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FIRMA
SOCIEDADE COMERCIAL
ERRO DE IDENTIDADE
TERCEIRO
DESPEDIMENTO
Sumário
I - Não é relevante o lapso na indicação do nome da demandada, quando se mostre que o verdadeiro R. foi, de facto citado. II - Não era exigível à embargada o conhecimento de que o Externato Amor e Alegria pertencia a uma sociedade comercial, por quotas, usando a denominação "Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Limitada", utilizando a embargante a designação simplificada "Externato Amor e Alegria" na carrinha do colégio. III - Sendo a embargante a verdadeira titular da relação material controvertida, explorando o estabelecimento antes da data do despedimento da ora embargada, sendo aquela parte na acção principal, não lhe assiste o direito de invocar a qualidade de terceiro para os efeitos a que se refere o artigo 1037 do CPC.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 - No processo principal, n. 130/86, de contrato de trabalho que, sob a forma ordinária, lhe moveu a Autora, (A), residente na Rua (W), em Odivelas, foi a Ré, Externato "Amor e Alegria", com sede no Bairro (K), Odivelas, condenada a pagar àquela, por sentença transitada, a quantia de 910000 escudos.
Em virtude de o pagamento respectivo não ter sido no prazo do artigo 92, n. 3, do Código de Processo do Trabalho, a Autora (Exequente) instaurou uma acção de execução de sentença, que teve o n. 130/86-A/87, contra o dito Externato "Amor e Alegria" (Executada), na qual nomeou à penhora um veículo automóvel, de matrícula TM-77-83, no valor de 1200000 escudos, registado em nome da executada desde 17-1-1985.
Uma vez ordenada a penhora e notificação à Executada, veio a ora Embargante, Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Limitada, com sede na Rua (K), Odivelas, instaurar os presentes embargos de terceiro, que foram registados com o n. 130-B/86/87, no 1 Juízo - primeira Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, onde correra a acção principal, alegando, em suma, que:
1 - A Embargante é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, sob o n. 5181, a folhas 11 do livro C-14, sendo suas sócias e gerentes
(B) e (C).
2 - A Embargante é legitima dona e possuidora do veículo automóvel, da marca Toyota, com a matrícula TM-77-83, que, no processo de execução n. 130/86, foi penhorado por despacho de folhas 14.
3 - Tal execução tem por base a sentença proferida na acção declarativa n. 130/86, onde foi condenado o Externato Amor e Alegria.
4 - Sucede que a Embargante não interveio nesse processo, onde o dito Externato foi condenado, nem representa este último.
5 - O referido estabelecimento de ensino é propriedade da Embargante desde 17 de Abril de 1986.
6 - Desde 18 de Março de 1982 até 16 de Abril de 1986, o dito estabelecimento de ensino foi propriedade de (D) e de (C).
7 - Ora, a acção declarativa não foi proposta contra a Embargante, proprietária do estabelecimento de ensino denominado Externato Amor e Alegria, nem contra os anteriores proprietários, tendo-o sido contra o dito estabelecimento de ensino, que não tem capacidade, nem personalidade judiciárias.
8 - Deve, assim, ser mantida a Embargante na posse do referido veículo, ordenando-se desde já a suspensão da referida diligência até decisão final.
9 - A Embargada, porque não ignora a falta de fundamento, litiga de má fé, pelo que deverá ser condenada em conformidade, em multa e numa indemnização à Embargante, consistente no reembolso das despesas a que a Embargada obrigou a Embargante, incluindo todos os prejuízos por si sofridos como consequência directa da má fé da Embargada.
Termina, pedindo que os embargos sejam recebidos, seguindo-se até final todos os demais termos, com a condenação da Embargada, como já se disse, e mantendo-se, a Embargante na posse do veículo penhorado. Juntou os duplicados legais, uma procuração e quatro documentos.
2 - Recebidos os embargos, e devidamente notificada para o efeito, a Embargada veio contestá-los da seguinte forma:
1 - Com a citação, pretende o legislador que a instrução do pleito chegue ao conhecimento do Réu, por forma a este poder deduzir, em tempo, a sua oposição.
2 - Refere a Embargante não ter intervindo na acção principal, visto esta ter sido instaurada contra outra entidade - o Externato Amor e Alegria -, quando ela é o Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Lda.
3 - No entanto, tomou conhecimento dessa acção judicial, porquanto recebeu a citação, e nada disse em contrário.
4 - Ora, a sede e o estabelecimento da Embargante coincidem na mesma morada, pelo que aquela pretende refugiar-se na omissão das palavras "Infantil e Primário" - que se não vê que seja relevante.
5 - É que o papel timbrado da ora Embargante - que contém a fachada com que esta se apresenta ao público, aos trabalhadores e ao mundo dos negócios - contém somente, em destacado, os dizeres "Externato "Amor e Alegria", tendo, por baixo, em tipo muito mais pequeno, as palavras "Infantil Primário", como se estas servissem, apenas, para informar que naquele estabelecimento de ensino existem aquelas duas categorias do mesmo.
6 - A verdade é que não servem para explicitar claramente a denominação social da ora Embargante: primeiro, porque aquelas duas palavras estão num tipo tipográfico pequeno; segundo, porque estão unidas por um hífen (-), e não pela conjução "e".
7 - Ou seja: para a ora Embargante, no modo como apresenta a sua denominação social ao mundo dos negócios, é irrelevante a expressão "Infantil e Primário" - seja, ou não, coincidente aquela expressão com o nome do estabelecimento.
8 - Depois, nos actos oficiais - como, por exemplo, num processo disciplinar (ver folhas 31 e 32) - a Embargante, embora possuidora, como pessoa colectiva, de uma denominação social autorizada e registada, denomina-se, a si própria, simplesmente, "Externato Amor e Alegria".
9 - Uma vez mais, para a própria Embargante é irrelevante a omissão das palavras "Infantil e Primário", tanto assim que no anúncio existente no exterior da sua sede não estão mencionadas aquelas duas palavras!
10 - E não há dúvida de que a entidade patronal era a ora Embargante, pois que o não podia ser o estabelecimento, que não tem capacidade, nem personalidade judiciárias.
11 - A não ser que a Embargante, se na acção principal tivessem sido mencionadas as palavras "Infantil e Primário", pretendesse, nessa altura, contestar, dizendo que a entidade patronal era o estabelecimento e não a sociedade.
12 - Em suma: para a Embargante é irrelevante a inclusão ou a omissão da expressão "Infantil e Primário", pois que é ela a primeira a omiti-la, no modo como contrata ou despede trabalhadores ou se apresenta ao público.
Nem podia deixar de ser: a ora Embargante e a Ré do processso principal são uma e a mesma pessoa!
13 - Mas o mais importante é que a Embargante foi citada!
14 - A ora Embargante tomou conhecimento de que havia contra ela, em juízo, uma determinada acção, com fundamentos que eram dela conhecidos, e cuja relação controvertida era do seu conhecimento.
15 - A ora Embargante recebeu a citação, na sua sede, e conformou-se com ela!
16 - Pretende, agora, através de expedientes dilatórios, entravar o andamento da Justiça!
17 - A Embargante, ela sim, tem conhecimento da falta de fundamento dos presentes embargos.
18 - Litiga, assim, com manifesta má fé, devendo, como tal ser condenada em multa e indemnização.
19 - Legal, factual e jurisprudencialmente, a Embargante não tem razão e recorreu a este chocante processo não só para entravar a acção da justiça, mas também para fugir ou adiar o cumprimento das responsabilidades que lhe cabem.
Deverá pagar por isso.
20 - Pois, com efeito, a Ré ou Executada, nos processos declaratórios e de execução, e a ora Embargante, são uma e a mesma pessoa!
21 - É que, nos termos do Acórdão da Relação de Lisboa, de 1-3-1978 (Rec. n. 12801), in Bol. Min.
Just., n. 277, pág. 314, e Col. Jur., ano 1978, pág. 392, "O simples erro na indicação do nome do demandado não torna deficiente a petição inicial e se, não obstante tal erro, acaba por ser citado o verdadeiro Réu, nenhuma nulidade se verifica. Só se o erro de identificação levasse
à citação de pessoa diferente da que devia ser citada é que se verificava a nulidade de falta de citação".
22 - Assim, os presentes embargos deverão ser julgados improcedentes, não só pelo exposto, mas também pelo facto de que a Embargante não é terceiro neste processo, pois não se encontra na situação prevista no n. 2 do artigo 1037 do CPC.
Termina, pedindo que: a)- Os presentes embargos sejam julgados improcedentes, por não provados, com as legais consequências. b) - A Embargante seja condenada em multa e indemnização, como litigante de má fé.
Juntou dois documentos e os duplicados legais.
3 - A Embargante respondeu à contestação, nestes termos:
1 - O estabelecimento de ensino particular denominado Externato Amor e Alegria foi criado por despacho de 15-11-1981 (cfr. doc. de fls. 14).
2 - Em 18-3-1982 teve início a actividade pré-escolar e primária do referido estabelecimento de ensino particular (cfr. doc. de fls. 16).
3 - O dito estabelecimento de ensino particular foi propriedade de (D) e de (C), desde 18-3-1982 até 16-4-1986 (cfr. docs. de fls. 14, 15 e 16).
4 - O referido estabelecimento de ensino particular
é propriedade da Embargante desde 17-4-1986.
5 - A defesa da Embargada é, pois, infundada e descabida.
6 - Aliás, a contestação da Embargada põe à evidência que ela litiga de má fé.
7 - Os documentos juntos com a contestação nada adiantaram quanto à questão em análise.
Termina, concluindo como na petição inicial.
4 - Seguidamente, foi marcada a data para o julgamento dos presentes embargos. E, frustrada a tentativa de conciliação entre as partes, teve lugar a audiência de julgamento, no fim da qual o Mmo. Juiz deu como provada a matéria de facto, a fls. 49 e verso destes autos, relegando a elaboração da sentença para momento posterior.
Depois, em 2-12-1987, foi proferida a sentença, que julgou os presentes embargos improcedentes, por não provados, e considerou que a Embargante litigou de má fé, condenando-a em multa de 10000 e em indemnização de 15000 à Embargada.
Desta sentença recorreu a Embargante, nos termos constantes das alegações de fls. 54 e segs. onde alinhou 25 conclusões, defendendo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, considerando procedentes estes embargos, concluisse como no articulado inicial. A Embargada contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.
Por Acórdão de 21-3-1990, de fls. 130 a 136 v., desta Relação, foi anulado o julgamento, para ampliação da matéria de facto, no sentido de se esclarecer quem é que no período decorrido entre 30-8-84 e 17-4-86 explorou o funcionamento do Externato.
Deste Acórdão agravou a Embargante para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este, por Acórdão de 17-4-1991, de fls. 163 a 165 v., negou provimento ao recurso e confirmou o impugnado Acórdão de 21-3-1990 desta Relação.
5 - Baixados os autos à primeira instância, teve lugar, em 10-1-1992, a fls. 182 e 183, nova audiência de julgamento, onde a Mma. Juiza deu como provada a matéria de facto, a fls. 182 v. e 183 (da qual não houve quaisquer reclamações), relegando para momento posterior a elaboração da sentença.
Na sentença de folhas 184 a 187 v., a Mma Juiza julgou, de novo, improcedentes os presentes embargos, por não provados, e condenou a Embargante, como litigante de má fé, em multa de 10000 escudos e em indemnização de 40000 escudos, bem como nas custas do processo.
6 - Inconformada, a Embargante voltou a recorrer, de apelação, da nova sentença, e, nas suas alegações de recurso, alinhou as seguintes 25 (vinte e cinco) conclusões:
1 - A Embargante é uma sociedade comercial por quotas, registada na competente Conservatória do Registo Comercial.
2 - Foi constituida por escritura de 30-8-1984.
3 - O estabelecimento de ensino, com a designação de "Externato Amor e Alegria", foi criado por despacho de 5-11-1981.
4 - O referido estabelecimento de ensino foi propriedade de (D) e de (C) desde 18-3-1982 até 16-4-1986.
5 - A partir de 17-4-1986, o dito estabelecimento de ensino passou a ser propriedade da Embargante.
6 - A Embargada foi admitida ao serviço pelos anteriores proprietários do aludido estabelecimento de ensino, para ali exercer as suas funções.
7 - Os anteriores proprietários do dito estabelecimento de ensino despediram, em 5-8-1985,a embargada, com o fundamento de justa causa.
8 - A ora Apelada, em 28-7-1986, propôs acção declarativa contra o referido estabelecimento de ensino.
9 - O aludido estabelecimento de ensino foi condenado no pedido.
10 - A Embargada, ora Apelada, executou a sentença e nomeou à penhora um veículo automóvel, com a matrícula TM-77-83.
11 - Este veículo automóvel é propriedade da Embargante.
12 - Todavia, foi ordenada a apreensão e a penhora do referido veículo automóvel.
13 - Por isso, a Apelante deduziu embargos de terceiro contra a Apelada.
14 - O dito estabelecimento de ensino carece de personalidade e capacidade judiciárias.
15 - Logo, não pode ser parte, como também não pode estar, por si, em juizo.
16 - A Apelante não interveio no processo de que emanou a ordenada diligência judicial, nem representa quem foi condenado no mesmo processo.
17 - Deste modo, não é possível, sem cair em contradição, dar como provada a condenação do estabelecimento de ensino e, depois, vir afirmar que na acção donde derivou tal condenação, foi citada a sociedade Embargante.
18 - A sentença recorrida, porque assim procedeu, é nula nos termos do artigo 668, n. 1, alínea c), do CPC.
19 - Assim, deve ser revogada a sentença recorrida e os embargos julgados procedentes.
20 - Na sentença recorrida, foram violados os artigos 5, 9, 23, 1037 e 1043 do CPC.
21 - A embargante não deduziu pretensão com falta de fundamento, não alterou a verdade dos factos, como também não fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de entorpecer a acção da justiça.
22 - Assim, carece de fundamento a condenação da Embargante como litigante de má fé.
23 - Pelo contrário, a Embargada é que fez do processo um uso manifestamente reprovável.
24 - Devendo ser condenada como litigante de má fé, como se pediu na petição dos embargos, em multa e numa indemnização à Embargante, correspondente às despesas que é obrigada a fazer, a liquidar a final.
25 - Em qualquer dos casos, foram violados os artigos 456 e 457 do CPC.
Termina, pedindo que: a) - Seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida. b) - Seja a sentença recorrida substituida por outra que julgue os embargos procedentes e absolva a Embargante do pedido de condenação como litigante de má fé. c) - Seja a Embargada condenada como litigante de má fé em indemnização, a liquidar a final.
7 - A Embargada-Apelada contra-alegou, longamente, defendendo a manutenção do julgado e concluindo pela improcedência do presente recurso de apelação, tendo, também, pedido que a multa e a indemnização em que a Embargante-Apelante foi condenada, em seu favor, nunca seja inferior a 500000 escudos.
8 - A Exma. Representante do Ministério Público junto desta Relação teve vista nos autos e proferiu o douto parecer n. 5238/92, de folhas 218 a 219, no qual propende para que seja negado provimento ao recurso.
9 - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. a) - Matéria de facto -
É a seguinte a matéria de facto provada nos autos:
1 - A Embargante é uma sociedade comercial, por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures sob o n. 5181 a folhas 11 do livro C-14 (conforme certidão junta aos autos e aqui dada por reproduzida).
2 - A Embargante constituiu-se por escritura pública de 30 de Agosto de 1984.
3 - São sócias e gerentes da Embargante (B) e (C) (como consta da referida certidão).
4 - O veículo penhorado na execução encontra-se registado a favor da Embargante desde 17 de Janeiro de 1985.
5 - Por despacho de folhas 14, ordenada a penhora do dito veículo automóvel nos autos de execução que, sob o n. 130/86-A, correm na primeira Secção do Tribunal recorrido.
6 - A execução tem por base a sentença de folhas 12, proferida nos autos de acção declarativa de condenação, com o n. 130/86, da mesma Secção do Tribunal recorrido.
7 - Como se vê da petição inicial a acção declarativa de condenação foi proposta pela aqui Embargada contra o estabelecimento denominado Externato Amor e alegria.
8 - E, nos termos da sentença de folhas 12, foi condenado o dito estabelecimento de ensino.
9 - O referido estabelecimento de ensino é propriedade da Embargante desde o dia 17 de Abril de 1986.
10 - Até ao dia 16 de Abril de 1986 e desde o dia 18 de Março de 1982, o dito estabelecimento de ensino foi propriedade de (D) e de (C).
11 - Tanto na sua sede como no veículo que transporta os alunos o estabelecimento da Embargante é designado "Externato Amor e Alegria" referindo ainda por baixo dessas palavras "Infantil e Primário".
12 - A entidade colectada por contribuição industrial pela exploração do Externato sito na Rua (K), em Odivelas, desde
21 de Fevereiro de 1985, foi a sociedade Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Limitada. b) - Enquadramento jurídico -
A única questão dos autos consiste, verdadeiramente, em saber se a ora Embargante é, ou não, terceiro, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1037 do código de processo civil.
Este preceito dispõe o seguinte:
1 - Quando a penhora... ou qualquer outra diligência ordenada judicialmente... ofenda a posse de terceiro, pode o lesado fazer-se restituir à sua posse por meio de embargos.
2 - Considera-se terceiro aquele que não tenha intervindo no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo ou quem no acto se obrigou...
Como se sabe, tudo começou quando a ora Embargada, (A), que trabalhou no Externato Amor e Alegria, desde Outubro de 1980 até Agosto de 1985, altura em que foi despedida, com invocação de justa causa, após processo disciplinar, veio a juizo instaurar uma acção de condenação, de processo declaratório comum, sob a forma ordinária, em 28-7-1986, contra o dito Externato Amor e Alegria o qual, não tendo contestado, acabou por ser condenado a pagar-lhe 910000 escudos.
Tendo transitado a sentença condenatória, e não tendo a Autora recebido aquela quantia, no prazo legal, moveu contra a Ré uma acção de execução de sentença, na qual nomeou à penhora um veículo automóvel, de marca Toyota, com a matrícula TM-77-83, avaliado em 1200000 escudos, que está registado a favor da Executada.
Por considerar que não interveio no processo principal, onde foi proferida a sentença condenatória, que serviu de título executivo ao processo de execução de sentença, tendo, portanto, a qualidade de terceiro, veio a ora Embargante deduzir os presentes embargos de terceiro, pedindo que os mesmos sejam julgados procedentes e decretada a libertação do bem penhorado.
Em abono da sua tese, a Embargante afirma ser uma sociedade comercial, por quotas, denominada Externato Infantil e Primário Amor e Alegria,
Limitada, que não interveio no processo principal e que também não representa quem nele foi condenado.
Acrescenta que, tendo a dita acção declaratória sido instaurada contra, apenas, o Externato Amor e Alegria, que não tem personalidade e capacidade judiciárias, a Embargante nada tem a ver com tal acção, pois que, nela, nem sequer foi citada.
Ora, dispõe o artigo 5 do CPC que "a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte" e que "quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária".
O critério geral para determinar se certa entidade tem, ou não, personalidade judiciária, e pode ser parte em juizo, consiste em averiguar se ela tem, ou não, personalidade jurídica.
A personalidade juridíca ou capacidade de gozo de direitos é, antes de mais, apanágio dos indivíduos ou pessoas singulares (artigo 67 do Código Civil), mas a lei reconhece-a também, quer às chamadas pessoas colecivas (associações ou fundações), quer
às sociedades constituidas de harmonia com determinados tipos legais, pelo que todas estas entidades podem ser partes em juizo, visto a personalidade judiciária se apresentar como um corolário da personalidade jurídica.
A esta regra ou critério geral introduz, todavia, a lei processual algumas excepções, ampliando a concessão de personalidade judiciária a algumas entidades não dotadas de personalidade jurídica.
É o que se passa com os casos previstos nos artigos 6 a 8 do CPC.
Em nenhum destes preceitos se encontram contemplados os estabelecimentos comerciais ou industriais, que são, apenas, elementos componentes do património de uma pessoa jurídica, singular ou colectiva - essa, sim, dotada de personalidade judiciária.
Por isso, sempre se tem reconhecido, na doutrina e na jurisprudência, que o estabelecimento comercial não tem personalidade judiciária e que as acções, que tenham por objecto relações com ele conexionadas, devem ser propostas, não contra o estabelecimento, mas contra o seu titular.
Daqui resulta que, não podendo o estabelecimento ser parte em juizo, a acção contra ele proposta não tem sujeito passivo e a decisão contra ele proferida é ineficaz.
A falta de personalidade judiciária de uma das partes é um vício insanável da relação jurídica processual, constituindo excepção dilatória que deve conduzir à absolvição da instância, sendo vedado ao juiz, em tal hipótese, pronunciar-se sobre o mérito do pedido (artigos 494, n. 1, c), e 288, n. 1, c), do CPC).
Ora, resultando provado dos autos - factos 7 e 8 - que a acção, em que foi proferida a sentença exequenda, foi proposta contra o estabelecimento denominado Externato Amor e Alegria, e que nela foi condenado o dito estabelecimento, haveria que concluir, à luz dos princípios expostos, que tal sentença de condenação é ineficaz e não pode ser oposta à Embargante, a qual, por não ter sido parte na acção, tem a qualidade de terceiro em relação ao ali decidido, podendo nessa qualidade deduzir embargos à penhora que incidiu sobre uma viatura de que é proprietária.
Mas se a esta solução extrema conduz o rigor dos princípios processuais, há, todavia, que não esquecer que tais princípios existem para servir valores do direito substantivo, os quais não devem deixar de surgir na decisão final, como bem se reconhece na primeira das conclusões do douto parecer jurídico - de autoria do Prof. Dr. A. Menezes Cordeiro -, junto aos autos pela Apelante (folhas 114).
A situação sub judice deve ser avaliada de forma tal que a Embargante não seja afastada da lide por razões de mero rigor processual, quando haja razões de ordem substantiva que demonstrem que foi contra ela que a Embargada pretendeu dirigir a sua petição, por fundadamente lhe atribuir a qualidade de sujeito da relação material controvertida, e que, dadas as circunstâncias concretas do caso, e colocando-se numa atitude de boa fé, não era possível à Embargante deixar de entender que a acção lhe era dirigida, que o litígio lhe dizia repeito, e que ela era chamada para se defender.
Neste sentido se orientou a primeira sentença apelada, na qual veio a entender-se que a Embargante era a verdadeira Ré na acção e que fora validamente citada por ter recebido na sua sede a carta registada com aviso de recepção dirigida ao legal representante do Externato Amor e Alegria, designação esta que, não sendo exactamente igual
à denominação social da Embargante, dela, no entanto, se aproxima por tal forma que não deixa lugar a dúvidas razoáveis, sobretudo, tendo em consideração que à data da citação a Embargante era dona do estabelecimento de ensino, instalado naquela mesmo morada e que o explorava sob a referida designação de Externato Amor e Alegria.
Argumenta-se, ainda, nessa mesma sentença que não podia a Embargante deixar de saber que a Embargada tinha trabalhado no seu estabelecimento, que tinha sido despedida e que pretendia impugnar esse despedimento através da acção declarativa de condenação.
No parecer jurídico junto pela Embargante - conclusão
7 (folhas 116) - admite-se ser razoável que o lapso na indicação do nome não vicia a situação quando se mostre que o verdadeiro Réu foi, de facto, citado, frizando-se, no entanto, que apenas o direito substantivo poderá dizer quem é o verdadeiro Réu, mostrando que o titular da situação controvertida foi mesmo citado.
Partindo, dos factos considerados provados, procura, no entanto, o referido parecer demonstrar que a Embargante não era o verdadeiro Réu, segundo o direito substantivo e que a situação controvertida não lhe dizia respeito. Isto porque a Embargante apenas é proprietária do Externato desde 17-4-1986 e o despedimento da Embargada ocorrera em 1 de Agosto de 1985, quando eram titulares do estabelecimento (D) e (C), únicos responsáveis por qualquer possível reparação devida à Embargada, em consequência desse acto (o despedimento), sendo contra estes que a acção devia ser dirigida, e sendo razoável supor que a eles pretendesse a ora Embargada referir-se, quando dirigiu ao Tribunal o seu pedido contra o Externato Amor e Alegria.
Tanto mais que a Embargada declarou logo não querer ser reintegrada e, por isso, os direitos que reclama não emergem do contrato de trabalho, mas antes do despedimento, sendo certo que ela não foi empregada do Externato nos seis meses anteriores à data em que a propriedade daquele passou para a ora Embargante, pelo que, face ao disposto no artigo 37 da LCT (regime jurídico aprovado pelo DL n. 49408, de 24-11-1969), esta nem sequer seria solidariamente responsável por quaisquer créditos vencidos nesse período de seis meses, nada tendo que ver com o litígio existente entre a Embargada e os anteriores titulares do estabelecimento, sua única entidade patronal.
Ainda que - por mera hipótese - se aceitasse a lógica desta argumentação, os seus fundamentos de facto parecem-nos, no mínimo, duvidosos.
A afirmação de a Embargante ser proprietária do Externato radica apenas no documento de folhas 14 e v, que reporta esse facto ao dia 17-4-1986.
Mas esse documento é apenas a autorização do Ministério da Educação para o funcionamento do Externato Amor e Alegria, cuja entidade proprietária era (D) e (C), tendo sido lançada no verso do dito documento um averbamento, em 17-4-1986, declarando que, por despacho de 16 daquele mês, fora autorizada a transferência da propriedade do estabelecimento para a sociedade Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Limitada.
No entanto, como se vê do documento de folhas 43 e seguintes, a ora Embargante foi constituida por escritura de 30-8-1984, incluindo no seu objectivo a exploração do seu externato de ensino infantil e primário, e, ao matricular-se no Registo Comercial, indicou como iníciou da operação essa mesma data de 30-8-1984.
Acontecendo que os anteriores proprietários do Externato ((D) e (C)) eram então também os sócios gerentes da sociedade Embargante, da qual só mais tarde se desligaram (ver documentos de folhas 9 e 10) por cessão das respectivas quotas às restantes sócias, suas filhas (actuais únicas sócias) - o que aconteceu em data não indicada na certidão junta aos autos, passada pela Conservatória do Registo Civil de Loures, ocorre perguntar (como o fez o anterior Acórdão desta Relação, de 21-3-1990, a folhas 136 e v.) quem é que no período decorrido entre 30-8-1984 e 17-4-1986 explorou o funcionamento do Externato, pois pode ter sucedido que, embora perante o Ministério da Educação tal exploração figurasse como exercida por (D) e (C), na prática tenha passado, desde logo, a ser exercida no âmbito da sociedade, repercutindo-se os resultados da exploração no património desta e não no daqueles como pessoas singulares, embora continuando eles, nessa nova qualidade de sócio-gerentes, a assegurar a gestão do estabelecimento.
Por isso, o referido Acórdão desta Relação, de 21-3-90 (aliás, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-4-1991, de folhas
163 a 165 v., por motivo de recurso de agravo, da Embargante, interposto a folhas 140), anulou o primitivo julgamento para que fosse ampliada a matéria de facto, no sentido de se dar resposta a esta questão.
E, na nova audiência de julgamento, foi dado como provado mais um facto (o 12), considerando que "a entidade colectada por contribuição industrial pela exploração do Externato sito na Rua (K), em Odivelas, desde 21-2-1985, foi a sociedade Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Limitada".
Com base neste novo facto (o 12) dado como provado a Mma. Juiza "a quo" decidiu, na segunda sentença, ora recorrida, que, desde 21-1-1985, a Embargante vem sendo tributada a título de contribuição industrial pela exploração do Externato em causa - o que significa que desde essa data a Embargante se vem comportando como proprietária do dito estabelecimento de ensino, e como única entidade patronal ali existente.
Daí se conclui, igualmente, que foi a Embargante que instaurou à ora Embargada o processo diciplinar que conduziu ao seu despedimento (decretado em 31-7-1985 e comunicado por carta de 1-8-1985 - ver processo principal, documentos 1 e 2), e que recebeu a citação no dito processo principal, feita por carta registada, com aviso de recepção, na sua sede em 8-10-1986 (ver processo principal, folhas 11). De nada interessando quem, nesse momento, exercia a gerência da empresa, visto se tratar de uma sociedade por quotas.
Agiu, pois, nessa ocasião, a ora Embargante, impensada ou levianamente, pois devia ter-se defendido no processo principal. É que a ora Embargante, não obstante ter uma forma de sociedade comercial, por quotas, desde 30-8-1984, e estar à frente do estabelecimento desde 21-2-1985, usava como símbolos exteriores, quer no seu papel timbrado, quer na sua Carrinha (que servia de transporte das crianças), quer na sua sede, a simples designação de Externato Amor e Alegria, em caracteres destacados, e por baixo deles, em tipo menor, a indicação INFANTIL-PRIMÁRIO, e nada mais! E também, em Julho de 1985, no processo diciplinar que instaurou à Autora, ora Embargada, a ora Embargante usou sempre a designação de Externato Amor e Alegria, nunca referindo a denominação social da empresa! Veja-se a decisão de despedimento da Autora-Embargada, a folhas 4 do processo principal, onde se diz que "Por despacho de 1 Julho de 1985, a Direcção do Externato Amor e Alegria mandou instaurar o presente processo diciplinar contra a educadora de infância (A)...".
Não era, pois, exigível à Embarganda, ou a quem quer que fosse, o conhecimento de que o Externato Amor e Alegria pertencesse a uma sociedade comercial, por quotas, denominada Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Limitada, uma vez a ora Embargada não utilizava correntemente a sua denominação social, mas, antes, a designação abreviada de Externato Amor e Alegria, não se podendo inferir das palavras INFANTIL-PRIMÁRIO, colocadas na Carrinha e na sua sede, por baixo daquela designação, que se tratasse de uma sociedade comercial, para além de ambas indicarem, simplesmente, que aquele Externato se dedicava ao ensino infantil e primário.
Fica, assim, claro que:
1 - A ora Embargada, e Autora na acção declarativa de condenação, quis, nessa acção, demandar a ora Embargante, não sendo relevante o lapso na indicação do nome da demandada, quando se mostre que o verdadeiro Réu foi, de facto, citado (ver, neste sentido, o Acórdão desta Relação, de 1-3-1978, referido pela Embargada, na sua contestação, e publicado no Bol. Min. Just., n. 277, pág. 314,e na Col. Jur., 1978, pág. 392).
2 - A Embargante era a verdadeira titular da relação material controvertida, uma vez que explorava o estabelecimento de ensino, em causa neste autos, desde 21-2-1985, ou seja, desde data anterior ao despedimento da ora Embargada, o qual teve lugar em 1-8-1985.
A Embargante foi parte na acção principal (e se nela não interveio, isso foi só por que nela não quis intervir), pelo que lhe não assiste a qualidade de terceiro, para os efeitos a que se refere o artigo 1037 do CPC.
Em conclusão - Por não ter violado quaisquer preceitos, a douta sentença recorrida, não podem os presentes embargos de terceiro deixar de improceder, por não provados.
Por último: É flagrante que, com o seu comportamento processual, quer na acção declarativa de condenação, quer nestes embargos de terceiro, a ora Embargada, Externato Infantil e Primário Amor e Alegria,
Limitada, com a sua omissão no primeiro processo, e com a pretensão que deduziu no segundo processo e cuja falta de fundamento não ignorava, litigou de má fé, evidenciando, ao longo de todo este tempo um objectivo de entorpecer a justiça, nos termos do artigo 456 do CPC. Mas, nada mais!
Por isso, nos parecem correctas, quer a multa, quer a indemnização (esta a favor da Embargada), que lhe foram cominadas na sentença recorrida, proferida em 7-2-1992, a folhas, 184 a 187 v. dos autos, a qual se deverá manter inalterada.
Por outro lado, também não se vê qualquer falta de ética processual, da parte da Autora, aqui Embargada, no decurso de toda a marcha processual, não sendo de lhe exigir que fosse mais diligente do que, efectivamente, foi! Não litigou, pois, a ora Embargada, com má fé, ao contrário do que pretendia a Ré, ora Embargante. Também, por aqui, a sentença recorrida deverá permanecer sem alteração!
10 - Nestes termos, acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao presente recurso de apelação e confirmar a douta sentença recorrida, que julgara improcedentes os embargos de terceiro, deduzidos pelo Externato Infantil e Primário Amor e Alegria, Limitada.
Custas, em ambas as instâncias, a cargo da Embargante.
Lisboa, 26 de Outubro de 1994.