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SIMULAÇÃO
CONTRATO DISSIMULADO
Sumário
I-Tendo em conta que, com o reconhecimento da validade da doação dissimulada, se transmitiu para o R. a propriedade do imóvel - art. 954.°, a), do Cód. Civil -, é ao valor do imóvel, e não só da raiz ou nua propriedade da fracção, que se deve atender para efeito de cálculo nos termos do art. 2162.°, do Cód. Civil, da respectiva quota legítima, sujeita, a se disso for o caso, a redução por inoficiosidade, no processo próprio, que é o de inventário. II-Não é o facto da doadora ter reservado para si o usufruto dessa fracção doada que altera essa transmissão, atento o facto do gozo desse direito de usufruto incidir sobre bem alheio e no facto de não se tratar de um direito passível de ser transmitido por morte aos sucessores do titular do usufruto. Assim, é ao valor do bem imóvel que se deve atender para efeitos do disposto no art. 2162.º, do Cód. Civil. III- Na sucessão legitimária, para efeitos de protecção dos herdeiros legitimários – cálculo da legítima, redução por inoficiosidade e colação –, haverá que encontrar o valor da herança para efeitos da calculo da legítima, de harmonia com os critérios constantes do citado artigo 2162.º CC – atendendo-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, deduzido do valor das dívidas da herança, adicionado das despesas sujeitas a colação e do valor dos bens doados – Pereira Coelho, Direito das Sucessões, II, 1974, pág. 178. O produto final assim encontrado constituirá, então, o valor global da herança para efeitos do cálculo da legítima. IV-Para esse efeito, são aplicáveis as regras próprias da relação de bens da herança, ou seja, ao seu valor à data da morte do de cuiús, à semelhança do que se verifica na colação, expressamente consignado no artigo 2109º, nºs 1 e 2, do CC.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
1.Relatório
M, por si e em representação da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de E, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra F e esposa D, pedindo que:
1 - Se declarasse que, M é a única herdeira legitimária de E;
2- Se declarasse que, as instituições identificadas no art. 3°, da petição inicial, são as únicas herdeiras testamentárias de E;
3- Se declarasse nula, por simulada, a escritura de compra e venda referida no artigo 8° da petição inicial;
4- Se condenasse os réus a reconhecerem os pedidos de declaração que formula;
5- Se ordenasse o cancelamento de todo e qualquer registo feito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, com base na escritura de compra e venda referida no artigo 8° da petição inicial;
6- Se condenasse os RR. a entregarem à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de E, na pessoa da cabeça-de-casal M, a fracção identificada no artigo 8°, da petição inicial, livre e devoluta.
Alegaram, em síntese, que E, por testamento, instituiu várias instituições (que identificou no art. 3°, da p.i.) como herdeiras da sua quota disponível e que, por escritura pública outorgada em 17 de Janeiro de 2013, declarou que, reservando para si o usufruto, vendia ao R., pelo preço de € 39.655,00, a raiz ou nua propriedade de uma fracção autónoma, pese embora não fosse essa a real vontade das partes, mas sim a de realizar uma doação, com o objectivo de enganar e lesar os herdeiros legitimários e testamentários de E, impedindo que a fracção fosse partilhada pelos mesmos.
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Contestaram os RR., impugnando parte da factualidade invocada pelas A.A., e, para o caso de se vir a provar que ocorreu uma doação em vez de uma compra e venda e o tribunal vir a declarar nula a compra e venda, deduziram reconvenção, pedindo que:
1 - Se declarasse válida a doação que as partes nesse contrato efectivamente ajustaram e pretenderam, e que, por esse modo, visaram ocultar, sujeita, a ser caso disso, a redução por inoficiosidade, no processo para tanto próprio;
2 - Se julgasse a acção, no que ao pedido de restituição do imóvel à herança respeita, só parcialmente procedente e provada, ordenando-se aquela restituição não em espécie como pedido, mas tão somente no valor da raiz ou nua propriedade, computado em 17.01.2013, para o efeito de cálculo, nos termos do artigo 2162.°, do C.C., da respectiva quota legítima, em ordem, a disso ser caso, a eventual redução por inoficiosidade, no processo para tanto próprio.
3 - Não ocorrendo a restituição em espécie, mas tão somente em valor, improcedesse o pedido de cancelamento do registo do imóvel a favor dos Réus.
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Foi admitida a intervenção principal provocada requerida pelas AA. e algumas das intervenientes vieram fazer seus os articulados destas.
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As AA., por sua vez, replicaram, e pediram a condenação dos RR. como litigantes de má fé, a pagar-lhes uma indemnização.
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Realizada audiência prévia e posteriormente audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, e, em consequência, declarou que:
-M é herdeira legitimária de E;
-As instituições identificadas no art. 3.°, da p.i., são herdeiras testamentárias de E, condenando os RR. a reconhecerem tal declaração;
-É nula, por simulada, a compra e venda referida no art. 8°, da p.i., condenando os RR. a reconhecerem tal nulidade;
-É válida a doação que E e o R. efectivamente ajustaram e pretenderam, sujeita, se for caso disso, a redução por inoficiosidade, no processo para tanto próprio.
Foram, ainda, os RR. condenados a entregarem/restituírem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E, na pessoa da cabeça de casal M, o valor da raiz ou nua propriedade da fracção identificada no art. 8.°, da p.i., computado à data de 17-01-2013, para efeito de cálculo, nos termos do art. 2162.°, do C.C., da respectiva quota legítima, em ordem, a disso ser o caso, a eventual redução por inoficiosidade, no processo para tanto próprio, com absolvição dos AA. e RR. do demais peticionado.
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II. O Recurso
Não se conformando com a decisão proferida veio a A. apresentar recurso, formulando esta as seguintes conclusões:
A-Da motivação da matéria de facto resulta claro que a simulada compra e venda resultou de um acordo entre a falecida E e os RR. com o fim de enganar e prejudicar os herdeiros legitimários da E;
B- Da mesma motivação resulta provado que a reserva do usufruto para a E, atenta a doença da E, o aproximar da sua morte e o facto de não necessitar do prédio doado para residir, fazia parte do acordo simulatório, de modo a que o usufruto se extinguisse com a morte da E e passasse para os RR., prejudicando, ainda mais, os herdeiros legitimários da E, ao mesmo tempo que beneficiava os RR., que era o objectivo em vista;
C- A legítima abrange o usufruto legal que de forma livre e valida é transferido para terceiro, logo, muito mais, o usufruto dolosa e fraudulentamente transferido para terceiro com a intenção de prejudicar os herdeiros legitimários do transmissor;
D- Ao herdeiro legitimário é lícito reagir contra a deixa de usufruto que ofenda a legítima, quer a deixa seja formalmente válida ou fraudulenta;
E- A reserva do usufruto por parte da E traduziu-se numa simulada doação por morte do dito usufruto:
F- A douta sentença violou, entre outros, o disposto nos artigos 2156.º, 2161.º e 2164.º do código civil e 535.º, 536.º, 542.º e 543.º do código de processo civil.
Termos em que e nos mais de direito julgados aplicáveis, deve julgar-se procedente esta apelação e, em consequência, substituir-se a douta sentença recorrida por acórdão que condene os RR. a entregar à autora o valor da propriedade plena do prédio doado, computado à data do óbito da E e condene ainda os RR. como litigantes de má fé numa multa a favor da autora, fixando as custas em 1/10 para a autora e 9/10 para os réus, com o que farão V.ªs. Exªs. Inteira e merecida JUSTIÇA!
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O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo, a subir imediatamente e nos próprios autos.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III-O Direito
Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir:
- Se devem os RR. ser condenados a entregar à autora o valor da propriedade plena do prédio doado, computado à data do óbito da Elza e os mesmos condenados como litigantes de má fé numa multa a favor da autora.
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Assim, para tal há que ter em conta a respectiva fundamentação de facto tida em conta pelo tribunal a quo, concretamente, os seguintes: Factos Provados
1 - Em 17 de Abril de 2009, no Cartório Notarial da Dr", Cristina Santos, sito no Edifício Praça do Brasil, lote …, em Chaves, E outorgou testamento, onde instituiu como herdeiros da sua quota disponível as seguintes instituições: Liga Portuguesa Contra a Sida; Liga Portuguesa Contra o Cancro, Núcleo Regional do Norte; Centro de Apoio aos Sem Abrigo, Delegação do Porto; Patronato de São José; Associação Flôr do Tâmega para apoio a Deficientes; e a Santa Casa da Misericórdia de Chaves (Escola Agrícola de Artes e Ofícios).
2 - Por escritura pública outorgada na Conservatória do Registo Predial de Chaves, em 17 de Janeiro de 2013, E declarou que, reservando para si o usufruto, vendia ao réu marido, pelo preço de trinta e nove mil seiscentos e cinquenta e cinco euros, a raiz ou nua propriedade da fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao primeiro andar direito, tipo T3, e a garagem situada na cave do prédio urbano em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo matricial … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob a inscrição …, fracção C.
3 - Mais declarou E, que tinha recebido o preço, por cheque.
4 - Nem E quis vender ou vendeu, nem o réu F quis comprar ou comprou, a fracção em causa.
S - Os outorgantes pretenderam realizar, acordaram em realizar, e realizaram efectivamente, uma doação.
6 - O R. e E acordaram outorgar a dita compra e venda com o intuito de enganar/prejudicar os herdeiros legitimários de E, impedindo que a fracção em causa fosse partilhada pelos mesmos.
7 - No dia 22 de Outubro de 2013 faleceu EE, no estado de viúva e sem descendentes.
8 - M era mãe da falecida E.
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Entre outros, foi pedido, para o caso que agora nos interessa, que se condenasse os RR. a entregarem à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de E, na pessoa da cabeça-de-casal M, a fracção identificada no artigo 8°, da petição inicial, livre e devoluta.
Quanto a esse pedido, foram os RR. condenados a entregarem/restituírem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E, na pessoa da cabeça de casal M, o valor da raiz ou nua propriedade da fracção identificada no art. 8.°, da p.i., computado à data de 17-01-2013, para efeito de cálculo, nos termos do art. 2162.°, do C.C., da respectiva quota legítima, em ordem, a disso ser o caso, a eventual redução por inoficiosidade, no processo próprio.
Em sede de recurso pede-se que se condene os RR. a entregar à autora o valor da propriedade plena do prédio doado, computado à data do óbito da E.
Face ao exposto, vejamos.
Doação é, segundo dispõe o art.º 940.º do CC, o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.
Como ensina Platinol, Traité de Droit Civil, 11.ª ed., 3.º vol., n.º 2, 501, a doação é mais um fenómeno económico do que um acto jurídico, na medida em que não só é essencialmente gratuita, mas, além disso, importa uma vantagem patrimonial específica para o donatário, o seu enriquecimento (Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Ciivl, Trad. De Manuel de Alarcão, Coimbra, 1967, pág. 187).
Ao falar na doação de uma coisa, a lei não está a fazer mais do que mencionar, simplificadamente, a disposição gratuita de um determinado direito real - o de propriedade - sobre essa coisa, a par da possibilidade de doação de outros direitos pertencentes ao doador.
Como, em rigor, o conteúdo da doação não é a coisa doada, simples objecto do contrato, mas antes o conjunto dos poderes sobre ela que são em concreto transmitidos - ou, para quem preferir outra terminologia, a coisa será o objecto mediato e os efeitos jurídicos serão o objecto imediato -, logo se constata que a disposição assim feita não tem de referir-se, irrestrita e definitivamente, à totalidade da mesma ou dos poderes nesse direito contidos, antes podendo esse direito de propriedade ser objecto de restrição.
Assim, a reserva não afecta o conteúdo jurídico da doação, mas apenas o seu valor económico, restringido na medida correspondente ao montante que vier a ser exigido - cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., p. 284.
Por outro lado, as limitações não levam a que se entenda que não há, verdadeiramente, a doação da coisa; sendo elas, por natureza, tendencialmente temporárias, a transmissão final do direito de propriedade sobre a coisa doada tem a sua causa jurídica na doação visto que esta contém em si a virtualidade de fazer expandir até à propriedade plena o direito imediatamente adquirido pelo donatário, dada a previsível extinção a prazo dos direitos reservados - artigos 1476.º, n.º 1, alínea a), e 1485.º.
É que, de acordo com a noção do art.º 1439.º do C.C., o usufruto é tão só um direito de gozo que tem por objecto uma coisa ou direito alheio (ius in re aliena) e é, por natureza, temporário, dado que não pode exceder a vida do beneficiário (cfr. 1443.º, do Cód. Civil).
Caracteriza-se, pois, pela temporariedade e pessoalidade, sendo a morte do usufrutuário a causa natural da sua extinção, pelo que não há lugar à sua transmissão mortis causa (cfr. arts. 1443.º e 1476.º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Civil).
No usufruto verifica-se, assim, uma das excepções ao princípio da transmissibilidade dos direitos reais.
Como tal, apesar de na hipótese do art. 1441.º, do Cód. Civil, se verificar a subsistência do usufruto para além da morte do co-usufrutuário, não há sucessão no usufruto.
Nesta medida, tendo em conta que, com o reconhecimento da validade da doação dissimulada, se transmitiu para o R. a propriedade do imóvel - art. 954.°, a), do Cód. Civil -, é ao valor do imóvel, e não só da raiz ou nua propriedade da fracção, que se deve atender para efeito de cálculo nos termos do art. 2162.°, do Cód. Civil, da respectiva quota legítima, sujeita, a se disso for o caso, a redução por inoficiosidade, no processo próprio, que é o de inventário.
Não é o facto da doadora ter reservado para si o usufruto dessa fracção doada que altera essa transmissão, nem o facto do usufruto se extinguir posteriormente pelo falecimento da usufrutuária, ao abrigo do disposto nos arts.1443.º e 1476.º, n.º 1, al. a), do Cód. Civil.
Para tanto basta atentar-se no facto do gozo desse direito de usufruto incidir sobre bem alheio e no facto de não se tratar de um direito passível de ser transmitido por morte aos sucessores do titular do usufruto.
Assim, é ao valor do bem imóvel que se deve atender para efeitos do disposto no art. 2162.º, do Cód. Civil, como defende a recorrente.
Importa, como tal, então agora decidir a que data é que é de atender quanto à fixação do seu valor, se à data da doação, como o decidiu o tribunal ‘a quo’, se à data do óbito da E, como o pede a Recorrente.
Ora, em regra, o valor da herança a partilhar é calculado por referência aos bens existentes no património do de cuius à data da sua morte (relictum).
Importando as doações a transferência imediata dos bens do património do doador para o património do donatário, os bens que tenham sido doados em vida do falecido, em princípio, não pertencem à massa hereditária.
Assim, na sucessão legitimária, para os referidos efeitos de protecção dos herdeiros legitimários – cálculo da legítima, redução por inoficiosidade e colação –, haverá que encontrar o valor da herança para efeitos da calculo da legítima, de harmonia com os critérios constantes do citado artigo 2162.º CC – atendendo-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, deduzido do valor das dívidas da herança, adicionado das despesas sujeitas a colação e do valor dos bens doados – Pereira Coelho, Direito das Sucessões, II, 1974, pág. 178.
O produto final assim encontrado constituirá, então, o valor global da herança para efeitos do cálculo da legítima.
Como salienta Pereira Coelho, Obra citada, I, pág. 178 e II, págs. 178 e 285, este adicionar do valor dos bens doados, consiste numa mera restituição fictícia à massa da herança, uma mera operação de cálculo e que não importa um efectivo aumento da massa hereditária, dado que se visa apenas a averiguação de uma eventual inoficiosidade e é puramente ideal.
Assim sendo, para esse efeito, são aplicáveis as regras próprias da relação de bens da herança, ou seja, ao seu valor à data da morte do de cuiús, à semelhança do que se verifica na colação, expressamente consignado no artigo 2109º, nºs 1 e 2, do CC.
Já quanto à última questão, respeitante à condenação dos RR. como litigantes de má fé, entendemos que é de manter o decidido, tendo em conta que os RR., aquando da sua contestação, desde logo, se posicionaram no sentido dos factos configurarem uma doação em vez de uma compra e venda, nessa base tendo deduzido o respectivo pedido reconvencional.
Acontece que a condenação de uma parte como litigante de má fé tem de consubstanciar um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, em face do constatado uso que tenha feito dos mecanismos jurídicos postos ao seu dispor, com o vincado intuito de moralizar a actividade judiciária, sendo que, tanto pode revestir um carácter substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável).
Na verdade, encontrando a proibição da litigância de má fé o seu fundamento num princípio de natureza puramente processual, que é o princípio da cooperação consignado no artigo 8 º e seguintes do C.P.C., não estão em causa violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas ofensa a posições ou deveres processuais, com vista a prosseguir e acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, em ordem a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça - Cf. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, págs. 55 e 56.
Desta configuração e amplitude normativa do instituto da litigância má fé decorre com clareza que a tutela das posições substantivas ou materiais eventualmente atingidas pela parte responsável por má fé processual caberá, por conseguinte, a outros institutos próprios do direito substantivo como o abuso do direito e a responsabilidade civil - Cf. Pedro de Albuquerque, obra cit., pag. 59.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 542º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
No caso sub judice, atentos os autos, quer quanto à posição assumida pelos RR., quer quanto ao seu desenvolvimento processual visto do lado passivo, quer quanto aos factos apurados admitidos, como tal, pelos RR., com base nos quais alicerçaram o seu pedido de reconvenção, cremos que não resulta demonstrada a litigância de má fé dos RR. que a A./Recorrente lhes assaca.
Acresce o facto de, também, a Recorrente não traduzir esse seu pedido numa concreta actuação dolosa ou gravemente negligente dos RR. com vista a conseguirem um objectivo ilegal, a impedirem a descoberta da verdade, ou a entorpecerem a acção da justiça.
Por outro lado, há que ter em conta que a verificação de actuação de litigância de má-fé, por si só, não se pode fundar na circunstância dos RR. terem impugnado os factos alegados pela A. quanto ao negócio simulado, quando contrapõem a existência válida de um outro negócio que as partes pretenderam celebrar, em conformidade com o apurado.
Nestes termos, julgamos ser de manter o decidido na 1.ª Instância quanto ao pedido de condenação dos RR. como litigantes de má-fé, nessa parte improcedendo o recurso.
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V.Dispositivo
Pelo exposto, os juízes da 2.ª secção cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso interposto pela Recorrente parcialmente procedente, condenando, consequentemente, os RR. a entregarem/restituírem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E, na pessoa da cabeça de casal M, o valor da fracção identificada no art. 8.°, da p.i., computado à data do seu óbito, para efeito de cálculo, nos termos do art. 2162.°, do C.C., da respectiva quota legítima, em ordem a, sendo esse o caso, eventual redução por inoficiosidade, no processo próprio de inventário, mantendo-se, no mais, o decidido, concretamente quanto à absolvição dos RR. do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Custas do recurso pela recorrente, na proporção de metade.
v
TRG, 04.04.2017
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)
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Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
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Desembargador José Carlos Dias Cravo
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Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida