CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO DA CLÁUSULA
Sumário

1. As declarações de parte absolutamente favoráveis a quem as prestou não fazem prova dos factos por si alegados, tal como não fazem os depoimentos prestados por testemunhas com interesse na decisão da causa, em sentido contrário ao conteúdo de uma procuração outorgada em cartório notarial.
2. O mandatário que outorga num contrato-promessa e em que estipula uma cláusula penal, em nome e em representação dos mandantes, no exercício de poderes conferidos para prometer vender e vender um imóvel pelo preço e condições que entender convenientes, não age sem poderes de representação nem com abuso de representação.
3. A cláusula penal resulta do acordo das partes, celebrado no âmbito dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização.
4. A redução equitativa da cláusula penal não é de conhecimento oficioso, dependendo sempre de pedido do devedor da indemnização, o qual tem também o ónus de alegar e provar, por via de acção, excepção ou reconvenção, os factos que eventualmente integrem excesso manifesto da cláusula convencionada.
5. O juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal, quando ela se revele extraordinária ou manifestamente excessiva e não quando se trate de uma cláusula penal meramente excessiva.
6. Não é susceptível de ser qualificada como manifestamente excessiva a cláusula penal, moratória e compensatória, com função compulsória e ressarcitória, em que a pena seja superior ao dano, colidindo a sua eventual redução com a necessária preservação do seu valor cominatório e dissuasor.

Texto Integral

Processo n.º 110/10.6TVPRT.P1
Da 3.ª Vara Cível do Porto, onde deu entrada em 6/2/2010.

Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:

I. Relatório

B…, residente na Rua …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia, instaurou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C… e mulher D…, residentes na Rua …, n.º .., ..º andar Esquerdo, Porto, pedindo que os réus sejam condenados:
a) a ver declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda por força da cláusula 7.ª, vertida no artigo 7.º da petição inicial;
b) no pagamento da quantia de 175.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal, até efectivo pagamento.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
Em 7/6/2004, os réus, através de procurador, prometeram vender ao autor, que prometeu comprar, o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o artigo 4804 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número 5.159, pelo preço de 400.000,00 €, pagável nos termos do contrato que juntou.
Ficou convencionada uma cláusula penal de 175.000,00 € para os casos de mora ou de incumprimento do contrato.
Os réus não designaram dia, hora e local para a outorga da escritura pública como se obrigaram, no prazo estipulado, ou seja, nos 45 dias subsequentes ao trânsito em julgado da última decisão das duas acções então pendentes, ocorrido em 7/5/2009, desde que não afectassem, como não afectaram, o seu direito de propriedade.

Os Réus contestaram, por excepção e impugnação, invocando a nulidade da procuração por simulação e a nulidade do contrato promessa também por simulação e por inobservância do formalismo previsto no n.º 3 do art.º 410.º do Código Civil e negando a celebração de qualquer contrato promessa de compra e venda, sustentando, ainda assim e subsidiariamente, a inexistência de incumprimento e a redução da cláusula penal.
Concluíram pela improcedência da acção e pela redução equitativa daquela cláusula, bem como pela condenação do autor como litigante de má fé.

O autor replicou, pugnando pela improcedência das invocadas excepções e requerendo a ampliação da causa de pedir e do pedido, alegando, para este efeito, que os réus se colocaram, voluntariamente, na posição de incumprimento definitivo, ao venderem a terceiros o imóvel que lhe haviam prometido vender, pelo que pediu a resolução do contrato com esse fundamento. Mais pediu a condenação dos réus como litigantes de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

Os réus treplicaram batendo-se pela nulidade da réplica, na parte que consideram legalmente inadmissível, e impugnando a matéria da ampliação da causa de pedir e da litigância de má fé, concluindo pela improcedência dos respectivos pedidos.

Na audiência preliminar designada, além do mais para aqui irrelevante, foi admitida a ampliação do pedido, foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, de que não houve reclamações.

Após instrução, com realização de prova pericial, prosseguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do formalismo legal, tendo decorrido em quatro sessões, realizadas em 12, 19 e 27 de Novembro e 11 de Dezembro de 2013.
Finalmente, em 2/1/2014, foi proferida douta sentença que decidiu julgar:
“A) - improcedentes as exceções perentórias deduzidas pelos Réus, com exceção da do manifesto excesso da cláusula penal que julgo(u) procedente, reduzindo a referida cláusula penal à importância de 40.000,00 €;
B) - a ação parcialmente procedente, por não provada, condenando os Réus a:
I. ver declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda identificado nos autos por incumprimento definitivo do mesmo por os Réus se terem colocado na posição de estarem impossibilitados objetivamente de o cumprirem, pois por escritura pública de 20/6/2008, venderam o imóvel em causa nos autos a E…, F… e G…, que o compraram;
II. no pagamento da referida quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros, referente à cláusula penal já reduzida), acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal, até efetivo pagamento.”
Mais decidiu absolver o autor e os réus dos pedidos de condenação como litigantes de má fé.

Inconformados com o assim decidido, interpuseram recurso de apelação para este Tribunal, quer o autor quer os réus, os quais apresentaram, oportunamente, as alegações com as respectivas conclusões.
Conhecendo desses recursos, este Tribunal, por acórdão de 27/5/2014, julgou a apelação dos réus totalmente improcedente e a apelação do autor procedente e, em consequência, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de 175.000,00 € (cento e setenta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, revogando, assim, nesta parte, a sentença recorrida e mantendo o demais nela decidido.
Novamente irresignados, os réus interpuseram recurso de revista, tendo o STJ, por douto acórdão de 20/11/2014, revogado aquele acórdão e ordenado que a Relação conhecesse da “impugnação da matéria de facto deduzida pelos réus” e decidisse as “demais questões apresentadas pelas partes”.

As conclusões dos recursos de apelação são as seguintes:
Do autor:
“1ª- O recurso incide exclusivamente sobre a procedência da excepção da redução da cláusula penal;
2ª- Inexiste qualquer fundamento de facto que aconselhe a redução da cláusula penal indemnizatória em causa, sendo certo que, transportando para o caso concreto todos os princípios que a doutrina e a jurisprudência desenvolveram a respeito desta faculdade judicial do art. 812º nº1 do C.C., qualquer redução, no caso, mostra-se desequilibrada e desadequada, enfim contrária à justiça;
3ª- A cláusula penal que consta da cláusula oitava do contrato dos autos não é excessiva e muito menos manifestamente excessiva, razão pela qual não é passível de redução;
A decisão recorrida violou, pois, as normas acima indicadas, no sentido acabado de expor.
Pedido:
O recurso deve merecer provimento, com a consequente improcedência da excepção invocada pelos apelados, revogando-se nessa parte o sentenciado, condenando-se assim os apelados no pagamento da quantia peticionada, como é de inteira justiça.”

Dos réus:
“I. Visa o recurso pôr em crise os fundamentos de direito da decisão proferida e, principalmente, a impugnação da matéria de facto dada como provada.
II. Não se retira da procuração que a mesma conferia poderes ao procurador para instituir ou acordar cláusulas penais que, pela sua gravidade, teria que estar prevista caso fosse essa a vontade dos procurados.
III. Não se pode retirar do poder de prometer vender, o poder de vincular o devedor às gravosas consequências do incumprimento resultantes da estipulação de uma cláusula penal.
IV. O procurador ultrapassou os poderes que lhe foram concretamente fixados, agindo em excesso de representação, o que nos termos do artigo 268.º do Código Civil determina a ineficácia do convencionado em relação aos representados.
V. A cláusula penal é ineficaz em relação aos representados, que não concederam poderes para a sua estipulação.
Sem prescindir,
VI. O contrato-promessa foi celebrado em total desvio dos interesses dos representados.
VII. A celebração do contrato-promessa e a inserção no respectivo clausulado de uma cláusula penal no valor de € 175.000,00 constitui um abuso de poderes de representação, o que seguirá, nos termos do artigo 269.º do Código Civil, o mesmo regime de ineficácia previsto para o excesso de representação.
Ainda sem prescindir,
VIII. Os Recorrentes desconheciam o contrato-promessa de compra e venda até terem sido citados para a acção.
IX. Não aceitam o valor do imóvel de € 279.822,00.
X. O imóvel, à data constante no contrato-promessa de compra e venda teria o valor de € 150.000,00.
XI. O imóvel encontra-se manifestamente sobrevalorizado, acarretando consigo uma cláusula penal também ela manifestamente excessiva.
XII. Nos termos do art. 812.º do Código Civil, deverá proceder-se à redução da cláusula penal, por manifestamente excessiva, para um montante nunca superior a € 10.000,00.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a resposta aos quesitos 1, 3 e 8, dando-se os mesmos como provados e, em consequência, considerar-se:
A. o negócio ineficaz em relação aos recorrentes por excesso de representação;
Caso assim não se entenda, o que não se concede,
B. considerar-se o negócio ineficaz em relação aos recorrentes por abuso dos poderes de representação;
Ainda sem conceder,
C. deverá proceder-se à redução da cláusula penal, por manifestamente excessiva, para um valor nunca superior a € 10.000,00,
assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre, agora, apreciar e decidir o mérito dos recursos interpostos, começando pela apreciação da matéria de facto impugnada(1), em estrita obediência ao superiormente determinado pelo STJ, a que se seguirá o conhecimento das demais questões.
Tendo em consideração as conclusões dos recorrentes, as quais delimitam o objecto dos recursos [cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC, aqui aplicável, visto se tratar de uma sentença proferida após a data da sua entrada em vigor, numa acção instaurada depois de 1/1/2008 (cfr. art.ºs 5.º, n.º 1 e 8.º, ambos da Lei n.º 41/2013, de 26/6)], atendendo a que este Tribunal de 2.ª instância só pode conhecer delas, pois não é caso de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:
a) Se deve ser alterada a matéria de facto;
b) Se o negócio é ineficaz por excesso de representação;
c) Se o negócio é ineficaz por abuso dos poderes de representação;
d) Se a cláusula penal deve ser reduzida para valor não superior a 10.000,00 €;
e) Ou se não deve sofrer qualquer redução.

II. Fundamentação

1.De facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. Por instruções e a pedido de E…, no dia 26/11/2001, foi passada a procuração “irrevogável” outorgada, no 8.º Cartório Notarial do Porto, pelos Réus a H…, de que se encontra junta cópia fls. 12 a 14, cujo teor se dá por reproduzido, a constituí-lo procurador com poderes para “prometer vender e vender o prédio urbano – Moradia número … – Lote C – …, composto de habitação de rés-do-chão, com duas divisões e cozinha e primeiro andar com duas divisões casa de banho e arrecadação e dois logradouros, inscrito na matriz sob o artigo 4804 da freguesia …, concelho de Loulé e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número cinco mil cento e cinquenta e nove “…”, pelo preço e condições que entender convenientes, receber e dar quitação do preço outorgar e assinar os respectivos contratos de promessa de compra e venda e escritura…” [al. A) dos factos assentes];
2. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 10-11, cujo original foi junto na audiência preliminar, que tem a seguinte redação:
"Contrato-Promessa de Compra e Venda
Entre:
1º H…, casado, natural da freguesia …, concelho de Penafiel, residente na Rua …, nº..-.º andar, freguesia …, concelho de Paredes, como procurador de D…, natural da freguesia …, concelho de Valongo, e de C…, natural da freguesia …, concelho do Porto, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua …, nº ..º . -.º andar esquerdo, Porto, ela contribuinte fiscal nº ……… e ele contribuinte fiscal nº ………, como promitentes vendedores;
2º B…, solteiro, maior, natural da freguesia …, concelho de vila Nova de Gaia, residente na …, nº …., freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, portador do Bilhete de Identidade Nº …….. e contribuinte fiscal nº ………, como promitente comprador.
Ambos os outorgantes acordam no seguinte clausulado deste contrato promessa:
Primeiro: O primeiro outorgante, como procurador constituído pelo instrumento arquivado sob o número 102, e registado a fls. 31 do livro 9 do ano de 2001 do 8º Cartório Notarial do Porto, e em nome dos seus representados, promete vender ao segundo outorgante, Engenheiro B…, que promete comprar, o prédio urbano - moradia nº . lote C- ..- composto de habitação de rés-do-chão, com duas divisões e cozinha e primeiro andar com duas divisões, casa de banho e arrecadação e dois logradouros, inscrito na matriz sob o artigo 4804 da freguesia …, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número cinco mil cento e cinquenta e nove - ….
Segundo: O preço que acordam para a compra e venda da moradia é de quatrocentos mil euros, e deve ser pago no acto e em simultâneo com a assinatura da escritura definitiva de compra e venda.
Terceiro: A moradia é vendida livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e coisas.
Quarto: O primeiro outorgante comunicou ao segundo outorgante que, sobre a moradia, estão pendentes duas acções judiciais, uma com o número 212/1999 do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Loulé, e outra com o número 1382/04.0TVPRT da 4ª vara - 2ª Secção das Varas Cíveis da Comarca do Porto, pelo que acordam numa condição resolutiva deste contrato consistente no facto de este contrato ficar sem efeito no caso de os promitentes vendedores ficarem afectados no seu direito de propriedade sobre a moradia em virtude de alguma das decisões judiciais a serem tomadas nas mencionadas acções, de forma a ficarem impossibilitados de a poderem transmitir livremente, sem ónus ou encargos e devoluta de pessoas e coisas, condição que perdurará até ao dia do trânsito em julgado das decisões a proferir em cada uma dessas acções judiciais.
Quinto: A escritura notarial definitiva para transmissão da moradia será marcada pelos promitentes vendedores, os quais deverão avisar o promitente comprador do dia, hora e local da sua assinatura, com uma antecedência de dez dias úteis.
Sexta: A escritura notarial tem que ser marcada dentro dos quarenta e cinco dias seguintes ao dia do trânsito em julgado da última das decisões judiciais a proferir nas acções identificadas no artigo quarto deste contrato, de acordo com o teor da mencionada condição resolutiva.
Sétima: O prazo estabelecido no artigo sexto é insusceptível de ser prorrogado, e é essencial para a vontade das partes celebrarem este contrato, pelo que ele constitui um prazo limite e absoluto para que cada uma das partes cumpra com as respectivas obrigações.
Oitava: Acordam em fixar na quantia de cento e setenta e cinco mil euros o valor da cláusula penal que estabelecem para os casos de mora ou de incumprimento deste contrato.
Nona: O promitente comprador há-de suportar, à sua custa, as despesas notariais e a despesa de imposto municipal sobre as transmissões (I.M.T.).
Décima: A entrega física da moradia ao promitente comprador tem somente lugar em simultâneo com a assinatura da escritura definitiva e pagamento integral do preço da compra e venda.
Décima - Primeira: Fica já autorizada cedência da posição contratual de comprador, ou a nomeação por parte do promitente comprador de terceiro que outorgue a escritura definitiva, como comprador
Décima - Segunda: Nas questões omitidas, este contrato rege-se pela legislação aplicável.
Porto, 7 de Junho de 2004”
mostrando-se assinado, na qualidade de primeiro outorgante, por H… e, na qualidade de segundo outorgante, por B… [al. B) dos factos assentes];
3. O processo nº 212/1999 findou tendo nele sido proferido o Acórdão do STJ junto a fls. 42 e seguintes, já transitado em julgado conforme resulta da certidão emitida em 5/02/2009 junta a fls. 42 e seguintes, cujo teor se dá por reproduzido [al. C) dos factos assentes];
4. Por escritura pública de 20/06/2008 exarada a fls. 12, do livro 37-F, do Cartório a cargo da Notária I…, os Réus declararam vender a E…, F… e G…, os quais declararam comprar, o imóvel acima identificado - doc. de fls. 100 a 106, cujo teor se dá por reproduzido, estando tal aquisição registada conforme certidão permanente junta a fls. 107-108 [al. D) dos factos assentes];
5. O processo nº 1382/04.0TVPRT, que correu termos pela 4ª Vara Cível, 2ª secção da Comarca do Porto, findou, conforme consta da certidão de fls 600 e segs, tendo a sentença nele proferida, constante de fls 601-602, transitado em julgado em 30/4/2009;
6. O referido imóvel tinha, em 7/6/2004, o valor de mercado - valor de venda máximo - de 279.822,00 €, sendo tal valor, presentemente, inferior a este montante (resposta ao quesito 9.º).

2. De direito

2.1. Da alteração da matéria de facto

Como temos vindo a escrever noutros arestos, do art.º 662.º, n.º 1, do NCPC resulta que a modificação da decisão de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, págs. 221 e 222).
Na reapreciação dos meios de prova, tal como no regime anterior, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, assim assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ – STJ -, ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ – STJ -, ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-as, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt).
No caso sub judice, ultrapassada que está a questão da observância dos ónus para que tal aconteça, há que proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.
Na reapreciação que agora importa efectuar, procedendo a novo julgamento dessa matéria, em busca da nossa própria convicção, por forma a assegurar o duplo grau de jurisdição sobre a mesma matéria, teremos em conta que a prova deve ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no seu meio social, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, já que tudo isto contribui, afinal, para a formação de raciocínios e juízos que conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão de cada facto.
O Prof. Alberto dos Reis já ensinava, há muito, que “prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (cfr. Código de Processo Civil anotado, vol. IV, pág. 570).
A essas regras de apreciação está sujeita a prova testemunhal, como expressamente dispõe o art.º 396.º do Código Civil.
Dada a sua reconhecida falibilidade, impõe-se uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo dos depoimentos e da sua força probatória, devendo sempre ter-se em consideração a razão de ciência do depoente e as suas relações pessoais ou funcionais com as partes.
Há, ainda, que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência, em face do princípio da aquisição processual (cfr. art.º 413.º do NCPC).
Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação do julgador, consagrada no art.º 607.º, n.º 5, do NCPC, impõe-se-lhe indicar “os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348 e Ac. da RC de 3/10/2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 27).
A matéria de facto impugnada pelos réus/recorrentes é a constante dos quesitos 1.º, 3.º e 8.º, os quais obtiveram respostas de “não provado” e que aqueles querem ver alteradas para “provado”.
Tais quesitos são do seguinte teor:
1.º
“A procuração a que alude a al. A) supra foi outorgada apenas para o procurador proceder à venda do imóvel a J…, K… e filhos (E…, F… e G…?”
3.º
“Os Réus desconheciam até serem citados para esta acção a existência do “contrato promessa de compra e venda” a que alude a al. B) supra?”
8.º
“… com o objectivo de causar prejuízos aos Réus com a execução da cláusula penal inserida no referido documento?”
Na fundamentação desta matéria, a Ex.ma Juíza que presidiu à audiência de discussão e julgamento e proferiu a sentença escreveu:
“… Da prova produzida nada resultou que permita dar resposta diversa à matéria de facto constante da base instrutória tanto mais que o teor da procuração em causa, outorgada pelos Réus, nenhuma margem para dúvidas deixa e não ficou o Tribunal convencido de que a procuração tenha sido outorgada com o fim mais restrito do que o que dela consta. Também nem a Ré nem as testemunhas inquiridas conheciam o Autor nada sabendo das suas intenções ou conhecimentos, nem do que foi combinado entre este e H…, que atuou como procurador dos Réus no contrato promessa em causa nos autos…”
Para basear a sua pretensão de alteração da matéria de facto, os réus/recorrentes invocaram os depoimentos das testemunhas L… e M…, bem como as declarações da ré D….
Porém, estes meios de prova não lhes permitem obter a pretendida alteração da matéria de facto que impugnaram.
Expliquemo-nos.
Cremos não haver dúvidas de que estamos perante um documento autêntico, visto ter sido exarado pela autoridade competente – o notário ou o seu substituto -, no âmbito da função notarial que se destina a dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais (cfr. art.º 369.º do Código Civil e art.ºs 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 1 e 35.º, n.º 2, todos do Código do Notariado).
Enquanto documento autêntico, faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário ou o seu substituto, no caso a Primeira Ajudante, que elaborou a procuração referida no n.º 1 dos factos provados, assim como dos factos que nela são atestados com base nas suas percepções (art.º 371.º, n.º 1, do Código Civil).
Esta força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (art.º 372.º, n.º 1, do Código Civil).
A doutrina tem vindo a definir a falsidade como a qualidade de um documento genuíno consubstanciada na desconformidade entre o facto representativo nele contido e a realidade de todos ou de alguns dos seus elementos (v.g. Lebre de Freitas, em A Falsidade no Direito Probatório, 1984, pág. 165 e Salvador da Cosa, em Os Incidentes da Instância, 3.ª ed., 2002, pág. 280).
Daí que seja considerado falso o documento produzido com o propósito de desfigurar a realidade que se destina a reproduzir, quer porque supõe a efectivação de uma ocorrência que não se deu, quer porque, referindo-se a um facto verificado, se alterou a realidade por via da modificação consciente de algum dos seus elementos (cfr. Ac. do STJ, de 21/4/94, BMJ, n.º 436, pág. 313).
A nossa lei substantiva refere-se, em primeiro lugar, ao conceito de falsidade a propósito dos documentos autênticos, dispondo no n.º 2 do art.º 372.º do Código Civil que “O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi”.
O conceito de falsidade aqui formulado harmoniza-se com o disposto no n.º 1 do artigo anterior, já citado, segundo o qual “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador, só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.
Por isso, o valor probatório pleno de um documento autêntico não respeita a tudo o que nele se diz ou contém, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 326 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pág. 313).
Assim, ocorre a falsidade do documento autêntico no caso de o documentador dele fazer constar facto não praticado, atestando tê-lo praticado ou haver sido objecto da sua percepção.
Mas já não é falso o documento que contém declarações prestadas ao documentador inexactas, porque essa inveracidade não se enquadra no n.º 2 do citado art.º 372.º (cfr. Salvador da Costa, obra citada, pág. 282 e Ac. da RE, de 30/9/99, BMJ, n.º 489, pág. 417, bem como o nosso acórdão de 29/4/2014, proferido no processo n.º 1291/11.7TBVCD.P1, que aqui estamos a seguir e reproduzir, nesta parte).
O Professor Alberto dos Reis, em anotação ao art.º 365.º e a propósito da distinção referenciada no art.º 530.º, ambos do CPC de 1939, entre falsidade de documento e falsas declarações, já havia escrito: “O documento é falso se a autoridade ou funcionário público que o lavra dá como praticados factos que não se praticaram ou como feitas declarações que não se fizeram; se o documento regista com exactidão o que se passou ou o que se declarou, mas as declarações feitas não correspondem à verdade, estamos em presença, não da falsidade do documento, mas de falsas declarações.” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, reimpressão, pág. 535).
No presente caso, não foi suscitado o incidente de falsidade, nem é de declarar, oficiosamente, o documento como falso, nos termos do n.º 3 do citado art.º 372.º, por não ser evidente a falsidade em face dos sinais exteriores da procuração.
Mediante aquele instrumento notarial - a procuração -, os réus, ora apelantes, declararam que constituíam seu procurador o senhor H…, a quem, com a faculdade de substabelecer, concederam poderes para prometer vender e vender o prédio urbano – moradia número … – lote C-…, inscrito na matriz sob o artigo 4804 da freguesia …, concelho de Loulé, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 5.159 daquela freguesia, “pelo preço e condições que entender convenientes, receber e dar quitação do preço, outorgar e assinar os respectivos contratos de promessa de compra e venda e escritura, com dispensa de prestação de contas, em virtude de já terem recebido o preço do mandatário…”.
Declararam, ainda, que lhe conferiam poderes para ceder, definitivamente e sem reserva, os direitos dos mandantes em serem indemnizados pela mora no cumprimento do contrato promessa de compra e venda cuja posição contratual foi cedida à mandante mulher e é referente ao prédio acima identificado, bem como pela consequente não entrega do prédio aos mandantes, o que obviou ao gozo, fruição e utilização dele desde Julho de mil novecentos e noventa e três”.
Declararam, finalmente, que tal procuração “é irrevogável, nos termos do número dois do artigo mil cento e setenta do Código Civil, em virtude de ter sido conferida também no interesse do mandatário, pelo que poderá fazer negócio consigo mesmo e produz efeitos mesmo para além da morte dos mandantes”.
A mesma procuração foi lida e o seu conteúdo explicado, em voz alta, aos seus outorgantes, como também nela consta, em conformidade com o disposto no art.º 50.º, n.ºs 1 e 3, do Código do Notariado.
De nada serve a alegação de que os réus não compreenderam os termos jurídicos da procuração, pois ela foi-lhes lida e explicado o seu conteúdo, como dela consta e, por isso, está plenamente provado não só que prestaram tais declarações como sabiam o que declaravam.
Aliás, os termos ali utilizados são acessíveis a qualquer cidadão, por maioria de razão o serão aos réus, ambos com formação superior, sendo ela professora e ele engenheiro.
De resto, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas” (art.º 6.º do Código Civil).
A própria ré, nas declarações que prestou em audiência, a seu pedido, declarou que outorgou a referida procuração com os poderes nela mencionados e que conhece o seu significado.
Assim, tem que se considerar provado que a ré fez as declarações nela insertas relativamente aos poderes que conferiu ao procurador que, pelo referido instrumento, constituiu juntamente com o seu marido.
E, tendo-as feito em documento autêntico, tais declarações importam o reconhecimento dos correspondentes factos, os quais devem ser considerados plenamente provados, por efeito da confissão (art.ºs 352.º e 358.º, n.º 2, ambos do Código Civil).
Por isso, não podem vir agora sustentar que não pretenderam conferir os poderes constantes da procuração, mas outros poderes, mais restritos, só com a finalidade de proceder à venda do imóvel ao J…, à K… e aos seus filhos.
Esta restrição não consta da procuração, como devia, se fosse verdadeira essa restrição de poderes, atento o disposto nos art.ºs 262.º, n.º 2, 410.º, n.º 2 (quanto ao contrato promessa) e 875.º (relativamente à venda), todos do Código Civil.
Era uma exigência da formalidade ad substantiam ou, pelo menos, ad probationem, sendo que esta apenas permitia a substituição daquela procuração “por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”, nos termos do n.º 2 do citado art.º 364.º.
Este documento não consta dos autos, nem sequer foi invocado.
Também não se vislumbra que tenha havido confissão judicial, porquanto esta pressupõe o reconhecimento pela parte “da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (art.º 352.º do Código Civil), o que não é, manifestamente, o caso, nem ela foi reduzida a escrito, como devia se tivesse havido confissão, face ao disposto no art.º 463.º, aplicável ex vi art.º 466.º, n.º 2, ambos do NCPC. Nada consta nesse sentido da respectiva acta da audiência de discussão e julgamento, nem resulta do teor das declarações gravadas e agora ouvidas. Estas foram no sentido da sua desresponsabilização, imputando a responsabilidade da outorga da procuração, tal como ela se apresenta, ao Dr. N…, então mandatário da testemunha M… que, por sua vez, é amigo do seu irmão, a testemunha L…, mas fazendo-o de livre vontade e no interesse daquele M….
As declarações que prestou, quer quanto à outorga da procuração, quer relativamente à existência do contrato promessa, quer, ainda, quanto ao objectivo que tiveram o autor e o procurador, que diz não conhecer, de nada servem para a formação da convicção no sentido pretendido, porquanto os factos que relatou não lhe são desfavoráveis e porque não constituem, no nosso direito, um testemunho de parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao declarante, mas um meio de provocar a confissão, à semelhança do depoimento de parte. A este propósito, escreveu a Professora Isabel Alexandre, num artigo sobre “A fase da instrução e os novos meios de prova no Código de Processo Civil de 2013”, publicado na Revista do Ministério Público 134 (Abril - Junho 2013 págs. 9-42), que quer as declarações de parte, previstas no art.º 466.º, quer o depoimento de parte do art.º 452.º, estão inseridos no capítulo da prova por confissão, visando qualquer desses meios obter unicamente a confissão, como prevista no Código Civil, esclarecendo que “A prestação de informação ou esclarecimento sobre facto que interesse à decisão de causa não deve, …, ser qualificada como meio de prova diversa dos previstos no Código Civil, mas como um meio de obtenção de um meio de prova já previsto no ordenamento (a confissão)” - cfr. pág. 35.
E não há razão para serem apreciadas livremente pelo tribunal, pois, para além de não serem confessórias, são absolutamente favoráveis a quem as prestou, não podendo fazer qualquer prova, tanto mais que não se encontram comprovadas por outros meios de prova, minimamente convincentes (cfr., neste sentido, o nosso acórdão de 17/6/2014, processo n.º 618/14.4TBPVZ.P1).
Os depoimentos das testemunhas indicadas também não podem fazer prova dos factos que os réus pretendem ver dados como provados.
Para além de não serem válidos na parte que contrariam o conteúdo da procuração, pelas razões que acima se expuseram, tais depoimentos apresentam-se feridos de manifesta parcialidade e falta de isenção, pois que os seus autores se afirmaram como verdadeiros interessados no desfecho da acção e são-no efectivamente.
Com efeito, o L…, para além de ser irmão da ré e cunhado do réu, começou por dizer que é o “interveniente principal de todos os factos que estão na génese da acção”. E é o que resulta de todo o seu depoimento, espontaneamente prestado, sobretudo no início, durante longos minutos, a propósito da razão de ciência. Afirmou que é amigo da, aqui, testemunha M…, que teve intervenção em vários negócios fictícios, em nome deste, para ocultar os bens aos seus credores, e que, como já atingiam um volume que considerava excessivo, solicitou a intervenção da sua irmã, aqui ré. Esta acabou por outorgar a procuração em causa, a seu pedido e do Dr. N…, mandatário e sócio do M…. Não gostou da procuração e, apesar de não ter estado presente aquando da sua outorga, está convencido que não a leram e a sua irmã não compreendeu o seu conteúdo. No entanto, esta confirmou a leitura e a explicação do conteúdo da procuração, tal como dela consta.
O M… também disse expressamente que tem interesse na acção, por ter originado a outorga da procuração e ser proprietário do prédio nela identificado, onde afirmou residir actualmente. Disse que fez uma venda “fictícia” aos réus para resguardar o imóvel dos seus credores. Confirmou que foi ele, o L… e o Dr. N…, seu amigo e sócio, que conduziram todo o processo de outorga da procuração. Forneceu a minuta da procuração, tendo a notária acrescentado apenas o último parágrafo, dizendo que era conveniente, atentos os poderes conferidos. Imputa a responsabilidade na celebração do contrato promessa em causa nesta acção ao Dr. N…, com quem se encontra desavindo.
Independentemente dos negócios que lhe terão estado subjacentes, é evidente que estes depoimentos não são bastantes para contrariar o conteúdo da procuração.
Daí que não se possam restringir os poderes nela conferidos e limitá-la à celebração da venda aludida no quesito 1.º.
E também não servem para comprovar a matéria dos quesitos 3.º e 8.º, quer pela forma como depuseram e pelo interesse que revelaram, quer porque disseram que nem sequer conheciam o autor, não tendo, consequentemente, conhecimento de qualquer conluio entre este e o procurador, muito menos com o objectivo de causar prejuízo aos réus com a cláusula penal que inseriram no contrato promessa que celebraram, aludido no n.º 2 dos factos provados.
Da reapreciação efectuada por este Tribunal, considerada a prova em causa no seu conjunto, não há razões para nos afastarmos do entendimento tido na 1.ª instância, pois que não se vislumbra qualquer desconformidade entre a dita prova e a respectiva decisão, muito menos notória, em violação dos princípios e regras do direito probatório.
Da análise crítica dos depoimentos prestados e dos documentos juntos aos autos, em especial da procuração, não pode ficar-se com outra convicção que não seja a do tribunal recorrido.
E é esta análise crítica e integrada dos depoimentos com os outros meios de prova que os juízes devem fazer, pois a sua actividade, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos, muito menos truncados, interessados e parciais.
A fundamentação da matéria de facto mostra-se criteriosa, com uma apreciação cuidada, ainda que sintética, e tem suporte na gravação da prova e nos demais elementos constantes dos autos.
Por isso, e porque não foi apresentado qualquer documento novo superveniente susceptível de destruir a prova em que aquela decisão assentou, não pode este Tribunal alterar a matéria de facto impugnada, pelo que se mantém.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões referentes a tal impugnação.

Mantida a matéria de facto, não há razões para alterar as decisões anteriormente proferidas relativamente às restantes questões apresentadas pelas partes, as quais não chegaram a ser apreciadas pelo Tribunal superior, por o seu conhecimento ter sido considerado prejudicado pela decisão referente à matéria de facto impugnada.
Por isso, resta-nos aqui reproduzi-las, nos termos que seguem.

2.2. Da representação

O art.º 258.º do Código Civil dispõe:
“O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.
Embora este normativo não forneça uma definição, ao dispor sobre os efeitos da representação, estabelece os requisitos necessários à sua verificação, que, segundo alguma doutrina, são três, a saber:
- actuação jurídica em nome de outrem;
- por conta dessa mesma pessoa;
- e com poderes representativos para o fazer (cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, parte geral, edição de 2011, pág. 77 e Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, edição da AAFDL, 1974, pág. 267).
Assim, podemos definir a representação como o exercício jurídico por uma pessoa (o representante), em nome e no interesse de outra (o representado), com imputação dos seus efeitos na esfera jurídica desse outrem.
Embora haja quem dispense a verificação do requisito da actuação no interesse do representado, por o representante poder actuar também em nome próprio, como resulta do n.º 3 do art.º 265.º do Código Civil (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pág. 411, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 3.ª ed., págs. 239 e 240), não deixa de ser absolutamente indispensável a verificação dos dois restantes requisitos, como reconhecem ali estes dois últimos Professores, ao escreverem: “Dois requisitos são indispensáveis para que a representação produza o seu efeito típico, que é a inserção directa, imediata, do acto na esfera jurídica do representado (dominus negotii): a) que o representante aja em nome do representado (contemplatio domini); b) que o acto realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante. Não se verificando este último requisito, só a ratificação pode tornar o negócio eficaz em relação ao representado (art.º 268.º, n.º 1)”.
Explicando melhor aqueles requisitos, escreveu o Prof. Menezes Cordeiro:
“A actuação jurídica em nome de outrem – também dita nomine alieno ou havendo contemplatio domini – significa que o representante, para o ser, deve agir esclarecendo a contraparte e todos os demais interessados de que age nessa qualidade. Isto é: declarará que actua para que os efeitos da sua acção surjam na esfera jurídica do representado. Se ele não invocar expressamente – isto é: de modo que seja entendido – essa qualidade, já não haverá representação. Também se pode falar, a tal propósito, no princípio da notoriedade. As razões da actuação nomine alieno são claras:
- a representação é um direito, ainda que funcional: o representante poderá ou não exercê-lo, consoante queira, uma vez que nada o impedirá, em princípio, de negociar para si próprio; ora o exercício em causa, para o ser, tem de ser exteriorizado, no momento próprio;
- o terceiro com quem se contrate tem todo o direito de conhecer a outra parte: disso, inclusive, poderá depender a sua decisão; logo, ele terá de ser esclarecido no momento da conclusão do negócio.
A esta luz podemos considerar que, na dúvida, a declaração deve ser havida como nomine proprio e não nomine alieno. Com a consequência prática de, nessa eventualidade, não haver representação.
O representante deve actuar por conta do representado… Aparentemente, este requisito tende a perder a sua autonomia, na representação. Havendo contemplatio domini, isto é, invocando o representante que está a agir em nome do representado, fica implícito que o faz por conta deste. Podemos, todavia, ir mais longe. Ninguém pode ad nutum agir por conta (à custa de outrem…
A autonomia deste requisito comprova-se, de certa forma, com recurso a uma conjunção muito pensada pela própria doutrina alemã: não há representação quando alguém cura dos próprios negócios usando falsamente outro nome…
O representante deve, por fim, ter poderes para actuar eficazmente em nome do dominus, também dito principal ou representado: os poderes de representação. No domínio da representação voluntária, tais poderes provêm de um negócio a tanto dirigido: a procuração ou um negócio misto que, no seu seio, tenha elementos da procuração” (in obra citada, págs. 78 e 79).
A representação voluntária é, assim, dominada pela procuração, a qual tem um duplo sentido que logo emerge do art.º 262.º do Código Civil: traduz o acto pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação e exprime o documento onde esse negócio tenha sido exarado.
Enquanto acto, é um negócio jurídico unilateral: “implica liberdade de celebração e de estipulação e surge perfeita apenas com uma declaração de vontade”.
Mas “a lei pressupõe que, sob a procuração, exista uma relação entre o representante e o representado, em cujos termos os poderes devam ser exercidos: veja-se a tal propósito, o artigo 265.º/1.Teoricamente, poderíamos assistir a uma atribuição puramente abstracta de poderes de representação; todavia, tal “procuração pura” não daria, ao procurador, qualquer título para se imiscuir nos negócios do representado.
A efectiva concretização dos poderes implicados por uma procuração pressupõe, pois, um negócio nos termos do qual eles sejam exercidos: o negócio-base.”
Normalmente, este negócio será um contrato de mandato, embora possam surgir outras situações que aqui não importa considerar.
E, muito embora sejam perfeitamente distintas as noções de representação e de mandato, ambas ficarão, aquando da celebração do negócio-base, “numa específica situação de união. De resto, a própria lei – artigos 1178.º e 1179.º - manda aplicar ao mandato regras próprias da procuração; as vicissitudes desta vêm bulir com o mandato. Podemos ir mais longe: a extensão da procuração, as suas vicissitudes, a natureza geral ou especial dos poderes que ela implique e o modo por que eles devam ser exercidos dependerão, também, do contrato-base” (cfr. Menezes Cordeiro, obra citada, págs. 89, 92 e 93).
Da representação sem poderes ocupa-se o já referido art.º 268.º, cujo n.º 1 preceitua que “o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.
E, como dele resulta claramente, pressupõe que o acto seja praticado em nome e por conta de outra pessoa sem que, para tanto, existam os necessários poderes de representação.
Por sua vez, o art.º 269.º reporta-se ao abuso de representação e estabelece que “o disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”.
Daqui resulta que são dois os pressupostos da cominação da ineficácia do negócio representativo, para o representado, prevista neste último preceito, a saber: uma actividade abusiva do representante e o conhecimento ou dever de conhecer por parte do terceiro.
Sabe-se que o abuso de representação não ocorre apenas nas situações em que o representante excede, formalmente, os poderes que lhe foram conferidos.
Tem sido unanimemente entendido que também existe abuso dos poderes de representação quando o representante, embora actuando dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utilize conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado (v.g. Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., págs. 248 e 249, Ennecerus Nipperdey, Tratado, tradução espanhola, 2ª ed., tomo I, vol. 2.º, pág. 270, Conselheiro Mário Brito, Anot. I, pág. 329 e acórdãos do STJ de 13/2/2003, proferido no processo n.º 03B2201 e de 7/2/2006, no processo n.º 05A4285, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, desta Relação de 1/2/93, na CJ, ano XVIII, tomo I, pág. 219 e o nosso acórdão de 28/6/2011, proferido no processo n.º 2255/07.0TBOVR-A.C1.P1 que aqui seguimos de perto, nesta parte).
Como ensina o Prof. Menezes Cordeiro, “em termos mais gerais, o abuso de representação vem a ser o exercício dos inerentes poderes em oposição com a relação subjacente: com o que dela resulta, de modo directo ou por violação dos deveres de lealdade que ela postula” (in Tratado de Direito Civil, parte geral, V, reimpressão de 2011, pág. 112).
Segundo Helena Mota, o que está em causa no abuso de representação é um afastamento objectivo às directrizes impostas pelo representado e uma actuação que não serve notoriamente os seus interesses: em suma, um mau negócio, desde que isso resulte de um desvio claro do procurador, ainda que não intencional ou para servir interesses ocultos, às instruções que lhe foram fornecidas, ou aos fins genéricos queridos pelo representado com o negócio representativo (cfr. Do Abuso de Representação, pág. 144).
Para averiguar da finalidade da representação, especialmente nos casos em que a procuração é subscrita também no interesse do representante (ou só no interesse dele) haverá que atender, sobretudo, ao teor do negócio que desencadeou a emissão da procuração e concedeu poderes representativos, porquanto o representado, em situações dessas, perde, praticamente, o poder de instruir o representante ou de lhe dar indicações.
É que "o interesse do mandatário ou de terceiro no mandato só é relevante para efeitos da sua consideração como mandato in rem propriam ou de interesse comum, quando tenha sido valorado pelas partes em termos de o mandante ter acedido a que o contrato seja também um instrumento de tutela jurídica da posição do outro interessado" (cfr. Januário Gomes, Contrato de Mandato, in Direito das Obrigações, sob a orientação de Menezes Cordeiro, 3.º vol., 1991, pág. 282).
E, apesar do dominus não poder instruir o procurador, isso não significa que este possa exercer os poderes de representação arbitrariamente e sem limite ou critério. O interesse do procurador não é um interesse subjectivo, que pode mudar conforme a sua vontade. O procurador não pode exercer os poderes que resultam da procuração de acordo com o seu livre arbítrio. Ele “tem que se conformar com o interesse que resulta da relação subjacente, não o podendo violar. Caso o procurador viole o interesse relevante, age em abuso de representação. Isso implica, em primeiro lugar, a aplicação do regime jurídico do art.º 269.º do Código Civil e, em segundo lugar, justa causa para revogar a procuração. Poderá ainda dar causa a responsabilidade civil” (cfr. Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, in A Procuração Irrevogável, Coimbra, 2002, págs. 103 a 105).
Nestas situações de abuso de representação como que ocorre um abuso de direito, o qual existe formalmente para representar outrem, mas cujos poderes são utilizados em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado, ao que a lei reage como se os poderes formais não existissem, mandando aplicar as regras do art.º 268.º sobre a representação sem poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (cfr. Heinrich Horster, in A Parte Geral do Código Civil Português, Coimbra, 1992, pág. 489).
Porém, em qualquer destas situações “é indispensável que haja representação e que o representante tenha conscientemente excedido os seus poderes” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 249).
No caso dos autos, os réus construíram a sua defesa começando por invocar a nulidade da procuração por simulação, o que equivale a negar a validade da sua representação no negócio celebrado, que também arguiram de nulo por simulação.
Não havendo, na sua óptica, representação, também não pode haver abuso de representação, visto que para haver abuso é indispensável que haja representação.
Por isso, é contraditória, com a posição anteriormente assumida, a invocação, em sede de recurso, do abuso de representação.
A alegada simulação da procuração foi apreciada e indeferida na sentença recorrida, com o que se conformaram os réus, visto que não a impugnaram, nesse parte, no recurso que interpuseram. E a configuração do abuso de representação que fizeram nas alegações de recurso não pode aqui ser atendida.
Existindo procuração, tal como consta do n.º 1 dos factos provados, também não é lícito falar em representação sem poderes, tanto mais que o contrato-promessa foi celebrado com base naquela procuração, como nele é referido, de forma bem explícita, logo na 1.ª cláusula, onde se afirma que o primeiro outorgante, H…, agiu como “procurador constituído pelo instrumento arquivado sob o número 102, e registado a fls. 31 do livro 9 do ano 2001 do 8.º Cartório Notarial do Porto, e em nome dos seus representados…” (cfr. factos provados sob o n.º 2).
Nessa procuração, consta que os aqui réus, representados no contrato-promessa de compra e venda, constituíram seu procurador o H…, conferindo-lhe “poderes para prometer vender e vender o prédio urbano – Moradia número … – Lote C – … …pelo preço e condições que entender convenientes, receber e dar quitação do preço outorgar e assinar os respectivos contratos de promessa de compra e venda e escritura…” Mais declararam que tal procuração é irrevogável “em virtude de ter sido conferida também no interesse do mandatário pelo que poderá fazer negócio consigo mesmo”.
Ao constituírem, deste modo, seu mandatário o referido H…, os réus estavam a conferir-lhe poderes para prometer vender e vender o imóvel que acabou por constituir o objecto do contrato-promessa de compra e venda, pelo preço e condições que entendesse convenientes, podendo fazer negócio consigo mesmo, sendo conferida no seu interesse, pelo que declararam que a procuração assim outorgada era irrevogável, nos termos do n.º 2 do art.º 1170.º do Código Civil, como fizeram constar nela.
Nessas condições, está incluída, sem qualquer dúvida, a cláusula penal que acordou com o promitente comprador e que ambos incluíram na cláusula 8.ª do referido contrato-promessa, com uma dupla função: coercitiva e ressarcidora, pois nela foi prevista uma indemnização para os casos de mora e de incumprimento desse mesmo contrato, celebrado com os poderes conferidos através da aludida procuração. Tal indemnização, fundada na aludida cláusula contratual penal, é acessória e complementar da obrigação principal de celebração do contrato prometido, como medida compulsória para compelir os outorgantes à mencionada celebração.
Não faz, assim, sentido falar em falta de poderes, nem em abuso de representação e invocar a violação do disposto nos art.ºs 268.º e 269.º, ambos do Código Civil, como fizeram os réus/recorrentes em sede de recurso.
Aliás, em bom rigor, esta questão apenas foi suscitada nesta sede, embora na sentença se aluda à invocação pelos réus da falta de poderes para fixar a aludida cláusula penal, mas que não foi suscitada nos articulados, pois a falta de poderes foi alegada na perspectiva da simulação em que os réus se refugiaram, a qual, só por si, afasta a tese do, agora por si, denominado “excesso de representação”.
Tratando-se de questão nova e não sendo de conhecimento oficioso, jamais poderiam obter êxito nesta sua pretensão, pois, como é sabido, os recursos visam reapreciar questões apreciadas pelo tribunal de que se recorre e não conhecer de questões pela primeira vez.
De resto, os factos provados não demonstram qualquer “excesso de representação” ou de “abuso dos poderes de representação”, sendo que competia aos réus alegar os respectivos factos e prová-los, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, o que não lograram fazer.
Improcedem, por conseguinte, as correspondentes conclusões.

2.3. Da cláusula penal

É indubitável que a cláusula a que se vem aludindo – 8.ª do contrato-promessa descrito no n.º 2 dos factos provados - reveste a natureza de cláusula penal, a qual pode ser definida como a estipulação negocial em que uma das partes se obriga antecipadamente, perante a outra, caso não cumpra a obrigação ou não a cumpra exactamente nos termos devidos, ao pagamento de uma quantia pecuniária, a título de indemnização (cfr. A. Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 44 e Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, pág. 136).
Como tal foi denominada, assim foi qualificada na sentença e com essa qualificação se conformaram as partes, as quais apenas pugnam pela sua manutenção integral (o autor) ou pela sua redução (os réus).
O direito de estipular tal cláusula é manifestação do princípio da autonomia privada constitucionalmente tutelado e da liberdade contratual afirmada no art.º 405.º do Código Civil, segundo a qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, bem como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais contratos típicos.
A mesma está regulamentada pelos art.ºs 810.º a 812.º do Código Civil.
Tradicionalmente, a cláusula penal reveste duas modalidades: compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento; moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento.
Em função do escopo visado pelos contraentes, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória.
A dupla função que a cláusula penal é normalmente chamada a exercer, no sistema da relação obrigacional, é explicitada pelo Professor Antunes Varela do seguinte modo:
“Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional... A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal” (Das Obrigações em Geral, 5.ª ed., págs. 137 e 138).
O Professor Calvão da Silva também define a cláusula penal como “A estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória”. E refere, ainda, que “Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer (sic) que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.
No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto (…) o que significa que o devedor, vinculado à clausula penal, não será obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor com o seu incumprimento ou cumprimento não pontual, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente e negocialmente através daquela, sempre que não tenha sido pactuada a ressarcibilidade do dano excedente (art. 811.º-2)”.
Por sua vez, a segunda função (a coercitiva) constitui um “poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação”, já que “o carácter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito. Esta maior onerosidade do incumprimento é de natureza a incitar o devedor a realizar a prestação devida, dada a ameaça de sanção que sobre si recai em caso de inadimplemento e, assim, reforça e garante realmente a obrigação principal, exercendo pressão sobre o devedor no sentido do seu cumprimento” (cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, págs. 247 a 250).
Como já se disse, a cláusula penal resulta de um acordo das partes, celebrado no âmbito do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, revista e actualizada, pág. 75).
Reveste uma função, fundamentalmente, ressarcitiva e tarifada, de natureza compulsória, actuando como meio de pressão sobre o devedor, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, com vista ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu, mas cujos danos advenientes do seu incumprimento ou mora, em consequência da inexecução da obrigação ou da violação do contrato, não importa averiguar, nem determinar o seu montante, na hipótese da sua verificação, e bem assim como, igualmente, o respectivo nexo causal (cfr. acórdão do STJ de 24/4/2012, processo n.º 605/06.6TBVRL.P1.S1, disponível em ww.dgsi.pt e o nosso acórdão de 15 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 2015/09.4TBPFR.P1, que aqui seguimos e quase que reproduzimos nessa parte).
A cláusula penal em questão pode classificar-se, simultaneamente, como moratória e compensatória, na medida em que foi estipulada para os casos de mora e de incumprimento e, em função do escopo visado pelos contraentes, como cláusula compulsória e ressarcitória.
Resultando da liberdade contratual dos contraentes e não tendo sido demonstrado qualquer vício do contrato celebrado, deve o mesmo ser pontualmente cumprido, tornando-se o devedor que falte culposamente ao cumprimento da sua obrigação responsável pelo prejuízo que cause ao credor (art.ºs 406.º, n.º 1 e 798.º, ambos do Código Civil).
Os factos provados revelam bem a mora, assim como o incumprimento definitivo, pois que o contrato prometido não só não foi celebrado no prazo estipulado na cláusula 6.ª, como deixou de o poder ser na medida em que o bem prometido vender foi vendido a terceiros pelos réus, tornando deste modo impossível esta sua prestação.
Para além de se constituírem em mora, os réus incumpriram definitivamente o contrato-promessa, o que determinou a sua resolução, como foi decidido na sentença recorrida, nessa parte não impugnada.
Assentes as causas de funcionamento da cláusula penal, a mesma só podia deixar de operar se os réus alegassem e provassem que agiram sem culpa, visto que esta se presume (art.ºs 344.º, n.º 1 e 799.º, n.º 1, ambos do Código Civil).
Ora, os réus não provaram, nem sequer alegaram correctamente, quaisquer factos que permitissem ilidir essa presunção de culpa.
Por isso, não podem ver afastada a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização prevista na referida cláusula penal.
De resto, no recurso, pugnam apenas pela sua redução para valor não superior a 10.000,00 €, o que pressupõe, obviamente, a sua responsabilidade pelo respectivo pagamento.
Já o autor sustenta, no recurso que interpôs, que a aludida cláusula não deve sofrer qualquer redução.
Chegamos, assim, ao último tema recursório, suscitado em ambos os recursos, pelo que vamos tratá-los conjuntamente.
O art.º 812.º do Código Civil permite a redução equitativa da cláusula penal nos seguintes termos:
1. A pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer disposição em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
Em face da natureza e da razão de ser da cláusula penal, supra enunciadas, tem-se entendido que o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação dos danos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes, já que a mencionada prefixação visa prescindir de averiguações sobre essa matéria.
Por isso mesmo, também se vem entendendo e decidindo que o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recai sobre o devedor (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 17/11/98, de 9/2/99, de 5/12/2002, na CJ – STJ -, ano VI, tomo III, pág. 120 e VII, I, 99 e Sumários, 2002, 10, respectivamente, e de 12/9/2013, processo n.º 1942/07.8TBBNV.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Do mesmo modo, a doutrina e a jurisprudência dominantes vêm entendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art.º 812.º, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização (cfr., neste sentido, nomeadamente, Pinto Monteiro, em Cláusula Penal e Indemnização, págs. 735-737; Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., pág. 81; Calvão da Silva, em Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 275; os Acs. do STJ de 17/2/98, na CJ – STJ -, ano VI, Tomo I, pág. 72 e no BMJ n.º 474, pág. 457, de 30/9/2003, de 20/11/2003, de 17/5/2012 e de 24/4/2012 in http://www.dgsi.pt/jstj processos n.ºs 03A3514, 03A1738, 3855/05.9TVLSB.L1.S1 e 605/06.6TBVRL.P1.S1; e desta Relação de 8/4/91, de 23/11/93 e de 26/1/2000, na CJ, respectivamente, Ano XVI, tomo II, pág. 256, XVIII, V, 225 e XXV, I, 205).
No presente caso, a redução foi solicitada pelos réus logo na contestação e insistem nela no recurso, pretendendo que a cláusula penal seja ainda mais reduzida, pelo que não se coloca o problema do seu conhecimento.
Em causa está apenas a questão de saber se há lugar à redução e, na afirmativa, para que montante.
Dado que a redução prevista no citado art.º 812.º limita os princípios gerais da autonomia privada e da liberdade contratual, tem de ser ponderada e cuidadosamente exercida, sempre dentro dos limites legais, só podendo o juiz intervir quando for solicitado para tal e reconheça que a cláusula é “manifestamente excessiva”, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência.
Aquele preceito confere ao juiz o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir, a cláusula penal manifestamente excessiva, exigindo, para tanto, que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada, devendo cingir-se o objectivo de tal intervenção à protecção do devedor contra efeitos exorbitantes e abusivos da cláusula, sem lesar o direito do credor, pelo que, em princípio, não deverá intervir perante um caso de uma cláusula penal simplesmente excessiva.
Sobre esta matéria, o Professor Calvão da Silva escreveu:
“O controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se, tão só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades de credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos….
Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente” (in obra citada, págs. 272 e 273).
E acrescenta:
“A decisiva condição legal de intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, «enorme», que «salte aos olhos». Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si.” (in obra citada, pág. 274).
Para concluir:
“Do que fica dito, é claro que o juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva. Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo) ao dano efectivo não é proibida pela lei, não tendo o juiz poder para a reduzir. Do mesmo modo, a ausência de dano, por si só, não legitima a intervenção judicial.
Exige-se, como pressuposto e condição da intervenção judicial, que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada” (in obra citada, págs. 276 e 277).
O mesmo entendimento tem perfilhado a melhor jurisprudência, como resulta da já referida, designadamente do acórdão do STJ de 24/4/2012, também citado pelo autor nas suas alegações, de que, com a devida vénia e sem pretendermos ser enfadonhos, aqui transcrevemos os seguintes extractos:
“Destinando-se a cláusula penal a reforçar o direito do credor ao cumprimento da obrigação, a indemnização devida será aquela que tiver sido prevista na pena convencionada, mais gravosa para o inadimplente do que, normalmente, seria[15], que, em princípio, deve ser respeitada, dado o seu caráter «a forfait», e por corresponder à vontade conjetural original das partes, sendo certo que só, em casos excepcionais, deve ser reduzida, com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas, «manifestamente excessivas», francamente, exageradas, face aos danos efectivos.
A fim de não serem anuladas as vantagens da cláusula penal, respeitando-se a sua intangibilidade, o tribunal não só não deve fixar a pena abaixo do dano do credor, como nem sequer deverá fazê-la coincidir com os prejuízos efectivos verificados, porquanto a redução da pena destina-se, tão-só, a afastar o seu exagero e não a anulá-la[16].
Efectivamente, o devedor não pode, em princípio, pretender pagar uma indemnização inferior ao valor da pena convencional fixada, com exceção, caso em que esta pode ser reduzida, de acordo com a equidade, da situação em que a mesma seja, manifestamente, excessiva[17], ou, extraordinariamente, excessiva, mas não em função do dano efectivo ocorrido que, aliás, o credor não tem de demonstrar, não podendo ter lugar uma intervenção judicial sistemática, sob pena de se arruinar o legítimo e salutar valor correctivo da cláusula penal e de se subestimar o seu caráter «a forfait»[18].
Na verdade, considerando que a cláusula penal não é independente da indemnização, antes fixa a indemnização exigível, mesmo a cláusula penal, manifestamente, excessiva, não pode ser reduzida, oficiosamente, pelo Tribunal, consoante decorre do preceituado pelo artigo 812º, nº 1, do CC, sob pena de violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum»[19], devendo antes a sua redução ser solicitada pelo devedor interessado, por via de acção ou de reconvenção, ou de defesa por exceção, a deduzir na contestação, mas não, apenas, na fase de alegações, uma vez que para os negócios usurários, em geral, se prescreve o regime da anulabilidade e não o da nulidade, atento o disposto pelo artigo 282º[20], não se justificando, assim, a redução oficiosa, em face do regime legal da anulabilidade, que apenas é invocável pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, com base no preceituado pelo artigo 287º, ambos do CC.
No exercício do seu equitativo e excecional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente, excessiva, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.”(2)

Revertendo ao caso destes autos e tendo presente os factos provados, importa considerar que:
As partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel a que atribuíram o valor de 400.000,00 €.
E estipularam, a título de cláusula penal, para o respectivo incumprimento por qualquer uma delas, a indemnização de 175.000,00 €.
Tal imóvel tinha, à data da celebração daquele contrato, o valor de mercado de 279.822,00 €.
O facto de o preço contratado ser superior a este valor é irrelevante para o caso, porquanto aquele foi acordado no âmbito da liberdade contratual das partes, sendo elas totalmente livres e sabendo-se que para a sua formação contribuem vários factores, designadamente a situação económica e social dos outorgantes, que se desconhece, os seus interesses, que também se desconhecem, com excepção do que os factos provados revelam relativamente à espera do autor na celebração do contrato definitivo, a situação jurídica do bem prometido vender e as demais condições contratuais.
Quanto a estas, ficou provado que se encontravam pendentes duas acções judiciais, que tinham por objecto o prédio prometido vender, tendo, por isso, os contraentes acordado na condição resolutiva do contrato que consistia em ficar sem efeito no caso de os promitentes vendedores ficarem afectados no seu direito de propriedade sobre aquele bem; e que a escritura só seria marcada no prazo de 45 dias após o trânsito em julgado da decisão da última acção, o que ocorreu em 30/4/2009, portanto, mais de cinco anos após a celebração do contrato-promessa.
Só que a prestação principal devida, emergente deste contrato, no sentido da emissão da declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido não chegou a ser cumprida, pois, ainda antes do prazo fixado para a sua celebração, os promitentes vendedores venderam a terceiros o bem que haviam prometido vender ao autor.
A cláusula penal estipulada, para a hipótese de incumprimento contratual de qualquer um dos contraentes, no montante de 175.000,00 €, repete-se, é inferior ao valor real do prédio.
E foi prevista tanto para os casos de mora e incumprimento por parte dos promitentes vendedores como pelo promitente comprador.
Acontece que, enquanto este aguardava pela celebração do contrato definitivo, aqueles tornaram impossível a sua celebração.
A aludida condição resolutiva é manifestamente irrelevante para efeitos de qualquer redução da cláusula penal, pois não chegou a verificar-se, como é óbvio, e, apesar de acautelar a posição do autor no contrato-promessa de compra e venda, é mais do que razoável e justa, pois não passaria pela cabeça de ninguém assumir obrigações de compra de um imóvel depois de saber que ele era objecto de litígios judiciais em que se discutia o direito de propriedade sobre o mesmo.
Irrelevante é também a falta de sinal, pois, existindo, certamente, seriam exercidos os direitos conferidos pelo art.º 442.º do Código Civil.
Também não releva o facto de o autor nada ter despendido, pois a ausência de dano não legitima a intervenção judicial.
E não se vislumbra, em face dos factos provados, únicos que importa considerar, qualquer ofensa do princípio da boa fé, por parte do promitente comprador que se limitou a aguardar pelo cumprimento do contrato que havia celebrado com os promitentes vendedores, mas que não logrou obter por culpa exclusiva destes últimos, aqui réus.
Estes não provaram, como lhes competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil factos integradores da excepção alegada, por forma a poderem beneficiar da redução da cláusula penal.
Assim sendo, a cláusula penal convencionada não pode ser considerada extraordinária ou manifestamente excessiva.
Ainda que pudesse considerar-se excessiva, não é manifestamente excessiva para poder ser reduzida equitativamente pelo tribunal.
Antes deve ser mantida tal como foi acordada, em obediência aos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual e em respeito à função e razão da sua existência.
Não sendo tal cláusula penal manifestamente excessiva, a sua redução colidiria com a necessária preservação do seu valor cominatório e dissuasor.
Falecem, deste modo, os argumentos utilizados na sentença recorrida para a decretada redução e, por maioria de razão, a redução sustentada pelos réus

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação dos réus, mas procedem as conclusões da apelação do autor.

Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do NCPC:
1. As declarações de parte absolutamente favoráveis a quem as prestou não fazem prova dos factos por si alegados, tal como não fazem os depoimentos prestados por testemunhas com interesse na decisão da causa, em sentido contrário ao conteúdo de uma procuração outorgada em cartório notarial.
2. O mandatário que outorga num contrato-promessa e em que estipula uma cláusula penal, em nome e em representação dos mandantes, no exercício de poderes conferidos para prometer vender e vender um imóvel pelo preço e condições que entender convenientes, não age sem poderes de representação nem com abuso de representação.
3. A cláusula penal resulta do acordo das partes, celebrado no âmbito dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização.
4. A redução equitativa da cláusula penal não é de conhecimento oficioso, dependendo sempre de pedido do devedor da indemnização, o qual tem também o ónus de alegar e provar, por via de acção, excepção ou reconvenção, os factos que eventualmente integrem excesso manifesto da cláusula convencionada.
5. O juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal, quando ela se revele extraordinária ou manifestamente excessiva e não quando se trate de uma cláusula penal meramente excessiva.
6. Não é susceptível de ser qualificada como manifestamente excessiva a cláusula penal, moratória e compensatória, com função compulsória e ressarcitória, em que a pena seja superior ao dano, colidindo a sua eventual redução com a necessária preservação do seu valor cominatório e dissuasor.

III. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:
A) Julgar a apelação dos réus totalmente improcedente;
B) Julgar a apelação do autor procedente e, em consequência, condenar os réus a pagar ao autor a quantia de 175.000,00 € (cento e setenta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, revogando, assim, nesta parte, a sentença recorrida e mantendo o demais nela decidido.
*
Custas das apelações pelos réus.
*
Porto, 27 de Janeiro de 2015
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
_____________
(1) Relembre-se que, no anterior acórdão, havia sido rejeitada porque se entendeu que os recorrentes não tinham observado todos os ónus impostos pelo art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, do NCPC, aqui aplicável.
(2) [15] Antunes Varela, RLJ, Ano 121º, 221.
[16] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 596.
[17] Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983, 2º, 459.
[18] Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, 2007, 273 e 276; Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, 140 a 142; STJ, de 17-2-1998, BMJ nº 474, 457; STJ, de 7-11-1989, BMJ nº 391, 565.
[19] Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, 2007, 275 e nota (502).
[20] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 81 e 82.