CRIME DE CONTRAFACÇÃO
Sumário

O crime de contrafacção p.p. pelo artº 323ºa) do CPI exige uma reprodução perfeita, total ou parcial, mas que não se sobrepõe ao conceito de imitação, pois a ideia de contrafacção coincide com o conceito de identidade de sinais e a imitação com o conceito de semelhança de sinais.

Texto Integral

1ª secção criminal
Proc. nº 33/08.9FAVNG.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) n.º33/08.9FAVNG.P1, do 2º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso os arguidos:
B…, S.A.
C…
D…
E… e
F… foram submetidos a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Assim, e pelo exposto:
I – Julga-se a Acusação deduzida pelo Ministério Público totalmente improcedente e, em consequência, decide-se:
Absolver os arguidos “B…, SA”, D…, E…, F… e C… da prática dos crimes de contrafacção e de imitação, e de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previstos e punidos, respectivamente nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 323º, alíneas a) e b) e 324º,ambos do Código da Propriedade Industrial.
II – Julga-se o Pedido de Indemnização Civil deduzido por G…, Limited totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os demandados do mesmo.
Condeno a demandante civil nas respectivas custas civis.

*
Proceda à devolução dos objectos apreendidos nos autos aos arguidos.
*
(…)
*
Inconformada a Assistente e Demandante G…, SA interpôs recurso, no qual e em síntese coloca as seguintes questões:
(…)
Erro notório na apreciação da prova;
●Impugnação da matéria de facto;
●Se a decisão recorrida fez uma “incorrecta interpretação dos factos e respectiva subsunção ao direito”, “bem como a contradição insanável que resulta dos seus termos”;
●Se os demandados devem ser condenados pelos crimes p.p. pelos arts 323, alíneas a) e b) do CPI, bem como condenados no pagamento de uma indemnização fixada segundo os critérios previstos no artº 358º L, nº5 do CPI;
(…)
O Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Também os arguidos responderam pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a sentença padece do vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o disposto no artº 410º, nº2, al.a) do CPP, uma vez que a decisão de facto não contém matéria bastante para permitir (ou não) enquadrar o crime p.p. pelo artº 323º b) do CPI”, pelo que o processo deverá ser reenviado à 1ª instância para reenvio nos termos do artº 426º nº 1 do CPP.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP os arguidos apresentaram resposta na qual pugnam pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
1 – No dia 03 de Dezembro de 2008, cerca das 10:30 horas, em cumprimento de mandados de busca emitidos pelo Tribunal de Santo Tirso, elementos do posto da GNR da Trofa entraram nas instalações da sociedade arguida B…, S.A., situadas no …, …, Trofa, área da comarca de Santo Tirso e, no seu interior, encontraram 3 rolos de tecido com 1,50 metros de largura e 76 metros de comprimento, de cor branca, com a referência …, 3 rolos de tecido com 1,50 metros de largura e 71 metros de comprimento, de cor azul, com a referência …, 3 amostras grandes com a referência … e 6 amostras pequenas com a referência …, com vários padrões e cores diferentes, objectos estes que foram apreendidos naquele momento.
2 - Os objectos apreendidos, acima referidos, ostentavam figuras de xadrez.
3 – A G…, Limited é detentora das marcas figurativas n.os 377.580 e 3.950.037 (comunitárias) do Xadrez G…, e encontram-se protegidos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
4 - Na data acima referida era da inteira responsabilidade dos arguidos D…, E…, F… e C…, enquanto membros do Conselho de Administração e gerentes de facto da sociedade arguida B…, S.A., a gestão comercial, económica e financeira desta pessoa colectiva, dando pessoalmente execução a todas as suas decisões relativas à sua actividade, nomeadamente, no que respeita à produção, tendo sido estes arguidos quem determinaram a fabricação dos objectos apreendidos nos autos e acima referidos.
5 - No âmbito desta actividade industrial e comercial, os arguidos, durante o período que decorreu entre 24 de Maio de 2003 e 29 de Março de 2008, venderam a diversas entidades tecidos com padrão xadrez.
Mais resultou provado:
(Factos relativos à personalidade e condições de vida dos arguidos):
6 – A arguida D… aufere da quantia mensal de €700,00, é casada e tem como habilitações literárias a 4ª classe.
7 – A arguida E…, aufere da quantia mensal de €600,00, tem um filho menor com 16 anos s de idade e é licenciada em relações internacionais.
8 – O arguido C… aufere do rendimento mensal de €700,00, tem um filho menor com 3 anos de idade e é licenciado em gestão.
9 – O arguido F… aufere da quantia mensal de €600,00, tem dois filhos menores de 4 anos de idade a quem paga uma pensão de alimentos de €200,00 e é licenciado em markting.
10 - Não são conhecidos aos arguidos antecedentes criminais.
Mais resultou provado:
11 – Os produtos apreendidos encontravam-se cintados e com a etiqueta não vender.
12 – A “G…” não procede à comercialização de tecidos.
Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente:
13 - A marca figurativa “Xadrez G…” é constituída pela composição figurativa que se caracteriza por quadrados formados pela intercepção de três linhas verticais pretas e duas linhas horizontais brancas, em fundo bege, apresentando linhas perpendiculares entre si.
14 – A qualidade dos artigos apreendidos é inferior à dos produtos da marca “G…”.
2.2 - Matéria de Facto Não provada:
Da discussão da causa em audiência de julgamento não resultaram provados os seguintes factos:
A) Os objectos apreendidos, acima referidos, constituem uma reprodução das marcas figurativas referidas no ponto 3. dos factos provados.
B) Agiram os arguidos livre, deliberada e conscientemente, bem cientes de que produziram as peças apreendidas nos autos e acima referidas ostentando um padrão xadrez cuja configuração se encontrava legalmente protegida e sem qualquer autorização do legal proprietário daqueles desenhos.
C) Os arguidos sabiam proibida tal conduta.
Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente: D) Pretendiam os demandandos gerar confusão no espirito dos consumidores.
E) Os demandados, com a sua conduta, afectaram o prestígio da marca “G…”.
F) A demandante despendeu, com a investigação e cessação da conduta, incluindo honorários e despesas dos advogados, a quantia de €950,00 (novecentos e cinquenta euros).

Não existem quaisquer outros factos não provados a considerar.
*
À demais matéria não se responde por ser impertinente, conclusiva ou de direito.
2.3 - Motivação da decisão de Facto:
O Tribunal baseou a sua convicção:
A decisão do Tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência comum.
Assim, e desde logo, todos os arguidos reconheceram que os produtos apreendidos na busca efectuada eram sua propriedade, alegando tê-los fabricado, negando porém qualquer confusão com os produtos da marca em causa nos autos. Mais alegaram que tais produtos se encontravam separados dos restantes e não se encontravam à venda, o que aliás foi confirmado pelas testemunhas I… e J…, ambos militares da GNR, presentes aquando da busca efectuada às instalações da sociedade arguida, bem como pela testemunha K…, directora financeira da sociedade arguida.
No que concerne à responsabilidade dos arguidos, baseou-se o Tribunal nas declarações prestadas pelos próprios, designadamente pelos arguidos E… que referiu que se trata de uma empresa familiar, F… que declarou “somos uma equipa”, “decidimos todos”.
Valorou ainda o Tribunal o teor do auto de apreensão bem como as fotografias de fls. 142 a 149, de onde se retira que os tecidos apreendidos ostentavam padrões xadrez, os documentos de fls. 19 a 22 (registo da marca 377580) e fotografias de fls. 23, 29, 30 e 31, bem como os documentos de fls.307 a 407 os quais atestam as vendas efectuadas pela sociedade arguida.
Teve ainda em consideração o exame pericial e das fotografias que o acompanham de fls. 414 a 421, bem como a certidão de fls. 62 a 64.
No que respeita à não comercialização de tecidos por parte da assistente tal facto resultou provado pelo teor das declarações prestadas pelas testemunhas L…, M…, directora comercial do grupo representante da marca G… há cerca de 21 anos.
Para a prova das condições socio-económicas dos arguidos o tribunal formou a sua convicção nas declarações prestadas por estes em audiência de julgamento, que se mostraram credíveis.
Os antecedentes criminais dos arguidos resultam do teor dos CRCs constante dos autos.
Por fim, os factos não provados foram assim considerados atenta a total ausência ou insuficiência de prova produzida sobre os mesmos, uma vez que as restantes testemunhas inquiridas em nada vieram contribuir para o apuramento dos mesmos
Em sede de Direito escreveu-se na sentença além do mais: (transcrição)
A contrafacção e imitação são conceitos distintos, sendo a contrafacção o comportamento ou conjunto de actos pelos quais se reproduz totalmente uma marca, criando uma realidade idêntica e a imitação o conjunto de factos ou de comportamento de alguém que cria ou fabrica algo, de tal forma semelhante com a marca registada que induz facilmente o consumidor em erro ou confusão.
A susceptibilidade de erro ou confusão das marcas deve ser aferida, pelo padrão do consumidor de atenção média, excluindo-se tanto os peritos na especialidade como o consumidor particularmente distraído ou descuidado. Devem, por isso, ser considerados confundíveis todos os sinais que dêem azo a que um consumidor médio só com especial vigilância possa distinguir a proveniência empresarial dos produtos ou serviços que lhe são propostos.
Ora, do confronto do padrão xadrez em causa resulta que embora parecido, não é igual nem constitui reprodução do que se encontra protegido pelo registo da marca figurativa da assistente. O Prof. Pinto Coelho, citado por Carlos Olavo, in “Propriedade Industrial”, I, Almedina, 2055, pag. 94, fazia decorrer um conceito geral de usurpação de marca que integrava os conceitos de “contrafacção” para o caso de identidade de sinais e de imitação para o caso de semelhança de sinais. Recordando que a contrafacção é um conceito que deve ser entendido como “reprodução perfeita”, como afirmava o Prof. Alberto dos Reis nas suas anotações ao CPI então vigente.
No caso dos autos, procedendo à comparação entre a marca figurativa registada e o tecido denominado “N…” – Xadrez através das fotografias (fls. 23, 29, 30 e 31), notam-se evidentes semelhanças entre ambas quanto ao desenho e cores utilizadas, porém, e ao contrário do que é referido na acusação, tal não se trata de reprodução
(sublinhado nosso) de tal marca registada, pois apesar dos elementos figurativos comuns existem diferenças quanto à largura das linhas vermelhas bem como a cor entre as linhas pretas. Temos assim que não se mostram preenchidos os elementos objectivos do crime de contrafacção.
No que concerne à imitação, pese embora venha imputada aos arguidos, não existem na acusação elementos de facto que se possam subsumir a tal ilícito.
Por fim, no que concerne à imputada prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto no artigo 324º, do CPI:
“É punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321º a 323º, com conhecimento dessa situação”.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Outubro de 2009 e com o qual concordamos inteiramente “Apesar da referência do preceito a todo o artigo 323º, naturalmente que teremos de entender como produtos contrafeitos como sendo os que são fruto ou originados por processos de contrafacção. Afastada a ocorrência de contrafacção, desde logo fica afastada a incriminação dos arguidos pelo referido 324º do CPI, por falta de um elemento objectivo do tipo de crime”.

(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
Erro notório na apreciação da prova;
●Impugnação da matéria de facto;
●Se a decisão recorrida fez uma “incorrecta interpretação dos factos e respectiva subsunção ao direito”, “bem como a contradição insanável que resulta dos seus termos”;
●Se os demandados devem ser condenados pelos crimes p.p. pelos arts 323, alíneas a) e b) do CPI, bem como condenados no pagamento de uma indemnização fixada segundo os critérios previstos no artº 358º L, nº5 do CPI;
A estas questões acresce a questão suscitada pelo Srº Procurador Geral Adjunto, de saber se a decisão recorrida enferma do vício da insuficiência da matéria de facto provada previsto no artº 410º nº2 al.a) do CPP.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro notório na apreciação da prova. O vício do erro notório na apreciação da prova como de resto todos os vícios previstos no nº2 do artº 410º do CPP, para poder ser considerado, a respectiva existência tem que forçosamente resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração de que existem, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.[1]
Para que tal vício ocorra exige-se a evidência de um engano que não passe despercebido ao comum dos leitores da decisão recorrida e que se traduza em uma conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. Ou seja, que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum -cfr. Ac. do STJ de 22/10/99 in BMJ 490, 200.
Ora, o que a recorrente faz, com o devido respeito, é alegar o erro de julgamento, com recurso às provas que indica, o que nos remete para a impugnação da matéria de facto, a apreciar de seguida, fazendo pois a invocação daquele vício fora das condições legais.
A recorrente alega ainda que “é claramente descortinável a incorrecta interpretação dos factos e respectiva subsunção ao Direito, operada na decisão recorrida; bem como a contradição insanável que resulta dos seus termos, tendo em mente a conjugação lógica e prudente de toda a factualidade vinda de referir.” Afigurando-se embora que o recorrente se quer referir a existência de contradição lógica na subsunção direito, o que nos remete para a apreciação de direito, apenas para precaver a eventualidade de pretender alegar o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevenido no artº 410º nº2 al.b) do CPP, relembramos que os vícios do artº 410º nº2 do CPP têm de resultar do texto da decisão recorrida, sendo que a recorrente em momento algum concretiza na decisão recorrida a verificação do mesmo, antes se limitando a divergir da convicção formada pelo tribunal.
A recorrente impugna a matéria de facto dada como provada sob o ponto 2 dos factos provados e a matéria de facto dada como não provada sob a alínea B) dos factos não provados, alegando que devem ser eliminados tal ponto e alínea, e que em sua substituição, “deverá ser dado como provado que “ os objectos apreendidos (peças de tecido), acima referidos ostentavam figuras de xadrez que constituem, praticamente uma reprodução da marca figurativa do XADREZ G…, registada a favor da assistente”, devendo ser dada como provada “toda a matéria de facto constante dos pontos A), B e C) dos factos dados como não provados.
E como provas que impõem uma diferente convicção indica o relatório pericial junto aos autos a fls.414ss, evidenciando-se a referência a fls.754ss. como um mero lapso, os esclarecimentos do perito L…, as declarações dos arguidos F…, C…, E… e das testemunhas K…, M….
Sob o ponto 2 da matéria de facto provada deu-se como provado que “ Os objectos apreendidos, acima referidos, ostentavam figuras de xadrez”-
Sendo sob a alínea A) dos factos não provados, consta como não provado que “Os objectos apreendidos, acima referidos, constituem uma reprodução das marcas figurativas referidas no ponto 3.dos factos provados.”
Previamente à apreciação da impugnação efectuada pela recorrente há que considerar que nos termos da acusação deduzida a fls. 559 e ss e pronúncia de fls. 909 e ss os arguidos foram pronunciados pela prática de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca p.p. pelo artº 323º, al.a) e b) do CPI aprovado pelo Decreto Lei nº 36/2003 de 5/3 e um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artº 324º, do mesmo diploma legal.
Na alínea a) do artº 323º do Decreto Lei nº36/2003 prevê-se a conduta de «Contrafazer, total ou parcialmente, ou reproduzir por qualquer meio uma marca registada», sendo que na alínea b) do mesmo preceito, prevê-se a conduta de «Imitar, no todo ou nalguma das suas partes características, uma marca registada
O conceito de marca embora não esteja definido de um modo absoluto no CPI, é no entanto delimitado no artº 222º nº1 como podendo ser constituída «por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou a respectiva embalagem desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou sérvios de uma empresa dos de outras empresas» e nos termos do nº2 do mesmo preceito, «A marca pode igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor
O conceito de contrafacção não se encontra definido na lei, encontrando-se a noção de imitação consagrada no artº 245º do CPI, aí se dispondo no nº1 que “ a marca registada se considera imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) a marca registada tiver prioridade;
b) sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.”
Constituindo nos termos do nº3 do mesmo preceito, “imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada.”
Embora esta norma não distinga usurpação de imitação, como refere Jorge Bravo,[2] “para haver imitação, a imitação deve ter tal semelhança gráfica, fonética ou figurativa com outra já registada, que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de um exame atento ou confronto.”
Assim a distinção entre contrafacção, usurpação e imitação tem sido estabelecida através da doutrina, conforme Pedro Sousa e Silva, que recorre à doutrina de Pinto Coelho Lições de Direito Comercial Vol.I. 1957, pág.369 e 370 escreve “Na classificação proposta por Pinto Coelho, que se mantém actual(…), a usurpação consiste no uso indevido de uma marca por pessoa diversa do titular (…),enquanto a imitação se traduz na criação de uma marca nova, objectivamente diversa da pertencente ao titular, mas que dela constitui reprodução mais ou menos fiel; a figura da contrafacção, por seu turno, é empregue com o duplo sentido de uso de marca alheia integralmente reproduzida (no que se confunde como o conceito de usurpação) e de confecção material da marca de outrem, independentemente do uso ou aposição dos produtos do usurpador.”
Também, José Mota Maia, dá as seguintes noções, “Assim este conceito de imitação não exige que os sinais constitutivos das duas marcas sejam, total ou parcialmente idênticos; basta que o seu conjunto gráfico, figurativo, ou fonético, seja semelhante.(…).
Se os sinais constitutivos da marca posterior constituírem uma cópia servil dos sinais da marca anteriormente registada, ou de parte deles, estar-se-á em presença da contrafacção, total ou parcial, da marca registada.”
Concluindo, “a contrafacção corresponde à cópia fiel, total ou parcial dos sinais constitutivos da marca registada (contrafacção total ou parcial dos sinais constitutivos da marca registada (contrafacção total ou parcial): a imitação corresponde à utilização, na constituição da marca, de sinais de tal maneira semelhantes aos da marca registada, que os consumidores são, facilmente induzidos em erro, ou confusão, nomeadamente pelo fenómeno da associação entre as duas marcas.”[3]
Também a jurisprudência, na qual se salienta o acórdão da Relação de Évora de 15/1/2008,[4] invocado pela recorrente, tem defendido que “Para a definição dos conceitos de “contrafacção” e “imitação”, tendo em vista s previsão dos artigos 323º e 324º do CPI, haverá que fazer apelo ao artº 8º do Regulamento sobre a Marca Comunitária (Rgnº40/94, de 20-12-1993) ao artigo 245º do CPI e às contribuições doutrinárias e jurisprudenciais existentes no direito industrial”, escrevendo-se no mesmo acerca da noção de imitação decorrente do artº 245º do CPI, que “Face a isto o Prof. Pinto Coelho fazia decorrer um conceito geral de usurpação de marca que integrava os conceitos de “contrafacçãopara o caso de identidade de sinais e de “imitaçãopara o caso de semelhança de sinais.
Recordando que “contrafacção” é um conceito que deve ser entendido como “reprodução perfeita”, como afirmava o Prof. Alberto dos Reis nas suas anotações ao CPI então vigente, aquela definição parece-nos aceitável ao menos para efeitos de integração dos conceitos penais.”
Assim e em síntese fazendo coincidir o conceito de identidade com a “contrafacção” e o semelhança com a “imitação”, embora, estejamos em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto, a abordagem prévia destas noções tornava-se imprescindível para avaliar da relevância da impugnação efectuada pela assistente.
Isto, porque constando da acusação – para a qual remete a pronúncia -que “Os objectos acima referidos, ostentavam figuras de xadrez que constituem uma reprodução das marcas figurativas nºs 377.580 e 3950.037 (comunitárias) do Xadrez G…, as quais são propriedade da ofendida G…, Limited e encontram-se protegidos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial –cfr. relatório de exame pericial de fls.414 a 421 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos” –podemos sem margem para duvidas afirmar que o crime que a acusação imputava aos arguidos era o crime de contrafacção previsto na alínea a) do artº 323º do CPI, apesar de na imputação jurídica se ter mencionado de forma indiscriminada ao crime de contrafacção e imitação, o que já contém em si uma contradição intrínseca face às noções que deixámos supra expostas.
Tendo a sentença recorrida dado como não provado que “Os objectos aprendidos, acima referidos, constituem uma reprodução das marcas figurativas referidas sob o ponto 3. dos factos provados”,(sublinhado nosso) pretende a recorrente que se devia ter dado como provado que “os objectos apreendidos (peças de tecido), acima referidos ostentavam figuras de xadrez que constituem, praticamente uma reprodução da marca figurativa do XADREZ G…, registada a favor da assistente.” (sublinhado e negrito nosso)
Ou seja a recorrente deixa ela mesmo cair a expressão reprodução, utilizada na acusação e dada como não provada no acórdão, para introduzir um conceito de quase reprodução, para afinal concluir pela condenação dos arguidos pela “prática dos crimes de que vinham pronunciados”.
Ora, a expressão reprodução, sem mais, remete-nos para aquele conceito de reprodução perfeita, ou de identidade que consubstancia a contrafacção. E face à impugnação da assistente resulta da mesma, que a recorrente aceita que não foi feita prova nos autos da “reprodução perfeita” da marca figurativa do XADREZ G…, registada a seu favor, e por isso introduz o advérbio “praticamente”.
Na verdade, resulta do próprio exame pericial para o qual remete a acusação que, embora no mesmo se conclua:
“ a) As figuras de Xadrez observadas nos produtos examinados referentes aos docs. nºs 1 a 4, constituem reprodução das marcas figurativas nsº 377.580 e 3.950.037 (Comunitárias) do XADREZ G…, discriminadas no ponto 2 deste relatório, ambas propriedade da aludida sociedade G…, LIMITED”, tal conclusão está em contradição com aquilo que consta do próprio relatório desse exame quando aí se escreveu no ponto 4 “(…) Relativamente ao fabrico dos produtos em causa, verifica-se que:
● a) Os produtos apreendidos (docs. nºs 1 a 4) são de qualidade inferior nomeadamente no toque, composição e aparência visual;
● b) Os produtos também apresentam diferenças nomeadamente no design em relação aos produtos originais G…”. (negrito e sublinhado nosso).
Aliás, das declarações do perito, subscritor do exame, feitas em audiência, por nós ouvidas integralmente nos termos do artº 412º nº 6 do CPP, resulta também a existência de diferenças, embora confrontado com as mesmas as classifique de mínimas.
Ora, afastado que fica face ao teor do exame e de tais esclarecimentos, a reprodução perfeita da marca regista pela assistente, não merece censura a decisão de facto do tribunal em ter dado como não provado que os objectos apreendidos constituam uma reprodução das marcas figurativas registadas pela assistente.
E como tal, não provada que fica a reprodução da marca figurativa registada pela assistente, necessariamente fica afastada a integração da conduta dos arguidos no conceito de contrafacção e como tal na alínea a) do artº 323º do CPI.
A pretensão da recorrente de ser dado como provado que “os objectos apreendidos (peças de tecido), acima referidos ostentavam figuras de xadrez que constituem, praticamente uma reprodução da marca figurativa do XADREZ G…, registada a favor da assistente..”, não pode proceder, porque a mesma não contém qualquer descrição factual, antes sendo uma afirmação abstracta e indefinida que encerra em si um juízo conclusivo que não pode ter lugar na matéria de facto e como tal nesta parte a impugnação terá de improceder.
Impugna ainda a assistente a matéria dada como não provada sob as alíneas B) e C) dos factos não provados.
Tal matéria reporta-se ao elemento subjectivo da conduta, vale dizer dolo e consciência da ilicitude. Não tendo ficado provados os elementos objectivos do ilícito pelo qual os arguidos vinham acusados necessariamente improcede a impugnação relativamente ao elemento subjectivo.
Quanto ao pretendido aditamento à matéria provada da factualidade de que “A marca figurativa do Xadrez G… goza de prestígio em Portugal”, trata-se, de matéria que reconhece-se sendo embora do conhecimento público, não constitui elemento do tipo de crime pelo qual os arguidos vinham acusados, e embora podendo ser um facto instrumental a considerar para o apuramento do elemento subjectivo, que face ao que ficou dito supra se revela prejudicado.
E improcedendo a impugnação, não pode a conduta dos arguidos ser integrada no crime de contrafacção previsto na alínea a) do artº 323º do CPI, pois como ficou dito tal crime exige uma “reprodução perfeita” que pode ser total ou parcial, mas que não se sobrepõe ao conceito de imitação, como e com todo o respeito, parece pretender a recorrente.
Ora estando os arguidos acusados e pronunciados pela prática de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca p.p. pelo artº 323º, al.a) e b) do CPI aprovado pelo Decreto Lei nº 36/2003 de 5/3, e não se verificando a integração da condutas dos arguidos no conceito de contrafacção prevista na alínea a) do artº 323º do CPI, restaria então averiguar se a conduta dos arguidos integra o conceito de imitação constante da alínea b) do mesmo preceito.
Porém improcedente que é a impugnação da assistente, face à factualidade dada como provada, inexiste matéria de facto que permita a integração da conduta dos arguidos no conceito de imitação constante da alínea b) do artº 323º do CPI.
Na verdade, inexistem quaisquer factos provados que permitam suportar a conclusão sobre a semelhança de sinais entre os produtos apreendidos e a marca figurativa registada a favor da assistente. Sendo que como refere Jorge Bravo, “é pacífica a distinção entre matéria de facto e de direito no domínio da imitação e uso indevido de marcas: apurar as semelhanças e dissemelhanças entre as marcas em presença é matéria de facto, avaliar se, em face delas, existe ou não imitação é matéria de direito.”[5] (sublinhado nosso)-
Limitando-se a acusação a imputar aos arguidos “a reprodução das marcas figurativas” o que não se provou e a remeter para o relatório do exame pericial, no qual apenas se referem “as diferenças nomeadamente de design” entre os produtos apreendidos e os produtos originais G…, há que concluir que da acusação já não constam os elementos de facto integradores do conceito de imitação e como tal não podem os arguidos ser condenados pelo crime de imitação previsto na alínea b) do artº 323º do CP, por falta dos elementos constitutivos do tipo legal porque vinham acusados.
Na verdade, embora seja consensual o entendimento do Prof. Pinto Coelho, nas Lições de Direito Comercial Vol.I, 1957, pág.426, quando refere que “a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas eventuais diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados de forma isolada ou separadamente”[6], sempre será indispensável a verificação dos factos provados dos quais se possa concluir pela verificação dessa semelhança.
É certo que o Srº Procurador Geral Adjunto nesta Relação emite parecer no sentido de que, a apontada falta de factos configura o vício da insuficiência a acarretar o reenvio do processo para novo julgamento, para que os factos relativos ao ilícito da imitação sejam apurados com cumprimento do artº 358º do CPP.
Com o devido respeito e que é muito, não concordamos com tal posição. A acusação é absolutamente omissa quanto aos factos susceptíveis de integrar o crime de imitação de marca.
Como se refere no ac. do STJ de 3 de Julho de 2002, [7] “O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al.a) do nº2 do artº 410º do CPP, é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados, por força da referida relevância para a decisão.
Ora, no caso dos autos o tribunal não deixou de apurar qualquer facto que devesse apurar, uma vez que se pronunciou sobre todos os factos constantes da acusação.
É que uma coisa é a mera explicitação ou concretização dos factos alegados da acusação, possível de preencher se necessário com o cumprimento do disposto no artº 358º do CPP. Outra diferente é a ausência de factos na acusação, integradores do crime imputado, cujo preenchimento consubstanciaria uma violação das garantias de defesa do arguido e do princípio do acusatório consagrado no artº 32º da Constituição.
Sendo a acusação originariamente manifestamente infundada quanto ao crime de imitação de marca, deveria ter sido rejeitada nos termos do artº 311º, nº2 e 3, al.b) do CPP, não podendo o tribunal através do apuramento e comunicação dos factos constitutivos do ilícito sanar tal vício.
Chamamos como apoio, o que se escreveu no acórdão da Relação de Guimarães de 31/3/2014, o qual face à clareza do mesmo e por com ele concordarmos, passamos a transcrever, “ Não contendo a acusação factos suficientes para a condenação dos arguidos, não pode o tribunal, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal, alargar a investigação a outros factos que permitam a condenação.
É que a acusação fixa o objecto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do tribunal. Trata-se de uma decorrência do princípio do acusatório que, nos termos do artº 32º nº5 da Constituição estrutura o processo penal. Deverá conter a «narração» de todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido da pena artº 283º nº3 al.b) do CPP.
(…)
Por outro lado, a «narração» dos factos feita na acusação não deve deixar margem para duvidas sobre os factos ou incidências processuais a que se refere.”
E ainda como se escreveu no mesmo acórdão, a insuficiência da acusação na narração de factos, “ não pode ser colmatada ou substituída pela imputação genérica dos factos relativos aos elementos subjectivos do crime.
Assim, não se tendo provado os elementos constitutivos do crime de contrafação e não constando da acusação os elementos constitutivos do crime de imitação de marca previsto no artº 323º al.b) do CPI, outra solução não restava ao tribunal senão a absolvição dos arguidos por tal ilícito, sem que se verifique qualquer contradição insanável em tal conclusão jurídica.
E logicamente, não estando provado que os produtos apreendidos fossem contrafeitos ou imitados, não se verifica também um dos elementos típicos do artº 324º do CPI, pelo que bem andou o tribunal quando absolveu os arguidos de tal ilícito.
Inexiste pois contradição na solução jurídica dada pela decisão recorrida.
Já em sede do pedido cível, parece pretender a recorrente impugnar a factualidade dada como não provada sob as alíneas D), E) e F) da matéria de facto não provada.
Porém, não tendo ficado provado os factos constantes da acusação que imputavam aos arguidos, a “reprodução das marcas figurativas” detidas e registadas pela assistente, nem qualquer outro facto concreto no qual possa assentar um juízo de semelhança, não se pode extrair de factos objectivos, que os arguidos tenham querido gerar confusão no espírito dos consumidores, e que com a sua conduta afectaram o prestígio da marca G…”.
Sobre a matéria constante da alínea F) dos factos não provados, a assistente, não indica qualquer prova, em que funde a impugnação.
Face à absolvição dos crimes porque os arguidos vinham acusados e uma vez que não se verificam os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, nos termos do artº 483º do C.Civil e tendo presente a doutrina imanente ao Assento nº7/99 de 17/6/1999, haverá também que absolver os arguidos/demandados do pedido cível deduzido.
Efectivamente face à ausência de factos provados, não é possível concluir que os arguidos tenham violado com dolo ou mera culpa o direito de propriedade industrial da assistente pelo que inexistem os pressupostos da indemnização por perdas e danos prevista no artº 338º L do CPI, DL. 36/2003
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pela assistente e demandante B…, SA e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC art 515º nº1 alínea b) do CPP.

Porto, 19-11-2014
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
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[1] Cfr. Ac.STJ de 24 de Março de 2004, proc.03P4043 (relator Henriques Gaspar)
[2] Jorge Bravo, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Anotação ao Decreto –Lei nº 36/2003, de 5 de Março, volume 2, pág.324.
[3] José Mota Maia, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, vol.II, Código da Propriedade Industrial Anotado, págs. 435, 436, Almedina 2005.
[4] Ac. Rel.Évora, de 15/1/2008, proc.2012/07-1, (relator João gomes de Sousa)-
[5] Ob.cit. pág. 327.
[6] Citado por Jorge Bravo ob.cit pág. 324.
[7] Ac. de 3 de Julho de 2002, proferido no proc. 1748/02-5ª Rel. Armando Leandro.