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PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
SÓTÃO
Sumário
I - O sótão ou vão do telhado, como o espaço compreendido entre o tecto do último andar do edifício e as telhas, não sendo telhado ou terraço de cobertura, não constitui a estrutura do edifício e, portanto, não deve ser incluído nas partes obrigatoriamente comuns. II - Não constando do título constitutivo da propriedade horizontal que o sótão se encontra afectado ao uso exclusivo de qualquer fracção, daí resulta que aquele se presume parte comum, presunção que pode ser ilidida.
Texto Integral
Apelação nº 95/11.1TBVCD.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
B…, Administrador do Condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na …, …, … e …, …, Vila do Conde, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra C… e mulher D…, pedindo a condenação destes a:
a) Restituir a parte do sótão que ocupam a todos os condóminos, tal como se encontrava anteriormente às inovações não aprovadas;
b) Proceder à eliminação das janelas criadas, realizando as obras necessárias e adequadas para tal efeito; ou, em alternativa, a pagar o valor de tais obras a liquidar em execução de sentença;
c) Serem condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor a fixar pelo tribunal por cada dia de atraso no cumprimento da decisão.
A fundamentar aqueles pedidos, alega que é administrador do condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na …, …, … e …, …, Vila do Conde, descrito na Conservatória do registo Predial de Vila do Conde sob o número 551 e inscrito na matriz sob o artigo 1312.
Os réus são donos da fracção L, situada no rés-do-chão direito, com entrada a Sul, e da fracção Q, correspondente ao 2º andar do mesmo prédio, com entrada pelo nº ….
Sucede que, em meados de Outubro de 2010, no âmbito das obras de limpeza e reparação do telhado do prédio, o autor deparou-se com a existência de obras novas, na parte comum do edifício. Grande parte do sótão do prédio com entrada pelo nº … foi ocupada pelos réus.
Os réus procederam à perfuração da parede do sótão, tendo aberto três janelas, que são visíveis do vão das escadas.
Na tentativa de dotar o sótão de melhor iluminação, os réus procederam à colocação de vidros martelados.
Ora, a construção de inovações em parte comum do prédio não autorizadas pelos condóminos é ilegal.
Por outro lado, a abertura de janelas no sótão em nada beneficia os comproprietários, na medida em que a luz natural que daí provém é meramente residual. A iluminação do sótão não pode prescindir da luz eléctrica.
Tais obras, para além da sua ilegalidade, prejudicam o arranjo estético do edifício e em nada o valorizam, antes pelo contrário. As novas janelas são visíveis do vão das escadas do prédio, ficando tal zona com um ar grosseiro, face ao gradeamento colocado no seu exterior.
Os réus contestaram e, além de invocar a ilegitimidade do autor, afirmaram que a parte do sótão que ocupam é vedada por paredes com referência aos demais espaços, tem quatro janelas que dão claridade para o seu interior e possui uma abertura que o liga directamente ao apartamento dos réus, através de escada de recolher no espaço da abertura.
O espaço está como deixado pelo construtor que ergueu o edifício em terreno que era dos réus, em troca da loja e apartamento que hoje lhes pertencem. As janelas foram construídas pelo construtor e não são visíveis de qualquer espaço comum.
O autor responde às excepções e pediu a condenação dos réus como litigantes de má fé.
Procedeu-se à audiência de julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a acção foi julgada improcedente.
Inconformado, o autor recorreu para esta relação, formulando as seguintes conclusões:
1. O recorrente restringe a âmbito do recurso à parte da sentença que absolveu os recorridos quanto ao pedido de restituição do mencionado sótão ou vão do telhado e, bem assim, ao pagamento da sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso naquela restituição.
2. Como bem é salientado na sentença proferida, a jurisprudência tem-se dividido sobre a caracterização dos sótãos ou vãos dos telhados como partes impreterivelmente comuns.
3. Tendo a sentença aderido à jurisprudência que considera aqueles espaços susceptíveis de apropriação por condóminos, apesar de tal caracterização não estar prevista no título constitutivo da propriedade horizontal do prédio.
4. Estando já demonstrado que, efectivamente, a fracção dos recorridos não integra aquele vão do telhado no título constitutivo da propriedade horizontal, teremos, assim, de pugnar pela orientação jurisprudencial que se mostrar mais consentânea com o regime legal da propriedade horizontal.
5. Convindo, a este propósito, enunciar também os argumentos da jurisprudência que considera o vão do telhado abrangido pela disciplina do nº 1 do artigo 1421º do C.C.
6. E bem assim, os argumentos doutrinários que acompanham e defendem também aqueles princípios.
7. Assim, a jurisprudência dominante vai no sentido de considerar o vão do telhado, como fazendo parte da estrutura do edifício.
8. Atenta a função ligada à cobertura ou telhado do edifício, que se não compadece com a sua apropriação, aumentando os riscos de danos de incêndios ou outros.
9. Para poderem ser afectados ao uso privado de um condómino, tal espaço sempre teria de estar previsto no título de constituição da propriedade horizontal, o qual, por sua vez, implicaria que a construção do edifício com aquela destinação estivesse prevista no próprio projecto de construção.
10. Referindo também Aragão Seia, na sua anotação ao regime da propriedade horizontal, que o vão do telhado não passa, em geral, de uma mera caixa de ar do edifício e, portanto, parte integrante da sua estrutura.
11. Acrescentando aquele consagrado jurista que tais espaços, para poderem ser utilizados para arrecadação ou mansardas, devem ter condições próprias de construção, nomeadamente de segurança, constando obrigatoriamente do próprio projecto de construção.
12. Se assim não for, tais espaços não passam de simples caixas de ar do telhado.
13. Ora, é exactamente a situação dos presentes autos em que nem sequer a utilização daquele vão de telhado adstrita à fracção dos recorridos foi objecto de previsão no próprio título de constituição da propriedade horizontal.
14. Pelo que, a sentença recorrida, ao decidir pela utilização e afectação daquele espaço à fracção dos recorridos, viola todos os princípios legais consagrados na jurisprudência e doutrina dominante.
15. A sentença recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 202º, 1420º e 1421º do C.C.
Os apelados apresentaram contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
Cumpre decidir.
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
A – O autor é administrador em funções do condomínio do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na …, números …, … e …, na freguesia …, concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número 551 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1312 – fls. 14/15.
B – O referido prédio é composto por dezassete fracções autónomas, destinando-se, dezasseis delas a habitação e apenas uma a comércio – título de constituição de propriedade horizontal, a fls. 15 e 44/53.
C – Os réus são proprietários da fracção "L", situada no rés-do-chão direito, com entrada a sul, e da fracção "Q" correspondente ao 2º andar do mesmo prédio, com entrada a sul, pelo nº …, fracção esta com a descrição de fls. 51: Segundo andar direito, recuado, com entrada a sul, do tipo T/3, com a área coberta de cento e dezasseis metros quadrados e garagem individual no logradouro, com a área de vinte e dois metros quadrados, a primeira a contar do sul, no valor atribuído de sete mil e duzentos contos, a que corresponde a percentagem de nove vírgula seis por cento, do valor total do prédio.
D – Com data de 26/10/2010, o autor enviou aos réus a carta copiada a fls. 18, intimando-os a desocupar o sótão.
E – Pela carta de 18/11/2010, copiada a fls. 19, o réu marido respondeu pela forma constante de tal carta, afirmando que ocupa a parte do sótão por cima do seu apartamento desde a construção, sendo certo que só por alçapão existente no seu apartamento é possível aceder ao dito sótão.
F – O autor dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal … a carta registada de 08/11/2010, copiada a fls. 20, pedindo a intervenção da Câmara para repor a legalidade.
G – Em resposta a esta carta, a supra referida Entidade disse que, atendendo a que se estaria perante um caso de apropriação ilícita de uma área comum, tal assunto deveria ser resolvido em sede condominial, ou, no limite, através do recurso aos tribunais – fls. 28.
H – Os réus ocupam o apartamento e o espaço do sótão, desde Março de 1993.
I – Posteriormente à construção, os réus colocaram um gradeamento em ferro à volta das janelas do sótão.
1 – Em meados do mês de Outubro de 2010, e no âmbito das obras de limpeza e reparação ao telhado do prédio do condomínio, o autor deu conta que grande parte do sótão do prédio com entrada pelo número … foi ocupado pelos réus.
6 – O sótão era, e é, vedado por paredes com referência aos demais espaços.
7 – O sótão era, e é, servido de quatro pequenas janelas construídas pelo construtor do prédio para dar claridade para o seu interior.
8 – Possui, e possuía, uma abertura que o liga directamente ao interior de uma divisão do apartamento dos réus.
9 – Abertura essa, servida de uma tampa em madeira onde se encontra, e encontrava, instalada uma escada de recolher, no espaço da abertura.
10 – Para o dito sótão não existe, nem nunca existiu, desde a construção, qualquer outro acesso que não seja a abertura supra referida.
11 – O dito espaço do sótão está subdividido em três divisões com interligação entre si por aberturas deixadas pelo construtor.
12 – O mesmo construtor deixou para aquele espaço ligações para, se necessário, instalar uma pequena casa de banho.
13 – Nunca ninguém acedeu ao sótão, que não os réus ou pessoas a seu mando e autorização.
14 – No referido espaço do sótão os réus arrumam os seus livros, malas e objectos de decoração de que não fazem uso vulgar.
15- Quer o sótão, quer o edifício, sempre tiveram a mesma composição, o mesmo arranjo estético e a mesma forma.
16 – Os réus procedem à pintura e arranjo das paredes do sótão e dos demais elementos que o compõem.
17, 18, 19 e 20 – Sempre o fizeram à vista de toda a gente, tal como utilizam os demais espaços do apartamento e sem nunca terem sido impedidos de o fazer por quem quer que seja, sempre convictos que o dito espaço lhes pertence e sempre fez parte integrante da sua fracção, tudo isto com o conhecimento dos demais condóminos, inclusive do autor.
21 – O espaço do sótão ocupado pelos réus foi-lhes entregue em data anterior à escritura da propriedade horizontal.
22 e 23 – Na Assembleia Geral de 28/01/2001, o réu marido solicitou aos demais condóminos, autorização para “usar o sótão do seu lado com arrumações”, “pedido esse que foi recusado por todos os presentes”.
24 – O réu negou a ocupação do local, quando confrontado com tal facto, em assembleia-geral de 09/02/2002.
Não se provaram os seguintes factos:
2 – Estes últimos procederam à perfuração da parede do sótão, tendo aberto três janelas que são visíveis do vão das escadas.
3 – Na tentativa de dotar o sótão de melhor iluminação, os réus procederam à colocação de vidros martelados.
4– As novas janelas são visíveis do vão das escadas do prédio.
5 – Ficando tal zona com um ar grosseiro, face ao gradeamento colocado no seu exterior.
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
As questões a decidir consistem em saber se o sótão ocupado pelos réus deve ser considerado parte imperativamente comum; se há lugar a eventual pagamento de sanção pecuniária compulsória.
I. Os réus ocupam o apartamento de que são proprietários e o espaço do sótão, desde Março de 1993.
O apelante defende a tese de que aquele sótão tem de ser considerado obrigatoriamente parte comum. Atenta a sua função ligada à cobertura ou telhado do edifício, para poder ser afectado ao uso privado de um condómino, tal espaço sempre teria de estar previsto no título de constituição da propriedade horizontal.
Vejamos se assim deve ser.
Nos termos do artigo 1414º do C.C., as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos, em regime de propriedade horizontal.
Foi a tendência para o crescimento no sentido vertical dos centros urbanos que veio conferir relevância e actualidade à propriedade horizontal. Com efeito, nesta forma de crescimento ou urbanização, «há a maior vantagem em admitir e fomentar a propriedade horizontal». Por um lado, ela proporciona o acesso à propriedade urbana a classes económicas que, de outra forma, não conseguiriam alcançá-la. «Por outro, potencia a construção imobiliária e o próprio crescimento vertical dos centros urbanos, na medida em que permite canalizar para a edificação de grandes imóveis poupanças que não possibilitariam aos titulares a construção de edifícios independentes». Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume III, págs. 391 e seguintes.
Na propriedade horizontal, os titulares das várias fracções ou unidades independentes são ainda comproprietários das partes do edifício que constituem a sua estrutura comum ou estão afectadas ao serviço daquelas fracções – artigo 1421º do C.C.
O que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas.
A propriedade horizontal pressupõe a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais – por forma que, entre dois planos, se compreenda uma ou várias unidades independentes – ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio em unidades autónomas. Pires de Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 393.
Quanto às fracções autónomas, elas pertencem em propriedade aos condóminos e, como tais, poderão ser alienadas pelo respectivo titular, oneradas, dadas de arrendamento, etc.
No que respeita às partes comuns, os condóminos estão sujeitos, antes de mais, às regras especialmente fixadas no capítulo da propriedade horizontal.
Nos pontos em que não exista regulamentação específica, valerá o regime geral da compropriedade.
O citado artigo 1421º estabelece:
1. São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;
c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes;
2. Presumem-se ainda comuns:
a) Os pátios e jardins anexos ao edifício;
b) Os ascensores;
c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;
d) As garagens e outros lugares de estacionamento;
e) Em geral, as coisas que não estejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
3. O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.
Ou seja, o nº 1 descreve as partes obrigatoriamente comuns; de forma meramente exemplificativa, o nº 2 enumera as partes presumidamente comuns; e o nº 3 concede a possibilidade de, no título constitutivo da propriedade horizontal, certas zonas das partes comuns serem afectadas ao uso exclusivo de um condómino.
Como referem Pires de Lima e A. Varela, «a enumeração das partes comuns do edifício, feita no nº 1, é imperativa, no sentido de que os elementos nela incluídos são necessariamente comuns a todos os condóminos. Outras coisas podem entrar na comunhão, como as que constam da discriminação feita no nº 2, mas não entram nela forçosamente.
O nº 2 presume, de facto, que são comuns outros elementos do prédio. Mas essa presunção pode ser ilidida, desde que se prove que os referidos elementos foram atribuídos pelo título constitutivo da propriedade horizontal a um ou a alguns dos condóminos, ou adquiridos por estes através de actos possessórios.
E deve mesmo considerar-se afastada em relação às coisas que, exorbitando das necessariamente comuns, não possam servir senão, pela sua destinação objectiva, um dos condóminos». Ob. cit., pág. 419.
A questão relativa à qualificação do sótão ou vão do telhado como parte necessariamente comum, por fazer parte da estrutura do edifício, atenta a sua função ligada à cobertura ou telhado deste, tal como refere o apelante, é, ou era, uma questão controvertida.
Assim o demonstra o entendimento seguido no acórdão do STJ, de 28.6.1983, aí se referindo que «o sótão ou vão do telhado é parte comum do prédio em regime de propriedade horizontal, embora tenha entrada exclusiva por um dos andares. Desta sorte, os condóminos, como comproprietários, estão sujeitos nas relações entre si às limitações da compropriedade, só lhes sendo lícito servir-se da coisa para os fins a que foi destinada, e sem que prive os outros consortes de igual uso». No mesmo sentido, o acórdão do STJ, de 8.4.1986, também disponível em www.dgsi.pt.
Com este entendimento de que o sótão faz parte da estrutura do prédio, diz-se que, «quer o telhado, sendo que nele se deverá incluir a respectiva caixa, vulgarmente denominada por vão, como o terraço, são, nos termos da lei positiva, imperativamente de todos os condóminos, mesmo quando aconteça que estejam, por acordo ou face ao título constitutivo, afectos à fruição de algum ou alguns condóminos». Acórdão da Relação de Lisboa, de 21.1.1997, CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 104.
Esta posição de que o sótão ou vão do telhado é parte necessariamente comum do edifício não pode ser aceite, desde logo, porque se o legislador assim o tivesse querido considerar, não teria deixado de o referir expressamente, acrescentando-o na alínea b) do nº 1 do citado artigo 1421º.
O sótão ou vão do telhado, no entanto, como o espaço compreendido entre o tecto do último andar do edifício e as telhas, não sendo telhado ou terraço de cobertura, não constitui a estrutura do edifício e, portanto, não deve ser incluído nas partes obrigatoriamente comuns.
Trata-se de uma parte que «não é naturalisticamente identificável com os conceitos de talhado ou terraço de cobertura, pois que não representa a estrutura de cobertura em si mesma e com a específica função de tapagem superior do edifício, mas um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, usualmente de armazenamento, mas sem que se exclua o próprio alojamento habitacional». O recente acórdão do STJ, de 4.7.2013. www.dgsi.pt.
Actualmente, a jurisprudência largamente maioritária é no sentido de que os sótãos ou vãos de telhado não devem ser considerados espaços imperativamente comuns, presumindo-se antes como partes comuns, desde que o título constitutivo da propriedade horizontal não os refira como pertencentes a alguma fracção autónoma – cfr. artigo 1418º do C.C. Acórdãos do STJ, de 28.9.1999 (www.dgsi.pt), de 8.2.2000 (CJ/STJ, Tomo I, pág. 67), de 16.12.2004 (www.degsi.pt) e de 4.7.2013 (www.dgsi.pt).
No caso, o título constitutivo da propriedade horizontal não destinou o sótão existente no edifício ao uso exclusivo dos réus e, por conseguinte, o mesmo encontra-se abrangido pelo regime estabelecido no nº 2 do artigo 1421º.
Não pode ser aceite o entendimento do apelante de que, para poder ser afectado ao uso privado de um condómino, o sótão sempre teria de estar previsto no título de constituição da propriedade horizontal.
De modo diverso, deve entender-se que, não constando do título que o sótão se encontra afectado ao uso exclusivo da fracção dos réus, daí resulta que aquele se presume parte comum, presunção que pode ser ilidida.
De facto, «se fosse intenção do legislador considerar comuns todas as partes cuja afectação ao uso exclusivo de um dos condóminos não constasse do título, então não faria sentido o nº 2 falar em presunção, bastaria o preceito dizer: São comuns, salvo menção em contrário no título constitutivo da propriedade horizontal». Acórdão de 8.2.2000, CJ/STJ, Ano VIII, Tomo I, pág. 71.
No título constitutivo da propriedade horizontal não se especificou o sótão como correspondendo a qualquer fracção e, portanto, encontramo-nos perante uma situação concreta compreendida na presunção prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 1421º, presunção que pode ser afastada pela prova daquilo a que Pires de Lima e A. Varela designam por afectação material.
Na citada alínea e) presumem-se ainda comuns «as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos».
No dizer daqueles autores, «a afectação a que se alude aqui é uma afectação material – uma destinação objectiva – existente à data da constituição do condomínio. Se, por exemplo, determinado logradouro só tem acesso através de uma das fracções autónomas do rés-do-chão, deve entender-se que pertence a esta fracção (…). E o mesmo se diga, ainda a título de exemplo, do sótão ou das águas furtadas do edifício, quando, no todo ou por parcelas, estejam apenas em comunicação com a fracção ou as fracções autónomas do último piso (faltando esta afectação material, o sótão será comum)». Ob. cit., pág. 423.
No mesmo sentido, refere-se no acórdão do STJ, de 17.6.1993, que «deixa de ser considerada parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal a que, desde início, foi adquirida juntamente com a fracção autónoma para ser utilizada em exclusivo por determinado (s) condómino (s), ainda que tal exclusividade não fosse referida no título constitutivo». CJ/STJ, Ano I, Tomo II, pág. 158.
Resultou provado que os réus ocupam o apartamento e o espaço do sótão, desde Março de 1993. Este espaço do sótão foi-lhes entregue em data anterior à escritura da propriedade horizontal.
O sótão era, e é, vedado por paredes com referência aos demais espaços. É servido de quatro pequenas janelas efectuadas pelo construtor do prédio para dar claridade ao seu interior. Possui, e possuía, uma abertura que o liga directamente ao interior de uma divisão do apartamento dos réus, abertura essa servida de uma tampa em madeira onde se encontra, e encontrava, instalada uma escada de recolher no espaço da abertura. Para o dito sótão não existe, nem nunca existiu, desde a construção, qualquer outro acesso que não seja a abertura referida.
O dito espaço do sótão está subdividido em três divisões com interligação entre si por aberturas deixadas pelo construtor. Os réus aí arrumam os seus livros, malas e objectos de decoração de que não fazem uso vulgar.
Quer o sótão, quer o edifício, sempre tiveram a mesma composição, o mesmo arranjo estético e a mesma forma.
Os réus procedem à pintura e arranjo das paredes do sótão e dos demais elementos que o compõem.
Sempre o fizeram à vista de toda a gente, tal como utilizam os demais espaços do apartamento e sem nunca terem sido impedidos de o fazer por quem quer que seja, convictos que o dito espaço lhes pertence e sempre fez parte integrante da sua fracção, tudo isto com o conhecimento dos demais condóminos, inclusive do autor.
De acordo com esta matéria de facto, desde o início da construção do prédio, o sótão esteve afectado em exclusivo à fracção autónoma dos réus, apenas com esta tendo comunicação, e, por conseguinte, deve considerar-se que foi ilidida a presunção estabelecida na alínea e) do nº 2 do artigo 1421º. A afectação material do sótão à fracção dos réus, existindo à data da constituição do condomínio, afasta-o do âmbito das coisas comuns mencionadas no citado preceito.
O conhecimento da eventual condenação dos réus no pagamento de sanção pecuniária compulsória fica prejudicado, desde logo, porque inexiste incumprimento por parte daqueles.
Improcede, assim, o recurso do autor.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelado.
Sumário: I. O sótão ou vão do telhado, como o espaço compreendido entre o tecto do último andar do edifício e as telhas, não sendo telhado ou terraço de cobertura, não constitui a estrutura do edifício e, portanto, não deve ser incluído nas partes obrigatoriamente comuns. II. Não constando do título constitutivo da propriedade horizontal que o sótão se encontra afectado ao uso exclusivo de qualquer fracção, daí resulta que aquele se presume parte comum, presunção que pode ser ilidida.
Porto, 17.11.2014
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil