vista, deve manter-se; até porque salvaguarda a data em que foi emitido o mencionado Alvará.
D- Passemos agora à análise das questões substantivas; ou seja, à questão de saber se as obras cuja realização é imputada aos RR. interferem, ou não, com a esfera jurídica dos AA., enquanto condóminos, e, na afirmativa, em que medida e quais as respectivas consequências jurídicas.
A resposta a estas questões carece de ser previamente enquadrada.
Começa por ser pacífico entre as partes que, na base do presente litigio, está a circunstância de AA. e RR. (1ºs e 2ºs) partilharem um mesmo edifício que está dividido em regime de propriedade horizontal.
Os AA. são donos da fracção autónoma designada pela letra “B”, que correspondente ao 1°, 2° andar e sótão, destinada a habitação; os primeiros RR., por sua vez, são donos da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão do mesmo prédio, fracção essa que é destinada a comércio; e os segundos RR. são, por seu turno, quem explora o estabelecimento comercial instalado nesta última fracção (“A”).
Foi na sequência das obras realizadas no logradouro desta última fracção, entre os dias 19 de Abril e 04 de Maio de 2004, que surgiu este conflito. Os AA. acusando os RR. de terem realizado obras em espaços comuns e, em qualquer caso, de, com essas obras, prejudicarem o uso e valor comercial da fracção autónoma de que são proprietários; e os RR. contestantes, por sua vez, refutando essas acusações, alegando que aquelas obras foram levadas a cabo numa área que exclusivamente está afecta à fracção “A”, sem que das mesmas resulte o impacto de que aqueles se queixam. E é neste ponto que se situa, ainda hoje, o presente conflito.
Para o solucionar, a primeira noção a ter presente é que o estatuto de um edifício em regime de propriedade horizontal lhe confere particularidades, não só no plano material, mas igualmente no plano jurídico. E, neste último aspecto, a propriedade horizontal apresenta-se hoje como uma forma de propriedade especial; ou seja, como um tipo específico de direito real de gozo[4], no qual se cruzam e repercutem uma teia de relações derivadas de poderes relativos quer às fracções autónomas, quer às partes comuns que, necessariamente, constituem os edifícios sujeitos a esse regime (cfr. artigos 1414º e 1415º do Código Civil).
A propriedade horizontal, pois, é susceptível de gerar uma assinalável conflitualidade que requer regras específicas para a solucionar. E a não menor parte dessa conflitualidade é a que emerge da dinâmica dos diversos direitos e deveres envolvidos, depois de constituída a referida propriedade; isto, porque essa dinâmica facilmente se projecta na esfera jurídica dos condóminos em cujos interesses interfere.
O caso em apreço, de resto, facilmente ilustra essa afirmação, na medida em que os AA. se dizem afectados pelas obras levadas a cabo pelos RR, as quais, no dizer daqueles, modificaram o estatuto da propriedade horizontal do edifício por aqueles habitado.
E é essa alegada modificação que deve ser objecto da nossa análise, no sentido não só de a identificar, mas também de saber se a mesma é lícita ou ilícita e, neste último caso, quais as respectivas consequências jurídicas e patrimoniais.
Comecemos pelo referido exercício de identificação, segundo os factos que temos como provados.
Já vimos que os AA. partilham com os primeiros RR. a propriedade do edifício onde estes últimos têm instalado um estabelecimento comercial explorado pelos segundos RR. Este estabelecimento está situado no rés-do-chão e a fracção autónoma dos AA. situa-se no 1°, 2° andar e sótão, sendo a mesma destinada a habitação.
Aquando da construção de tal edifício, ou seja, há mais de 25 anos, foi logo erigido, no fundo do recinto que existe nas suas traseiras, um anexo que se apoiava sobre as paredes que delimitavam aquele recinto. Mas esse anexo foi-se degradando, a tal ponto que, em 19/04/2004, já se encontrava escorado e sem quaisquer condições de segurança e salubridade[5]; de modo que, para impedir a respectiva derrocada, o mesmo foi demolido a mando dos segundos RR., com o conhecimento dos primeiros (RR.), conduzindo essa demolição também à derrocada dos muros onde tal anexo se apoiava.
Por outro lado, em data não apurada, mas seguramente anterior ao ano de 1997, ou seja, à data da constituição da propriedade horizontal sobre o aludido edifício (que foi levada a cabo no dia 17/02/1997), a fracção “A” foi ampliada numa área coberta de 23,97m2, com a construção, em local que anteriormente pertencente ao logradouro descoberto, de uma cozinha e dois quartos de banho de serviço do público do estabelecimento comercial nela instalado.
Nunca os AA. manifestaram qualquer oposição à realização destas obras, apesar das mesmas serem do seu conhecimento[6].
Sucede que, depois de constituída a propriedade horizontal, que afectou a fracção “A” ao comércio, com uma área coberta de 80,50 m2 e logradouro com uma área de 100 m2, os segundos RR., com o conhecimento dos primeiros (RR.), realizaram as seguintes obras, entre 19/04/2004 e 04/05/2004 [7]:
a) Demoliram, como já vimos, o primitivo anexo existente no fundo do logradouro e, após as necessárias escavações, construíram um outro, bem como os muros laterais, com pilares e materiais diferentes, tudo numa área coberta de 18,80m2, com telha tipo “sandwich”, apoiada nas laterais e retaguarda nos muros que delimitam o prédio dos que lhe são contíguos e uma parede frontal com uma porta e duas janelas, abastecida de água, saneamento e electricidade, em cujo interior foram construídas cinco divisões com isolamento térmico, sendo duas delas destinadas a quartos de banho/vestiário, e as restantes a depósitos de géneros e arrumos.
b) Criaram uma área coberta com telha tipo “sandwich” que se prolonga por todo o logradouro, até então descoberto, desde o anexo referido em a) até ao final do prolongamento do estabelecimento anteriormente levado a cabo, que já referimos, formando um corredor/alpendre com a área de 19,82m2, com isolamento térmico, apoiada nos muros que delimitam e dividem o prédio dos prédios contíguos.
c) Construíram e instalaram um sistema de exaustão de fumos da cozinha, destinada a actividades de restauração, que conduz os fumos, cheiros e gases da cozinha através de um tubo que os deita e expele para o logradouro situado sensivelmente ao nível do terraço da fracção dos AA.
d) Construíram e instalaram uma churrasqueira e respectiva chaminé utilizada para cozinhar para o público e clientela do estabelecimento comercial.
e) Criaram um novo sistema de saneamento para a fracção “A”, o que implicou rasgos no solo e subsolo e a alteração do sistema de águas potáveis e residuais e saneamento do edifício.
f) E, construíram e criaram novas câmaras de inspecção no subsolo do edifício porque as que já existiam se encontravam a uma distância superior a 10 metros.
Os AA. não autorizaram estas construções, mas a administração pública veio a assumir uma posição diversa[8].
Assim, os segundos RR., com consentimento dos primeiros:
a) Promoveram e conseguiram o licenciamento e autorização da utilização camarária de uma área principal coberta de 119,60 m2 para a fracção A, quando a mesma apenas tinha uma área coberta prevista no título de constituição da propriedade horizontal de 80,50m2.
b) Obtiveram da Câmara Municipal a autorização para o exercício da actividade de restauração de bebidas com a utilização exclusiva de uma área de arrumos de 18,80 m2 e utilização de 18,50 m2 para alpendres.
c) Promoveram também o licenciamento de uma construção e actividade económica de restauração e bebidas, junto da Câmara Municipal …, com a área coberta de 156,90 m2.
d) Apresentaram um projeto de licenciamento relativo ao anexo situado no fundo do logradouro, para assim adequarem o estabelecimento às novas exigências legislativas de molde a satisfazer os requisitos das instalações.
e) E obtiveram também o licenciamento do estabelecimento comercial instalado na fracção autónoma identificada pela letra “A”, conforme Alvará de Utilização nº …/09 de 13/05/2009, sendo que as construções erigidas pelos segundos RR. no logradouro dessa fracção não ultrapassam a área a que se refere o referido Alvará.
E é perante este quadro factual que nos devemos perguntar se as obras levadas a cabo pelos RR. são licitas ou ilícitas, do ponto de vista do direito civil.
Cumpre, desde logo, clarificar que o licenciamento administrativo para a realização de obras num edifício sujeito ao regime de propriedade horizontal é juridicamente irrelevante em relação às construções que são proibidas no plano estritamente civil. Esse licenciamento, na verdade, não tem qualquer efeito derrogatório ou modificativo do regime que regula os direitos e deveres dos condóminos, dos comproprietários ou, em geral, das relações entre proprietários e terceiros[9] E também não releva que as obras tenham sido realizadas por quem é proprietário ou por quem apenas tem a qualidade de arrendatário de alguma das fracções dos edifícios em questão, uma vez que não é esse o critério de aferição legalmente previsto para o efeito[10].
Determinante é, antes, para o mesmo efeito, o facto das modificações introduzidas incidirem sobre a fracção autónoma que a cada condómino pertença, ou sobre as partes comuns, e ainda a circunstância dessas modificações se conterem, ou não, nos estritos limites dos poderes que a lei confere a cada um dos condóminos em relação a essas parcelas.
Vejamos, então, o que se passa em relação ao primeiro aspecto; isto é, se as obras realizadas pelos RR. incidiram, ou não, sobre espaços comuns.
Os AA. sustentam uma resposta afirmativa a esta questão alegando, além do mais, que não só o solo onde está construído o edifício é comum, como também o logradouro do mesmo; isto porque, nos termos do artigo 204.º n.º 2 do Código Civil, se entende “por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”. E chamam à colação os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela[11], nos termos dos quais, “o solo, que a lei inclui à cabeça das partes comuns do edifício, é o terreno sobre o qual se ergue a construção ou que serve de logradouro a esta”. E acrescentam os mesmos Autores: “Mesmo que o prédio se divida em várias secções verticais (lado direito; lado esquerdo; frente; retaguarda, etc.) e cada uma delas assente, de facto, sobre uma parte facilmente determinável do solo, este é comum a todos os condóminos. A comunhão abrange todo o solo – e obviamente, também o subsolo -, mesmo que algumas das suas parcelas estejam ocupadas por pequenas construções (garagens, tanques de lavar, dependências para arrumações, etc.) distribuídas em propriedade plena pelos vários condóminos”. O que implicaria, na versão dos AA., que todo o recinto anexo à fracção “A” também lhes pertença a eles, ainda que o título constitutivo da propriedade horizontal disponha de modo diverso, pois que, nessa parte, deve considerar-se nulo.
Ora, o que começamos por verificar é que os AA., além de não pedirem expressamente a declaração dessa nulidade (o que é irrelevante, dado o disposto no artigo 286.º do Código Civil), também não referem qualquer desconformidade entre o projecto aprovado pela câmara municipal e o título constitutivo da propriedade horizontal, no caso presente. De modo que, sob este ponto de vista, nunca se poderia concluir pela falada nulidade, nos termos previstos no artigo 294.º do Código Civil [cfr. Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 10/05/1989, publicado no DR. II, nº 141, de 22/06/1989, pág. 6127, hoje com valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência].
Nem sob qualquer outro ponto de vista.
Com efeito, é para nós líquido, tal como para a maioria da jurisprudência[12], que os logradouros são espaços apenas presuntivamente comuns; ou seja, integram-se na previsão do artigo 1421.º, n.º 2, al.a), do Código Civil. Mas, no caso, nem é preciso ir tão longe. É que o espaço em questão, como resulta das fotografias tiradas aquando da inspecção judicial ao local[13] e das plantas juntas aos autos, está todo murado à sua volta e tem acesso pela fracção “A”, que para ele deita directamente. Assim, este espaço, assemelha-se mais a um pátio do que a um logradouro.
O Dicionário da Língua Portuguesa[14], ajuda-nos a clarificar estas noções. Um logradouro é “aquilo que pode ser logrado; terreno contíguo a uma habitação, para serventia; terreno público para pastagem de gados; maninho; lugar onde todos podem entrar”. Já um pátio é um recinto descoberto, no interior de uma casa, ou terreno murado contíguo a ela; vestíbulo; átrio (…)”.
Tratando-se, pois, no caso em apreço, de um recinto murado contíguo à fracção “A”, o referido espaço assemelha-se mais a um pátio do que a um logradouro.
Mas há mais: esse espaço, a que na escritura de constituição de propriedade horizontal se chamou logradouro, foi afectado, nesse título, exclusivamente àquela fracção autónoma (“A”).
Por outro lado, como já vimos, antes da constituição da propriedade horizontal, uma parte desse recinto foi ocupado não só para ampliar a área da fracção “A”, numa área coberta de 23,97m2, como ainda para construir, há mais de 25 anos, um anexo, que era usado pelos segundos RR. para armazenar víveres que comercializavam no estabelecimento comercial por eles explorado. Tudo razões, a nosso ver, mais do que suficientes para se considerar que tal recinto se deve considerar pertença exclusiva da fracção “A”, por ilisão da presunção contida no artigo 1421.º, nº2, als. a) e e) do Código Civil.
Esta conclusão, no entanto, não determina, só por si, a licitude das obras realizadas pelos RR. É necessário, como já vimos, saber ainda se essas obras se contêm dentro dos poderes que a lei confere aos condóminos da fracção “A”.
Ora, nessa parte, há que distinguir as obras que foram realizadas nos espaços comuns, daquelas que foram levadas a cabo no recinto contíguo à dita fracção autónoma.
No que às primeiras concerne, ainda que as mesmas sejam consideradas inovações utilitárias para o condomínio[15], isto é, insusceptíveis de prejudicar os AA., só com a autorização destes últimos poderiam ser levadas a cabo. É o que resulta inequivocamente do disposto no artigo 1425.º, n.º1 do Código Civil (por contraposição também ao seu n.º 2).
Mas, a lei não nos diz exactamente o que deva entender-se por inovações. Como nos dão conta Pires de Lima e Antunes Varela[16], “[t]odos estão de acordo em reconhecer que as inovações se distinguem da simples reparação ou reconstituição das coisas”. Mas, uns entendem “que a inovação se traduz forçosamente numa alteração da forma ou da substância da coisa (…). Outros identificam as inovações com todas as modificações na afectação (ou no destino) das coisas comuns”.
Certo é que no conceito de inovação tanto cabem as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como as modificações estabelecidas na sua afectação ou destino[17].
Resta, então, saber se as obras realizadas pelos RR. nos espaços comuns se enquadram no referido conceito.
Essas obras foram, em síntese, as seguintes:
a) A criação de um novo sistema de saneamento para a fracção “A”, “que implicou rasgos no solo e subsolo e a alteração do sistema de águas potáveis e residuais e saneamento do edifício”;
b) E, a construção de “novas câmaras de inspecção no subsolo do edifício porque as que já existiam se encontravam a uma distância superior a 10 metros”.
Pois bem, porque estamos perante obras realizadas no solo e subsolo do edifício, e essas obras implicaram quer a alteração do sistema de águas potáveis, residuais e saneamento do mesmo edifício, quer a criação de novas câmaras de inspecção num espaço comum, não podem essas obras deixar de ser consideradas como inovações. Não se resumem, como é bom de ver, a simples reparações.
Assim, porque os AA. se opuseram à realização de tais obras, a consequência resultante da ilicitude das mesmas é a sua destruição.
Passemos, agora, à análise das obras realizadas no espaço que já vimos pertencer à fracção “A”. Ou seja, a demolição e reconstrução do anexo existente no fundo do recinto aberto, designado na matéria de facto como logradouro; a edificação de um alpendre/corredor coberto com telha tipo “sandwich”, desde esse anexo até ao final do prolongamento do estabelecimento anteriormente levado a cabo; a construção e instalação do sistema de exaustão de fumos da cozinha e também a construção de uma churrasqueira e respectiva chaminé utilizada para cozinhar para o público e clientela do estabelecimento comercial.
Trata-se de obras em relação às quais se torna necessário aferir se foram, ou não, respeitados os limites legalmente impostos aos condóminos dessa fracção autónoma, na sua qualidade de exclusivos proprietários da mesma.
O artigo 1420.º, n.º 1, do Código Civil, confere a cada condómino os poderes que lhe são atribuídos pela lei geral, enquanto proprietário singular. Tal como valem em relação a ele as limitações de direitos decorrentes dessa qualidade. Mas não só; “…[e]ssas limitações ganham, no condomínio, sentido particularmente intenso, decorrente da proximidade dos interesses dos vários condóminos que no seu seio se entrechocam. Para dar um exemplo significativo, basta pensar na significativa importância que, no próprio prédio, tem as limitações respeitantes ao que genericamente se designa por emissões.
Mas, para além dessas limitações, há a considerar outras que decorrem do profundo interrelacionamento dos interesses dos condóminos quanto às próprias fracções e, mesmo, quanto a essas e às partes comuns. O uso que delas se faça dificilmente deixará de se projectar no das outras fracções ou no das partes comuns. Não é indiferente, por exemplo, se certa fracção é usada para fins habitacionais ou para o exercício de uma profissão liberar ou de uma actividade comercial que origine uma grande circulação de pessoas no prédio”[18].
E é dentro deste espírito, associado às pertinentes normas legais, que devemos conferir a licitude ou ilicitude das ditas obras.
Ora, começando pelo falado anexo, embora o mesmo tenha sofrido modificações, quer nos materiais com que foi reconstruído, quer nas divisões que lhe foram introduzidas, não se vê em que medida é que essas alterações afectem os interesses dos AA. Até porque no mesmo local, antes da constituição da propriedade horizontal, já existia outra construção, não se provando que a actual tenha ocupado mais área ou que seja sequer mais alta do que a anterior. Note-se que os muros perimetrais em que continua a assentar a actual construção não se podem, a nosso ver, considerar bens comuns, na medida em que, como já vimos, o espaço territorial onde os mesmos estão edificados pertence em exclusivo à fracção “A”.
Mas já no que concerne às demais construções temos uma opinião contrária. Estamos a falar de três construções específicas: a) Do corredor/alpendre com a área de 19,82m2, com isolamento térmico em telha tipo “sandwich”, apoiada nos muros que delimitam e dividem o prédio dos prédios contíguos, que vai desde o referido anexo até ao final do prolongamento do estabelecimento anteriormente levado a cabo; b) Do sistema de exaustão de fumos da cozinha; e, c) Da churrasqueira e respectiva chaminé utilizada para cozinhar para o público e clientela do estabelecimento comercial.
Este último dado, como já vimos, é deveras importante. Não é indiferente, com efeito, uma fracção ser usada para fins habitacionais ou para o exercício duma actividade comercial que origine uma grande circulação de pessoas no prédio e uma intensa actividade produtiva. E é esse, justamente, o caso presente, em relação à fracção “A”. Após a realização das referidas obras, os segundos RR., como se provou, tem a possibilidade de receber no seu estabelecimento comercial mais clientela. No estabelecimento, note-se, entendido não apenas em relação ao espaço físico situado no interior do edifício principal, mas também na traseira exterior desse edifício. A matéria de facto provada é inequívoca a esse propósito: “Os segundos réus com o consentimento e conhecimento dos primeiros réus utilizam toda a área e construções referidas em 7) para o exercício da sua atividade de restauração do estabelecimento”.
É, assim, neste contexto que deve ser analisada a legalidade das referidas obras.
Ora, a este respeito, dispõe o artigo 1422º do Código Civil, o seguinte, com interesse para a resolução do presente litigio:
“1- Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas móveis.
2- É especialmente vedado aos condóminos:
a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo do edifício;
b) (…)
c) Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada;
d) (…).
3- As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
4- (…)”.
Por sua vez, o artigo 1346.º do Código Civil, em relação às emissões, preceitua o seguinte: “O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, (…) provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”.
De acordo com o primeiro preceito legal referido, na parte transcrita, nenhum condómino pode, para além de desvirtuar o uso da respectiva fracção autónoma, ou parte dela, realizar obras que prejudiquem ou simplesmente modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, a não ser que, no caso da modificação, a mesma seja autorizada pela maioria qualificada dos outros condóminos, legalmente prevista.
Tem-se entendido que a linha arquitectónica se reporta ao “conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” e o arranjo estético do edifício “ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”[19].
Assim, a nosso ver, bastaria chamar à colação estas noções para se chegar à conclusão de que a realização das apontadas obras interferiu com as características visuais do edifício em causa, tal qual ele existia à data da sua organização formal em termos de propriedade horizontal[20]. Basta pensar que, nessa altura, para além do mais, não existia o alpendre com telha tipo “sandwich” que se prolonga por todo o recinto, até então descoberto, desde o anexo nele edificado até ao final do prolongamento da cozinha, bem como o novo sistema de exaustão e a churrasqueira com a respectiva chaminé. Recorde-se, porque este é um dado importante, que estamos a falar de um estabelecimento que se dedica actualmente à actividade de restauração e que, portanto, esses elementos têm de ser entendidos também na sua potencialidade produtiva nesse contexto. Isto, estando situados num local onde antes inexistiam, sem que, em qualquer caso, os AA. tenham dado o seu assentimento para semelhantes modificações. Portanto, a esta luz, as referidas obras, do nosso ponto de vista, já se devem considerar ilegais.
Mas não só por esta via. Se bem analisarmos a factualidade provada, facilmente verificamos que o referido sistema de exaustão e os tubos de saída de ar se situam, sensivelmente, ao nível do terraço da fracção dos AA, o que – como se julgou demonstrado – possibilita que os cheiros sejam encaminhados para o interior dessa fracção. Além disso, o grelhador e a respectiva chaminé, embora se encontrem a uma distância superior a 10 metros da fracção dos AA., servem também para confeccionar comida para a clientela do estabelecimento comercial situado na fracção “A”.
Ora, sabendo nós que, à data da constituição da propriedade horizontal, nenhum destes equipamentos existia no recinto em questão, é para nós líquido que eles não só representam um desvio em relação à utilização normal desse mesmo recinto, como ainda são susceptíveis de causar prejuízos consideráveis aos AA. no uso do imóvel que lhes pertence. Quer, pois se entenda que os requisitos enunciados no artigo 1346.º do Código Civil são, ou não, cumulativos[21], sempre se chega a idêntico resultado. A emissão de fumos e vapores de modo industrialmente desenvolvido (como o é na parte transformadora a actividade de restauração), num local onde antes se situava um espaço descoberto sem nenhuma poluição, representa quer um desvio em relação à afectação normal e previsível desse espaço, quer um prejuízo assinalável para o prédio dos AA. De modo que também por esta via, nunca as faladas obras poderiam reconhecer-se como licitas, à luz do direito civil, o que impõe também a respectiva demolição.
Já no que toca às demais obras alegadas, designadamente na ampliação do edifício para a construção de uma cozinha e de dois quartos de banho, sendo certo que esta ampliação foi levada a cabo antes da constituição da propriedade horizontal, nenhum outro facto se provou que seja susceptível de interferir com os direitos dos AA. Designadamente, não se provou que essa ampliação tivesse sido alteada e que por esse motivo esteja facilitado o acesso ao terraço da fracção dos AA. Assim, nessa parte, nenhuma modificação há a determinar.
Em suma, porque as obras supra referidas como ilícitas foram levadas a cabo sob as ordens dos segundos RR., mas com o consentimento dos primeiros, que são respectivamente, os arrendatários e os donos da fracção “A”, devem ser os todos eles condenados a demolir essas obras, mantendo-se no mais o decidido na sentença recorrida.
*
III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em:
A) Conceder parcial provimento ao presente recurso e, consequentemente, condenam-se os RR., D…, e esposa, E…, F…, e marido, G…, a realizarem as seguintes obras na fracção “A”:
1- Demolirem toda a área coberta com telha tipo “sandwich”, que se prolonga desde o anexo referido no ponto 7.a) dos Factos Provados até ao final do prolongamento do estabelecimento anteriormente levado a cabo, formando um corredor/alpendre com a área de 19,82m2, apoiado nos muros que delimitam e dividem o prédio dos prédios contíguos.
2- Demolirem o sistema de exaustão de fumos da cozinha, destinada a actividades de restauração, que conduz os fumos, cheiros e gases da cozinha através de um tubo que os deita e expele para o logradouro situado sensivelmente ao nível do terraço da fracção dos AA.
3- Demolirem a churrasqueira e respectiva chaminé utilizada para cozinhar para o público e clientela do estabelecimento comercial (referida no ponto 7.d) dos Factos Provados).
4- Reporem o sistema de águas potáveis e residuais e saneamento do edifício, tal como existia à data da construção do novo sistema de saneamento da fracção “A”.
5- Demolirem as novas câmaras de inspecção que construiram no subsolo do edifício.
B) Quanto ao mais, nega-se provimento ao presente recurso e mantém-se a sentença recorrida, nessa medida.
*
-As custas deste recurso serão pagas pelos RR., D…, E…, F… e G…, na proporção de 4/5, e pelos AA., na proporção de 1/5 - artigo 527.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Porto, 21/10/2014
João Diogo Rodrigues
Rui Moreira
Henrique Araújo
_______________
[1] Resposta ao quesito aa) – fls. 578.
[2] Que nos foram fornecidas pelo Tribunal recorrido.
[3] Repare-se na remissão que no quesito 62.º é feita para o quesito 57.º, referindo-se este último ao anexo existente no fundo do logradouro há mais de 25 anos; ou seja, ao anexo primeiramente construído naquele local.
[4] Cfr. neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª ed. Reimpressão, Quid Júris, pág. 402 eAntunes Varela, RLJ, ano 108.º, págs. 54 e segts.
[5] Designadamente, para o armazenamento dos víveres comercializados no estabelecimento, como até aí era usado (ponto 17).
[6] Pontos 39 e 47 dos Factos Provados.
[7] Com autorização e/ou ordens dos primeiros e segundos réus, a terceira ré e a sociedade, I…, Ldª, procederam à construção de um barracão, em telha de chapa, para onde transferiram todos os haveres que detinham no anexo que estava construído no fundo do logradouro afeto à fração “A”, mas não há noticia de que essa construção actualmente se mantenha.
[8] Note-se que as obras levadas a cabo entre 19 de Abril de 2004 e 4 de Maio de 2004 sem que existisse qualquer licença de demolição ou construção que apenas foi obtida em 5 de Maio de 2004.
[9] Cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 25/05/2000, Proc. 00B286, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 26/06/2008, Proc. 08B613, consultável em www.dgsi.pt.
[11] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição Revista e Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, pág. 420.
[12] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 22/06/2004, Proc. 04A205, e a jurisprudência aí citada, tal como o Ac. RLx de 15/12/2009, Proc. 10531/05.0TBCSC.L1-1, consultáveis em www.dgsi, e, na doutrina, Luís A. Carvalho Fernandes, ob cit., pág.373.
[13] Dadas por reproduzidas na matéria de facto assente (ponto 7).
[14] 5ª Edição, Porto Editora.
[15] Como, por exemplo, a colocação de ascensores e instalação de gás canalizado.
[16] Ob cit., pág. 434.
[17] Cfr. neste sentido, Ac STJ de 01/06/2010, Proc. 95/2000.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[18] Luís A. Carvalho Fernandes, ob cit., pág. 387.
[19] Cfr. neste sentido, o Ac STJ de 31/05/2012, Proc. 678/10.7TVLSB.L1.S1 e Ac. RLx de 23/03/2012, Proc. 6862/10.6TBALM.L1-6, e a doutrina e jurisprudência neles citadas, sendo ambos os Arestos consultáveis em www.dgsi.pt.
[20] Como se refere no Ac. STJ de 22/06/2004, Proc. 04A2054, consultável em www.dgsi.pt: “A modificação que produz desarmonia no conjunto do edifício constitui uma alteração das suas características e da sua estética”.
[21] Cfr. sobre as várias teorias a este propósito, Luís A. Carvalho Fernandes, ob cit., págs. 219 e 220.