EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I - O trabalhador despedido por extinção do seu posto de trabalho, tem direito a receber uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade e presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe esta compensação – n.ºs 1 e 4 do artigo 366.º, do C.T.. No entanto, esta presunção pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida – n.º 5, do mesmo normativo.
II - Se o empregador não puser à disposição do trabalhador a compensação devida e demais créditos salariais até ao termo do prazo do aviso prévio, o despedimento é ilícito (alínea d) do artigo 384.º, do C.T.), no tanto, tal falta ou nulidade, é suscetível de convalidação se o pagamento feito posteriormente for aceite pelo trabalhador.
III - A opção legislativa consagrada no artigo 366.º, nºs 4 e 5 pode ser criticável mas não é inconstitucional uma vez que não impede o trabalhador de recorrer ao tribunal, não consubstancia um despedimento sem justa causa nem qualquer renúncia a direitos fundamentais.

Texto Integral

Apelação n.º 804/13.4TTBRG.P1
Tribunal do Trabalho de Braga (2º juízo)
_________________________________
Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Desembargadora Fernanda Soares
Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

B…, vendedor, residente em Braga,

intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra

C…, S.A., com sede em Odivelas.

Para tanto, apresentou o formulário de fls. 2, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

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Procedeu-se à realização de audiência de partes e a empregadora C…, S.A., notificada para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo alegando, em síntese, que:
Em abril de 2013 foi decidido proceder à extinção do posto de vendedor que recaiu sobre o trabalhador B… o único com tal categoria e procedendo à comunicação da mesma com os elementos necessários e cumprindo todas as formalidades necessárias e liquidando os respetivos créditos; o trabalhador não colocou à sua disposição a compensação que lhe foi liquidada, pelo que, se presume a aceitação do despedimento, devendo concluir-se pela licitude do despedimento.
Termina, dizendo que a ação deve improceder totalmente por não se provar qualquer ilicitude do despedimento, uma vez que todos os requisitos legais foram preenchidos e o A. aceitou o despedimento em termos procedimentais e em termos substantivos e não se verificarem outros factos que possam levar à ilicitude do despedimento.
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O trabalhador apresentou contestação e reconvenção alegando, em síntese, que:
Foi despedido com fundamento na extinção do seu posto de trabalho mas, terminado o aviso prévio e cessado o contrato de trabalho, a Ré não pagou ao A. qualquer dos seus créditos laborais, muito menos a compensação pela extinção do posto de trabalho; a Ré apenas entregou ao o A. o cheque em causa na terceira semana de julho; a circunstância de a Ré não ter posto à disposição do A. a compensação devida e os demais créditos salariais até ao termo do prazo do aviso prévio determina que o A. não tenha sido despedido por extinção do posto de trabalho, mas sem justa causa, o que o torna ilícito; só posteriormente é que veio a saber que o seu posto de vendedor não tinha sido extinto, tendo sido contratado um trabalhador para o balcão e um para o armazém e um novo funcionário com as funções de vendedor que exercia com um salário inferior ao seu, inexistindo, assim, fundamento para o seu despedimento o que determina a sua ilicitude; os argumentos utilizados na carta de intenção de despedimento e na de comunicação são falsos e não consubstanciam as razões de mercado, financeiras e estruturais visadas pela lei para admitir este tipo de despedimento; por força do despedimento ilícito, a Ré deve-lhe: as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento, bem como uma indemnização por antiguidade em substituição da reintegração que deve ser fixada no máximo; € 1.1160 a título de comissões e uma indemnização por danos morais no montante de € 25.000
Termina dizendo que deve ser declarada a ilicitude do seu despedimento e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar-lhe as quantias supra discriminadas acrescidas de juros de mora, à taxa legal desde a citação, sem prejuízo dos danos futuros a liquidar em execução de sentença.
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A empregadora veio apresentar a sua resposta à contestação reconvenção, concluindo que a mesma deve ser julgada procedente e improcedentes as exceções e reconvenção do A., por não provadas.
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Foi proferido o despacho saneador sentença de fls. 179 e segs. que julgou procedente a exceção perentória arguida pela Ré no seu articulado motivador do despedimento e, em consequência, improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento do A. e suas consequências, independentemente da análise do cumprimento das formalidades legais e da procedência dos motivos invocados para o despedimento e que absolveu a Ré de todos os pedidos reconvencionais.
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O trabalhador, notificado desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
“1. A decisão em crise considerou provados factos alegados pela recorrida que, porque impugnados pela recorrente, nunca poderia considerar como provados, muito menos por acordo, conforme é referido, particularmente a al. d) e e) do ponto 3. do despacho saneador, porquanto as datas de emissão dos documentos a que nelas se faz referência foram especificamente impugnadas pela recorrente nos itens 25 a 32 da sua contestação e, não se tratando de documentos autênticos, nem da autoria da recorrente, nem devendo ela ter obrigatoriamente deles conhecimento, tal implica que não se encontrem aceites por acordo, antes tendo a recorrida de fazer prova da sua veracidade, e por isso se tratando de matéria controvertida. Por isso, a matéria de facto deve ser alterada, deixando de se fazer menção naquelas alíneas à data de emissão dos ditos documentos.
Também se encontra erradamente julgada a matéria vertida na al. f) do ponto 3, quanto à data nela indicada, nunca podendo o MM. Sr. Juiz ter dado como provado, muito menos por acordo, que o cheque foi descontado em 26/07/2013, porquanto inicialmente o recorrente alegou no item 32 da sua contestação que procedeu ao seu levantamento no dia 17 de Julho, e no requerimento de 27.01.2014, já na posse de cópia do cheque depositado, que juntou, alega tê-lo levantado a 16 ou 18 de Julho, datas indicadas no verso do cheque depositado. Por isso, a decisão em recurso deveria ter dado como provado que o cheque foi depositado no dia 16 ou 18 de Julho, devendo a matéria de facto vertida na al. f) do ponto 3. ser alterada em conformidade.
2. O tribunal a quo, não estava em condições de se pronunciar sobre a excepção alegada pela recorrida no seu articulado motivador do despedimento, de presunção de aceitação do despedimento por parte do recorrente, em virtude de ele ter recebido cheque com o valor da compensação, que fez seu, antes devendo ter mandado prosseguir os autos para a fase de julgamento, porquanto o recorrente, na sua contestação e no requerimento de 27.01.2014, alega inúmeros factos que, se viessem a resultar provados, impediriam que fosse julgada procedente aquela excepção e, em consequência, fosse julgado improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento do recorrente e suas consequências, e a fosse a recorrida absolvida de todos os pedidos reconvencionais.
3. Com efeito, se em sede da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultasse provado, tal como o recorrente alega, que o seu posto de trabalho não foi extinto pela recorrida, e que isso nunca foi sua intenção, o tribunal não poderia deixar de decretar imediatamente a ilicitude do despedimento do recorrente, na medida em que inexistiu fundamento para o recorrido ter sido despedido por extinção do posto de trabalho, porque o fundamento deste tipo de despedimentos é precisamente a extinção do posto de trabalho, e ele não se extinguiu, sendo imprescindível que exista extinção do posto de trabalho pois, se ele não existir, e mesmo que o despedimento em causa não padeça de nenhum vício procedimental ou substantivo, ele não pode deixar de ser considerado ilícito.
4. Por outro lado, o recorrente alegou que o cheque para pagamento da compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho e demais créditos apenas lhe foi entregue depois de findo o prazo de aviso prévio – mais de um mês depois, e depois de cessada a relação laboral, o que, a provar-se, consubstanciaria o incumprimento do disposto nos artigos 368º nº 5 e 371º nº 4 ambos do Código do Trabalho, e conduziria à ilicitude do despedimento decorrente do disposto no artigo 384º al. d) e 366º, ex-vi do artigo 372º, todos do Código do Trabalho, uma vez que o despedimento por extinção do posto de trabalho só pode verificar-se desde que, até ao termo do prazo de aviso prévio, seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida, bem como os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, e se a recorrida não disponibilizou esses pagamentos até essa data, nunca poderia ter procedido ao despedimento do recorrente por extinção do posto de trabalho, razão por que tal despedimento é ilícito, sendo, neste caso, irrelevante se o recorrente recebeu, ou não, a compensação, em data posterior.
5. Para mais, o recebimento por parte da recorrente da compensação e a sua não colocação ao dispor da recorrida apenas poderia determinar a presunção de que aceitava o despedimento, ou melhor, a licitude do seu despedimento, caso ela tivesse sido colocada à sua disposição nos termos estabelecidos na lei para o cumprimento das formalidades para se poder operar um despedimento por extinção do posto de trabalho – colocação à sua disposição antes do termo do prazo de aviso prévio.
6. Sem prescindir, o recorrente alegou também diversos factos que, a serem provados, permitem demonstrar que o recebimento da compensação, no seu caso particular, não pode ser qualificado como aceitação presumida do despedimento, e consequente impossibilidade de impugnar a validade da sua cessação, sendo que a aludida presunção não pode operar quando o trabalhador só após o recebimento decide impugnar o despedimento, por só ulteriormente ter tomado conhecimento de razões que o fundamentem. Ora, conforme alega o recorrente, o conhecimento das razões que o fizeram discordar do seu despedimento e que estiveram na base da sua decisão de o impugnar, isto é, a não extinção do seu posto de trabalho, com consequente contratação de um outro trabalhador com as mesmas funções e categoria, bem como a contratação de um trabalhador para o balcão e um para o armazém, cerca de um mês, um mês e meio depois do recorrente ter sido despedido, postos de trabalho que aquele se dispôs a ocupar e a recorrida não aceitou-, são supervenientes à cessação do contrato de trabalho e ao pagamento/recebimento da compensação e, por não serem do seu conhecimento aquando da cessação do seu contrato de trabalho e do pagamento/recebimento da compensação, este recebimento não pode fazer presumir que ele aceita a licitude do seu despedimento.
Mais alegou o recorrente que, convencido que o seu posto de trabalho tinha sido mesmo extinto, após ter recebido a compensação e demais créditos, e antes de ter tomado conhecimento que o seu posto de trabalho não tinha sido extinto e que a sua entidade empregadora tinha contratado, cerca de um mês após o seu despedimento, um trabalhador para o balcão e um para o armazém, postos de trabalho que aquele se dispôs a ocupar e a recorrida não aceitou, e, assim, antes de ter decidido impugnar o seu despedimento, gastou aquele dinheiro, honrando compromissos pessoais, circunstâncias que, a serem verdadeiras, justificam a não restituição das quantias e impedem que possa operar a presunção de aceitação em benefício da recorrida, não se vislumbrando qualquer actuação de má fé por parte do recorrente.
Alegou ainda o recorrente que estava convencido que o seu posto de trabalho ia ser, e tinha sido, realmente extinto, e apenas por isso aceitou receber a compensação, factos que, a serem provados, impedem que opere a presunção de aceitação do despedimento, não sendo também possível descortinar qualquer má fé na actuação do recorrente em ter recebido a compensação.
7. Por último, e conforme também foi alegado pelo recorrente, e sempre seria passível de conhecimento oficioso, fazendo-se prova de que o conhecimento de determinadas circunstâncias que tornam o despedimento ilícito é posterior ao recebimento da compensação e demais créditos (não extinção do posto de trabalho e possibilidade de ter exercido outro posto de trabalho), e isso pudesse fazer presumir que, naquela altura, com base nas informações que tinha, o recorrente aceitava a licitude do despedimento, tal não pode valer para o caso sub judice, por configurar um abuso de direito, pois, provada a veracidade de tais circunstâncias, tal ofenderia clamorosamente os ditames da boa fé e os usos sociais a recorrida querer prevalecer-se dessa disposição legal.
Na verdade, mesmo que se entendesse que a recorrida gozaria da presunção de aceitação do despedimento decorrente da circunstância de o recorrente ter aceite as quantias recebidas, a provar-se que, tal como alegado, a recorrida não extinguiu o posto de trabalho do recorrente, e nunca teve intenção e o fazer, ainda para mais aliado ao facto de o recorrente apenas ter tomado conhecimento dessas circunstâncias posteriormente ao recebimento daquelas quantias, sempre teria de se considerar que a invocação dessa presunção constituiria exercício abusivo do direito, caindo na alçada do art. 334º do Cód. Civil, sendo evidente que a recorrida, invocando aquela presunção a seu favor, procede de má fé no exercício do seu direito, contrariamente ao estabelecido no art.º 126.º, n.º 1 do CT.
8. Caso este Tribunal Superior não revogue a decisão em crise, está a impedir-se que, embora não ocorra qualquer extinção do posto de trabalho, cujo conhecimento por parte do trabalhador seja superveniente ao recebimento da compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho (e porque o trabalhador não devolveu à entidade empregadora a compensação, pois nessa altura desconhecia que o seu posto de trabalho não ia ser efectivamente extinta, ou não o tinha sido), o trabalhador possa ver declarada a sua ilicitude e seja compensado dos efeitos daí decorrentes, quer a nível dos danos morais, quer no tocante ao pagamento de todas as retribuições que se vencerem desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que decrete a sua ilicitude e bem assim como a reintegração no seu posto de trabalho, permitindo, ao invés, que se proceda a despedimentos sem justa causa, e sem qualquer sanção para as entidades empregadoras, em clara violação do princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa, previsto no art.º 53.º da CRP.
9. O tribunal a quo ao decidir como decidiu fez uma interpretação errada do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, 350.º, n.º 2 e 334.º do CC; art.ºs 126.º, n.º 1, 368.º, n.º 5, 371.º, n.º 4, 384.º, al. d) e 366.º do CT; art.º 53.º da CRP, pelo que violou aquelas disposições substantivas, já que das mesmas fez uma errada interpretação e aplicação
Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão e substituída por outra que se abstenha de conhecer da excepção em causa e ordene o prosseguimento dos autos.”
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O empregadora contra alegou dizendo que:
“A. Fase ao exposto, conclui-se que assiste razão à Apelante quanto ao ponto 3, alínea f), pois resultou provada a movimentação do cheque em 16.7.2013.
B. Não assiste razão ao Apelante em nenhuma outra situação, pois, bem andou o tribunal a quo, quando indeferiu liminarmente a acção, por falta do preenchimento básico par o prosseguimento da mesma, ou seja, deu como provado que o Apelante aceitou e fez sua a indemnização, não devolveu a mesma, nem deu a conhecer à apelada de forma expressa e inequívoca que se opunha ao despedimento, ou quais eram as razões para considerar o despedimento ilícito.
C. Remeteu-se simplesmente para tribunal, descansando e esperando que bastava essa intenção de impugnação para que o despedimento fosse reavaliado.
D. Donde resulta que nenhuma norma foi violada e o despedimento não poderá ser considerado ilícito, por força do não afastamento da presunção, pelo que, só poderá ser negado provimento ao presente recurso, fazendo-se assim a tão costumada JUSTIÇA.”
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A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 221 e 222, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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A empregadora recorrente, notificada deste parecer veio responder nos termos constantes de fls. 225, concluindo pela manutenção da sentença recorrida com a alteração da resposta ao facto f).
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Fundamentação
a-) Factos Provados, por acordo, na decisão recorrida:
a) Por carta datada de 10/04/2013 foi o Autor informado da intenção da Ré em proceder ao seu despedimento por efeito da extinção do seu posto de trabalho, nos termos e com os fundamentos constantes do documento junto a fls. 38 a 39, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) Por carta datada de 10/05/2013, a Ré comunicou ao Autor a sua decisão de o despedir por extinção do seu posto de trabalho, nos termos constantes do documento de fls. 42 a 43 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), com efeitos a partir de 10/06/2013.
d) Em 11/06/2013, a Ré emitiu um cheque a favor do ora Autor, no valor de 6.282,93 € (cfr. fls. 46).
e) Na mesma data foi emitido o competente recibo, com aquele valor (cfr. fls. 89).
f) O referido cheque destinou-se ao pagamento da compensação devida pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, no valor de 4.130,00 €, e retribuições em dívida.
f) O Autor aceitou o referido cheque, apresentou-o a pagamento no dia 16/07/2013, cujo valor lhe foi pago em 18/07/2013 e que usou em seu proveito (redação alterada)[1].
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b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 6 do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pelo trabalhador recorrente, quais sejam:
1ª – Alteração da matéria de facto – alíneas d), e) e f).
2 ª – Se os autos deviam ter prosseguido para julgamento face aos factos alegados pelo trabalhador impeditivos da procedência da presunção de aceitação do despedimento. 3ª – Se a manutenção da decisão recorrida consubstancia um despedimento sem justa causa em violação do disposto no artigo 53.º da CRP.
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1ª questão
O trabalhador recorrente interpôs o presente recurso visando a reapreciação da prova.
Conforme o disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:
<<1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.
Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do N.C.P.C..
Lidas as alegações, constatamos que o trabalhador indica os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (alíneas d, e) e f) do elenco da matéria de facto provada); os concretos meios probatórios, ou seja, a falta de acordo e os documentos juntos aos autos e que impõem decisão diversa e, ainda, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, ou seja, que sejam retirados das mesmas as datas de emissão dos documentos que o tribunal deu como não provados.
Assim sendo, o trabalhador cumpriu na totalidade o ónus que sobre si impendia, pelo que, este tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto.
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Como já referimos o recorrente alega que o tribunal recorrido não podia considerar como provados por acordo o constante da alínea d) e e) da matéria de facto provada, uma vez que impugnou as datas de emissão constantes dos documentos nem o constante da alínea f) da mesma, quanto à data indicada, face às datas constantes do cheque que juntou aos autos.
O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
d) Em 11/06/2013, a Ré emitiu um cheque a favor do ora Autor, no valor de 6.282,93 € (cfr. fls. 46).
e) Na mesma data foi emitido o competente recibo, com aquele valor (cfr. fls. 89).
f) O Autor aceitou o referido cheque, cujo valor descontou em 26/07/2013 e que usou em seu proveito.
O Exm.º juiz do tribunal a quo considerou provados os factos supra enunciados, por acordo e fundamentou, ainda, a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
“Os factos supra referidos foram todos retirados dos documentos juntos com o articulado da Ré e a fls. 168, cuja veracidade não foi posta em causa pelo Autor”.
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Na verdade, o trabalhador, na sua contestação alegou impugnar os documentos onde consta a data de emissão de 11/06/2013 (cheque e recibo, por desconhecer se foram emitidos efetivamente nessa data e que a Ré apenas lhe entregou na terceira semana de julho, data em que assinou o respetivo recibo.
No entanto, notificado para informar se recebeu a compensação pelo despedimento, qual o montante, meio e data de pagamento veio dizer que a Ré lhe pagou a compensação que quantificou em € 4.130, através do cheque que juntou aos autos com a motivação sob o doc. 6 e de acordo com o indicado no recibo de vencimento que juntou sob o doc. 7, cheque e recibo que apenas lhe entregou na terceira semana de julho de 2013 e não na data de emissão que neles se encontra aposta, tendo o A. procedido ao seu levantamento no dia 16 ou 18 de julho, conforme datas apostas no verso do cheque que junta.
Significa isto que o trabalhador, ora recorrente, acabou por aceitar que o cheque em causa e o respetivo recibo juntos a fls. 46 e 89 foram emitidos na data que deles constam mas alegando que só posteriormente é que lhe foram entregues.
Assim sendo, a matéria constante das alíneas d) e e) encontra-se conforme os documentos juntos aos autos e foi admitida por acordo.
No que concerne ao constante da alínea f):
Conforme se retira do cheque junto aos autos a fls. 168, o cheque em causa e referido na alínea d), com data de emissão de 11/06/2013, foi apresentado a pagamento no dia 16/07/2013 e pago ao trabalhador em 18/07/2013, pelo que, esta alínea deve ser alterada em conformidade passando a ter a seguinte redação:
f) O Autor aceitou o referido cheque, apresentou-o a pagamento no dia 16/07/2013, cujo valor lhe foi pago em 18/07/2013 e que usou em seu proveito.
Procede, assim, em parte a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª questão
Se os autos deviam ter prosseguido para julgamento face aos factos alegados pelo trabalhador impeditivos da procedência da presunção de aceitação do despedimento
Alega o recorrente que os autos deviam ter prosseguido para julgamento porque alega factos que se vierem a ser julgados provados impediriam que fosse julgada procedente a exceção de presunção de aceitação do despedimento por parte do recorrente, tais como: o seu posto de trabalho não foi extinto pela recorrida; que a compensação e demais créditos apenas lhe foram pagos mais de um mês após o fim do prazo de aviso prévio e depois de cessada a relação laboral; só ulteriormente é que teve conhecimento das razões da não extinção do seu posto de trabalho com a contratação de outro trabalhador com as mesmas funções, de outro para o balcão e de um outro para o armazém; antes de ter decidido impugnar o seu despedimento gastou o dinheiro, honrando compromissos pessoais, o que justifica a não restituição das quantias e impedem que possa operar a presunção de aceitação em benefício da recorrida e, ainda, que a provarem-se estes factos que alegou a invocação da citada presunção constituiria um exercício abusivo do direito por parte da recorrida.
Apreciando:
O contrato de trabalho pode cessar, além de outras causas, por despedimento por extinção do posto de trabalho (alínea e), do artigo 340.º, do C.T.).
Na verdade, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 367.º, do C.T. <<considera-se despedimento por extinção do posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa>>.
Por outro lado, ao trabalhador despedido por extinção de posto de trabalho aplica-se o disposto no artigo 366.º - artigo 372.º do C.T..
Assim, o trabalhador despedido por extinção do seu posto de trabalho, tem direito a receber uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade e presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe esta compensação – n.ºs 1 e 4 do artigo 366.º, do C.T..
No entanto, esta presunção pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida – n.º 5, do mesmo normativo.
A este propósito consta da decisão recorrida o seguinte:
“Ora, de acordo com a matéria dada como provada, a Ré entregou ao Autor um cheque com o valor da compensação, que esta aceitou, uma vez que procedeu ao seu desconto, fazendo-o seu.
Cremos, por isso, que não está ilidida aquela presunção.
Com efeito, é preciso ter em conta “que a presunção de aceitação se forma com o acto de recebimento. Consumada a recepção, não bastará por certo ao trabalhador vir depois a intentar a acção de impugnação e invocar que desse modo ficou patente que não aceitava o despedimento. E muito menos será suficiente para afastar a presunção a mera declaração do trabalhador de que não aceita o despedimento, embora receba a compensação. Tudo indica, assim, que se quiser contestar o despedimento o trabalhador terá de demonstrar factos que atestem não apenas que discorda do despedimento, mas também que o recebimento da compensação não pode ser qualificado como uma aceitação presumida daquele (cfr. PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3º Edição, pág. 363).
Como afirma FURTADO MARTINS, essa tarefa não é fácil, tendo grande influência a forma de pagamento utilizada pelo empregador. Se o pagamento foi oferecido directamente ao trabalhador, em numerário ou cheque, segundo aquele autor, “este deve recusar de imediato a recepção das quantias oferecidas, sob pena de, aceitando-as, nascer a presunção da aceitação”.
Por isso, conclui que “o simples recebimento da compensação tem associada a presunção que, uma vez constituída, não será fácil de ilidir.” (cfr., Ob. Cit., pág. 363).
No caso dos autos, a partir do momento que o Autor aceitou receber o cheque com o valor da compensação, preencheu-se o facto integrativo da presunção de aceitação do despedimento, ou seja, o recebimento daqueles quantitativos.
A partir deste preenchimento, tinha o ónus de demonstrar que o recebimento não implicava a aceitação do despedimento, ou seja, tinha de afastar o efeito probatório daquele facto decorrente da presunção em causa. Se era sua intenção impugnar o despedimento, deveria ou ter devolvido o cheque, ou a quantia recebido a título de compensação. Nada foi alegado no sentido de comprovar de que tivesse sido impedido de o fazer, designadamente por necessidades financeiras. Ou então, deveria ter exigido – o que não alegou – que o valor da compensação fosse pago em cheque à parte ou por outro meio de pagamento. A inacção do Autor não cumpre, certamente, os ditames da boa fé, até porque não seria expectável que, após levantar o valor do cheque, viesse impugnar o seu despedimento.
Por estas razões, face à omissão, por parte do Autor, de qualquer comportamento contemporâneo ou imediatamente a seguir ao recebimento da compensação, que pudesse ser interpretado como discordante da aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, decorrente da presunção estabelecida com tal recebimento, teremos de concluir que não logrou demonstrar ter afastado, com o aludido recebimento, a presunção de aceitação do mencionado despedimento.”
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Vejamos, então, se assiste razão ao trabalhador recorrente.
Diga-se, desde já, que o próprio A., ora recorrente, aceita não ter posto à disposição da empregadora a compensação que dela recebeu por força da extinção do seu posto de trabalho.
Acresce que, dúvidas não existem de que querendo o trabalhador ilidir a presunção de aceitação do despedimento terá de pôr à disposição do empregador a compensação que deste recebeu até à data da interposição da respetiva ação judicial, recaindo sobre o trabalhador o ónus de provar a não aceitação.
Mas o normativo em análise tem sido alvo de várias críticas[2] e, na verdade, em parte parece ignorar a específica natureza da relação laboral, ou seja, que nem sempre será fácil ao trabalhador que quer impugnar o despedimento por extinção do seu posto de trabalho, colocar à disposição do empregador a compensação que recebeu, pelo menos, quando se depara com uma situação de desemprego. No entanto, o trabalhador tem de receber também os créditos laborais que lhe são devidos, e receberá, em princípio o subsídio de desemprego, o que minimiza o “ataque” a tal disposição.
Como refere Leal Amado[3], a propósito do artigo 366.º, do C.T., <<o que o n.º 5 parece querer dizer é que, para ilidir a presunção, o trabalhador terá de devolver a totalidade da compensação ao empregador e, além disso, arranjar maneira de persuadir o tribunal de que, ao recebê-la, não aceitou o respectivo despedimento. Prova esta, julga-se, bastante difícil de fazer. E qual o sentido útil a atribuir àquela presunção de aceitação do despedimento? Não vislumbro outro que não seja o de impedir o trabalhador de impugnar judicialmente o despedimento. Se o trabalhador receber a compensação, isso significa, segundo o CT, que ele aceita o despedimento. E, se ele aceita o despedimento, então não poderá, mais tarde, contestá-lo em tribunal – a proibição de venire contra factum proprium a tanto obstaria. Ou seja, parece poder depreender-se que, ao menos em via de princípio, se a colocação da <<compensação de antiguidade>> à disposição do trabalhador despedido constitui um requisito indispensável, uma condição necessária para a licitude do despedimento, o recebimento de tal compensação pelo trabalhador perfila-se como condição suficiente para a respectiva licitude, como que sanando quaisquer vícios, procedimentais ou substanciais, de que este enferme>>.
E, Liberal Fernandes, na obra citada, pág. 11 e 12, vai mais longe quando refere (nota 10) que <<julga-se que a referida presunção não produz o efeito que lhe tem sido reconhecido sempre que o despedimento enferme de vícios ostensivos, facilmente perceptíveis por qualquer interessado, como, por exemplo, os enunciados no art. 383.º, alíneas a) e b), do C.T. Aliás, esta consequência decorre da natureza imperativa do regime da cessação do contrato de trabalho, a qual obsta a que o interessado fique privado da possibilidade de impugnar as nulidades do despedimento colectivo (…)>>.
Acontece que, o trabalhador, ora recorrente, veio impugnar o seu despedimento alegando que a ora recorrida não pôs à sua disposição a compensação devida e demais créditos salariais até ao termo do prazo do aviso prévio.
Ora, sendo certo que, este comportamento determina a ilicitude do despedimento (alínea d) do artigo 384.º, do C.T.), tal falta ou nulidade, é suscetível de convalidação se o pagamento feito posteriormente for aceite pelo trabalhador[4].
Assim, mesmo que se viesse a provar que a compensação devida ao trabalhador recorrente só foi posta à sua disposição após o prazo legal supra referido, uma vez que o mesmo a aceitou, o vício que poderia determinar a ilicitude do seu despedimento encontra-se sanado.
Mas o recorrente alega, ainda, questões substanciais, ou seja, a não extinção do seu posto de trabalho; a existência de postos de trabalho alternativos e a inexistência de razões de mercado, financeiras ou estruturais relativas à empresa. No entanto, ao que parece, mesmo seguindo o entendimento de Liberal Fernandes, tais questões não consubstanciam vícios ostensivos facilmente percetíveis por qualquer interessado, como o seriam, por exemplo, a falta das comunicações previstas no artigo 369.º (alínea c), do artigo 384.º, do C.T.).
Desta forma, pese embora as críticas apontadas, afigura-se-nos que outra interpretação não pode ser dada ao citado n.º 5, do artigo 366.º, do C.T. a não ser a de que o trabalhador, querendo ilidir a presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, terá de entregar ou colocar à disposição do empregador a compensação pecuniária que recebeu. Só, assim, poderá impugnar o despedimento de que foi alvo.
Como refere Lobo Xavier[5] <<não se admite depois de 2009 que o trabalhador guarde a compensação e simultaneamente impugne o despedimento. Como dissemos, a solução só aparentemente é justa, já que mesmo que se verifique que o empregador teve razão no despedimento, ainda assim sempre terá de pagar a compensação devida, cuja retenção funciona como injusta pressão relativamente ao despedido>>.
No sentido apontado, o acórdão desta secção de 12/04/2010, relatado pelo saudoso Desembargador Ferreira da Costa e no qual se escreveu:
<<I – Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento por extinção do posto de trabalho quando recebe a compensação prevista no Art. 401.º do CT de 2003, como dispõe o n.º 4, ex vi do disposto no sue Art.º 404.º.
II – Tendo o empregador transferido para a conta bancária do trabalhador tal compensação e tendo este junto ao processo o respectivo recibo, sem ter adoptado qualquer atitude entre a data do recebimento e a da propositura da acção, tal recebimento faz presumir a aceitação da licitude do despedimento.
III – Tal aceitação constitui facto impeditivo da ilicitude do despedimento, integrando uma excepção peremptória pelo que, provada aquela, deve o empregador ser absolvido do pedido.>>
E, também no mesmo sentido, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça:
<<1 – Transferido pela entidade empregadora o valor da compensação a que se refere o artigo 401.º do Código de Trabalho de 2003 para a conta bancária de trabalhador abrangido por despedimento colectivo, presume-se a aceitação do despedimento, nos termos do n.º 4 desse dispositivo, se o trabalhador não praticar actos que revelem a intenção de não receber aquele quantitativo;
2 – Não tem a virtualidade de afastar a presunção decorrente daquele dispositivo a mera comunicação feita ao empregador, antes da transferência dos montantes da compensação em causa, da não aceitação do despedimento e da intenção de o impugnar, ainda que esta comunicação seja seguida da impugnação judicial efectiva do despedimento, pois deveria também ter providenciado pela devolução do quantitativo recebido>>[6].
Desta forma, em jeito de conclusão, não tendo o A., ora recorrente, posto à disposição da empregadora a compensação que recebeu por força do despedimento por extinção do posto de trabalho de que foi alvo e não tendo alegado quaisquer outros factos além dos supra mencionados, os autos contêm todos os elementos que permitem uma decisão sobre o mérito, não existindo qualquer fundamento legal para o seu prosseguimento com vista ao julgamento.
Dito de outra forma, tendo o ora recorrente aceitado o despedimento por força do recebimento da compensação, não pode vir agora impugná-lo nos termos constantes do respetivo articulado.
Como resulta do ficou dito, ao contrário do que afirma o recorrente, mesmo que os factos que alega viessem a ser julgados provados, os mesmos não possuem a virtualidade de impedir a procedência da exceção nos termos consignados na decisão recorrida, sendo que, o facto de ter gasto o montante da compensação só ao recorrente é imputável e não constitui qualquer justificação legal para a não entrega da mesma ao empregador.
Também não vislumbramos na invocação feita pela ora recorrida da presunção da aceitação do despedimento, qualquer atuação de má fé, uma vez que a mesma se encontra prevista no citado n.º 4 do artigo 366.º do C.T. e não resultaram provados nem foram alegados pelo A. factos capazes de consubstanciar a mesma.
Por fim, não existe qualquer fundamento legal para o prosseguimento dos autos para julgamento e eventual prova dos factos alegados pelo A., nomeadamente, a não extinção do seu posto de trabalho e a existência de outros compatíveis, apenas com vista à apreciação de uma possível atuação da recorrida com abuso de direito na invocação da citada presunção.
Assim sendo, facilmente se conclui que improcede esta conclusão do trabalhador recorrente.

3ª questão
Se a manutenção da decisão recorrida consubstancia um despedimento sem justa causa em violação do disposto no artigo 53.º da CRP.
Conforme o disposto no artigo 53.º da Lei Fundamental, <<é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos>>.
Alega o recorrente que a manutenção da sentença recorrida permite que se proceda a um despedimento sem justa causa em clara violação do disposto no citado normativo.
Vejamos:
Já deixámos consignado que o artigo 366.º, n.ºs 4 e 5 do C.T. tem sido alvo de críticas, e até classificada de duvidosa constitucionalidade[7].
No entanto, face ao ficou dito, entendemos que a mesma não consubstancia qualquer despedimento sem justa causa e, consequentemente, não viola o disposto no artigo 53.º da CRP.
Na verdade, pese embora se reconheça que o trabalhador se encontra economicamente dependente do empregador e, assim, numa posição de fragilidade perante um despedimento, já não podemos aceitar que o mesmo seja privado de tutela jurisdicional.
O trabalhador que pretende impugnar o despedimento de que foi alvo e, assim, ilidir a presunção de que aceita o mesmo tem de entregar ou por à disposição do empregador aquela compensação que recebeu. Esta opção legislativa pode ser criticável mas não é inconstitucional uma vez que não impede o trabalhador de recorrer ao tribunal nem consubstancia um despedimento sem justa causa.
Como refere Liberal Fernandes[8], <<(…) considerar que a presunção da aceitação do despedimento, consagrada no art. 366.º do CT, tem como efeito a renúncia a direitos fundamentais – designadamente, o direito à segurança no emprego e o direito de acesso à justiça –, é uma conclusão que, no plano constitucional, não se compatibiliza facilmente com o regime dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Ainda que os citados preceitos do CT possam permitir uma leitura conforme à disciplina constitucional, no caso em análise, a regulação do exercício (e os limites) dos referidos direitos encontra-se contemplada nas normas do processo judicial laboral em termos que se nos afiguram discordantes dos termos daquelas disposições, tal como têm sido entendidas>>.
Assim, na inexistência de qualquer renúncia aos citados direitos fundamentais, improcede mais esta conclusão do recorrente.
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Na quase total improcedência das conclusões formuladas pelo trabalhador recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida.
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IV – Sumário[9]
1. O trabalhador despedido por extinção do seu posto de trabalho, tem direito a receber uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade e presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe esta compensação – n.ºs 1 e 4 do artigo 366.º, do C.T.. No entanto, esta presunção pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida – n.º 5, do mesmo normativo.
2. Se o empregador não puser à disposição do trabalhador a compensação devida e demais créditos salariais até ao termo do prazo do aviso prévio, o despedimento é ilícito (alínea d) do artigo 384.º, do C.T.), no tanto, tal falta ou nulidade, é suscetível de convalidação se o pagamento feito posteriormente for aceite pelo trabalhador.
3. A opção legislativa consagrada no artigo 366.º, nºs 4 e 5 pode ser criticável mas não é inconstitucional uma vez que não impede o trabalhador de recorrer ao tribunal, não consubstancia um despedimento sem justa causa nem qualquer renúncia a direitos fundamentais.
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V – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência do recurso, acorda-se:
1-) em proceder à alteração da matéria de facto nos termos supra descritos;
2-) em manter a decisão recorrida.
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Custas a cargo do trabalhador recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Porto, 2015/01/19
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
Isabel São Pedro Soeiro
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[1] A redação anterior era do seguinte teor: O Autor aceitou o referido cheque, cujo valor descontou em 26/07/2013 e que usou em seu proveito.
[2] Cfr. Leal Amado in Q.L. n.º 21, pág. 110 e 111 e Liberal Fernandes, Q.L. n.º 41, pág. 10 e segs..
[3] Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 389 e 390.
[4] Neste sentido cfr. Liberal Fernandes, obra citada, pág. 9 (nota 6).
[5] Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2010, pág. 780.
[6] Acórdão do STJ de 03/04/2013, disponível em www.dgsi.pt e, no mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 27/03/2014, disponível no mesmo sítio.
[7] Cfr. Leal Amado, 2ª obra citada, pág. 390.
[8] Obra citada, págs. 10 e 11.
[9] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.