FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE
INSOLVÊNCIA
Sumário

I - Tendo em conta o disposto nos artigos 39.º, n.º 1, da anterior LAT e 1.º do D.L. nº 142/99 de 30/04, o FAT é responsável pelo pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas na lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou equivalente, ou seja, tais prestações serão assumidas e suportadas pelo referido fundo.
II - O FAT pode questionar se as prestações a cargo da entidade patronal cabem dentro das previstas naqueles normativos, ou seja, se respeitam àquelas cujo pagamento lhe compete garantir. Não pode é vir “questionar” a decisão que fixou a responsabilidade a cargo da entidade patronal, por falta de “legitimidade” para tal.
III - Sendo a obrigação do FAT subsidiária e de garantia, ocupando o mesmo o lugar da entidade patronal, esta condenada a pagar determinadas prestações, não existe qualquer fundamento legal para se voltar a discutir qual a entidade responsável pelo seu pagamento, aliás, se tal ocorresse assistiríamos à violação do caso julgado constituído pela decisão proferida nos presentes autos.

Texto Integral

Apelação n.º 433/10.4TTNG-B.P1
Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia (1º juízo)
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Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro
Desembargadora Paula Leal de Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

B…, futebolista profissional, residente em … Vila Nova de Gaia,

intentou ação especial de acidente de trabalho contra

C…, S.A., com sede em Lisboa e
D…, com sede em …, Trofa

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Foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré E… Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao A. a quantia de € 43.457,44 a título de ITA; o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1.203,44, com início de vencimento em 28/01/201 e € 7.097,85 a título de despesas médicas, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento da dívida e
O R. D… a pagar ao A. a quantia de € 4.398, a título de ITA, ao que acresce juros de mora desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.
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Esta sentença foi objeto de recurso e do acórdão de fls. 76 e segs. que concedeu parcial provimento à apelação, revogando a sentença na parte em que condenou a Ré seguradora a pagar ao A. a pensão e as despesas ambulatórias no montante de € 3.148,40, a qual foi substituída pelo acórdão em que se condena o Clube R. a pagar ao A. a pensão e as despesas ambulatórias no montante de € 3.148,40, confirmando-se a sentença quanto ao mais.
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O sinistrado veio requerer a notificação do FAT para garantir o pagamento da quantia de € 27.369,35 que a entidade patronal foi condenada a pagar-lhe, uma vez que esta foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 01/07/2013.
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O FAT, notificado de tal requerimento, veio requerer que o mesmo seja julgado improcedente, devendo a seguradora ser considerada responsável pelo pagamento da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado e demais prestações emergentes do acidente de trabalho, com base no contrato de seguro celebrado e atenta a nulidade das condições específicas da apólice, restritivas dos direitos e garantias do sinistrado.
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O sinistrado respondeu a este requerimento do FAT, concluindo que deverá determinar-se que este proceda ao imediato pagamento ao A. do montante que a entidade patronal foi condenada a pagar-lhe.
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Foi, então proferido o despacho recorrido de fls. 1 a 3 e do qual consta o seguinte:
“A fls. 533 veio o FAT respondeu ao pedido formulado pelo sinistrado de responsabilização do mesmo pelo pagamento da indemnização por incapacidades temporárias, despesas médicas e capital de remição da pensão anual e vitalícia da responsabilidade da entidade patronal invocando a nulidade da cláusula de exclusão do contrato de seguro celebrado entre a entidade patronal e a E…, S.A., nos termos do artigo 38°, n° 4 da Lei 100/97.
Invoca ainda que não teve intervenção na ação de acidentes de trabalho pelo que não está abrangido pelo caso julgado que se formou quanto à decisão proferida nos presentes autos uma vez que a mesma apenas faz caso julgado relativamente às partes que intervieram no processo.
Por sentença já transitada em julgado, foi a Ré entidade patronal condenada a pagar a quantia de € 4298, a título de ITA, a quantia de € 3148,00 a título de despesas médicas e o capital de remição de € 19.922,95 acrescidos de juros de mora calculados até 21.05.2013, no montante de € 2639,65 (fls. 303 e ss; 431 e ss e 494).
A entidade patronal D… foi declarada insolvente por decisão já transitada em julgado (fls. 527).
O FAT foi criado pelo Decreto-Lei n.° 142/99, de 30 de abril, na sequência do disposto no Art.° 39.° da Lei n.° 100/97, de 13 de setembro, com a competência de garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objetivamente caraterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável, como se vê do disposto na alínea a) do n.° 1 do seu Art.° 1.º.
Assim cremos que o FAT, quando é chamado a pagar as prestações decorrentes de acidente de trabalho, não intervêm na sua formação, pois elas já se encontram definidas por sentença ou por acordo homologado. Não sendo o mesmo efetivamente parte no processo de acidente de trabalho, não pode - agora - exercer direitos processuais como se parte fosse, dada a imposição do pagamento das prestações.
A obrigação de pagar as prestações não é originária, pois essa incumbe ao empregador, mas subsidiária, de garantia, intervindo o FAT em decorrência da lei e da ordem, afirmando-se inclusive que se trata de subsidiariedade forte, uma vez que aquele goza do benefício da excussão. Por isso, desde que verificados os respetivos pressupostos, ou seja- "por motivo de incapacidade económica objetivamente caraterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável", o FAT apenas pode discutir se a ordem emanada pelo Tribunal observou o âmbito legal das prestações devidas e da sua consonância com a sentença ou com o acordo homologado.
Cremos, assim, que a pretensão do FAT, enquanto devedor subsidiário, mero titular de uma obrigação de garantia, decorrente da lei, não poderá proceder. Tal entendimento, levado mais longe, determinaria a anulação de um acordo homologado ou a inutilidade de um julgamento para possibilitar a intervenção do FAT.
Não pode ser.
A obrigatoriedade de proceder ao pagamento das prestações devidas ao sinistrado por parte do FAT no presente processo de acidente de trabalho sai reforçado pelo disposto no artigo 13° da Lei 142/99, de 30.04, sem prejuízo de demandar noutra ação aquele que intende ser o verdadeiro responsável.
Conforme já referido, decorre de fls. 527, que a entidade patronal foi declarada insolvente no âmbito dos Autos de Insolvência n.° 3954/12.0TBSTS 3.° Juízo Civel do Tribunal de Santo Tirso, com sentença transitada em 01/07/2013.
Dos elementos juntos aos autos, é evidente a impossibilidade da entidade patronal proceder ao pagamento a que se obrigou, restando a hipótese do pagamento da pensão, daqui em diante, passar a ser assegurado pelo Fundo de Acidentes de Trabalho [1º, n.° 1, al. a) do DL n.° 142/99, de 30/4], o que se determina.
Notifique enviando cópia ao FAT das folhas supra referidas, e do presente despacho.”
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O FAT, notificado deste despacho, veio interpor o presente recurso que conclui da forma seguinte:
“1 - Por despacho de 27-02-2014 proferido pelo Tribunal a quo, foi determinou o pagamento pelo Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) da "pensão daqui em diante" em dívida ao sinistrado B… em que a entidade patronal e responsável D… foi condenada.
2 - O Tribunal a quo fundamentou o pagamento das referidas prestações pelo FAT na impossibilidade da entidade patronal de proceder ao pagamento das prestações em que foi condenada atenta a sua situação de insolvência, incumbindo a este Fundo pagar as prestações a que o originário responsável (o empregador) se obrigou.
3 - Contudo, discordamos, com o devido respeito, de tal entendimento.
4 - O FAT não questiona a inexistência de fundamento legal para a eventual transferência de responsabilidades para este Fundo, atenta a situação de insolvência da entidade patronal. O que o FAT discorda é das responsabilidades a transferir, uma vez que, em nosso entender, ocorreram factos que invalidam essa transferência.
5 - Entendeu o Tribunal a quo que o FAT, enquanto "mero" titular de uma obrigação de garantia, não pode exercer direitos processuais como se parte fosse, sendo-lhe apenas legítimo discutir se a ordem emanada pelo Tribunal observou o âmbito legal das prestações devidas e da sua consonância com a sentença (neste caso, do Acórdão).
6 - Sucede que o Acórdão proferido nos presentes autos por esse Tribunal da Relação em 03-12-2012, apenas fixou as prestações devidas ao sinistrado da responsabilidade da entidade patronal e da seguradora, ou seja, relativamente às partes no processo.
7 - O FAT não foi parte no processo e por isso não foi desde logo notificado daquela decisão. Nesta medida, o Acórdão em causa apenas faz julgado relativamente às partes que intervieram no processo e não em relação ao FAT, uma vez que este último figura como terceiro em relação à decisão em causa.
8 - A obrigação a cargo do FAT é independente e autónoma, embora subsidiária, da obrigação do responsável original das prestações. Assim, só com a prolação do despacho a ordenar o pagamento das prestações decorrentes do acidente de trabalho é que nasce a obrigação do FAT.
9 - Ora, se a decisão que fixou as pensões a cargo da entidade patronal não está conforme com os normativos legais como adiante se explicitará, afigura-se legítimo ao FAT invocar essa não conformidade, uma vez que se trata de uma entidade efetivamente prejudicada pela decisão, ainda que não seja parte na causa, nos termos do disposto no artigo 631º, n.º 2, do CPC.
10 - Sendo o FAT terceiro relativamente à decisão em causa e não fazendo esta, quanto a si, caso julgado, não poderá a mesma ser-lhe oponível, sob pena de estarmos perante uma situação de violação do direito fundamental de defesa.
11- Isto porque o FAT, enquanto terceiro, não pode ser prejudicado pelo caso julgado de uma decisão proferida numa acão em que não participou nem foi chamado a intervir. Aliás, a sua obrigação só nasce com a prolação do despacho a ordenar o pagamento das prestações decorrentes ao acidente de trabalho (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/07/2012, proc. 225-C/1999.P1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2013, proc. 631/03.7TTGDM-A.P1.S1).
12 - Este entendimento em nada prejudica o direito do sinistrado a receber as prestações emergentes do acidente de trabalho de que foi vítima, discutindo-se aqui a apenas qual a entidade responsável pelo seu pagamento.
13 - Por Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto em 03-12-2012, foi a entidade patronal condenada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia no montante de 1.203,44€ a partir de 28-01-2010 e as despesas ambulatórias no montante de 3.148,40€.
14 - Entendeu esse Tribunal da Relação que, nas condições específicas do contrato de seguro celebrado entre a entidade patronal e a E…, S.A. titulado pela apólice n.º ../……, constava uma cláusula de exclusão, nos termos da qual se encontravam excluídas as reservas matemáticas e as despesas ambulatórias ligadas à garantia de acidentes de trabalho.
15 - Contudo, entende o FAT que a cláusula de exclusão constante do contrato de seguro ora em apreço é NULA.
16 - O contrato de seguro de acidentes de trabalho rege-se por uma Apólice Uniforme cujo modelo é aprovado pelo Instituto de Seguros de Portugal e publicado em Diário da República, o que implica a adaptação a esse clausulado de todas as condições gerais e específicas contratadas.
17 - À data do acidente de trabalho em causa (13-04-2009), encontrava-se em vigor a Apólice Uniforme correspondente à Norma n.º 12/1999-R de 8 de novembro, publicada como Regulamento n.º 27/99 no Diário da República - II Série, de 30 de novembro, alterada pelas seguintes normas: Norma n.º 11/2000-R de 13 de novembro, publicada como Regulamento n.º 32/2000 no Diário da República II Série, de 29 de dezembro; Norma n.º 16/2000-R de 21 de Dezembro, publicada como Regulamento n.º 3/2001 no Diário da República II Série, de 19 de Janeiro; Norma n.º 13/2005-R, de 18 de novembro, publicada como Regulamento n.º 80/2005 no Diário da República II Série, de 7 de Dezembro
18 - De acordo com o n.º 1 do artigo 2º da Apólice Uniforme, o segurador deve garantir a responsabilidade do tomador do seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, cujo texto enumera, também, nos n.ºs 3 e 4, as prestações cuja cobertura se encontra garantida pelo contrato de seguro.
19 - O contrato de seguro em causa, ao fazer constar nas condições especiais da apólice uma declaração que previa a "Exclusão das reservas matemáticas e despesas ambulatórias ligadas à garantia de Acidentes de Trabalho", fez excluir da sua cobertura o pagamento ao sinistrado de prestações devidas em caso de acidente de trabalho as quais lhe são garantidas pela Apólice Uniforme e quais lhe são garantidas pela Apólice Uniforme e cujas cláusulas representam o mínimo legal indisponível às partes.
20 - Essas são precisamente as prestações que se encontram previstas na lei infortunística laboral aplicável ao caso concreto (Lei n.º 100/97, de 13 de setembro) e cujo pagamento é garantido ao sinistrado, dado o seu caráter imperativo e indisponível.
21 - Note-se que, sendo o sinistrado um praticante desportivo, ser-lhe-á aplicável a Lei n.º 8/2003, de 12 de maio, qual remete para o regime jurídico geral dos acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho.
22 - A inclusão no contrato de seguro ora em apreço de uma cláusula que reduz a cobertura obrigatória fixada para os acidentes de trabalho, tem o efeito de derrogar os preceitos imperativos dos acidentes de trabalho e de restringir os direitos e garantias consagrados aos sinistrados.
23 - Tal cláusula, ao permitir que possa ser oponível ao sinistrado uma exceção de natureza restritiva dos seus direitos, contraria a função social para a qual foram criados os seguros obrigatórios, esvaziando assim o efeito prático da Apólice Uniforme.
24 - Acresce que não pode o Fundo de Acidentes de Trabalho, gerido pelo Instituto de Seguros de Portugal, o qual a representa a autoridade nacional de supervisão de seguros, aceitar a responsabilidade pelo pagamento de prestações que advêm da existência de uma cláusula de exclusão desta natureza num contrato de seguro de acidente de trabalho.
25 - O seguro de acidentes de trabalho, tratando-se de uma modalidade de seguro obrigatório, está sujeito à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal que pode, no exercício das suas funções impor o uso de cláusulas ou apólices uniformes para os ramos ou modalidades de seguros obrigatórios.
26 - As normas constantes da Apólice Uniforme de acidentes de trabalho, pela qual se devem reger todos os contratos de seguros deste ramo, são normas imperativas resultantes de cláusulas contratuais gerais.
27 - No caso concreto, a cláusula contratada pela entidade patronal e a E…, S.A. constitui uma restrição à cobertura que é imposta pelo normativo imperativo, isto é, traduz um elemento negocial celebrado contra o clausulado de natureza imperativa.
28 - Assim, essa cláusula restritiva, por ter sido celebrada contra as disposições legais e imperativas da Apólice Uniforme, seja nula ao abrigo do disposto no artigo 294º do Código Civil (sobre este entendimento vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-09-2009, in www.dgsi.pt).
29 - Esta nulidade (que se circunscreve apenas à cláusula negocial violadora) resolve-se através da integração direta no contrato da norma imperativa que ordena que o sinistrado seja indemnizado de acordo com o que se encontra estipulado na Apólice Uniforme, dito de outro modo, que lhe sejam pagas pela seguradora as prestações previstas no artigo da Apólice Uniforme, sem restrições.
30 - Foi também para proteger o princípio da imperatividade e indisponibilidade das normas que regulam os acidentes de trabalho, que se encontra prevista no n.º 4 do artigo 38º da Lei n.º 100/97 a nulidade das cláusulas adicionais que contrariem os direitos ou garantias estabelecidos na apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho.
31 - E este é, igualmente, o entendimento da generalidade da jurisprudência existente sobre a matéria (vide o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-09-2009, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-04-2002 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-1987, todos in www.dgsi.pt).
32 - Conclui-se, portanto, que a consequência para a inclusão no contrato e seguro de uma cláusula restritiva dos direitos e garantias consagrados aos sinistrados pela lei laboral é a nulidade dessa cláusula.
33 - No que diz respeito ao texto da cláusula de exclusão ora em análise, refira-se que o mesmo prevê o que se encontram excluídas as reservas matemáticas e despesas ambulatórias ligadas à garantia de Acidentes de Trabalho.
34 - Sucede que a pensão anual e vitalícia a que o sinistrado tem direito, não consubstancia uma reserva matemática. Tanto mais que a pensão fixada é obrigatoriamente remível, nos termos do disposto no artigo 17º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, e do artigo 56º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, atendendo à incapacidade de que o sinistrado é portador.
35 - No presente caso, o sinistrado terá direito a receber um capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia devida desde 28-01-2010, não sendo constituídas quaisquer reservas matemáticas para o efeito.
36 - Conclui-se, portanto, que a cláusula de exclusão prevista no contrato de seguro a que alude os presentes autos não teria nunca aplicabilidade ao acidente de que o sinistrado foi vítima, porquanto o mesmo terá direito a receber um capital de remição calculado com base na incapacidade de que é portador e na pensão anual e vitalícia no montante de 1.203,44€ devida a partir de 28-01-2010, e não a receber qualquer quantia título de reserva matemática.
37 - Em face do supra exposto, afigura-se legítimo ao FAT intervir no processo, invocando a nulidade da cláusula de exclusão relativa à exclusão das reservas matemáticas e despesas ambulatórias ligadas à garantia de acidentes de trabalho, inserta nas condições especiais do contrato de seguro celebrado entre a E…, S.A. e a entidade patronal titulado pela apólice n.º ../…….
38 - Por este motivo, sempre será a seguradora a responsável pelo pagamento ao sinistrado da pensão anual e vitalícia no montante de 1.203,44€, obrigatoriamente remível, bem como as despesas médicas ambulatórias no valor de 3.148,40€, atenta a transferência integral da retribuição anual auferida pelo sinistrado, nada ficando a cargo da entidade patronal a este título e, por conseguinte, nada havendo a transferir para o FAT.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência, ser substituído por outro que defira a pretensão do Recorrente.
Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA”
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A Ré seguradora respondeu a este recurso, alegando, em síntese, que:
“(…) O que o Recorrente vem suscitar mais não é do que um erro de julgamento e perpetrado no Acórdão proferido nos autos, na medida em que este “validou” a aludida cláusula de exclusão, nos termos da qual se encontram excluídas as reservas matemáticas e as despesas ambulatórias ligadas à garantia subjacente aos acidentes de trabalho.
Sucede que, conforme despacho recorrido, entendeu o Tribunal a quo, e bem, que o Recorrente é mero titular de uma obrigação de garantia, sendo apenas legítimo este discutir se a ordem emanada pelo Tribunal observou o âmbito legal das prestações devidas e a sua consonância com o Acórdão proferido.
O que o Recorrente pretende com o presente recurso é, manifestamente, uma alteração da decisão proferida nos autos em referência, mediante a declaração de nulidade da cláusula de exclusão constante do contrato de seguro celebrado entre a Recorrida e a entidade patronal e, por conseguinte, a exoneração da sua responsabilidade no pagamento ao Sinistrado das prestações em que a entidade patronal foi condenada. (…)
O entendimento por parte do recorrente de que a decisão não faz caso julgado quanto a si e, por isso não lhe pode ser oponível, sob pena de violação do direito fundamental de defesa, não pode proceder. (…)
Atento o exposto, o Recorrente carece de legitimidade para requerer a alteração da decisão que fixou as pensões devidas ao sinistrado, nos termos do disposto do nº 2 do artigo 631.º do Código de Processo Civil, atendendo que o Recorrente figura como mero titular de uma obrigação de garantia decorrente da lei, designadamente do DL 142/99, de 30/04. (…)
Pelo exposto, e sem necessidade de maior aprofundamento g«face ao teor do despacho recorrido, se conclui que a argumentação do Recorrente está votada ao mais completo fracasso, devendo despacho recorrido manter-se, nos termos do qual determina que o pagamento da pensão devida ao Sinistrado, resultante da IPP sofrida por este, seja assegurada, daqui em diante, pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 al. a) do DL 142/99 de 30/04.
Termos em que o recurso não deve merecer provimento.
Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”
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O sinistrado também apresentou resposta alegando, em síntese, que:
“(…) O Acórdão transitou em julgado. (…) a pensão por IPP é devida pela Ré entidade patronal, pois assim foi decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, após a produção de prova e discussão do aspeto jurídico da causa.
(…)
Atente-se no que dispõe o artigo 5º-B do D.L. n.º185/2007, de 10/05 (…).
Este preceito reforça a ideia de que o FAT deve ser equiparado à entidade patronal e assim devendo considerar-se vinculado ao caso julgado (…).
Se o legislador tivesse querido conceder ao FAT um tão poderoso raio de acção, isso mesmo deveria ter ficado devidamente fixado na lei.
12. Seja como for, alguns pontos devem permanecer perfeitamente inequívocas:
(i) nem o Recorrente FAT, nem a Recorrida seguradora em algum momento colocam em causa o direito do Autor/sinistrado receber os montantes supra identificados em 5., pelo que em cenário nenhum, seja qual for o entendimento do Tribunal da Relação do Porto sobre a questão que agora lhe é dada a conhecer, poderá ficar o Autor/sinistrado sem ser ressarcido nos termos já decididos, sendo que se merecer acolhimento a tese do Recorrente/FAT, então a Recorrida/seguradora deverá ser condenada nos juros que se hajam vencido sobre as quantias em dívida.
(ii) nos termos do artigo 13º do DL 185/2007, 10/05, ocorrendo fundado conflito sobre quem recai o dever de indemnizar, caberá ao FAT satisfazer as prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários legais de pensão, sem prejuízo de vir a ser reembolsado após decisão do tribunal competente.”
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A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 126 e 127, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Saneamento
A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.
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IV – Fundamentação
Factos provados
Os constantes do relatório supra.
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b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º, n.º 1, do NCPC), salvo as que são de conhecimento oficioso.
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Cumpre, então, conhecer a seguinte questão suscitada pelo recorrente:
- Se o FAT pode vir questionar o âmbito da responsabilidade a transferir, nomeadamente, invocando a nulidade da cláusula de exclusão constante do contrato de seguro em causa.
Como já ficou dito, o despacho recorrido entendeu, pelos motivos aí expostos, “que a pretensão do FAT, enquanto devedor subsidiário, mero titular de uma obrigação de garantia, decorrente da lei, não poderá proceder”.
Vejamos:
Foi proferido nos presentes autos, o acórdão de fls. 76 e segs. e que condenou o R. entidade patronal a pagar ao sinistrado a pensão e despesas ambulatórias no montante de € 3.148,40, confirmando a sentença quanto ao mais, ou seja, quanto à condenação do R. Clube a pagar ao A. a quantia de € 4.298, a título de ITA, acrescida de juros de mora. Esta decisão transitou em julgado.
Por outro lado, a entidade patronal D… foi declarada insolvente por decisão transitada em julgado.
Assim sendo, tendo em conta o disposto nos artigos 39.º, n.º 1, da anterior LAT e 1.º do D.L. nº 142/99 de 30/04, o FAT é responsável pelo pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas na lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou equivalente, ou seja, tais prestações serão assumidas e suportadas pelo referido fundo.
Na verdade, o FAT foi criado para garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que ocorram as situações supra citadas, sendo certo que as prestações referidas na alínea do citado artigo 1º do D.L. nº 142/99, correspondem exclusivamente às previstas no artigo 296.º do C.T. de 2003 (n.º 4), não contemplando indemnizações por danos não patrimoniais nem os demais casos previstos nos seus nºs 5 a 7, na redação que lhe foi dada pelo D. L. n.º 185/2007 de 10/05.
Ora, alega o recorrente que não questiona a inexistência de fundamento legal para a eventual transferência de responsabilidade para o FAT, o que discorda é das responsabilidades a transferir, uma vez que, no seu entender, ocorreram factos que invalidam essa transferência.
Como facilmente se extrai dos citados normativos, o FAT pode questionar se as prestações a cargo da entidade patronal cabem dentro das aí previstas, ou seja, se respeitam àquelas cujo pagamento lhe compete garantir.
Não pode é vir “questionar” a decisão que fixou a responsabilidade a cargo da entidade patronal. Dito de outra forma, o FAT intervém no processo já após ter sido determinado quem é o responsável pelo pagamento das prestações devidas; não é parte no processo, só é chamado ao mesmo nos casos previstos nos citados normativos e só nessa altura é que “nasce” a sua obrigação.
Como é evidente a decisão proferida nos presentes autos só podia fixar as prestações a cargo de quem é parte no processo, ou seja, das Rés seguradora e patronal, o FAT não foi notificado daquela nem tinha de o ser porque, como alega, não era parte no processo. Não sendo parte no processo a decisão proferida nos presentes autos, efetivamente, não constitui caso julgado relativamente ao FAT, um terceiro. No entanto, a questão fundamental não é esta mas antes a da falta de “legitimidade” do FAT em vir, após a sua notificação, “questionar” aquela decisão.
Ao contrário do que alega, sendo a sua obrigação subsidiária e de garantia, ocupando o FAT o lugar da entidade patronal, esta condenada a pagar determinadas prestações, não existe qualquer fundamento legal para se voltar a discutir qual a entidade responsável pelo seu pagamento, aliás, se tal ocorresse assistiríamos à violação do caso julgado constituído pela decisão proferida nos presentes autos.
Acresce que, o FAT fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados, na medida dos pagamentos efetuados, bem com das respetivas provisões matemáticas, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub-rogação (artigo 5º-B, do D. L. n.º 142/99 de 30/04[1]).
Resta dizer que o acórdão do STJ de 11/12/2013, a que o recorrente faz apelo, sustenta o que acabámos de explanar (e não a sua tese). Na verdade, o mesmo respeita à situação supra referida de o FAT questionar a obrigação do pagamento de prestações que foi chamado a satisfazer, devido ao facto de a lei as não prever.
Por isso consta do mesmo Acórdão disponível em www.dgsi.pt que <<(…) a posição do FAT, quando chamado a intervir para garantia dos direitos dos sinistrados ou seus beneficiários, pode não ser a mesma da entidade responsável, pois (…) nem sempre esta terá que coincidir com os direitos que tenham sido atribuídos aos sinistrados ou aos seus beneficiários, mesmo que estejam cobertos pelo caso julgado.
Na verdade, e como vimos, o âmbito de intervenção do FAT nem sempre cobre a amplitude desses direitos, nomeadamente em relação aos acidentes de trabalho ocorridos após 11 de Maio de 2007, em que não pagará o valor das pensões agravadas, dado que apenas terá que ser responsabilizada pelas pensões “normais” resultantes do acidente>>.
Assim sendo, não pode o Recorrente vir invocar que a cláusula de exclusão constante do contrato de seguro ora em apreço é nula, tanto mais, que o acórdão proferido nos presentes autos pronunciou-se sobre tal questão decidindo que “daí que se nos afigure que são legalmente admissíveis, no âmbito do contrato de seguro dos autos, a exclusão da reparação do acidente no que respeita há pensão, pois o empregador, titular originário da obrigação de reparar o acidente, terá de proceder ao seu pagamento” e, ainda, “quanto à exclusão do contrato de seguro das despesas ambulatórias, afigura-se-nos que a R. seguradora tem razão ao pretender excluir do âmbito da obrigação do seguro as quantias de (…). Na verdade, das elencadas, parecem ser estas as despesas ambulatórias, que se cifram no montante de € 3.148,40. Daí que esta quantia deve ser paga ao A. pelo Clube R. e não pela R. seguradora.”
Assim sendo, bem andou o despacho recorrido quando determinou que o FAT, ora recorrente, assegurasse o pagamento das prestações a cargo da entidade patronal declarada insolvente.
Todas as restantes conclusões do recorrente ficam prejudicadas pois dizem respeito à invocada nulidade da cláusula de exclusão.
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Desta forma, impõe-se a manutenção do despacho recorrido.
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IV – Sumário[2]
1. Tendo em conta o disposto nos artigos 39.º, n.º 1, da anterior LAT e 1.º do D.L. nº 142/99 de 30/04, o FAT é responsável pelo pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas na lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou equivalente, ou seja, tais prestações serão assumidas e suportadas pelo referido fundo.
2. O FAT pode questionar se as prestações a cargo da entidade patronal cabem dentro das previstas naqueles normativos, ou seja, se respeitam àquelas cujo pagamento lhe compete garantir. Não pode é vir “questionar” a decisão que fixou a responsabilidade a cargo da entidade patronal, por falta de “legitimidade” para tal.
3. Sendo a obrigação do FAT subsidiária e de garantia, ocupando o mesmo o lugar da entidade patronal, esta condenada a pagar determinadas prestações, não existe qualquer fundamento legal para se voltar a discutir qual a entidade responsável pelo seu pagamento, aliás, se tal ocorresse assistiríamos à violação do caso julgado constituído pela decisão proferida nos presentes autos.
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V – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, na total improcedência do recurso, acorda-se:
- em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
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Custas a cargo do recorrente.
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Porto, 2014/11/17
Paula Maria Roberto
Isabel São Pedro Soeiro
Paula Leal de Carvalho
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[1] Aditado pelo D.L. n.º 185/2007 de 10/05.
[2] O sumário é exclusiva responsabilidade da relatora.