INSOLVÊNCIA
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
APREENSÃO PARA A MASSA INSOLVENTE
Sumário

Encontra-se fora do acervo da massa insolvente após a declaração de insolvência os rendimentos obtidos pelo insolvente a título de subsídio de desemprego.

Texto Integral

Processo n. 1604/06.3TJPRT-J.P1– Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em processo de insolvência de pessoa singular em que é insolvente B… foram penhorados os seguintes valores:
● 4.141,28 € valor total transferido pela Agente de Execução a 10/09/2007, no âmbito do processo judicial 2048/06.2TBVLG);
● Entre Outubro de 2007 e Fevereiro de 2009, foi efetuada a penhora de 1/3 do subsídio de desemprego à ordem do processo de insolvência, no valor mensal de 394,10 €, que totaliza a quantia de 6.121,69 €;
● Durante o período de Junho de 2007 a Março de 2008, foi penhorado na totalidade 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) à ordem do processo judiciai n° 10680/06.8YYPRT, tendo sido transferido para a conta do Sr. Administrador de insolvência a quantia de 1.438,00 €;
Tais penhoras do subsídio de desemprego ocorreram posteriormente à declaração de insolvência do insolvente, por sentença de 28 de Julho de 2006.
A 04/01/2012, foi proferido despacho no processo 10680/06.8YYPRT determinando que as quantias penhoradas relativas a desconto no vencimento após a sentença declarativa de insolvência deverão ser integralmente devolvidas ao executado, aqui insolvente, tendo ordenado a notificação do Sr. Administrador de insolvência;
A 10/02/2012, o Sr. Agente de Execução procedeu à devolução ao Executado/Insolvente das quantias penhoradas no âmbito daquele processo;
No entanto, o Agente de Execução somente devolveu a quantia de 1.062,00 € (mil e sessenta e dois euros, tendo o restante valor de 1.438,00 € (mil e quatrocentos e trinta e oito euros) foi transferido pelo Centro Distrital de Segurança Social de Braga para a conta do Administrador de Insolvência, devido a uma notificação do mesmo dando indicações nesse sentido;
Em 25 de Março de 2013 o insolvente veio ao processo de insolvência requerer que fosse ordenada a devolução da quantia indevidamente penhorada de 11.700,97 € (onze mil e setecentos euros e noventa e sete cêntimos).
Sobre o requerido pronunciou-se o Administrador da Insolvência, nos seguintes termos, que se transcrevem:
“Na qualidade de Administrador de Insolvência, do Processo à margem identificado, vem aos Autos informar:
1. Que na pendência do presente Processo foi deliberada a apreensão de 1/3 do vencimento que o aqui Insolvente auferia a título de compensação por situação de desemprego.
2. Que no exercício das suas funções, o aqui signatário procedeu à notificação da Segurança Social para proceder a tal apreensão a favor da Massa Insolvente, tendo ainda requerido a suspensão de todas acções executivas que pendiam sobre o aqui Insolvente nos termos do art. 88° do CIRE.
3. Sendo certo, que todas as quantias que foram apreendidas na pendência do presente Processo foram transferidas para a conta da Massa Insolvente, nos termos do disposto do art. 149º e l50° do CIRE.
4. Assim sendo, não se entende o alcance do Requerimento ora apresentado pelo aqui Insolvente, reclamando a devolução das quantias que lhe foram apreendidas na pendência do presente Processo, e quê correspondem a 1/3 do vencimento que auferia a título de subsídio de desemprego.
5. No mais, e todas as quantias que lhe foram indevidamente apreendidas na pendência do processo acima de 1/3 do seu subsídio de desemprego, nada tenho a opor quanto à sua devolução.” (fim de transcrição).
Sobre o requerido recaiu despacho, indeferindo-o nos seguintes termos:
“Atentas as razões invocadas pelo Sr. AI., não assiste razão ao insolvente quanto ao requerido a fls. 776 e ss., pelo que vai indeferido”.
Do assim decidido vem o exequente interpor recurso, terminando pelas seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos Autos, por se entender que se impõe a modificação da decisão "a quo" que indeferiu o pedido de devolução da quantia indevidamente penhorada de 11,700,97 € (onze mil e setecentos euros e noventa e sete cêntimos) ao aqui Recorrente/ Insolvente;
2. Dos termos infra alegados, como se colherá e melhor demonstrará, o douto despacho violou, nomeadamente, as normas constantes do C.I.R.E. que pretende salvaguardar o sustento mínimo do devedor/insolvente e honrar os princípios constitucionais da dignidade humana;
3. Consta da conta da massa insolvente, a quantia de 11.700,97 € referente à apreensão de parte do vencimento a título de subsídio de desemprego;
4. Esse valor, não se encontra ainda graduado;
5. A quantia total em causa corresponde aos seguintes valores penhorados:
● 4.141,28 € valor total transferido pela Agente de Execução a 10/09/2007, no âmbito do processo judicial 2048/06.2TBVLG);
● Entre Outubro de 2007 e Fevereiro de 2009, foi efetuada a penhora de 1/3 do subsídio de desemprego à ordem do processo de insolvência, no valor mensal de 394,10 €, que totaliza a quantia de 6.121,69 €;
● Durante o período de junho de 2007 a Março de 2008, foi penhorado na totalidade 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) à ordem do processo judicial n° 10680/06.8YYPRT, tendo sido transferido para a conta do Sr. Administrador de insolvência a quantia de 1.438,00 €;
6. Salvo melhor opinião, não deveria ter sido efetuada as penhoras de subsídio de desemprego, nem os valores deveriam ter sido transferidos para a conta do Sr. Administrador de Insolvência;
7. Estas penhoras do subsídio de desemprego ocorreram posteriormente à declaração de insolvência do aqui Insolvente;
8. A sentença de declaração de insolvência ocorreu em 28 de Julho de 2006;
9. Quanto à penhora à ordem do processo judicial 2048/06.2TBVLG, no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n° 2048/06.2TBVLG do 2o Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, começou a ser efetuada a penhora de 1/3 do subsídio de desemprego, no valor mensal de 385,80 €, em novembro de 2006 (data posterior à declaração de insolvência);
10. Em setembro de 2007, a Sra. Agente de Execução C… procede à transferência bancária da quantia de 3.747,18 € para a conta do Sr. Administrador de Insolvência (Doc.1);
11. Em 25 de Fevereiro de 2008, a Sra. Agente de Execução C… procede a outra transferência bancária da quantia de 394,10 € para a conta do Sr. Administrador de Insolvência (Doc.2);
12. Este valor foi penhorado em data posterior à declaração de insolvência;
13. Posteriormente e por indicação do Sr. Administrador de insolvência, o Centro Distrital de Segurança Social continuou a transferir 1/3 do subsídio de desemprego, no valor mensal de 394,10 €, entre outubro de 2007 e dezembro de 2008;
14. Constando ainda dos autos, uma entrega através de cheque da Segurança Social de 210,19 €, em fevereiro de 2009;
15. De acordo com o estatuído no artigo 88.° do C.I.R.E., "A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes, "
16. Conforme o fundamento dos Acórdãos da Relação do Porto e Guimarães, que abaixo se discrimina e se transcreve um excerto:
- "No que tange às quantias penhoradas relativas a desconto no vencimento após a sentença declarativa da insolvência, deverão tais quantias ser integralmente devolvidas ao executado" - vide, por todos, AcTRG de 17/03/2003, processo 246/04-2;
- "...defere-se o requerido pelo insolvente determinando-se que deixe de se proceder aos descontos ordenados no vencimento da insolvente (de 1/3) à ordem da conta da massa insolvente aberta pelo Sr. Administrador da Insolvência, devendo ser restituídos os efectuados após trânsito da decisão que decretou a insolvência.'" - vide por todos, Ac. TRP de 25/01/2011, processo 191/08.2TBSJM-H.P1;
- "Conclui-se, deste modo que, no processo de insolvência não devem ser penhorados ou apreendidos a favor da massa insolvente, os rendimentos auferidos pelo insolvente (enquanto pessoa singular) no exercício da sua atividade laboral e após a declaração de insolvência, designadamente os salários ou vencimentos mensais do insolvente, após tal data, decorrentes da sua atividade laboral, bem como as prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante. "- vide por todos, AcTRP de 23/03/2009, processo 2384/06.8TJVNF-D.P1, in www.dgsi.pt.
17. Daqui se entende, salvo melhor opinião, que a quantia de 10.262,97 € (dez mil e duzentos e sessenta e dois euros e noventa e sete cêntimos) deveria ter sido devolvida ao aqui insolvente;
18. Quanto à penhora à ordem do processo judicial 10680/06.8YYPRT, paralelamente com a penhora mencionada anteriormente e no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n° 10680/06.8YYPRT do 1o Juizo- 1.ª Secção dos Juízos de Execução do Porto, durante o período de Junho de 2007 a Março de 2008, começou também a ser efetuada a penhora do subsídio de desemprego, no valor mensal de 265,50 €, à exceção do último mês que foi penhorado somente 110,70 €;
19. Durante esse período foi penhorado 56% do subsídio de desemprego:
20. A 04/01/2012, Por despacho do Meritíssimo Sr. Dr. Juiz do processo 10680/06.8YYPRT, concluiu as quantias penhoradas relativas a desconto no vencimento após a sentença declarativa de insolvência deverão ser integralmente devolvidas ao executado, aqui insolvente (Doc.3), tendo ordenado a notificação do Sr. Administrador de insolvência;
21. Durante o período de Junho de 2007 a Março de 2008, foi penhorado na totalidade 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros);
22. A 10/02/2012, o Sr. Agente de Execução procedeu à devolução ao Executado/Insolvente das quantias penhoradas no âmbito daquele processo (Doc.4);
23.No entanto, e conforme se constata da missiva do mesmo, o Agente de Execução somente devolveu a quantia de 1.062,00 € (mil e sessenta e dois euros (vide doc,4);
24. Conforme a missiva do Sr. Agente de Execução, o restante valor de 1.438,00 € (mil e quatrocentos e trinta e oito euros) foi transferido pelo Centro Distrital de Segurança Social de Braga para a conta do Sr. Administrador de Insolvência, devido a uma notificação do mesmo dando indicações nesse sentido (vide doc.4);
25. Daqui se entende, salvo melhor opinião, que a quantia de 1.438,00 € (mil e quatrocentos e trinta e oito euros) deveria ter sido devolvida ao aqui insolvente;
26. Pelo exposto, se entende que o Recorrente/Insolvente tem direito à devolução da quantia indevidamente penhorada de 11,700,97 € (onze mil e setecentos euros e noventa e sete cêntimos),

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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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A questão suscitada é a de saber se devem manter-se apreendidos a favor da massa insolvente os rendimentos obtidos pelo insolvente a título de subsídio de desemprego.
A factualidade a considerar para tal é a que consta do relatório supra, para que ora se remete, dando como reproduzido.
A questão coloca-se em termos coincidentes com os relativos aos rendimentos provenientes ao exercício da actividade laboral, designadamente, salários, obtidos após a declaração de insolvência, sendo o subsídio de desemprego um sucedâneo dos rendimentos do trabalho dependente, auferido em função de uma anterior prestação de trabalho, durante um prazo mínimo de garantia.
Sobre ela pronunciou-se já esta Relação e Secção em Ac. de 25/01/2011 (Proc. 191/08.2TBSJM-H.P1, Rel. Des. Maria Do Carmo Domingues), que decidiu que não devem ser penhorados ou apreendidos a favor da massa insolvente, os rendimentos auferidos pelo insolvente (enquanto pessoa singular) no exercício da sua actividade laboral e após a declaração de insolvência, devendo ser restituídos os efectuados após trânsito da decisão que decretou a insolvência, cuja doutrina ora se acolhe e subscreve na íntegra, remetendo-se para os respectivos considerandos:
- Na sentença que declarar a insolvência o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos, ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº 1, do artigo 150º do CIRE.
- O poder de apreensão resultante da declaração de insolvência confere ao administrador da insolvência a possibilidade de diligenciar, sem prejuízo do disposto nos nºs. 1 e 2, do art. 839º, do C.P.C, no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues, para que delas fique depositário (cfr. art. 150º, 1, do CIRE).
- Todavia, se o devedor carecer absolutamente de meios de subsistência e os não puder angariar pelo seu trabalho, pode o administrador da insolvência com o acordo da comissão de credores, ou da assembleia de credores, se aquela não existir, arbitrar-lhe um subsídio à custa dos rendimentos da massa insolvente, a título de alimentos (art. 84º-1, do CIRE que, corresponde, com algumas modificações ao art. 5º, do CPEREF);
- Subjacentes a tal normativo estão, por um lado, razões de humanidade ou dignidade humana de forma a não privar o falido (e o seu agregado familiar) dos meios necessários ao seu sustento e, por outro, razões que visam estimulá-lo e encorajá-lo a «levantar a cabeça» e a providenciar, pelo menos, pela angariação, através do seu trabalho, do seu sustento (e quiçá do seu agregado familiar), e por forma a não prejudicar ainda mais os seus credores já que, no caso de tal não acontecer, os mesmos acabariam ainda por assistir à diminuição da massa falida (normalmente já de si insuficiente para dar cobertura total aos seus créditos), em virtude da retirada dela dos valores necessários para providenciar pelo sustento daquele (e porventura do seu agregado familiar);
- Foi «intenção do legislador «poupar» o falido do dever de entregar à massa falida os proventos ou rendimentos entretanto por si auferidos com o seu trabalho, após a declaração de insolvência, separando-os dos outros meios de garantia patrimonial geral dos credores».
- Tal não está em contradição com o que vem referido no art. 46º, nº 1, do CIRE, quando aí se diz que a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, porquanto o nº 2, deste mesmo normativo vem explicitar tal situação, ao dizer que «os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta».
- Tal significa que se excluem da integração na massa insolvente, os bens absoluta ou relativamente impenhoráveis, salvo, quanto a estes últimos, no caso de serem voluntariamente oferecidos pelo devedor insolvente.
- Assim sendo, entende-se que foi intenção de legislador deixar fora do acervo da massa insolvente após a declaração de insolvência, a parte do vencimento ou salário auferido pelo devedor insolvente bem como a parte da prestação paga mensalmente àquele, a título de pensão de velhice que se encontravam a ser apreendidas através de descontos, já que naquele preceito legal não se fala em bens parcialmente impenhoráveis.
Não pode, pelo exposto, manter-se a apreensão à ordem da Massa Insolvente da quantia indevidamente penhorada de € 11.700,97.
Procedem as conclusões do apelante e a apelação interposta.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, em consequência do que se revoga o despacho recorrido, devendo substituir por outro, deferindo ao requerido pelo insolvente e determinando a devolução ao insolvente da quantia apreendida de €11.700,97 (onze mil e setecentos euros e noventa e sete cêntimos).
Sem custas, por não serem devidas.

Porto, 2014/11/11
João Proença
Maria Graça Mira
Anabela Dias da Silva