DOAÇÃO
CLÁUSULA MODAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário

I - A doação com encargos é um contrato em que, por força da sua declaração negocial de aceitação, o donatário assume a obrigação de adoptar o comportamento a que se refere a cláusula modal, podendo o beneficiário desse comportamento ser o doador, um terceiro, ou o próprio donatário.
II – O doador (ou os seus herdeiros) somente poderão pedir a resolução da doação, com o fundamento em incumprimento dos encargos, quando, por interpretação do contrato, esse direito lhes seja conferido.
III - Ao doador não basta provar que a cláusula modal foi causa impulsiva da doação, isto é, que a não teria feito se soubesse que o inadimplemento teria lugar. É necessário que o direito de resolução lhe seja conferido pelo contrato e, portanto, corresponda a uma vontade real susceptível de desentranhar a sua eficácia em sede interpretativa.
IV - São requisitos do enriquecimento sem causa: o enriquecimento; o empobrecimento; o nexo causal entre um e outro; e a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, sendo que a falta de causa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios, legitime o enriquecimento, e ainda a natureza subsidiária da obrigação.

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO
I. - J veio propor contra a F a presente acção declarativa de condenação peticionando que se declare existir uma situação de incumprimento culposo por parte da Ré da condição a que sujeitou a doação que lhe fez, e, consequentemente, condenar-se a mesma ao pagamento ao Autor da indemnização correspondente, no valor de € 50.744,00, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento ou, subsidiariamente, acrescida do valor da sua actualização pela aplicação dos índices de preços no consumidor, no continente, sem habitação, verificados desde o ano de 2015 até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente pede que se declare que existe uma situação de enriquecimento sem causa e a Ré seja condenada a pagar-lhe a importância acima referida dos juros ou actualização, nos termos acima mencionados.
Fundamenta alegando, em síntese, que doou à Ré as importâncias em dinheiro necessárias à construção de um edifício destinado a bar e aos arranjos exteriores da Capela de Santa Bárbara. Porém, já depois das obras estarem concluídas, tendo a Ré sido notificada pela Câmara Municipal para requerer o seu licenciamento, aquela nada fez, acabando por demolir a construção destinada ao bar e os passeios fronteiros.
Regularmente citada, contestou a Ré por impugnação motivada.
Proferido despacho saneador tabelar e fixados os temas de prova, os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgou a acção improcedente por não provada.
Inconformado, traz o Autor o presente recurso pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que “julgue provados os factos constantes dos itens 25º, 56º e 57º da petição inicial” e “julgue a acção totalmente procedente”.
Contra-alegou a Ré propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

**
II.- O Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões:
I. Salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes dos itens 25º, 56º e 57º da petição inicial, ou seja,
a) Quantia essa [quantia doada pelo Autor para a execução das obras do bar e arranjos exteriores do mesmo, referidos nos itens 23º e 24º do mesmo articulado] que o Autor quis, efectivamente, doar – como doou -, à Ré com vista à concretização do citado fim, ou seja, exclusivamente para suportar os custos da construção do edifício destinado a bar e respectivos arranjos exteriores, e que esta aceitou sem qualquer reserva.
b) A única condição que estabeleceu foi que as verbas por si disponibilizadas por inteiro, fossem destinadas exclusivamente à construção do edifício destinado a Bar e aos respectivos arranjos exteriores, cuja exploração gerasse receitas destinadas a suportar as despesas de conservação com a envolvente da Capela de Santa Bárbara.
c) Tal condição foi desde o início aceite pela Ré.
II. Os referidos factos deviam ter sido dados como provados.
III. Os factos em causa resultam provados, quer por acordo das partes, tendo sido expressamente aceites nos itens 29º, 6º, 32º, 33º, 34º e 35º da contestação, quer através da prova testemunhal produzida e indicada pormenorizadamente supra (depoimentos das testemunhas J e M).
IV. O simples facto de se tratar de três factos admitidos por acordo das partes, dispensa qualquer outro meio de prova sobre os mesmos e têm de ser dados como provados, sem mais.
V. Alegando, ainda assim, que se trata de uma doação pura e simples, aquilo que a recorrida suscita é uma questão que não tem a ver com a prova dos factos, mas antes com a qualificação da doação feita pelo Autor, ou seja, se a mesma é uma doação “pura e simples”, como ela sustenta, ou antes uma doação modal, como sustenta o recorrente.
VI. A incorrecta decisão sobre a matéria de facto reflectiu-se necessariamente sobre a decisão da matéria de direito, sendo que, com a prova da matéria de facto constante dos citados três itens da petição inicial, a acção deveria ter procedido totalmente.
VII. É um facto que se está perante um contrato de doação feito pelo ora recorrente à ora recorrida, nos termos do artigo 940º do CC, como não vem posto em dúvida na douta sentença recorrida nem sequer pelas partes, que o aceitaram também de forma expressa.
VIII. Tendo, porém, o ora recorrente estabelecido como condição que as verbas por si disponibilizadas por inteiro à recorrida, fossem destinadas exclusivamente à construção do edifício destinado a Bar e aos respectivos arranjos exteriores, cuja exploração gerasse receitas destinadas a suportar as despesas de conservação com a envolvente da Capela de Santa Bárbara, condição que foi desde o início aceite pela recorrida, é manifesto que se está perante uma doação modal, modalidade a que se refere o art. 963º do CC, o que significa que o recorrente impôs um ónus, uma limitação à doação efectuada.
IX. Ao demolir, sem mais, o edifício destinado a bar, por sua iniciativa e a suas exclusivas expensas, a Ré incumpriu o encargo inerente à doação, na medida em que destruiu o valor da doação, com a consequente criação de uma situação de impossibilidade de funcionamento do Bar com o objectivo declarado e proposto pelo Autor e pela Ré aceite (obtenção de receitas a aplicar na manutenção dos espaços envolventes da Capela).
X. Por isso se verifica um caso de incumprimento da obrigação assumida pela recorrida, sendo ao caso aplicáveis as regras gerais do cumprimento das obrigações, nomeadamente o disposto no artigo 801º/2 do CC.
XI. Quanto à resolução, não obstante o art. 966º do CC prever a sua possibilidade em caso de consagração expressa no contrato, o facto é que, nos termos do disposto no art. 947º/2 do mesmo diploma, neste caso, a doação em dinheiro não se encontrava sujeita a qualquer formalidade externa, pelo que não faz sentido exigir a verificação desse requisito na situação em apreço, sendo, por isso, sempre possível a resolução, com os efeitos repristinatórios e retroactivos que da mesma decorrem, de acordo com o regime previsto nos arts. 432º e ss. (particularmente, 433º e 434º) e, por remissão, art. 289º, todos do CC.
XII. Ainda que porventura assim não se entendesse - o que não se concede -, ao mesmo resultado se chegaria por aplicação do regime decorrente da violação dos deveres laterais, tendo em conta que o encargo constitui um dever jurídico, uma obrigação acessória incidente sobre o donatário, cujo incumprimento implica os mesmos efeitos que o incumprimento de uma obrigação principal.
XIII. Sempre tem o recorrente direito a exigir e a recorrida está obrigada a restituir, a totalidade da quantia global doada por aquele, que ascende, ainda sem qualquer actualização, a € 42.610,02.
XIV. Nos termos do artigo 801º/2 do CC, para além do direito de resolução, o recorrente tem ainda direito a ser indemnizado pelo interesse contratual negativo isto é, pelos prejuízos decorrentes da celebração do contrato.
XV. Pelo contrário, se se entendesse que o Autor não tem direito à resolução do contrato, a indemnização será a correspondente ao interesse contratual positivo, ou seja, a decorrente do incumprimento do contrato celebrado.
XVI. A conduta adoptada pela Ré é altamente censurável, pois que a mesma tratou de imediato de não cumprir com a obrigação que assumiu perante o Autor, tendo, sem mais, tratado de, inusitadamente e de forma despropositada, destruir algo com o valor correspondente, no momento actual, a mais de € 50.000,00 que saíram exclusivamente do património do Autor, tendo demonstrado uma absoluta negligência e leviandade no que toca à forma como conduziu o procedimento administrativo que correu termos na Câmara Municipal de Viana do Castelo, tendo aproveitado a circunstância da notificação da autarquia para proceder, ela própria, à demolição das obras executadas com dinheiro doado exclusivamente pelo mesmo, desconsiderando a sua pessoa, o seu esforço, o seu trabalho e o seu espírito de total liberalidade e de benemérito.
XVII. Tal comportamento não pode deixar de ser considerado completamente reprovável e, assim, culposo, na medida em que a Ré actuou sem qualquer diligência e partiu, sem mais, para a demolição do edificado, desinteressando-se por completo do dinheiro, do esforço, do empenho e do trabalho dos outros, nomeadamente do Autor, sendo que, como causa directa e necessária da conduta da R., o A. sofreu um dano patrimonial, ainda sem actualização, de € 42.610,02, (quarenta e dois mil seiscentos e dez euros e dois cêntimos).
XVIII. Assim, quer por força do incumprimento culposo do contrato de doação supra referenciado, quer por efeito da prática dos actos que acabam de descrever-se (omissão e acção ilícitas), a Ré constituiu-se em responsabilidade civil contratual e extra-contratual por facto ilícito, nos termos dos artigos 798º, 801º/2, 483º/1 e 486º, estando obrigado à sua reparação, de acordo com o disposto nos art. 566º e ss., todos do CC.
XIX. Mesmo que se admitisse que não existiu culpa da Ré. (o que não se concede) e que estaríamos perante uma situação de impossibilidade de uma das prestações, estaria a mesma obrigada a indemnizar o Autor ao abrigo do preceituado no art. 795º/1 do CC, que remete para o regime do enriquecimento sem causa previsto nos artigos 473º e ss. do CC.
XX. Que se verifica uma situação de enriquecimento por parte da Ré é evidente, tal como é patente que esse enriquecimento foi obtido à custa do Autor, sendo que também é um facto que inexiste causa justificativa daquele.
XXI. A causa justificativa das prestações realizadas pelo Autor, no caso, a doação das verbas destinadas ao fim referido supra, com o consequente financiamento a suas expensas das obras em causa, com a respectiva demolição posterior por parte da Ré e abandono do desiderato respectivo por força de tal demolição, como é evidente, desapareceu por completo, ou seja, deixou de existir.
XXII. No que concerne ao carácter subsidiário estabelecido no art. 474º do CC, parte-se do pressuposto que não existe outro meio de ser restituído/indemnizado, uma vez que o presente pedido é também feito com carácter subsidiário, para o caso de se considerar que não se verifica um contrato de doação cujo incumprimento dê origem à aplicação do regime do não cumprimento das obrigações previsto no art. 790º e ss. do CC.
XXIII. Também com este fundamento se verifica a obrigação de a recorrida restituir ao recorrente o valor correspondente às quantias por si doadas e destinadas às citadas obras, conforme resulta do estabelecido no artigo 479º/1 do CC.
XXIV. - Salvo o devido respeito, verificou-se erro de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto ao direito, constituindo esse o fundamento de recorribilidade que se invoca, tendo sito violadas, nomeadamente, as disposições dos arts. 289º, 358º/1, 433º, 434º, 473º, 474º, 479º/1, 483º/1, 486º, 566º, 795º/1, 790º, 798º, 801º/2, 963º, 966º, todos do CC, e 465º e 574º/2 do CPC.
**
III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas, pede o Apelante que:
- se reaprecie a decisão da matéria de facto;
- se reaprecie a decisão jurídica da causa.
**
B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- O Apelante insurge-se contra a decisão da matéria de facto, dizendo terem sido “incorrectamente julgados” os pontos de facto constantes dos itens 25º, 56º e 57º da petição inicial, alegando que eles foram confessados pela Ré nos itens 29º, 6º, 32º, 33º, 34º e 35º da contestação, e que resultam dos depoimentos das testemunhas J e M, indicando as passagens destes depoimentos pelo tempo respectivo e transcrevendo-as.
Muito embora se considere menos correcta a indicação dos pontos de facto visados exclusivamente com remição para a petição inicial e sem qualquer enquadramento na decisão de facto, têm-se por cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640.º do C.P.C..
Na reapreciação da decisão da matéria de facto impõe-se à Relação observar o disposto no art.º 662.º do C.P.C., para o que deve avaliar todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderando-as com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção.
**
V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
a) julgou provado que:
a) Em Julho de 2008, o Autor propôs à Ré proceder-se à requalificação do espaço envolvente da capela de Santa Bárbara, sita na freguesia de Santa Maria de Geraz do Lima, deste concelho, propriedade da Ré, requalificação essa que envolvia, nomeadamente, o alargamento da Avenida da Capela, construção de muros de suporte, alargamento e nivelamento do adro da Capela, execução de acesso ao adro pelo lado norte, virado a poente, em degraus de granito, arranque de todos os pinheiros e eucaliptos na zona a intervencionar, preparação do terreno em socalcos, para implantação de um parque de merendas, sementeira de relva, plantação de flores e árvores próprias para sombra e ornamentais, colocação de rega automática, plantação de várias oliveiras na Avenida da Capela e colocação de várias mesas de granito para serem utilizadas pelos visitantes;
b) Propôs também que o custo das obras fosse suportado com o produto de recolha de fundos que para o efeito fosse possível fazer entre os paroquianos de Santa Maria de Geraz do Lima e bem assim através do seu (do Autor) próprio esforço financeiro, doando o mesmo as verbas que fossem necessárias para o efeito e que não fosse possível recolher das iniciativas a levar a efeito com esse propósito;
c) Tal projecto esteve exposto para discussão pública durante vários meses;
d) Em reunião realizada em 31 de Janeiro de 2009, o Conselho Paroquial ou Conselho Económico para os assuntos paroquiais de Stª. Maria de Geraz do Lima decidiu, para o efeito, criar uma comissão de obras presidida pelo Autor, intitulada “Comissão de Trabalhos de Santa Bárbara”, à qual a Ré atribuiu plenos poderes para executar o projecto durante o prazo de cinco anos;
e) O projecto das obras foi aprovado pelo Senhor Bispo da Diocese e pelo Gabinete da Arte e Cultura da Diocese de Viana do Castelo e as obras respectivas foram levadas a efeito, a partir de 5 de Janeiro de 2009, com o conhecimento e sob expressa autorização concedida pelo Conselho Económico;
f) O Conselho Económico fazia parte integrante da Comissão de Trabalhos, inclusivamente, através do respectivo Presidente, o Senhor Padre MA, Pároco da Freguesia, que desempenhava funções como Secretário do Conselho Fiscal da Comissão e, como tal, tinha assento e estava sempre presente nas respectivas reuniões;
g) À data foi elaborado um documento que fixou os “objectivos da Comissão de Trabalhos”, o qual, na sua parte mais relevante, dispunha: (…) A presente Comissão de Trabalhos tem por objectivo levar a efeito as obras de construção: (…) a) Interior e exterior da capela de Sta. Bárbara sita no lugar de Sta. Bárbara, freguesia de Geraz do Lima (Santa Maria), Viana do Castelo; b) Paredão em granito do muro do suporte de terras; c) Parque de merendas; d) Avenida e recinto do Cruzeiro. (…) Neste sentido, a Comissão de Trabalhos propõe-se apresentar o projecto de obras, o qual, já foi apresentado ao Conselho para Assuntos Económicos da Paróquia de Stª. Maria de Geraz do Lima, que o submeteu à apreciação pública no passado mês de Junho do corrente ano, tendo sido aceite por unanimidade por esse Conselho Económico, e sem que tivesse existido qualquer reclamação pública. (…) O prazo previsto para a realização da obra é de 5 (cinco) anos, a contar da data da aceitação da presente Comissão pelo Presidente do Conselho para os Assuntos Económicos. (…) A obra será adjudicada à referida Comissão, que tomará a responsabilidade pela execução da mesma, a partir do dia 1 de Janeiro de 2009. (…) Durante o prazo para a execução da obra e, não obstante, anualmente poder-se realizar a Festa em Honra de Sta. Bárbara, a Comissão de Festas, entretanto, nomeada para o efeito, não pode realizar, dentro e fora da Capela, qualquer tipo de obras, sem autorização da presente Comissão de Trabalhos e do Conselho Económico. (…) As alterações ao projecto que se achem pertinentes e necessárias à boa execução da obra, são da responsabilidade total da Comissão de Trabalhos, ouvido parecer do conselho para os assuntos económicos de Stª. Maria de Geraz do Lima.”;
h) Já depois de iniciadas as obras, em nova reunião que ocorreu no salão paroquial da freguesia, e na qual estiveram presentes os representantes da Comissão de Trabalhos e da F, ora Ré, e os habitantes da paróquia, o Autor, na qualidade de Presidente da citada Comissão, apresentou uma nova proposta que contemplava a construção de um edifício destinado a funcionar como bar, nas imediações da Capela, com os correspondentes arranjos exteriores (passeios), com o objectivo de gerar receitas com a respectiva exploração exclusivamente destinadas a suportar os custos de conservação do recinto envolvente da capela de Sta. Bárbara, ficando o mesmo edifício, à semelhança de todas as restantes obras, a ser propriedade exclusiva da Ré e integradas no seu património imobiliário;
i) Durante a discussão da proposta surgiu a ideia de que para efeitos da exploração daquele estabelecimento fosse criada uma associação com esse objecto e escopo;
j) As duas propostas foram discutidas e todos os intervenientes deram o seu assentimento a ambas, incluindo a Ré, que, assim, foram aprovadas por todos;
k) O Autor propôs ainda que seria ele próprio a doar à Ré as verbas necessárias para a construção desse edifício, destinado a funcionar como bar, e respectivos arranjos exteriores, o que foi imediatamente aceite, sendo que foi entre todos decidido que o edifício fosse implantado aproveitando a acentuada diferença de cotas do terreno no local, de forma a que o mesmo ficasse “enterrado”, ou seja, integrado no próprio terreno, e apenas se visse do exterior a sua fachada principal, com os portões de entrada e uma janela;
l) O projecto de obras do referido edifício e envolventes foi elaborado pelo Eng. António Norberto Lopes Lima, sob indicações do Autor;
m) E assim foi, já que, a partir de Março de 2009, as obras de construção do edifício destinado a bar e arranjos exteriores arrancaram;
n) Assim, em execução daquilo que foi entre todos decidido, foi construído um edifício destinado a bar, nas imediações da Capela de Santa Bárbara, com as dimensões de 12,0 metros de comprimento por 9,0 metros de largura e 4,0 metros de altura, todo ele implantado em zona rochosa e por forma a que apenas se visse a sua fachada principal, ou seja, com a parte posterior e as partes laterais enterradas;
o) Para o efeito, houve que proceder ao respectivo desaterro, com desmonte do maciço rochoso existente e remoção do respectivo material rochoso para vazadouro;
p) O edifício foi construído em estrutura de betão e frente em alvenaria de pedra, e com espaço interior amplo;
q) Interiormente, o acabamento das paredes foi feito em pedra tipo rústico, com face à vista e juntas refundadas e rematadas em areado, à semelhança do muro exterior;
r) O pavimento foi feito com acabamento em mosaico cerâmico assente sobre enrocamento de pedra regularizado e compactado;
s) O edifício foi dotado na fachada principal de duas portas e uma janela metálicas, do tipo seccionado, de correr para a parte superior, acabadas com pintura em tinta de esmalte;
t) A parte superior da laje de tecto foi regularizada com betonilha e protegida de grade metálica em todo o redor, para protecção das pessoas;
u) No edifício foi instalada tubagem para rede de água fria e de água quente (pré-instalação) e foi igualmente instalada tubagem para rede de águas residuais (pré-instalação);
v) E em frente ao edifício foram feitos arranjos exteriores que consistiram no terrapleno e regularização do terreno, que foi dotado de calçada em cubo de granito, numa área de cerca de 51,00 m2, sobre camada de fundação “tout-venant”, rematado na bordadura com guias de granito (cerca de 20,00m), assentes sobre fundação em betão ciclópico;
w) Ainda em 2009 as obras deste edifício e respectivos arranjos exteriores encontravam-se concluídas e foram entregues à Ré;
x) Para a execução desta obra, o Autor foi o único doador das verbas necessárias para suportar o seu custo;
y) Liquidando, à medida que a obra avançava e consoante as necessidades, as facturas que lhe iam sendo apresentadas pelas várias especialidades e fornecedores;
z) Coordenando e acompanhando as obras, bem como dando ordens de execução;
aa) Tendo despendido para o efeito o valor de € 42.610,02 e tendo o valor das obras ascendido a € 40.500,00;
bb) Quantia (€ 42.610,02) que o Autor deu à Ré com vista a suportar os custos da construção do edifício destinado a bar e respectivos arranjos exteriores e que esta aceitou sem qualquer reserva;
cc) Em 20 de Setembro de 2013, a Ré foi notificada pela autarquia para apresentar projecto para eventual legalização da edificação executada sem licença, no prazo de 30 dias úteis, sob pena de ser ordenada a sua demolição e reposição;
dd) A Ré não apresentou qualquer projecto de legalização;
ee) A Câmara Municipal, depois de notificar a Ré para o exercício do direito de audiência prévia e sem que a mesma tivesse optado por usar de tal direito, requerendo a legalização, pedindo novo prazo, alterando a obra, ou propondo qualquer outra solução, por despacho de Abril de 2014, proferido pelo Senhor Vereador da Área Funcional do Planeamento e Gestão Urbanística, tivesse ordenado a demolição das obras não licenciadas, fixando à Ré um prazo de 30 dias úteis para proceder à demolição voluntária das mesmas, sendo o ofício através do qual procedeu à notificação de tal despacho datado de 02.04.2014;
ff) Em 28 de Abril de 2014, a Ré procedeu, a suas exclusivas expensas, à demolição do edifício destinado a bar e respectivos arranjos exteriores, que incluíram a demolição dos passeios construídos em cubo de granito, com guias igualmente de granito, numa extensão de 20,0 metros de comprimento por 2,55 m de largura e a inutilização de uma fossa contendo argolas de cimento, com as dimensões de 4,0 m por 2,50m, abandonada no local, sem qualquer préstimo ou utilidade.
b) julgou não provados, relativamente à petição inicial (para facilitar a leitura colocar-se-ão entre parênteses os segmentos não provados, que a sentença omite):
1.- artigo 24º, sem prejuízo do que consta na alínea aa) (a mais, consta apenas a actualização de acordo com os índices dos preços aos consumidores).
2.- artigo 38º (“Cabe dizer que o Sr. Pároco da Freguesia sempre disse que as obras, por serem da “Igreja”, estavam isentas de licenciamento na Câmara Municipal”);
3.- artigo 41º (“O Sr. Pároco MA deu, posteriormente, a explicação de que não o tinha feito porque, apesar dos seus esforços, não tinha conseguido encontrar um técnico para tratar do assunto junto da Câmara Municipal”);
4.- artigo 43º, sem prejuízo do que consta na alínea ff) (não provado o segmento que diz: “a Ré, sem mais, sem dar qualquer conhecimento à Comissão de Trabalhos ou ao Autor, sem anunciar por qualquer forma a sua intenção…”;
5.- que tivesse havido algum acordo quanto a quem deveria apresentar o projecto do edifício em causa na Câmara Municipal de Viana do Castelo para efeitos de licenciamento administrativo.
**
VI.- Passando à apreciação do recurso quanto à matéria de facto, dir-se-á desde já que:
- a facticidade invocada pelo Apelante no artigo 25º da p.i. está contemplada na alínea k), que apenas omite o advérbio “exclusivamente” e a expressão “sem qualquer reserva” (quanto à aceitação da doação);
- a facticidade invocada no artigo 56º está contemplada na alínea h), e também se extrai da alínea j), excepcionando-se o segmento inicial que diz: “a única condição que estabeleceu”;
- o artigo 57º, tem os seguintes dizeres: “Tal condição foi desde o início aceite pela Ré”.
O que o Apelante pretende com esta impugnação é, simplesmente, de fazer realçar que só decidiu pagar as obras em causa porque elas se destinavam à construção de um bar.
Na fundamentação da decisão quanto aos factos transcritos nas alíneas a) a x), referiu o Tribunal a quo que “resultaram do acordo das partes”.
E, com efeito, o que a Ré aceita nos artigos da contestação mencionados pelo Apelante é, precisamente, o que ficou consignado nas alíneas h) e k), confirmando que “todo o dinheiro doado pelo Autor para tal fim foi aplicado na construção do bar”, afirmando nos artigos 34º e 35º que não assumiu “qualquer outra obrigação, condição ou encargo que não fosse o de que tal montante em dinheiro do Autor fosse aplicado, como foi, na construção desse edifício!” e que se limitou “às suas funções de ser garante e fiscal de que tal dinheiro seria exclusivamente aplicado na construção do edifício do Bar aqui falado, e esse encargo …foi integralmente cumprido…”.
O Tribunal a quo explica de modo perfeitamente perceptível o iter decisório, e quanto ao que vem referido pelo Apelante, escreveu o Meritíssimo Juiz: “… chamar a atenção para a forma peremptória como as testemunhas afirmaram, em sede de audiência de julgamento, a inexistência de qualquer exigência ou condição exigida pelo Autor quando este se dispôs a oferecer os meios necessários à construção do edifício aqui em causa. Assim depuseram as testemunhas A, V e JJ.”.
Revisitados os depoimentos que foram produzidos em audiência impõe-se manifestar a total concordância com a apreciação do Tribunal a quo quanto a esta parte, dado que, questionadas directamente sobre se o Apelante, quando se ofereceu para custear as obras do bar e mesmo dos arranjos à volta da capela, impôs alguma condição em concreto à Ré, as testemunhas responderam não ter posto condição alguma.
O que resulta inequívoco foi o que ficou registado nas alíneas h); j) e k), e, quanto aos pagamentos efectuados pelo Apelante, nas alíneas y) e aa).
O Apelante não impugna a decisão no segmento em que julgou “não provado” que “tivesse havido algum acordo quanto a quem deveria apresentar o projecto do edifício em causa na Câmara Municipal de Viana do Castelo para efeitos de licenciamento administrativo”.
A testemunha, eng.º António Norberto Lopes Lima manifestou muitas reservas quanto à possibilidade de legalização daquela obra, atenta a classificação do terreno, e, perguntado afirmou que o Apelante «não pôs condição nenhuma. Não foi posta qualquer contrapartida».
A testemunha M disse que um membro da Ré lhe pediu para «mover influência» junto da Câmara (porque «tinha reuniões frequentes com o Presidente e com o Vereador do Urbanismo») e recusou-se dizendo: «não, quem faz asneiras que as pague».
Também a testemunha JJ referiu duas pessoas a quem o Pároco terá pedido ajuda para o licenciamento da obra, mas nada terão conseguido.
Termos em que se confirma e mantém a decisão da matéria de facto, nesta parte se recusando provimento ao recurso.
**
VII.- É pacífico que o Apelante fez uma doação à Ré e que o objecto doado foi o dinheiro que gastou no pagamento dos materiais aplicados em obra.
1.- Foi, pois, celebrado um negócio jurídico bilateral já que pressupõe duas vontades negociais: uma proposta de doação e a aceitação – cfr. art.os 940.º e 945º., do Código Civil (C.C.).
Não é, porém, um contrato bilateral, ou sinalagmático, posto que só acarreta obrigações para uma das partes (o doador), não havendo uma contraprestação da outra parte contratante (o donatário), sem embargo de o art.º 963.º. do C.C. prever que os doadores onerem as doações com encargos, apondo uma cláusula modal (ou modo), pela qual impõem ao donatário ónus ou encargos (que, porém, como se referiu, não têm a natureza de contraprestação).
Com Mota Pinto diremos que doação com encargos “é um contrato em que, por força da sua declaração negocial de aceitação, o donatário assume a obrigação de adoptar o comportamento a que se refere a cláusula modal” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª. edição actualizada, pág. 579 sgs., maxime, 582), podendo o beneficiário desse comportamento ser o doador, um terceiro, ou o próprio donatário.
O Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão nº. 7/97, de 25/02/1997, uniformizou jurisprudência no sentido de a cláusula modal a que se refere o artigo 963.º do Código Civil abranger todos os casos em que é imposto ao donatário o dever de efectuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do bem doado, quer o seja pelos restantes bens do seu património” (in D.R., I Série-A, nº. 83, de 9/04/1997, págs. 1598 - 1602).
Menezes Leitão refere que o modo consiste “numa restrição imposta ao beneficiário da liberalidade que o obriga à realização de determinada prestação no interesse do autor da liberalidade, de terceiro, ou do próprio beneficiário”, pelo que “tanto pode revestir a natureza de uma obrigação em sentido técnico, como a de um mero ónus jurídico” (in “Direito das Obrigações”, Almedina, 11ª ed., pág. 204).
Deste modo, a obrigação a que fica sujeito o donatário não tem de ter, necessariamente, conteúdo patrimonial, podendo até ser de carácter moral.
2.- E a primeira questão que cumpre dilucidar é se o Apelante fez à Ré uma doação “pura” ou uma doação “não pura”, ou seja, se teve apenas a intenção de «dar» ou antes a doação visou prosseguir um escopo diferente, em benefício da donatária/Ré.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, a doação modal pertence à categoria das doações não puras, podendo através dela o doador prosseguir várias combinações de objectivos: “ou o enriquecimento patrimonial do donatário, limitado embora por um objectivo lateral diferente, ou uma outra pretensão que se revela como principal, com um enriquecimento patrimonial secundário para o donatário” (in “Sobre a Doação Modal”, Revista “O Direito”, ano 122º - 1990, tomo III-IV, pág. 722).
Carlos Ferreira de Almeida, designando-as como “doações com escopo”, refere as destinadas à “aquisição de bens de certa natureza ou para o financiamento de estudos”, que têm em comum “a afectação, explícita ou implícita, a um fim” (in “Contratos”, III, Almedina, pág. 56).
A facticidade transcrita em h) e k) contém elementos fácticos que permitem concluir estarmos perante uma doação modal ou doação de escopo.
Com efeito, o Apelante “apresentou uma nova proposta” de “construção de um edifício destinado a funcionar como bar, nas imediações da Capela”, com o objectivo de “gerar receitas com a respectiva exploração, exclusivamente destinadas a suportar os custos de conservação do recinto envolvente” da referida Capela, ficando o edifício “à semelhança de todas as restantes obras, a ser propriedade exclusiva da Ré e integrado no seu património imobiliário”.
Aprovada, que foi, esta proposta, o Apelante “propôs ainda que seria ele próprio a doar à Ré as verbas necessárias para a construção desse edifício, destinado a funcionar como bar e respectivos arranjos exteriores”.
3.- Se a cláusula modal não for cumprida os doadores, ou os seus herdeiros, podem exigir o seu cumprimento ou podem pedir a resolução da doação, desde que tal direito lhes seja conferido pelo contrato, nos termos do disposto nos art.os 965.º e 966.º, do C.C..
No que toca à resolução, o artº. 966º., referido, não se afasta do princípio geral estabelecido no artº. 432.º, que sujeita a sua admissibilidade à previsibilidade na lei ou em convenção contratual, e corresponde, nos contratos bilaterais ao nº. 2 do artº. 801º., do C.C..
Aceita-se o entendimento, quer da doutrina, quer da jurisprudência, segundo o qual os doadores (ou os seus herdeiros) somente poderão pedir a resolução da doação, com o fundamento em incumprimento dos encargos, quando, por interpretação do contrato, esse direito lhes seja conferido.
Não lhes basta provar que “a cláusula modal foi causa impulsiva da doação, isto é, que o doador a não teria feito se soubesse que o inadimplemento teria lugar; é necessário que o direito de resolução lhe seja conferido pelo contrato e, portanto, corresponda a uma vontade real susceptível de desentranhar a sua eficácia em sede interpretativa”, como refere Mota Pinto (ob. cit., pág. 583).
No mesmo sentido se pronunciaram, dentre outros, os Acórdãos: do S.T.J. de 9/02/1999 (C.J., Acórdãos do S.T.J., ano VII, Tomo I, págs. 94-97); da Rel. de Lisboa, de 26/03/1998 (C.J., ano XXIII, Tomo II, págs. 113-114); de Coimbra, de 2/05/1990 (C.J., ano XV, Tomo III, págs. 41 e 42); desta Rel. de Guimarães de 12/07/2011 (Procº. 122/10.0TBEPS.G1 (Manuel Bargado), in “www.dgsi.pt”).
Na situação sub judicio temos que, de facto, as verbas disponibilizadas pelo Apelante foram empregues na construção do edifício do bar (foi ele quem pagou directamente as facturas de aquisição dos materiais) pelo que, à partida, o escopo estava cumprido.
Mas o certo é que, como refere o Tribunal a quo, não foi convencionado o direito à resolução do contrato. Nenhum facto indicia, sequer, que tenha sido equacionada tal hipótese.
4.- De qualquer modo só o incumprimento imputável ao donatário, seja a título de dolo ou de mera culpa, poderá justificar a resolução da doação fundada no não cumprimento do encargo, como se alcança do disposto no art.º 966.º do C.C. – cfr., dentre outros, Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed. actualiz., pág. 583.
A culpa, como refere Antunes Varela, “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Ed., págs. 566).
A culpa é apreciada em termos abstractos, de acordo com o art.º 487.º, n.º 2, ex vi do n.º 2 do art.º 799.º, ambos do C.C., com o que deverá ser valorada em face das circunstâncias do caso concreto pela diligência de um bom pai de família.
Ora, à luz deste critério, temos de concluir que nenhum dos factos provados permite extrair ter a Ré agido com culpa (com dolo ou com falta de diligência) no que concretamente se refere ao não licenciamento das obras, sendo certo que se não provou quem deveria apresentar o projecto do edifício na Câmara Municipal de Viana do Castelo, projecto que, como se refere na alínea l), foi até elaborado, sob indicações do próprio Apelante, pelo eng.º António Norberto Lopes Lima (que, em audiência, manifestou sérias dúvidas sobre a possibilidade de legalização da obra, atenta a classificação do terreno. A não se poder construir, a cláusula modal era contrária à lei, que não tolera construções clandestinas, e, consequentemente, era como se não tivesse sido estabelecida - tinha-se como “não escrita” nos dizeres do art.º 2230.º, n.º 2, ex vi do art.º 967.º, ambos do C.C.).
Foi a demolição do edifício que levou a que se não cumprisse o escopo da doação, mas essa demolição não foi feita motu proprio pela Ré, antes lhe foi imposta pela Câmara Municipal.
Termos em que também por esta via teria que improceder o pedido principal formulado pelo Apelante.
**
VIII.- Relativamente ao enriquecimento sem causa, o instituto vem regulado nos art.os 473.º e sgs., do C. C. e visa todas as situações de enriquecimento injusto, por falta de uma causa que o justifique.
Para Antunes Varela, o que conta como base ou pressuposto de todo o enriquecimento sem causa são as “deslocações patrimoniais”, com o que aquele instituto abrange “todas as situações mediante as quais uma pessoa obtém certa vantagem patrimonial à custa de outra, independentemente da natureza e da origem do acto de onde elas procedem”, entendendo-se por “deslocação patrimonial” “todo o acto por virtude do qual se aumenta o património de alguém à custa de outrem, seja qual for a forma por que o aumento se opera” (in “Das Obrigações Em Geral”, I, 10ª. edição, págs. 477 - 479).
São requisitos do enriquecimento sem causa, nos dizeres do Ac. do S.T.J. de 14/01/72: “o enriquecimento; o empobrecimento; o nexo causal entre um e outro; e a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada”, sendo que a falta de causa se traduz “na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios, legitime o enriquecimento, ou, o enriquecimento é destituído de causa quando, segundo a ordenação jurídica dos bens, ele cabe a outrem” (in B.M.J., 213º., págs. 214 e sgs.), e ainda a natureza subsidiária da obrigação, requisito consagrado no artº. 474º., do C.C..
Nos termos referidos, à vantagem conseguida pelo enriquecido deve corresponder um prejuízo que é suportado pelo empobrecido, sendo a ausência de fundamento para o enriquecimento que obriga à sua remoção do património onde se produziu.
A obrigação de restituir, de acordo com o artº. 479º., do C.C., compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido, não podendo, porém, exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artº. 480º., nos termos do qual o enriquecido passa a responder também pelos frutos que por sua culpa deixam de ser percebidos e pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de ter sido citado judicialmente para a restituição ou ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento", sendo certo que o que se pretende é eliminar ou suprimir o enriquecimento de alguém à custa de outrem (Cfr., dentre outros, os Acs. do S.T.J. de 02/07/76, de 17/01/1978, e de 02/05/1985, in B.M.J., respectivamente, nºs. 259º., pág. 209; 273º., págs. 239 e sgs., e ainda 347º., págs. 370 e sgs.).
Nos termos referidos no nº. 2 do artº. 473º., do Cód. Civil, a obrigação de restituir tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir, ou em vista de um efeito que não se verificou.
Como alerta Antunes Varela, fundando-se em jurisprudência do S.T.J., “a falta de causa da atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição do indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa” (ob. cit. pág. 488).
Na dúvida, deve considerar-se que a deslocação patrimonial verificada teve justa causa.
Na situação sub judicio, como refere a Ré, tendo a obra sido demolida não se concretizou o aumento do seu activo patrimonial, ou seja, não obteve qualquer enriquecimento das verbas doadas pelo Apelante.
Por outro lado, o efeito, ou seja, in casu, a realidade do bar, não se verificou, é certo, mas, como acima se deixou demonstrado, a inverificação ocorreu por uma causa que foi impositiva para a Ré, que, por isso, se lhe não pode imputar.
E, finalmente, deve atentar-se na natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, a impor que só possa recorrer-se ao instituto quando não houver mais nenhuma outra via para evitar o enriquecimento ilegítimo à custa do empobrecido.
Ora, mesmo que tivesse havido enriquecimento da Ré, ele tinha uma causa, que era a doação, e o Apelante só não conseguiu obter provimento da pretensão, de reintegração no seu património das verbas que despendeu com as obras, porque se não verificaram os pressupostos legalmente exigidos.
Termos em que também o pedido subsidiário terá de sucumbir.
Destarte, cumpre recusar provimento ao recurso.
**
C) DECISÃO
Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada, de total improcedência da acção, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos formulados pelo Apelante.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 04/04/2017
(escrito em computador e revisto)